Mercado livre de energia
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Por Roberto Rockmann — Para o Valor, de São Paulo


Em 1º de janeiro de 2024, o mercado livre de energia elétrica mudará de patamar, permitindo que todas as empresas ligadas à alta tensão possam escolher seu fornecedor de energia, segundo regulação do governo federal divulgada no fim do ano passado. A decisão permitirá que o ambiente de livre comercialização, que hoje reúne pouco mais de 11,5 mil empresas e responde por um terço do consumo do país, possa mudar de tamanho e receber mais de 70 mil empresas, segundo estudo recente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

A abertura, a maior da história do segmento - cuja primeira migração foi registrada em novembro de 1999, com a adesão de uma unidade da Carbocloro, em Cubatão (SP) -, já movimenta as empresas. Um exemplo é a Eletrobras, que centralizou recentemente suas operações de comercialização após a capitalização em 2022 e agora busca uma forma de ampliar sua receita. “Estávamos acostumados a que os clientes viessem a nós, e agora estamos buscando ir atrás deles”, afirma o presidente da companhia, Wilson Ferreira Jr.

De 1999 até agora, o mercado livre cresceu com base em grandes clientes como Vale, Gerdau e Volkswagen, em que o tíquete médio de ingresso era uma conta acima de R$ 50 mil mensais. A partir do próximo ano, esse tíquete deve cair para pelo menos R$ 5.000 por mês. A chegada de empresas menores significará que as companhias de energia elétrica precisarão transformar seu modo de atuação, com avanço da digitalização e uma comunicação mais simples. Um exemplo está em Minas Gerais. A Cemig lançou há poucas semanas um sistema de e-commerce que oferece aos clientes a possibilidade de simular e contratar energia renovável com desconto de até 35% na fatura mensal. “O mercado livre de energia agora está disponível para todas as unidades conectadas à alta tensão, que já podem garantir a compra de energia e migrar a partir de janeiro de 2024”, afirma Dimas Costa, diretor da Cemig Comercialização.

Não há estimativas nem do mercado nem do governo sobre a adesão no próximo ano, mas como as migrações têm de ser anunciadas com seis meses de antecedência para as distribuidoras, desde junho já há consultas de interessados no processo. “Já começam as adesões”, diz o presidente da Associação Brasileira das Comercializadoras de Energia Elétrica (Abraceel), Rodrigo Ferreira. A entidade criou um site em julho para receber reclamações relacionadas ao processo. Já são mais de 140 críticas recebidas.

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As empresas também buscam ampliar o leque de serviços, tendo a agenda ESG como centro de estratégias. No início deste mês, a Comerc, adquirida em 2021 pela Vibra, uma das maiores no setor de distribuição de combustíveis, lançou uma mesa de operações de créditos de carbono. “Temos visto muitas empresas médias querendo entender como podem reduzir suas emissões”, diz o presidente da empresa, André Dorf. A companhia, por meio de um investimento em uma startup, oferece uma ferramenta de automação de inventário de carbono com base em algoritmos. “Esse é um processo que pode custar mais de R$ 50 mil e levar meses, mas com essa ferramenta é feito de forma rápida e ofertado de graça para os clientes.”

A abertura parcial em janeiro de 2024 coincide com discussões sobre uma abertura total do mercado brasileiro. Hoje, pouco mais de 85 milhões de consumidores participam do mercado cativo, ou seja, são atendidos por distribuidoras locais. Tramita no Congresso o Projeto de Lei (PL) 414, que trata da abertura da baixa tensão (residências) a partir de 2026. O PL, no entanto, não tem definido seu trâmite. Abrir todo o mercado depende do equacionamento de uma questão complexa: o custo do movimento e a sustentabilidade das distribuidoras, que mantêm contratos de longo prazo no modelo antigo.

O atual modelo, estabelecido em 2004, fixa que os geradores ofertam para distribuidoras contratos de longo prazo, de 25 a 35 anos, o que também contribui para financiar os projetos. São os chamados contratos legados. Alguns vão até 2054. Ampliar esse segmento implica resolver os contratos legados e o papel das distribuidoras, ponto que está em debate, pois o governo abriu uma consulta pública para discutir contratos de renovação de distribuidoras que vencerão entre 2025 e 2031.

Quanto mais se amplia o mercado livre, maior fica a conta para quem se mantém no ambiente de contratação regulada. O Ministério da Economia encomendou um estudo para a consultoria PSR sobre o tema em 2022. Foram feitas simulações, e uma das ideias era sugerir eventual tratamento para os contratos legados das distribuidoras. Uma proposta foi a criação de um encargo a ser cobrado entre consumidores cativos e livres. “A sustentabilidade da abertura é um ponto nevrálgico, assim como definir ferramentas para a modernização que já está ocorrendo”, diz o presidente da PSR, Luiz Barroso.

Essas discussões poderão ganhar ímpeto a partir de 24 de julho, quando se esgota o prazo para as contribuições da consulta pública que discute as regras do processo da renovação ou não das concessões vincendas de distribuição entre 2025 e 2031. Essas empresas respondem por cerca de 60% do mercado nacional, incluindo as duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro. Na nota técnica que fundamenta a consulta, o governo federal indica que a abertura é “inevitável”. As discussões sobre o tema deverão ganhar corpo. Poderão orientar os próximos passos da abertura total do mercado livre, na agenda do setor desde 1999.

O tratamento para o término dos contratos será estratégico para orientar o perfil da concessão e os investimentos nas próximas décadas. Os grupos Enel, CPFL, Neoenergia e EDP respondem conjuntamente por 81% do mercado vincendo, segundo análise de Diogo Romeiro, pesquisador no Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ceri).

“É muito importante que haja um quadro claro de regras. É um ativo que exige investimento contínuo e que vive uma transformação com novas tecnologias, com um cenário muito diferente de quando esses contratos foram assinados na década de 1990”, diz o presidente do grupo Enel no Brasil, Nicola Cotugno. Para Joisa Dutra, diretora do FGV/Ceri, a questão relevante em relação à conveniência de licitar ou renovar a concessão de distribuição é como adaptar o contrato ao cenário de transformação do setor, ou seja, qual é o modelo contratual adequado para enfrentar desafios do futuro em um setor que vive sob o prisma da descentralização, digitalização, descarbonização e democratização com o empoderamento do consumidor. “O término da vigência da outorga oferece oportunidade ímpar para revisitar direitos e obrigações, criando soluções sustentáveis na prestação dos serviços”, afirma Dutra.

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