A abertura do mercado de energia elétrica para todos os consumidores de alta tensão - o chamado “grupo A” - em janeiro de 2024 já provoca forte competição entre distribuidoras e comercializadoras. A despeito da disputa, a mudança provocará um impacto sistêmico na cadeia produtiva. Estima-se que somente a economia gerada pelos clientes deste grupo possa criar 203 mil empregos diretos e indiretos.
A estimativa foi feita pela Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) a partir do cálculo da economia potencial destes consumidores no mercado livre. A entidade projeta a capacidade que terão de reinvestir no próprio negócio, expandir e contratar pessoal diretamente, mas também o impacto indireto na cadeia de fornecedores, assim como o efeito na renda do consumo das pessoas empregadas na atividade econômica, com base em modelos de geração de renda.
As comercializadoras, além dos investimentos em tecnologia, realizam contratações. “As empresas estão investindo pesado na formação de recursos humanos, agentes autônomos, para visitar empresas no Brasil inteiro, assim como em tecnologia, criando sistemas para que os clientes possam de forma remota gerenciar o seu consumo e contratar produtos. São esforços para facilitar a interação comercial”, afirma o presidente da Abraceel, Rodrigo Ferreira.
Existem, atualmente, 514 comercializadoras registradas na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Destas, 75 estão habilitadas como varejistas, além de outras 42 no mesmo segmento em processo de habilitação. Na prática, o comercializador varejista pode representar o consumidor na CCEE e podem ajudá-lo na transição para o mercado livre. A Abraceel estima que cerca de 180 mil consumidores poderão migrar para o mercado livre a partir de janeiro. Hoje, são 30 mil.
A abertura do mercado tende a resultar em maior competição, redução de preços e numa customização do produto eletricidade às demandas dos clientes. “O nível de competição está bastante elevado, com comercializadoras independentes competindo com comercializadoras de grandes grupos de geração e ambos com instituições financeiras”, diz o presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso.
Marco Delgado, conselheiro da CCEE, considera que a abertura representará uma mudança de paradigma para comercializadoras, com desafios para a operação e a atração de clientes. “Chegamos a um momento crucial. Muitas empresas estão expandindo suas operações para atender ao mercado de alta tensão, estruturando plataformas de negociação de energia com clientes, aprimorando tecnologias e direcionando recursos para a comunicação e publicidade”, diz.
A Ecom Energia busca mil representantes regionais para atuar no mercado livre até o fim deste ano, informa a empresa. A Ludfor, baseada no Sul do país, anunciou a migração da comercializadora para São Paulo, já que o maior consumo em contratação livre fica no Sudeste e no Centro-Oeste. “Isso nos colocou em posição estratégica para migrar nossa matriz comercializadora em 2023 e ampliar a atuação e a concorrência no segmento”, afirma o diretor executivo da Ludfor, Douglas Ludwig.
No caso da Comerc, o trabalho para atrair novos consumidores já está “de vento em popa” desde o ano passado, segundo o presidente da empresa, Christopher Vlavianos. “A gente tem de se antecipar a esse movimento”, afirma. Ele conta que a companhia está com vários contratos fechados e segue fazendo a adesão de novos consumidores para a migração a partir de janeiro.
“Há uma consolidação no mercado e as empresas estão buscando cada vez mais robustez financeira e operacional. Algumas comercializadoras estão buscando ativos de geração, para originar energia para comercializar e para servir como proteção física a riscos financeiros. Também observamos muito investimentos em tecnologia que, para atuar no varejo, é essencial. Por fim, há algumas buscando conhecer, atrair e capturar potenciais clientes futuros desde já”, diz o presidente da PSR.
De forma geral, as comercializadoras preparam-se para navegar, a partir de janeiro, num mundo mais parecido com o varejo do que o atacado. A quantidade de clientes será maior. O risco de crédito, maior. A nova dimensão obriga ajustes nas formas de transação, análises de risco, comunicação, marketing e atendimento. E, neste cenário, investir em tecnologia e sistemas torna-se essencial.
Para o diretor de comercialização da Engie Brasil Energia, Gabriel Mann, sistemas e soluções que favoreçam clientes aptos a migrar ao ambiente livre são essenciais. Ele cita a plataforma Energy Place, que oferece a compra de energia para curto e longo prazos, estendida aos agentes de contratação livre. Cita, ainda, soluções criadas para facilitar a migração de pequenas e médias empresas do mercado cativo para o livre, como o E-conomiza, que promete contratação de fornecimento de forma simples e direta, desenhada para diferentes perfis de clientes.