Realidade em mercados maduros, como Europa, Ásia e Oceania, a abertura integral do mercado de energia elétrica, o mercado livre, pode fazer parte do dia a dia dos consumidores brasileiros ainda nesta década. Na opinião de Rodrigo Ferreira, presidente executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), essa mudança poderia, em grande parte, acontecer a partir de 2026. Hoje, só tem acesso ao regime de contratação livre (ACL) a unidade consumidora com demanda de, no mínimo, 500 kW.
A abertura total depende ainda de decisões de governo. Uma das sinalizações sobre a necessidade de se adaptar ao novo contexto do setor elétrico está na proposta para renovar as concessões de distribuição, publicada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em 22 de junho para consulta pública. Na nota técnica 14/2023/SAER/SE, o MME contextualiza o novo ambiente de negócios em que a oferta descentralizada ganha espaço e coloca o consumidor como protagonista.
Segundo a Abraceel, o mercado livre de energia corresponde a 39% do total de energia consumida no Brasil. Ferreira observa que, apesar da evolução desde que foi instituído pela lei 9.074, de 7 julho de 1995, esse ambiente de comercialização está restrito a 0,04% dos consumidores.
Em janeiro de 2024, quando entra em vigor a portaria 50/2022, publicada pelo MME, cerca de 106 mil unidades consumidoras poderão optar pelo mercado livre. Na prática, a portaria torna o mercado livre acessível a todos os consumidores atendidos em alta tensão, que inclui a maior parte do comércio de grande porte e da indústria de médio e grande porte.
“Esse acréscimo representa mais ou menos 202 mil consumidores no mercado livre, mas é preciso lembrar que o mercado total de energia tem 90 milhões de consumidores”, diz Ferreira.
Enquanto mercados mais maduros perseguem a descarbonização da matriz energética, Ferreira ressalta que a composição da matriz brasileira é um ativo em termos de sustentabilidade.
“Quando se fala em transição energética, nosso desafio não é igual ao de Europa e Ásia, onde os mercados não são verdes, mas são descentralizados e digitalizados. Nosso grande desafio no que tange à eletricidade não é descarbonizar, é digitalizar e descentralizar, e é aí que entra o mercado livre”, afirma Ferreira.
A expectativa do mercado agora é o avanço da pauta setorial em prol da modernização do setor de energia elétrica. A atenção está voltada para o PL 414/2021, originado no Senado Federal, que está em tramitação na Câmara dos Deputados. A proposta do PL 414 é a abertura total do mercado em até 42 meses, permitindo a migração de todos os consumidores de energia para o regime ACL.
Guilherme Perdigão, diretor de renováveis e soluções de energia da Shell Brasil, também apoia a aprovação e a regulamentação do PL 414 para expandir o mercado livre. Perdigão reconhece a importância da iniciativa para levar o benefício aos consumidores de baixa tensão, mas destaca alguns desafios, como revisão de regime de cobranças. À medida que os clientes de baixa tensão migrem para o regime ACL, será necessário estabelecer, segundo ele, discussões sobre custos cobrados hoje apenas de quem está no regime de contratação regulada.
Na avaliação da Abraceel, há um volume contratado pelas distribuidoras no passado que está acabando agora, criando uma janela de oportunidade. “Já existem mecanismos, em caso de sobra de energia, para evitar prejuízos às distribuidoras. A sobra pode ser rateada entre os consumidores, mas depende de lei”, afirma Ferreira.
Paulo Leme, sócio do Dias Carneiro Advogados, também chama atenção para a complexidade do mercado de energia e o impacto da expansão do mercado livre entre geradores e distribuidores. “Existem desafios legais e regulatórios que precisam ser superados para trazer novos consumidores de forma simples, segura e sustentável, sem esquecer do papel das distribuidoras de energia”, diz Leme.
Diante da perspectiva de expansão do mercado livre, Ademar Cury da Silva, vice-presidente da Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs), defende a importância da expansão das unidades de PCHs na matriz energética. Em relação à energia gerada por fontes renováveis, as PCHs representam 56% do total vendido no mercado livre, de acordo com a Abraceel.
“Defendemos um plano de governo para construir 14 mil megawatts de PCHs entre 10 e 20 anos. Com construção espalhada por diversas regiões, as PCHs se beneficiam da diversidade pluviométrica no país”, diz Silva.