A indústria brasileira de petróleo e gás natural deverá investir entre US$ 5 bilhões e US$ 6 bilhões nos próximos cinco anos em estratégias de descarbonização, com o objetivo de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. O cálculo é do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e leva em conta os investimentos anunciados pelas empresas associadas em iniciativas de baixo carbono. O setor, um dos principais responsáveis pelas mudanças climáticas em razão da exploração de combustíveis fósseis, aposta em uma combinação de tecnologias para reduzir a pegada de carbono nas variadas etapas da cadeia produtiva, mecanismos de compensação das emissões e na diversificação das fontes com a ampliação dos investimentos em energias renováveis.
Um posicionamento do setor nessa direção foi lançado em 2021, durante a da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, Escócia. Nele, o setor assumiu o compromisso de reduzir a intensidade de carbono nas atividades de refino, transporte e distribuição de combustíveis, em linha com o objetivo anunciado pelo governo brasileiro na conferência de alcançar a neutralidade climática em 2050. E desdobrou estratégias de descarbonização em seis pilares, a começar pelo mapeamento das emissões das empresas no Brasil, por meio de inventário setorial.
No primeiro levantamento realizado com cerca de 40 associadas do IBP, foram identificados os quatro segmentos que mais emitem nessa indústria: o downstream (logística primária, distribuição, refino e venda) responde por 44% das emissões; o upstream (exploração, extração e produção do petróleo, além do processamento do gás natural), por 35%; as térmicas, 16%; e o midstream (transporte e logística de insumos, petróleo e gás em navios, oleodutos e gasodutos, além do armazenamento), por 5%. A partir desse estudo, o IBP pretende analisar o impacto das emissões em todo o ciclo para definir metas específicas para os diversos elos da cadeia. De acordo com Roberto Ardenghy, presidente do IBP, o setor caminha para o que ele prefere chamar de convergência energética, em vez de transição - uma vez que não existe o plano, nas próximas décadas, de o mundo abdicar dos combustíveis fósseis.
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A perspectiva mais realista, segundo cálculos da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), prevê que o mundo deve passar de um consumo estimado em 100 milhões de barris/dia para algo entre 57 milhões e 60 milhões de barris/dia. Há segmentos em que a substituição de fósseis por alternativas renováveis é ainda mais difícil, como nos combustíveis de aviação e navegação de longa distância. Além disso, o Brasil quer subir do posto de nono maior produtor mundial para a quinta posição - significa saltar de 3,5 milhões de barris/dia para 5,2 milhões de barris/dia até 2031.
As projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontam que o consumo de derivados de petróleo no Brasil deve partir dos 43% da matriz energética em 2015 para 40% em 2050, em um cenário de crescimento médio do PIB de 3% ao longo do horizonte do estudo; já para o gás natural, a estimativa é sair de 7% para 8%, na mesma base de comparação. Ou seja, o consumo de energia fóssil deve cair, mas não de forma drástica. “O desafio dos próximos anos é ter as diferentes fontes de energia convergindo para uma pegada de descarbonização”, diz Ardenghy.
Relatório lançado em maio pela IEA mostra que reduzir pela metade as emissões do setor até 2030 será primordial para se alcançar o objetivo do Acordo de Paris, que é evitar que a temperatura do planeta se eleve acima de 1,5 ºC. As operações de produção de petróleo e gás respondem por 15% de todas as emissões globais relacionadas ao setor de energia e, segundo a agência, seriam necessários investimentos de US$ 600 bilhões pelos próximos oito anos em cinco áreas prioritárias para reduzir a intensidade de carbono dessa indústria. Isso equivale a uma fatia de 15% dos lucros líquidos registrados pelas empresas de petróleo em 2022, ano de alta rentabilidade no setor.
Entre as ações indicadas pela agência estão corte em emissões de metano, eliminação da queima em “flare” nas plataformas, eletrificação das operações no segmento upstream com fontes de baixa emissão, ampliação de tecnologias de captura e armazenamento e uso do carbono (CCUS) e do hidrogênio verde nas refinarias.
Essas medidas, combinadas com redução no consumo previstas no cenário, resultariam em queda de 60% nas emissões do setor até o fim da década. Seria uma contribuição expressiva: segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, as emissões globais precisam cair 45% até 2030, em relação aos índices de 2019, para se evitar os cenários mais drásticos.
“Sair de uma economia pautada em energia fóssil para a economia de baixo carbono vai levar décadas. Existe a dependência do petróleo e a transição requer políticas de incentivo e investimentos públicos e privados”, diz Guarany Osório, professor e pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVCes). Junto a parceiros, o centro é responsável pela primeira iniciativa local de medição dos gases de efeito estufa nas empresas, o Programa Brasileiro GHG Protocol, criado em 2008. Desde então, a adesão de companhias à mensuração de suas emissões de gases do efeito estufa saltou de 23 inventários em 2008 para 671 em 2021. O número de empresas e organizações participantes cresceu de 23 para 305, no mesmo período.