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Por Arcílio Neto — Jaú, SP


O século XXI tinha acabado de começar e o pequeno Carlinhos só queria saber de jogar bola onde quer que fosse. Seja nas ruas, na grama ou até na terra do distrito rural da Vila Ribeiro, na cidade de Jaú, no interior de São Paulo. O cenário dominado por plantações de cana de açúcar era a morada de um dos seis filhos da Luzenilda e do pastor Carlos.

Carlinhos conta como o pai reagiu ao acerto com Flamengo: "Rapaz, você está no time do Zico"

Carlinhos conta como o pai reagiu ao acerto com Flamengo: "Rapaz, você está no time do Zico"

O tempo passou e o pequeno virou gigante. No alto do seu 1,95 metro, Carlinhos trocou a terra batida pelo gramado do estádio do Maracanã. A bola continua sendo a companheira, mas agora com o uniforme vermelho e preto do Flamengo.

Aos 27 anos de idade, o atacante chegou à Gávea bem cotado após ser vice-artilheiro do Campeonato Carioca deste ano pelo Nova Iguaçu, time pequeno que foi o vice-campeão. Mas não são apenas os nove gols em 14 jogos pelo Laranja Mecânica que fazem Carlinhos ser valioso.

Mesmo que a vida do jogador tenha sido sempre preenchida por futebol, a história dele vai muito além das quatro linhas. O mesmo menino que fugia da igreja para jogar bola teve que dar um tempo no esporte quando foi baleado acidentalmente na perna. Quando adulto, também ficou longe do futebol, mas para cuidar da mãe, que havia acabado de descobrir um tumor na cabeça.

O pequeno Carlinhos, anos antes de se tornar o atacante do Flamengo — Foto: Arquivo pessoal

Estes são apenas alguns dos principais capítulos dessa jornada de 27 anos. Quem vai contar essas histórias, a partir de agora, é o pai do protagonista. Carlinhos tem o mesmo nome do filho e é chamado da mesma forma.

O pastor evangélico de 60 anos, que continua morando na cidade de Jaú, falou com exclusividade ao ge e relembrou alguns dos passos do prodígio rumo ao sucesso.

Da igreja para os campinhos

O novo milênio havia acabado de começar e o pastor Carlos Lima tinha um sonho: que o filho Carlinhos não apenas levasse o mesmo nome dele, mas que também seguisse carreira religiosa, a exemplo do pai.

Porém, o pequeno não deu ouvidos e foi seguir o que se provaria ser sua vocação: o futebol. Carlos pai lembra do desejo que o filho se tornasse pastor por acreditar que haveria mais estabilidade na carreira. Reconhecendo também que é muito difícil um jogador estourar no futebol, por ter diversos fatores envolvidos.

– Eu queria que ele fosse pastor, assim como eu. Mas não teve jeito, ele não largava a bola do pé. Jogava na rua, na grama e até na terra – disse o pai.

Carlinhos ao lado do pai Carlos Lima, o pastor Carlinhos — Foto: Arquivo pessoal

Mas, como lembra Carlos Lima, o filho até fugia da igreja para jogar bola com os amigos. Tudo isso com o próprio pai comandando o culto.

– Com sete anos de idade, o Carlinhos saía escondido da igreja para jogar bola. Eu era pastor e não podia ficar olhando tudo. O pessoal do campeonato escreveu ele, contra a minha vontade. Aí levavam ele da igreja para jogar bola. Ele era pequenininho e fazia muito gol, mas eu não via, porque tinha meus afazeres. Para ele, não tinha nada para fazer, era basicamente só jogar bola. Ele brincava também com estilingue e pescava – relembra o pai sobre os primeiros anos da vida do filho.

O futebol corre no sangue de Carlinhos e isso é de família. Carlos Lima conta que o seu pai, avô do atacante do Flamengo, foi profissional no Valeriodoce, time mineiro de Itabira.

Carlinhos (de amarelo) na versão criança com medalha conquistada no futebol — Foto: Arquivo pessoal

O pastor conta que poderia ter seguido o caminho do pai, mas a mãe não deixou ele jogar. Revelou que era bom de bola, mas caiu na bebedeira.

– Eu vi jogadores se perderem no álcool, naquela época, e até morrendo. Comecei a beber com 11 anos, mas parei há muito tempo – conta Carlos Lima.

O irmão mais novo de Carlinhos, Estevão, também virou jogador profissional. Depois de começar na base do XV de Jaú, o meio-campista de 24 anos está no Araguari, de Minas Gerais.

Carlinhos (de camisa do Bulls) ao lado do irmão Estevão — Foto: Arquivo pessoal

Tiro na perna e o "milagre"

O nascimento de Carlinhos no ano de 1997 foi um evento na pequena cidade de Jaú. Carlos Lima conta que quase todo mundo no município sabia que o filho dele viria ao mundo naquele 12 de fevereiro.

Uma das pessoas presentes em frente ao hospital chegou a dizer ao pai que o menino estava destinado a fazer sucesso. Carlos, que não o conhecia, diz que nunca mais viu este homem e acredita até que possa ser um anjo.

O pai Carlos Lima ao lado dos filhos Carlinhos (de verde), Estevão e José — Foto: Arquivo pessoal

Mas antes do sucesso, veio o maior susto que Carlos teve com o filho, no ano de 2003. O pequeno tinha apenas seis anos de idade e acabou sendo atingido acidentalmente por um tiro de bala dum-dum, que é expansiva e ainda mais potente que os tipos convencionais.

O menino estava na companhia de um colega mais velho, que caçava animais em uma área de mata. O pai conta que os moradores chegaram a ir para cima do rapaz, que disparou acidentalmente, mas Carlos evitou que ele fosse agredido e fez com que o próprio homem levasse Carlinhos ao hospital.

– Ele tinha seis anos, estava em uma região de mata, quando um homem que estava caçando capivaras acertou um tiro acidental no menino, na Vila Ribeiro. O médico tirou raio-x da perna dele e falou: 'olha que milagre. Só trincou o osso'. Foi um milagre que Deus fez na vida dele. Quando vejo ele correndo assim, glorifico a Deus. Era pra ter arrancado a perna esquerda dele – disse o pai aliviado.

A saída do Corinthians

Depois de se recuperar do tiro na perna, Carlinhos voltou a jogar futebol e começou a escrever a carreira de sucesso. O primeiro clube foi o Noroeste, onde o atacante jogou no time sub-15, em Bauru que fica a 40 minutos de Jaú.

Depois, a promessa atuou pelo Santos e se transferiu para o Novorizontino, antes de chamar a atenção do Corinthians. Em 2014, assinou com o Timãozinho e lá ficou até 2020. Em 2017, foi artilheiro da Copinha com 11 gols marcados.

Carlinhos e Pedrinho em jogo do Corinthians pela Copinha — Foto: Rodrigo Gazzanel/Ag. Corinthians

O pai lembra que até o Flamengo teve interesse no jogador em 2014, mas a proposta corintiana foi mais vantajosa, na época.

Porém, Carlinhos teve pouca chance no time principal do Corinthians e foi emprestado para diversos clubes como Oeste, Novorizontino, Vila Nova, Marcílio Dias e Atibaia. Carlos Lima reconhece o baque que foi a saída do Timão e lembra o conselho que deu ao filho na época.

– Você está no Corinthians e de repente você vem para baixo. Tem que ter uma estrutura boa para não ficar deprimido. Falo para ele que a vida é uma roda-gigante, às vezes você está lá em cima, às vezes você está lá embaixo – contou.

Depois, Carlinhos ainda defendeu São Caetano, Santo André, Audax Rio, Juventus-SP, Camboriú e Nova Iguaçu, antes de chegar ao Flamengo, que é o 15° clube da carreira dele.

Carlinhos, pelo Nova Iguaçu, contra Medel e Léo, do Vasco — Foto: André Durão

Desde a chegada ao Mengão, o pai ainda não conseguiu visitar o filho no Rio de Janeiro. Um dos principais motivos é que Carlos Lima tem medo de avião. Quando a saúde da esposa e mãe de Carlinhos melhorar, o pastor conta que pretende fazer uma viagem de carro até a capital carioca para assistir a um jogo do filho.

O tumor da mãe

Uma personagem crucial na história do Carlinhos é a mãe dele. Luzenilda nasceu em Maceió e veio ainda jovem para o interior de São Paulo. Em Jaú, considerada a capital nacional do calçado feminino, ela trabalhou em uma fábrica de sapatos que pertencia ao irmão. A mulher também foi empregada doméstica.

Em 2021 o mundo de Luzenilda e da família desabou. Após ser diagnosticada com labirintite, os remédios não surtiam efeito e a família insistiu com os médicos que fizeram exames mais detalhados. O diagnóstico mudou após ser identificado um tumor, do tamanho de um limão, no cérebro da mulher.

Carlinhos ao lado da mãe Luzenilda — Foto: Arquivo pessoal

Com esse momento tão difícil, Carlinhos decidiu deixar o futebol de lado e focar todas as energias para ajudar a mãe. Como o pai Carlos Lima conta, o jogador recusou propostas e mostrou que, além de bom atacante, também é bom filho.

– O Carlinhos recebeu algumas propostas de times de menor expressão, mas recusou. Ele ficou para para cuidar da mãe dele em casa. Ele ficou uns meses quando ela fez a cirurgia e ele ajudava a olhar ela, dar comida, já que ela não conseguia comer sozinha. O Carlinhos fazia suco para ela – conta o pai.

Luzenilda perdeu totalmente a visão, mas continua mais forte do que nunca. As cirurgias foram bem sucedidas e a mãe de Carlinhos caminha para a cura. Mesmo sem enxergar, a mulher continua acompanhando de perto o filho, sempre ouvindo os jogos dele pela televisão.

A mãe Luzenilda com o filho Carlinhos — Foto: Arquivo pessoal

As finança$ de Carlinho$

A vida simples do começo dos anos 2000 foi melhorando também com a ajuda de Carlinhos, que começou a receber salários melhores, conforme ia subindo de categoria no futebol. O primeiro boom financeiro foi na chegada ao Corinthians, em 2014.

O pai, Carlos Lima, revela que começou a comprar imóveis quando o filho recebeu os primeiros salários na base.

– Desde o Santos ele começou a ganhar e nunca parou de ganhar. Era um pouquinho, mas ganhava. No Noroeste, teve uma fase ruim. No Novorizontino, já melhorou 1000%, aí no Corinthians melhorou 5000% e foi crescendo. Comprei imóveis para ele, porque ele era molecão e eu tinha medo dele gastar todo dinheiro. Ele me dava todo o dinheiro e eu cuidava de tudo. Eu era o contador e o gastador. A criançada tem muita ilusão. É tênis caro, roupa cara, relógio. Hoje ele sabe o que ele quer – contou Carlos Lima.

Carlinhos em apresentação pelo Flamengo — Foto: Marcelo Cortes /CRF

Carlinhos disputou duas partidas com a camisa do Flamengo. Começou como titular contra o Palmeiras, mas foi substituído no intervalo. A outra atuação foi diante do Atlético-GO, quando entrou no segundo tempo.

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