Oscar
Niemeyer doa projeto a negros
Da
enviada a Maceió
O Conselho Geral do Memorial Zumbi, encarregado
de gerenciar um projeto de preservação da serra
da Barriga, local onde ficava o Quilombo de Palmares, existe
desde 1980 em Alagoas. Formado por grupos do movimento negro,
órgãos governamentais e pela iniciativa privada,
o conselho espera conseguir este ano _por ocasião da
comemoração oficial dos 300 anos de morte de
Zumbi, no próximo dia 20 de novembro, em União
dos Palmares_ os recursos necessários para iniciar
o seu chamado ''Plano de Manejo''.
Zezito de Araújo, 43, membro do conselho, historiador
e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), disse
à Folha, em entrevista em Maceió, que o objetivo
do projeto é ''reconstituir a história do cidadão
negro brasileiro a partir do Quilombo de Palmares e transformar
a serra da Barriga em pólo de peregrinação
e etnoturismo''.
Sem verba para atuar, o conselho só conseguiu de concreto
até agora um projeto arquitetônico executado
por Oscar Niemeyer, a ser instalado na serra da Barriga. O
projeto foi doado por Niemeyer ao movimento negro. A entrega
oficial acontecerá no próximo dia 20, em União
dos Palmares. (MARILENE FELINTO)
Folha - O que é o Plano de Manejo da serra da
Barriga?
Zezito Araújo - O Plano de Manejo existe desde
87 e inclui a recuperação da flora e da fauna
da região, estudos arqueológicos, de utilização
do solo e de assentamento ou exclusão da população
local. Por enquanto, a Ufal é que tem executado esse
trabalho.
Folha
- O que é exatamente um projeto de ''etnoturismo''?
Araújo - O Conselho Geral do Memorial Zumbi,
cujo presidente é Abdias Nascimento (escritor e artista
plástico), pretende realizar diversas iniciativas para
reconstituir a importância histórica de Palmares
e do líder Zumbi. Uma delas é estabelecer essa
nova vertente da viabilização da serra da Barriga
como local de interesse turístico, capaz de resgatar
a memória do negro brasileiro e representar o holocausto
sofrido pelos negros, que foi muito maior do que a diáspora
sofrida pelos judeus.
Folha
- Que iniciativas já foram tomadas?
Araújo - Há o conjunto arquitetônico
de Oscar Niemeyer que pretendemos instalar na serra da Barriga
e estudos propostos por alunos da Ufal. Desse conjunto constariam
um monumento a Zumbi dos Palmares, um museu do negro, um complexo
hoteleiro e um centro cultural e de estudos. Outra idéia,
ainda em fase de concepção, é a de captar
recursos, inclusive no exterior. Eles serviriam para mandar
para a Holanda, por exemplo, alguns pesquisadores preocupados
não só em estudar os documentos holandeses que
tratem desse assunto, como em formar pessoas nessa área
de estudo. Precisamos de gente que possa aprender holandês
e queremos contratar especialistas que transcrevam documentos
do holandês do século 17 para hoje.
Folha
- Já existe verba destinada a isso?
Araújo - Quase nenhuma. Nossa grande dificuldade
é obter verbas. Estamos tentando sensibilizar a sociedade
brasileira para esse problema.
Folha
- O sr. é do grupo de arqueólogos que realiza
escavações na serra da Barriga. Como está
o trabalho?
Araújo - Faço parte desse projeto, que
é coordenado pelo professor Pedro Paulo Funari, da
Universidade de Campinas, e pelo professor Charles Orser,
da Universidade de Illinois (EUA). As pesquisas estão
paradas. A primeira etapa de campo foi feita em 1992, depois
de um levantamento de superfície, identificando o potencial
arqueológico da região. Fomos muito felizes,
porque descobrimos objetos que identificavam a presença
de populações. Encontraram-se cerâmica,
potes e vestígios de fogueiras. Os estudos dos vestígios
ainda estão em andamento. O grande desejo é
encontrar um cemitério ou esqueletos de quilombolas,
porque aí seria mais fácil identificar a sociedade
que vivia ali. Essa mesma pesquisa foi feita com sucesso em
fazendas de escravos negros nos Estados Unidos.
Folha
- A pesquisa arqueológica vai reconstituir o que
falta da história do quilombo?
Araújo - Não, porque falta quase tudo.
Há uma necessidade premente de se estudar a formação
social de Palmares. Temos poucos elementos sobre isso, sobre
o cotidiano desse povo, cerca de 30 mil pessoas, considerando
toda a área do quilombo, de quase 300 quilômetros,
uma área enorme. É preciso também levar
em conta o fato de que os relatórios das expedições
holandesas e portuguesas eram às vezes grandes mentiras,
feitos para ganhar os prêmios que a coroa dava aos chefes
das expedições. O próprio Décio
Freitas e o Clóvis Moura fazem essa ressalva. Então,
só se tem uma idéia do que era Palmares. No
entanto, a grande vitória dos intelectuais mais progressistas
do Brasil, juntamente com o movimento negro organizado, nessas
últimas décadas, foi reconhecer Palmares como
um local em que cidadãos livres tentavam construir
uma forma alternativa de sociedade. Esse processo de reversão
da história de Palmares foi um grande avanço.
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do negro
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