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Por Martha Funke — De São Paulo


Transparente, presente em quase tudo e indispensável, a digitalização transformou hábitos e hoje indivíduos, empresas, governos e sociedades, em sua maioria, apoiam-se em relações e transações mediadas por tecnologias sequer existentes duas décadas atrás, como o smartphone - e tudo indica que um novo momento de transformações radicais está se iniciando.

Nessa área, como em diversas outras, o Brasil navega entre extremos. “É um dos países mais digitalizados do mundo”, diz Marina Mansur, sócia da McKinsey. O brasileiro passa mais de 9 horas e meia por dia diante das telas, segundo lugar mundial segundo a britânica Proxyrack. Dessas, quase 4 horas são gastas em redes sociais.

A proporção de domicílios conectados cresceu de 80% dos lares em 2021, para 84% do total em 2022, o que significa que em 64 milhões de casas as pessoas têm algum tipo de acesso à internet, segundo estudo divulgado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Os maiores avanços foram registrados nas classes C (de 87% para 91%) e D/E (de 60% para 67%).

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São cerca de 156 milhões de usuários individuais, com 10 anos ou mais, 84% do total ante 81% um ano antes. A quantidade de pessoas que não usam a rede caiu de 36 milhões para 29 milhões. O celular é a via de acesso à internet de 99% dos usuários, 41% deles utilizam também computador. Entre os usuários de 16 anos ou mais, 73% acessaram serviços eletrônicos de governo e metade fez compras on-line no ano passado.

O acesso à internet se dá cada vez mais cedo - este ano, 24% dos entrevistados relataram uso inicial antes dos seis anos de idade, contra 15% em 2015. E 95% da população entre 9 e 17 anos é usuária da rede. Entre os maiores de 60 anos, 58% usam a internet, ante 48% em 2021.

O cenário faz o país bater alguns recordes. No primeiro trimestre, liderou o crescimento em downloads da Uber em 12 meses (40%) e na Shein, os brasileiros tiveram a maior participação em downloads (19% do total), conforme estudo da Sensor Tower. Pesquisa da agência de marketing digital We Are Social em parceria com a plataforma Meltwater mostra que o WhatsApp é usado por 93,4% dos brasileiros entre 16 e 64 anos. A questão é que ser conectado não se traduz em letramento digital, com só uma pequena parte da população capaz de trabalhar ferramentas complexas, segundo Mansur.

Setores com maior orçamento tecnológico ou mais expostos ao consumidor saem na frente no quesito digitalização. No topo da lista estão os serviços financeiros, empresas de tecnologia e varejo. Boa parte da transformação foi trazida por exigência do consumidor. “Mesmo com exceções, a maioria dos processos nasceu por interface com o cliente”, diz David Morrell, sócio da PwC Brasil.

O movimento ampliou o conceito de autosserviço à distância, aliviou a carga de processos das empresas e deixou marcas com a substituição tecnológica. Pagar contas de serviços públicos ou agendar viagens saltou das lojas para a internet, ao custo do trabalho do usuário. Ir ao banco se tornou cada vez menos necessário, o streaming tomou espaço do cinema, quase ninguém sai de carro para um lugar que não conhece sem ligar o aplicativo com GPS.

Consultas e acesso a exames médicos pela internet reduzem deslocamentos custosos, principalmente em grandes centros. Como o celular concentra ações de comunicação, transações, registro e reprodução de vídeo, foto e voz, relógio, agenda e meio de pagamento, aposentou dezenas de dispositivos.

Apesar disso, o momento agora é de reflexão. Estudos da PwC indicam que há cinco anos as prioridades do consumidor em prol de sua melhor experiência eram conveniência, eficiência e atendimento. Isso levou, por exemplo, à expansão de chatbots, ou “robôs” para contato com o cliente. Agora um quarto quesito ganha espaço - o toque humano, principalmente em questões mais sensíveis.

Márcio Kanamaru, da KPMG, vê o momento atual como de “darwinismo digital”

Outro relatório, da EY, acrescenta novos ingredientes. Mais experientes, os consumidores adotam tecnologias que economizam tempo ou dinheiro, mas se preocupam com o impacto delas em suas vidas e buscam confiança (no uso de seus dados, por exemplo), vantagens tangíveis e reconhecimento de valor para si próprios, não só para a empresa da qual consomem produtos e serviços.

Capacidade de conexão e interação, personalização de experiências e novos modelos de negócios estão entre os pilares do novo ambiente, diz o sócio da EY José Ronaldo Rocha. A economia das plataformas e seus modelos baseados em aplicativos é uma das características da digitalização em várias esferas. “O conceito é concentrar informações e distribui-las a nichos de interesse”, diz o CEO da Logicalis para América Latina, Rodrigo Parreira.

As pessoas se ligam a diversas plataformas, sua relação não é mais com uma empresa, aponta André Miceli, coordenador acadêmico da FGV. A mesma lógica apaga fronteiras entre negócios e amplia seu alcance em ecossistemas. Com isso, uma empresa de varejo pode abrigar várias outras em ambiente digital, com ofertas tão diversas como empréstimos, seguros, cursos, logística, streaming de vídeo, entre outras.

Um dos desafios é a tecnologia caminhar mais rápido do que a cultura e se disseminar antes que seus reflexos - nem sempre positivos - sejam conhecidos, em ondas de inovação como as da inteligência artificial generativa e da economia baseada em dados.

Processar e extrair informações relevantes dos dados tem mais valor do que acumulá-los, inclusive por iniciativas de democratização, como o open finance. Eles são vitais para a hiperpersonalização de experiências, uma das chaves para engajar consumidores saturados por informações descartáveis.

Márcio Kanamaru, sócio da KPMG, descreve o momento atual como de “darwinismo digital”, dada a potencial eliminação de empresas e atividades de menor capacidade de adaptação. Um cenário que praticamente clama pelas promessas da IA generativa - que deve afetar todas as esferas da vida.

Sua capacidade conversacional pode ajudar a incluir consumidores digitalmente iletrados, mas tem potencial de alijá-los de atividades como estudo ou trabalho, onde a interação com IAs de vários formatos tende a ser dominante. Hoje, seu principal papel é de assistente, ou copiloto. No futuro, pode até se tornar um “gêmeo” digital capaz de tomar decisões, pontua estudo da EY. “A revolução será mais espetacular que as anteriores”, diz Cassio Dreyfuss, vice-presidente de pesquisa do Gartner.

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