Literatura e Sociedade 2019
Literatura e Sociedade 2019
Literatura e Sociedade 2019
2019
DTTLC/FFLCH/USP 29
LITERATURA E SOCIEDADE
Organização do dossiê: Viviana Bosi
Composição e produção técnica: Aryanna dos Santos Oliveira
Diagramação: Aryanna dos Santos Oliveira e Cíntia Eto
Revisão: Aryanna dos Santos Oliveira, Beatriz Rodrigues Ramos e Cíntia Eto
Revisão final: Edu Teruki Otsuka e Viviana Bosi
Este número de Literatura e Sociedade, o primeiro de 2019, traz em sua
seção principal um conjunto de estudos que oferecem ao leitor portas de
entrada para uma reflexão ampla e diversificada sobre a experiência política,
cultural e artística de um período conflituoso, marcado por opressões e
aspirações libertárias, na América Latina.
Resultado do “Simpósio América Latina entre os anos 60 e 70: novos
olhares”, realizado em 2018, em colaboração entre o Departamento de
Literatura da Universidade do Chile e o Departamento de Teoria Literária e
Literatura Comparada da Universidade de São Paulo, o dossiê focaliza
aspectos da narrativa, da poesia, do teatro e da vida intelectual e política
latinoamericana em um momento histórico crucial do século XX. A seção
reúne trabalhos de pesquisadores chilenos e brasileiros, que trazem olhares
contemporâneos sobre a experiência do período, elaborada na literatura e na
arte entre o sufocamento político e a imaginação criadora. Para a descrição
mais detalhada dos artigos, remetemos o leitor ao texto de apresentação
assinado pela professora Viviana Bosi, organizadora do dossiê.
Em seguida, na seção Ensaios, este número traz quatro artigos que, na
confluência de história, sociedade, crítica e literatura, abordam questões
significativas dos séculos XIX e XX, no Brasil e em Portugal.
Leonardo Affonso de Miranda Pereira escreve sobre O Guarani, de José
de Alencar, revisitando o problema da construção do romance como um mito
da nacionalidade fundado na mestiçagem. Analisando a particularidade da
configuração de O Guarani, e situando o romance nas discussões do período
sobre a história do país, o artigo discute o lugar da escravidão na obra de
Alencar, considerando tanto a posição política do escritor em face da questão
quanto a figuração ficcional das relações entre as personagens no interior do
romance.
O artigo seguinte, de José Lucas Góes Benevides, Sandro Adriano da
Silva, Wilma dos Santos Coqueiro, aborda a figura e a obra de Luiz Gama. Os
autores discutem as Primeiras trovas burlescas, publicadas pelo poeta em 1859,
indicando a importância histórica do livro como uma das primeiras obras
antiescravagistas da literatura brasileira. Para tanto, o artigo reconstitui os
discursos vigentes no século XIX brasileiro acerca da escravidão, da suposta
inferioridade racial dos negros e do branqueamento da população, situando
os poemas de Luiz Gama no embate contra o ideário e a política
predominantes no período.
Rosa Maria Sequeira e Maria Cecília Vieira, por sua vez, escrevem sobre
Eça de Queirós e Mário de Carvalho. Propõem aproximação e comparação
entre os dois autores sobretudo nos seus modos de intervenção na vida
pública portuguesa, delineando em suas literaturas uma “crítica da realidade
com intenção formadora e reformadora”. Para tanto, fazem um apanhado
temático em que se dá a ver em operação essa crítica, passando, entre outras
coisas, pelo jornalismo, pela política e pela igreja. São duas representações
realistas de forte apelo ético que permitem, segundo as autoras, entrever
“uma força subversiva” advinda da consciência estética, seja no Portugal do
século XIX, seja no contemporâneo.
Noutra chave, mas ainda sobre realismo, temos o artigo de Ronaldo
Tadeu de Souza. O autor procura explicitar e interpretar o que Antonio
Candido, por meio da obra de Marcel Proust, entende por realismo. Depois
de um pequeno histórico da recepção da obra proustiana no Brasil, é
apresentada, mediante contraponto com o “realismo referencial”
(documental) de Lukács, que condena o modernismo literário, a concepção de
um “realismo imaginativo”, espécie de transrealismo em que os pormenores
“se transfiguram em realidade expressiva”. Nisso mesmo se daria então uma
modalidade singular de realismo como teoria literária.
Comissão Editorial
Editorial • 05
Nota editorial • 10
História de um distanciamento:
a memória de Piglia nos Diários de Renzi • 52
RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
A década de 1960 não é apenas um período de profundas transfor- Romance de formação
mações sociais, técnicas e culturais, mas mudanças decisivas se [Bildungsroman];
produzem também no âmbito dos afetos dos sujeitos, seja dos sujeitos povo;
coletivos, seja dos individuais. Ao mesmo tempo, esses novos afetos que afetos;
se formaram, por sua vez, vão influenciar a transformação social e década 1960.
cultural. O romance Quarup corresponde, em sua estrutura
fundamental, a um romance de formação, apesar de apresentar — con-
forme a nossa leitura — duas modificações básicas, as quais exatamente
correspondem às circunstâncias da década de 1960: o processo de
aprendizagem do protagonista não mais se orienta em valores e normas
(burgueses) aparentemente objetivos, mas sim na relação afetiva do
protagonista com o “povo”. Com isso, contudo, o seu processo de
aprendizagem necessariamente se torna ao mesmo tempo em uma
experiência de “deseducação”, levando-o ao afastamento e à libertação
dos valores e das normas tradicionais. No entanto, o povo enquanto
sujeito, no qual essa transformação afetiva busca se orientar, nesta
década entra mesmo em uma crise que é encenada no filme Terra em
transe, de Glauber Rocha, tendo sido muito discutida por Fernando
Gabeira, Roberto Schwarz e Caetano Veloso.
ABSTRACT KEYWORDS
The 1960s is not only a decade of profound social, technical and cultural Coming on age novel
changes, but also of effects within the scope of the subjects' affections, whether [Bildungsroman];
of the collective subjects, or of the individual subjects. At the same time, the people;
shaping of these new affects influences social and cultural transformation. In its affects;
fundamental structure, the novel Quarup corresponds to that of a coming on 1960s.
age novel (Bildungsroman), although it presents — according to our reading —
two basic modifications, which exactly correspond to the circumstances of the
1960s: the protagonist's learning process is no longer oriented towards
apparently objective (bourgeois) values and norms, but rather follows the
protagonist's affective relationship with the “people”. This learning process
necessarily becomes an experience of “diseducation”, leading the character to
the release of traditional values and norms. However, the people as subject, in
whom this affective transformation takes place, evinces also a crisis during the
period that is staged in Glauber Rocha's film Terra em transe, which has been
widely discussed by Fernando Gabeira, Roberto Schwarz and Caetano Veloso.
1O artigo faz parte dos resultados do projeto Fondecyt regular 1188230: “Urbanidad, subjetividad
y afectos en la literatura brasileña contemporânea”. Foi traduzido do original em alemão por Roberto
H. Seidel.
3 Isso também se demonstra entre os grupos revolucionários do Brasil, bem como a relativamente
pequena importância que o PCB teve na resistência contra o governo militar (cf. RIDENTI,
Marcelo. “Que história é essa?” e REIS FILHO, Daniel Aarão. “Um passado imprevisível: a
construção da memória da esquerda nos anos 60”. In: REIS FILHO, Daniel Aarão et alli. Versões e
ficções: o seqüestro da história. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 1997, pp. 11-30 (cf. pp. 14
e 21); pp. 31-46 (cf. p. 43). Para uma leitura mais aprofundada, recomenda-se a leitura de REIS
FILHO, Daniel Aarão. “Versões e ficções: a luta pela apropriação da memória”. In: Idem, ibidem,
pp. 101-6.
4 Em “Sobrevoo entre as artes (à volta das décadas de 1960 de 1970)”, Viviana Bosi distingue três
correntes artísticas principais “a partir de meados dos anos 1950”, que “entram em conflito ao
longo da década de 1960 e deságuam, já transfiguradas, nos anos 1970” (p. 18): a
“constructivista”, a de tendência “engajada” ou “nacional-popular” e a “contracultural” (p. 20).
No entanto, ela destaca: “Por vezes, a arte engajada nem sequer provinha do próprio povo que
julgava representar e sim de uma tipificação supostamente ‘conscientizadora’, mentada por
intelectuais que se enleavam numa contradição: queriam acercar-se da cultura popular para na
verdade convertê-la em instrumento ideológico, dela selecionando aspectos potencialmente
politizadores” (p. 33). (Ver: BOSI, Viviana. “Sobrevoo entre as artes (à volta das décadas de 1960
de 1970)”. In: BOSI, Viviana; NUERNBERGER, Renan. Neste Instante. Novos olhares sobre a poesia
brasileira dos anos 1970. São Paulo: Humanitas /FAPESP, 2018, pp. 11-62).
Em todos os casos, esse “povo” também não irá sair incólume das
transformações da modernização, ou seja, dito de maneira mais precisa:
por intermédio das transformações da modernização, quanto mais aqueles
que viam no “povo” uma panaceia entraram em contato, seja com a
população rural, seja com os habitantes das periferias pobres urbanas —
ambos sendo o substrato do povo —, tanto mais o mito do povo foi sendo
destruído.
Nesse aparte, há uma cena em Terra em transe (1967), de Glauber
Rocha, que pode servir de chave, sendo como tal interpretada, de maneiras
bastante distintas, por Roberto Schwarz, por Fernando Gabeira e por
Caetano Veloso — por três intelectuais e artistas que estavam envolvidos
de forma muito direta nas transformações sociais daquela década.
Caetano descreve, em Verdade tropical7, a cena que segue:
5 SCHWARZ, Roberto. “Nunca fomos tão engajados“. In: Idem, Sequências. São Paulo: Companhia
das letras, 1999, pp. 173-4.
6 Idem, ibidem, pp. 172-7.
7 VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das letras, 2008 (a primeira edição
sua vez, assusta o público e provoca a discussão sobre sua razão de ser,
mas também sobre sua causa. As expectativas do intelectual de esquerda
no povo, de que, por meio de sua ação política, esse povo se tornasse o
sujeito da história, não são preenchidas. Quanto a isso, a sua decepção
provoca-o a essa reação emocional.
Já com relação à cena final do filme Terra em transe, a personagem
principal acaba desfalecendo completamente sozinho, com a arma na mão,
sob a amplidão do céu, ao som de fundo das sirenes dos carros da polícia.
O povo ainda a poucos minutos estava sendo exibido aplaudindo o
populista Felipe Vieira, este que no momento seguinte se rende aos novos
donos do poder (a ditadura militar).
Fernando Gabeira interpreta, em O que é isso, companheiro? (1979)9, o
conflito entre o intelectual e o povo, em Terra em transe, de Glauber Rocha,
como a representação da questão, de como o povo pode tomar o poder e
de qual papel compete ao intelectual neste contexto:
9 GABEIRA, Fernando. O que é isso, companheiro? Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1980, 18ª edição
(a primeira edição foi publicada em 1979).
10 Idem, ibidem, p. 32-3.
11 Id., ib., p. 33
muitos intelectuais latino-americanos desses anos. Refiro-me aqui à tese de doutorado de Matías
Marambio “Comunidad en la polémica. Debates en la crítica cultural latinoamericana durante los
años sesenta: prácticas intelectuales, conceptos y estrategias retóricas” (Cf. MARAMBIO, Matías.
Comunidad en la polémica. Debates en la crítica cultural latinoamericana durante los años sesenta:
prácticas intelectuales, conceptos y estrategias retóricas. Tesis de doctorado, Universidad de Chile,
2019 – ainda não publicada). Todas as citações são retiradas desse trabalho. Assim se lê no
número 36/37 de Casa de las Américas: “No existe un nivel cultural homogéneo, que pueda ser
cubierto por la palabra pueblo […] ¿hacia qué etapa de su desarrollo debíamos dirigirnos? ¿Hacia
el nivel cultural en que [fue] dejado por la burguesía, o hacia el nivel hacia el que lo estaba
anos 60. In: BASUALDO, Carlos (org.). Tropicália: uma revolução na cultura brasileira (1967-1972).
São Paulo: Cosac naify, 2007, pp. 31-56.
20 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=22hVo-mhwQk>.
25 Para esta análise foi utilizada a edição: CALLADO, Antônio. Quarup. Rio de Janeiro: Nova
fronteira, 1984, 12ª edição.
26 Sobre Hardt ver: HARDT, Michael. “Affective Labor”. Source: Boundary 2, Vol. 26, n. 2
aventuras sexuais com diferentes mulheres em sua volta (mas nunca com
índias) não vai de fato preencher o seu anseio.
Vários anos depois (em 1961) ele vai participar, junto com Francisca,
da expedição ao centro geográfico do Brasil. Ela tinha sido engajada como
documentarista, completamente por acaso por Ramiro, o organizador da
expedição. Nesta expedição, uma ilusão vai abater definitivamente Nando
e, ao mesmo tempo, uma nova ilusão vai ser alimentada: a ideia de
encontrar um centro do Brasil intacto, ainda virgem de civilização e pleno
de energias naturais. Os carregadores indígenas que os acompanhavam,
em sua maioria morrem no caminho, por conta de alguma das muitas
doenças introduzidas, contra as quais o seu sistema imunológico estava
indefeso. O centro geográfico mesmo vai se demonstrar um imenso
cupinzeiro, em cima do qual Fontoura, o único membro da expedição que
realmente defendeu as culturas indígenas, vai encontrar a morte.
Simultaneamente, contudo, a expedição é para Nando a realização de seu
amor — também no sentido sensual — por Francisca. Felicidade subjetiva
e realidade objetiva colidem com toda energia e mostram-se inconciliáveis.
Depois da desilusão da expedição, Nando e Francisca retornam ao
Nordeste. No contexto do legado de Levindo, Francisca vai se dedicar ao
projeto da alfabetização política das populações do campo; Nando, depois
que ele é dolorosamente forçado a aceitar que Francisca não consegue
corresponder ao desejo dele por uma felicidade individual em meio à
infelicidade e exploração social generalizada, vai se dedicar a um novo
projeto: vai viver uma sexualidade liberada em uma nova sociedade livre
de base anarquista. Junto com prostitutas, mendigos e pescadores pobres
— os “lumpen” urbanos — eles vivem uma “comunidade” aberta de amor
ao próximo, de ajuda mútua e de amor livre. Esse projeto vai ser permitido,
de forma compulsória, pela sociedade estabelecida da cidade do Recife,
durante o período em que o governador socialista Miguel Arraes está no
poder. Com a chegada ao poder da ditadura militar, vai surgir uma revolta
da burguesia moralista contra essa comunidade. Nando é preso, torturado
e vivencia agora no próprio corpo a violência política e as suas práticas.
Vai ser salvo por Hosana, seu antigo confrade no mosteiro e o
assassino do abade Anselmo. Nesse meio tempo, ele foi solto da prisão,
casou com sua prima e cultiva hortaliças no antigo jardim do mosteiro, as
quais vende no mercado público. Nenhuma existência revolucionária,
trata-se tão somente, segundo a sabedoria de vida de Candide, de um
“cultiver son jardin”, para sobreviver na paz privada.
Com isso inicia a última fase formativa de Nando, que vai terminar
como expresso no romance: “Sua deseducação estava completa”.35 Essa
“deseducação” leva-o a sua última descoberta, de que contra a violência
RESÚMEN PALABRAS-CLAVE:
El artículo realiza un análisis y descripción de las dinámicas del debate en el Debates;
campo de la cultura latinoamericana durante los años sesenta enfocándose en campo cultural;
Cuba. El objetivo del ensayo es ofrecer algunas apreciaciones sobre la práctica de Casa de las Américas;
la discusión en su desarrollo histórico en medio de un contexto continental de congresos
alta politización y de transformación en las lógicas internas de las distintas intelectuales.
esferas de la producción cultural. Bajo el impulso de radicalidad que emana
desde la experiencia cubana, los intelectuales de América Latina se dieron cita en
la isla al menos por dos vías: en el ámbito de la cultura impresa y de forma
presencial. Tras hacer una caracterización del campo intelectual cubano post-
revolucionario y sus cruces con la política, me concentro en las modalidades y
temas de la controversia cultural a partir del análisis de la revista Casa de las
Américas. Sostengo que en su experiencia editorial puede observarse un proceso
de politización de la cultura que busca mantener un balance entre la participación
dentro de la actividad revolucionaria y la utilización de códigos modernos para
la creación estética.
ABSTRACT KEYWORDS
This paper analyses and describes the dynamics of debate within the field of Latin Debates;
American culture during the 1960s, with a focus on Cuba. The essay’s aim is to offer cultural field;
some appreciations on the practice of discussion in its historical development in a Casa de las Américas;
continental context of high politicisation and of profound transformation of the inner intellectual conferences.
logic of different spheres of cultural production. Following a radical drive that emanated
from the Cuban experience, Latin American intellectuals met in the island at least in two
ways: in print culture and face to face. After characterising the intellectual field of post-
revolutionary Cuba and its intersections with politics, I concentrate on the forms and
topics of cultural controversy by analysing the cultural journal Casa de las Américas.
I suggest that in its editorial experience we can observe a process of cultural politicisation
that seeks to uphold a balance between the participation in revolutionary activity and the
use of modern codes for aesthetic and intellectual activity.
El presente texto es parte de mi investigación doctoral “Comunidad en la polémica. Debates de
la crítica cultural latinoamericana en los años sesenta: prácticas intelectuales, conceptos y
estrategias retóricas”, financiado por el programa de becas de doctorado nacional de CONICYT.
1 GILMAN, Claudia. Entre la pluma y el fusil. Dilemas y debates del escritor revolucionario en América
Latina. Buenos Aires: Siglo XXI, 2012 [2003].
2 ALTAMIRANO, Carlos. Intelectuales. Notas de investigación para una tribu inquieta. Buenos Aires:
3 Sigo aquí, en parte, la genealogía de la esfera pública que se ha realizado para el caso de la
modernidad europea, que destaca la pluralidad de opiniones como parte de su aparición. Ver
HABERMAS, Jürgen. Historia y crítica de la opinión pública. La transformación estructural de la vida
pública. Barcelona: Gustavo Gili, 2009; EAGLETON, Terry. La función de la crítica. Barcelona:
Paidós, 1999. Aquí Eagleton basa parte importante de su argumento en HOHENDAHL, Peter
Uwe. The Institution of Criticism. Ithaca: Cornell University Press, 1982. Para el caso
latinoamericano ver GUERRA, François-Xavier; LEMPÉRIÈRE, Annick (eds). Los espacios públicos
en Iberoamérica: ambigüedades y problemas, siglos XVIII-XIX. México: Fondo de Cultura Económica,
1998.
4 Los casos más estudiados han sido Estados Unidos, Francia y el Reino Unido. Ver: GOSSE, Van.
Where the boys are: Cuba, cold war america and the making of the new left. London: Verso, 1993;
ARTARAZ, Kepa. Cuba and western intellectuals since 1959. New York: Palgrave Macmillan, 2009;
NEUNER, Thomas. Paris, Havanna und die intellektuelle Linke. Kooperationen und Konflikte in den
1960er Jahren. Konstanz: UVK, 2012; ROJAS, Rafael, Traductores de la utopía. La Revolución cubana
y la nueva izquierda de Nueva York. México: Fondo de Cultura Económica, 2016.
5 ROJAS, 2016, p. 44.
6 OTERO, Lisandro. “El escritor en la Revolución cubana”. Casa de las Américas 36-37, mayo-agosto
1966, p. 203.
Massachusetts: Harvard University Press, 2015, pp. 116-131; ROJAS, Rafael. “Anatomía del
entusiasmo. Cultura y revolución en Cuba (1959-1971)”. Historia de los intelectuales en América
Latina. Vol. II. Los avatares de la “ciudad letrada” en el siglo XX. Carlos Altamirano (dir.). Buenos
Aires: Katz, 2010, pp. 372-394.
10 Un recuento de publicaciones cubanas activas en los sesenta que incluye a varias revistas y
periódicos fundados antes de 1959 puede verse en PÉREZ, Liliana Martínez. Los hijos de Saturno.
Intelectuales y revolución en Cuba. México: FLACSO/Porrúa, 2006, pp. 16-17.
11 CASTRO, Fidel. Palabras a los intelectuales. La Habana: Casa Editora Abril, 2007, p. 9. Algunos
de los textos que abordan de forma panorámica las relaciones entre cultura y política en Cuba
durante los sesenta son: PÉREZ, Martínez. Op.cit., pp. 23-68; SABORIDO, Emilio José Gallardo.
El martillo y el espejo: directrices de la política cultural cubana (1959-1976). Madrid: CSIC, 2009;
MISKULIN, Sílvia Cezar. Os intelectuais e a política cultural da Revolução (1961-1975). São Paulo:
Alameda, 2009, pp. 29-85.
12 PAZ, Juan Valdés. La evolución del poder en la Revolución cubana. Tomo I. México: Rosa
burguesa. Matanzas: Ediciones Matanzas, 2013, p. 119. Este ensayo de López Hernández es
explícito en su vocación por interrogar el mundo cultural cubano pre-revolucionario.
14 Para un recuento de los hechos, con un énfasis en la disputa por la exhibición de la película,
ver: RIVERA, Guillermo Rodríguez. Decirlo todo. Políticas culturales (en la Revolución cubana). La
Habana: Ojalá, 2017, pp. 47-61. En rigor, la disputa se produjo entre el ICAIC y el grupo de Lunes
de Revolución, por lo que intervención de la esfera de influencia del PSP es indirecta.
15 Un análisis riguroso es el de Par Kumaraswami, “Cultural Policy and Cultural Politics in
Revolutionary Cuba: Re-reading the Palabras a los intelectuales (Words to the Intellectuals)”,
Bulletin of Latin American Research 28/4, 2009, pp.527-41.
16 “Sacado de su contexto y en manos de toda clase de hermeneutas y exégetas circunstanciales,
ese versículo de las que en adelante serían conocidas como ‘Palabras a los intelectuales’ daría
muestras de una extraordinaria polisemia que le permitiría ser el principio rector reconocido por
los sucesivos períodos y tendencias en lucha”. NAVARRO, Desiderio. “In medias res publicas:
Sobre los intelectuales y la crítica social en la esfera pública cubana”. Las causas de las cosas. La
Habana: Letras Cubanas, 2006, pp. 8-9.
17 CASTRO, 2007, p. 16.
18 GILMAN, 2012, p. 195.
que acosan a una revolución en sus primeros momentos, a la vez que plantea la escisión entre
cuadros políticos y cuadros artísticos (“No hay artistas de gran autoridad que, a su vez, tengan
gran autoridad revolucionaria”). El fenómeno involucra, por lo tanto, la estructura misma de la
acción política y reconoce su separación de la cultura en términos de las fuentes de legitimidad
— su autonomía relativa —, aun cuando ello no impide privilegiar a un término por sobre otro
en última instancia.
análisis contemporáneo clave es el de Ángel Rama, “Cuba. Nueva política cultural”. Cuadernos
de Marcha 49, mayo 1971.
24 FORNET, Ambrosio. “El Quinquenio Gris: Revisitando el término”. La política cultural del
las Américas: LIE, Nadia. Transición y transacción. La revista cubana Casa de las Américas (1960-
1976). Gaithesburg/Leuven: Hispamérica/Leuven University Press, 1996), y, WEISS, Judith. Casa
de las Américas: An Intellectual Review in the Cuban Revolution. Madrid: Castalia, 1977.
26 Cf. IBER, Neither Peace nor Freedom, 2015, pp. 131-2.
27Con la dirección de Retamar se consolida un comité de colaboración cuya primera forma había
aparecido durante el período de Arrufat. El grupo es integrado por Mario Benedetti (Uruguay),
Emmanuel Carballo (México), Julio Cortázar (Argentina), Roque Dalton (El Salvador), René
Depestre (Haití), Edmundo Desnoes (Cuba), Ambrosio Fornet (Cuba), Manuel Galich
(Guatemala), Graziella Pogolotti (Cuba), Ángel Rama (Uruguay), Mario Vargas Llosa (Perú),
David Viñas (Argentina), Jorge Zalamea (Colombia). El comité realiza tres reuniones (1967, 1969
y 1971) antes de auto-disolverse. Otros nombres lo integraron también. Ver: CAMPUZANO,
Luisa. “La revista Casa de las Américas: 1960-1995”. La revista Casa de las Américas: un proyecto
continental, Ambrosio Fornet y Luisa Campuzano. La Habana: Centro de Investigación y
Desarrollo de la Cultura Cubana Juan Marinello, 2000, pp. 39-44.
Figura 1: Inserto en el N°2 de Casa de las Américas (1960) sobre Patrice Lumumba.
Con este ejemplo quisiera ilustrar que una revista siempre es más que los
textos que publica, y que su relación con los hechos políticos no se da
solamente en el plano ideológico. En el mundo editorial, el debate va más
allá y más acá de los textos y sus argumentos. En sus páginas, la revista
Casa de las Américas permite una confluencia discursiva que permite la
elaboración de definiciones sobre el rol de los intelectuales y las relaciones
entre cultura y política. Para ello recurre a ensayos monográficos como los
Quisiera ahora reflexionar sobre algunos aspectos de estos dos textos que
permiten caracterizar la práctica del debate en su circulación en medios
impresos. Lo primero se refiere a los contenidos. Si bien hay diversas
posturas entre un momento y otro (1964/1969), que expresan también
cambios en las condiciones socio-políticas de Cuba y América Latina, la
temática (o quaestio) es común: la definición de los intelectuales, su rol
dentro de los procesos revolucionarios, el tipo de estética que se
corresponde con una revolución, los lineamientos de política cultural que
debiera tomar un gobierno revolucionario, los valores que se salvaguardan
dentro de la revolución (como la libertad de expresión). En parte esto se
explica por la continuidad de algunos actores entre ambos eventos, como
es el caso de Otero y de Retamar; otros, como Desnoes o Fornet se
encuentran en una “esfera de influencia” de la intelectualidad cultural
cubana producto de sus inserciones institucionales.33 Ambos textos son el
registro de discusiones presenciales y colectivas, lo que implica un proceso
de mediación editorial en el que se requiere de la transcripción, revisión,
corrección y diagramación de las intervenciones. Utilizar este formato es
una manera de producir la colectividad y la polifonía que, asumimos,
caracterizan la esfera pública moderna. Sin embargo, no se trata de la
coexistencia de posiciones individuales que habitan el mismo espacio
28 BARAN, Paul. “El compromiso del intelectual”. Casa de las Américas 7, julio-agosto, pp. 14-21.
29 DALTON, Roque. “Poesía y militancia en América Latina”. Casa de las Américas 20-1,
septiembre-diciembre 1963, pp. 12-20 y “Literatura e intelectualidad: dos concepciones”, Casa de
las Américas 57, noviembre-diciembre, pp. 95-101.
30 OTERO, Lisandro. Roberto Fernández Retamar; SUARDÍAZ, Luis; BLANCO, Juan.
“Conversación sobre arte y literatura”. Casa de las Américas 22-23, enero-abril 1964, pp. 130-8.
31 DALTON, Roque; DEPESTRE, René; DESNOES, Edmundo; RETAMAR, Roberto Fernández;
41 “Declaración del comité de colaboración de revista Casa de las Américas”, Casa de las Américas 53,
marzo-abril 1969, p. 3.
42 GILMAN, 2012, pp. 204-19.
43 El affaire involucró también el premio concedido a Los siete contra Tebas, de Antón Arrufat. Sin
popular: “El pueblo trabajador en revolución permite al aliado incorporado un margen de acción
social que puede expresarse por ejemplo en la frase de Fidel: ‘con la Revolución todo; contra la
Revolución, nada’. El pueblo trabajador en revolución permite a la pequeña burguesía
revolucionaria que lo apoye y que comparta el honor de la construcción socialista”. Mientras
tanto, Gutiérrez varía su citación: “Ya lo había dicho Fidel en 1961: ‘Dentro de la Revolución,
todo; fuera de la Revolución, nada’” (cursivas mías). Idem, ibidem, p. 35 y p. 9.
48 Id., ib., p. 7, p.10 y p. 16.
49 Id., ib., p. 8.
50 Id., ib., p. 11.
51 Id., ib., pp. 18-9.
52 Id., ib., p. 21 y p. 32.
53 Id., ib., p. 21 y p. 23.
54 Id., ib., pp, 7-8 y pp. 28-31.
Para Retamar “la Revolución tiene todo el derecho a esperar que las
hazañas extraordinarias que están ocurriendo encarnen de alguna manera
en nuestro arte […] A nosotros, como técnicos en esta materia, nos
corresponde escoger o inventar la forma concreta en que se producirá esa
encarnación”.55
Vale la pena notar que esta disputa se perfila hacia el final de la mesa
redonda, y que esta cierra con una intervención de Desnoes que marca más
bien el fin de los intercambios y no una síntesis propiamente dicha. Apela,
como es de esperar, al público que se busca en la producción cultural
socialista: el pueblo. Y, también, a la necesidad de no apegarse de forma
dogmática a los esquemas de análisis. El fin del texto parece invitar a una
revisión que termina por abrir los problemas en vez de clausurarlos;
impone un cierre de paréntesis que ofrece la chance de disparar nuevas
discusiones como parte de las claves de lectura del mismo debate.
Conclusiones
HISTÓRIA DE UM DISTANCIAMENTO:
A MEMÓRIA DE PIGLIA
NOS DIÁRIOS DE RENZI
RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
O texto explora o primeiro volume de Los diarios de Ricardo Piglia;
Emilio Renzi (1957-1967), de Ricardo Piglia, seus meca- Los diarios de Emilio Renzi;
nismos de construção da memória, sua problema- diário;
tização da figura do autor — também narrador e per- memória e ficção;
sonagem — e seu exercício crítico. crítica.
ABSTRACT KEYWORDS
The text explores the first volume of Ricardo Piglia’s Los Ricardo Piglia;
diarios de Emilio Renzi (1957-1967), its mechanisms of Los diarios de Emilio Renzi;
memory construction, its problematization of the figure of journal;
the author — also narrator and character — and its critical memory and fiction;
exercise. criticism.
1 PIGLIA, Ricardo. Os diários de Emilio Renzi. Vol. 1. Anos de formação. São Paulo: Todavia, 2017
(original: 2015; tradução: Sérgio Molina), p. 354.
2 GENETTE, Gérard. Figures IV. Paris: Seuil, 1999, p. 344.
3 PIGLIA, Ricardo. Op. cit., p. 11.
4 Idem, ibidem, p. 63.
mais incauto leitor que abra as páginas dos três volumes em que Piglia re-
sumiu seus cadernos pode, portanto, se sentir enganado: a sobreposição de
telas sobre o passado é explicitada desde o título: Os diários de Emilio Renzi.
Mas quem é Emilio Renzi? Para o leitor, Renzi é um personagem
recorrente de Piglia. Ele aparece em sua obra desde a década de 1960,
assina textos de crítica, protagoniza contos e atua nos cinco romances que
Piglia escreveu, desde Respiração artificial (1980) até O caminho de Ida (2013).
Muitos críticos preferem descrever Renzi como alter ego de Piglia: seu
segundo eu, seu outro lado, sua projeção e sombra no texto. A associação
Piglia/Renzi soa ainda mais perfeita se lembrarmos que o nome completo
do escritor é Ricardo Emilio Piglia Renzi — ou seja, Renzi está em Piglia,
faz parte de Piglia.
A relação entre os dois, porém, é mais complexa, como já mostram
as primeiras linhas de Anos de formação. No texto intitulado “Nota do
autor” — logo, supostamente indicativo da pessoalidade do relato — o
narrador alerta para a duplicidade Piglia/Renzi ao usar a terceira pessoa
para se referir ao autor do diário e ao empregar aspas, recurso de citação,
para lhe dar voz:
15 DIDI-HUBERMAN, Georges. O olho da história. Vol. I. Quando as imagens tomam posição. Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 2017 (original: 2009; tradução: Cleonice P. Barreto Mourão), p. 27.
16 Idem, ibidem, pp. 61-3.
17 KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre história. Rio de Janeiro: Contraponto,
19 RANCIÈRE, Jacques. O fio perdido: ensaios sobre a ficção moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2017
(original: 2013; tradução: Marcelo Mori), p. 11-4.
20 PIGLIA, Ricardo. Los diarios de Emilio Renzi. Vol. 2. Los años felices. Barcelona: Anagrama, 2016,
Heloisa Jahn), p. 8.
Vale a pena buscar o poema e prosseguir a leitura por mais alguns versos:
22 ELIOT, T.S.. “The Dry Salvages”. Quatro quartetos. Obra completa. Volume I. Poesia. São Paulo:
Arx, 2004 (original: 1941; tradução: Ivan Junqueira), p. 364-5.
23 LOWENTHAL, David. The Past Is a Foreign Country. Cambridge: Cambridge University Press,
1985, p. 259.
24 Idem, ibidem, p. 191 e p. 227.
25 PIGLIA, 2017, p. 179.
por que se narra dessa maneira? Porque nesse mundo tudo está
em perigo, todos se sentem vigiados e a violência pode explodir
a qualquer momento. O procedimento narrativo dá a entender
tudo isso sem dizê-lo.29
FORMAS NARRATIVAS
EM SAMUEL RAWET
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2237-1184.v0i29p62-71
Jaime Ginzburg
Universidade de São Paulo (USP)
RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
Neste artigo são estudados três contos de Samuel Samuel Rawet;
Rawet publicados em seu livro Os sete sonhos. Através narrativa;
das reflexões, podemos observar o emprego de elipse;
recursos oníricos, suspendendo os limites entre estética do choque.
imaginação e realidade. Nessas narrativas, a elipse é
muito importante, assim como estratégias estéticas de
choque. Para fundamentar o artigo, consideramos
trabalhos de Berta Waldman e Rosana Kohl Bines
sobre o autor.
ABSTRACT KEYWORDS
We discuss in this article three short stories from Samuel Samuel Rawet;
Rawet’s book Os sete sonhos. According to our approach, narrative;
we can find a dreamlike language, blurring boundaries ellipse;
between imagination and reality. In these narratives, aesthetics of shock.
Ellipse is very important, as much as aesthetics of shock. To
develop our reflection, we focused on critical essays written
by Berta Waldman and Rosana Kohl Bines.
1 RAWET, Samuel. Contos e novelas reunidos. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004.
2 Idem, ibidem, p. 167.
3 Id., ib., p. 168.
4 Id., ib., ib.
“O encontro”
Considerações finais
De acordo com Rosana Kohl Bines, Samuel Rawet criou uma “litera-
tura do desregramento”27, em que “a parataxe favorece a apresentação de
universos fragmentários” em que são encontrados “personagens errantes”
contrários a convenções de pensamento.28 Nos três contos, em especial em
“Os sete sonhos”, a parataxe é um recurso fundamental de construção.
Diversos pensamentos do assassino de “O encontro”, em particular em seu
enunciado sobre o amor, são estranhos ao senso comum. A categoria “des-
regramento” é adequada para o processo de criação em “Raiz quadrada de
menos um”, cujos esboços de enredos não chegam a se completar, e
também para os movimentos do sonhador em “Os sete sonhos”, que não
estão submetidos à explicitação de nenhuma norma prévia.
Jaime Ginzburg é professor de Literatura Brasileira na FFLCH – USP desde 2003. Pesquisador
da CNPq. Autor de Crítica em tempos de violência (2012; 2ª edição, 2017) e Literatura, violência e
melancolia (2013), entre outros trabalhos. Coordenador do Grupo de Pesquisa Literatura e cinema
no Brasil contemporâneo. Foi professor visitante em: UFMG, UNESP, University of Minnesota,
King’s College London e Universitat Bielefeld. Contato: [email protected]
Renan Nuernberger
Universidade de São Paulo (USP)
RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
Este artigo propõe uma breve análise de “Exposição João Cabral de Melo Neto;
Franz Weissmann”, texto publicado por João Cabral Franz Weissmann;
de Melo Neto na década de 1960 e recuperado em poesia moderna;
Museu de tudo (1975), a fim de compreender a reflexão arte concreta;
do poeta sobre a produção do artista plástico. Tendo literatura comparada.
em vista a similaridade entre os projetos estéticos de
Weissmann e João Cabral, o artigo também pretende
repensar o lugar específico do poema na própria obra
do autor como um momento de problematização
interna de seu ideário construtivista.
ABSTRACT KEYWORDS
This article intends to analyse the “Exposição Franz João Cabral de Melo Neto;
Weissmann”, published by João Cabral de Melo Neto in Franz Weissmann;
1960’s and recovered at the Museu de tudo (1975), in modern poetry;
order to understand the poet’s thoughts on the visual concrete art;
artist’s production. Keeping in mind the resemblance comparative literature.
between aesthetic projects of Weissmann and João Cabral,
the article will reconsider the specific place of the poem as a
questioning of the constructive ideology inside Cabral’s
own work.
1 “Hoje parece claro que, diante do reducionismo tecnicista, o grupo neoconcreto encontrou
apenas a saída do ‘humanismo’, em duas vertentes amplas: na ala que aspirava a representar o
vértice da tradição construtiva no Brasil (Willys de Castro, Franz Weissmann, Hércules Barsotti,
Aluísio Carvão e até certo ponto Amilcar de Castro), esse humanismo tomava a forma de uma
sensibilização do trabalho de arte e significava um esforço para conservar sua especificidade (e
até sua ‘aura’) e para fornecer uma informação qualitativa à produção industrial; na ala que,
conscientemente ou não, operava de modo a romper os postulados construtivistas (Oiticica,
Clark, Lygia Pape), ocorria sobretudo uma dramatização do trabalho, uma atuação no sentido de
transformar suas funções, sua razão de ser, e que colocava em xeque o estatuto da arte vigente”.
BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. 2ª ed. São Paulo:
Cosac naify, 1999, p. 58.
2 As principais informações sobre as obras de Weissmann, bem como uma pequena fortuna
crítica, podem ser encontradas no site: <http://www.fw.art.br/> (Acesso em 27 de setembro de
2018). Para uma cronologia mais pormenorizada, ver o catálogo Franz Weissmann: uma
retrospectiva (org. Reynaldo Roels Jr.). Rio de Janeiro: CCBB, 1998.
3 “Encalhes e desmanches: ruínas do modernismo na arte contemporânea brasileira”. In:
MAMMÌ, Lorenzo. O que resta: arte e crítica de arte. São Paulo: Companhia das letras, 2012, pp. 219-
20.
4 Imagem de “O engenheiro” (p. 70), poema homônimo do livro de 1945. Para facilitar as
referências, todos os poemas de João Cabral de Melo Neto foram retirados do volume Obra
completa (org. Marly de Oliveira). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006.
5 Esse esquema foi cuidadosamente descrito por João Alexandre Barbosa em A imitação da forma:
uma leitura da poesia de João Cabral de Melo Neto. São Paulo: Duas cidades, 1975. Embora o crítico
explique bem a constituição da metalinguagem cabralina, seria interessante explorar também a
outra ponta do mecanismo para compreender melhor suas estratégias de formalização tensa da
matéria social.
6 Idem, ibidem, p. 338.
7 Id., ib., p. 335.
8 Id., ib., p. 87.
a verdadeira paisagem brasiliense é a plana e desértica que aparece no fundo das fotos antigas
do Itamaraty. Hoje, ela foi vedada por outras construções e fileiras de árvores: a utopia de uma
conciliação sem corte entre natureza e civilização exige que essa paisagem se torne de certa
maneira invisível, que a ela seja retirada a palavra. Se reaparecer, reaparecerá como folclore, como
regionalismo, como problema – a seca, a miséria, o latifúndio – ou como potência inquietante do
arcaísmo (por exemplo, nos filmes de Glauber Rocha)”. Op. cit., p. 223.
13 Essa ambiguidade aparece na própria celebração da nova capital feita pelo poeta em “Uma
14 “A arquitetura como construir portas,/ de abrir; ou como construir o aberto”, escreve João
Cabral em “Fábula de um arquiteto” (p. 345).
15 “Mas não é o caráter precursor do Cubo que importa salientar em primeiro lugar, como se já
16 “A produção desse período conta mais pelo que aportou posteriormente à escultura de
Weissmann do que como incursão mais ou menos bem-sucedida por um provisório
neoexpressionismo. Ela ensinou ao artista notável liberdade de ação, e o lançou ao campo da
experimentação sem fronteiras da arte contemporânea, que durante cerca de seis anos o
submergiu em uma linguagem indefinível entre a performance, a escultura, o relevo, o objeto e a
pintura. Quando a obra retornou à ordem construtiva, em meados do decênio de 1960, estava
renovada pela experiência de uma forma que se espessara com um substrato orgânico, doravante
tendo apenas o corpo como medida da intervenção do artista”. In: Franz Weissmann. São Paulo:
Cosac naify, 2001, p. 101.
17 Idem, ibidem, p. 404. O texto aparece também no catálogo Franz Weissmann: uma retrospectiva
(org. Reynaldo Roels Jr.). Rio de Janeiro: CCBB, 1998, pp. 128-9.
18 “Bienal de cá para lá”. In: Arte: ensaios (org. Lorenzo Mammì). São Paulo: Cosac naify, 2013, p.
487.
19 Comentando os Amassados, o próprio Mário Pedrosa relativizaria essa suposta negação: “Ao
passar ao real, Weissmann ajusta, mais uma vez, suas contas com a matéria. É esta sua tarefa, sua
faina de escultor. Nas suas construções espaciais anteriores era exatamente a mesma sua
problemática. Apenas então ele queria construir o espaço, independentemente da matéria.
Negava, no fundo, sua existência; dela só se servia no mínimo necessário aos seus vazados, que
se articulavam em ritmo calculado. Dentro desse ritmo, algo ficava indeciso, inacabado, com
indefinido poder de atração. (…).
Na ambiência europeia existencial e mais pessimista, terminou Weissmann vencido diante da
matéria. Deixou de construir no espaço, para operar com ela. Para submeter-se à matéria, porém,
não. Mas para travar com ela um duelo que continua”. In: IV Bienal de São Paulo. São Paulo:
Fundação Bienal de São Paulo, 1965, pp. 108-109.
Disponível em: <http://www.bienal.org.br/publicacoes/4397> (Acesso em 04 de outubro de
2018). Sem me aprofundar por ora nessa questão, assinalo a semelhança entre esse duelo da
construção com a matéria, constatado por Pedrosa, e o esquema poético de João Cabral de Melo
Neto que descrevi acima.
BRITO, Ronaldo. “Discreta épica da forma”. In: ROELS JR, Reynaldo (org.). Franz Weissmann:
20
21 Vale sinalizar que, em “Uma mineira em Brasília”, João Cabral também desloca para o futuro
a realização plena do projeto de Lucio Costa e Oscar Niemeyer: “Mas ela já veio que o lhano que
virá/ ao homem daqui, hoje ainda crispado” (Idem, p. 342).
22 Na verdade, desde Psicologia da composição (1947), João Cabral desenvolve esse tipo de
construção estrutural de seus livros. Para uma análise desse processo, e de seu funcionamento na
particularidade de cada poema, ver o ensaio de Marcos Siscar, “A máquina de João Cabral”,
publicado em Poesia e crise: ensaios sobre a “crise da poesia” como topos da modernidade. Campinas:
Ed. Unicamp. 2010, pp. 287-304.
23 O próprio poeta ressalta essa diferença em entrevista concedida em 1980 a Benício Medeiros:
“Eu acho Museu de tudo nem melhor nem pior que meus outros livros. Acontece que meus livros
em geral saíam planificados, e em Museu de tudo não houve essa preocupação. (…). Eu me lembro
que, na época em que o livro saiu, um crítico disse que ele não tinha plano. Mas no Brasil é muito
raro um sujeito fazer poemas com plano – o sujeito vai escrevendo e, quando chegam a um
determinado número, ele os publica em livro. Por que todo mundo tem o direito de fazer isso e
eu não?”. Esse trecho da entrevista foi recolhido por Félix de Athayde em Ideias fixas de João Cabral
de Melo Neto. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1998, p. 116.
24 Idem, ibidem, p. 376.
25 Id., ib., p. 395.
26 Id., ib., p. 396.
27 Id., ib., p. 412.
28 Id., ib., p. 409.
29 No catálogo da IV Bienal de São Paulo, Mário Pedrosa caracteriza a leitura de João Cabral sobre
os Amassados como “nostálgica” (Op. cit., p. 109). O mesmo ocorre em “Franz Weissmann: entre
dois mundos”, texto de Frederico Morais de 1965: “Nostálgicos de suas arquiteturas solares,
alguns de seus críticos, como o poeta João Cabral de Melo Neto, querem de volta o construtivo,
aparecia uma década depois como poema, ou seja, como um objeto estético,
o que permite um pequeno giro interpretativo: agora, participando de sua
lógica interna, os signos que caracterizavam o “diamante weissmann”
podem também remeter ao programa poético de João Cabral — “camarada
diamante”, na feliz expressão de Vinicius de Moraes.30 Não se pode
esquecer, afinal, que é a construção desse mesmo “mundo justo/ mundo
que nenhum véu encobre”31 que anima o sonho do poeta engenheiro desde
1945.
Nesse aspecto, as modulações formais do poema adquirem um outro
sentido, que reverbera no conjunto invertebrado do livro de 1975.32 Se a
saturação informe dos Amassados não era “a escultura weissmann”, essa
estranha mescla de visualidade concretista e prosa sem pontuação também
não é o poema cabralino, tornando-se assim um momento de hesitação
dentro de seu projeto poético até então rigorosamente coerente. A
linguagem redundante do segundo bloco, que emulava a desorganização
daquela série do escultor, pode ser lida também como uma explosão
dentro de uma poesia de “perfil claro e solar”, que sempre enaltecera sua
própria capacidade de contenção.33 Por outro lado, mesmo espraiando essa
desorganização para toda a estrutura de Museu de tudo — entendido, aliás,
por parte da crítica como um livro de “extrema irregularidade”34 —,
“Exposição Franz Weissmann” já sinaliza o retorno do poeta à razão
construtiva, “antes mesmo que pouse de todo/ o pó desta explosão”.
De fato, nos anos seguintes, João Cabral voltaria ao planejamento
constitutivo de seus livros, tanto na fixação temática de A escola das facas
(1980) ou Sevilha andando (1990), quanto na organização segmentada de
Agrestes (1985), para ficar nos exemplos mais óbvios. No entanto, há uma
nova inflexão em sua poesia a partir da década de 1970: paralelamente ao
elogio do rigor, da precisão, da clareza, há agora também a ferrugem que
corrói o metal (“Duplicidade do tempo”35), o musgo que recobre a pedra
como se o mundo não tivesse mudado, e com ele o artista”. In: ROELS JR, Reynaldo (org.). Op.
cit., p. 134. Murilo Mendes, por sua vez, relativizaria a visão de Cabral, aludindo “a um
movimento pendular, que se observa há séculos, entre geometrismo e desarrumação, entre
objevismo e subjetivismo”. In: Idem, ibidem, p. 130.
30 “Retrato, à sua maneira”, publicado originalmente na Antologia poética (1954) de Vinicius de
Moraes. O poema está estampado na página de rosto da Obra completa de João Cabral.
31 Mais um trecho de “O engenheiro”, p. 70
32 “Este museu de tudo é museu/ como qualquer outro reunido;/ como museu, tanto pode ser/
caixão de lixo ou arquivo./ Assim não chega ao vertebrado/ que deve entranhar qualquer livro: é
depósito do que aí está/ se fez sem risca ou risco.” (“O museu de tudo”, p. 371).
33 A ideia de contenção é recorrente na obra de João Cabral. Vale indicar um exemplo do próprio
Museu de tudo: “Não explode, trabalha/ sua explosão, controla-a: é granada de mão/ mais ferro
que sua pólvora” (p. 393).
34 A expressão é de Luiz Costa Lima. “Pernambuco e o mapa-múndi”. In: Dispersa demanda: ensaios
LA PROSA SEMI-ABSTRACTA DE
HAROLDO DE CAMPOS.
UNA APROXIMACIÓN A LOS TEXTOS
TARDÍOS DE GALÁXIAS1
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2237-1184.v0i29p86-104
RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
En la primera parte de este escrito presento una Prosa semi-abstracta;
aproximación a Galáxias de Haroldo de Campos como un Galáxias;
proyecto en prosa que explora nuevas posibilidades en un Haroldo de Campos;
campo artístico paradojal, surgido en los años 60, que he estéticas constructivistas;
denominado semi-abstracto. Sin renunciar a principios estudios pos-1945.
básicos del arte abstracto, esta nueva prosa se orientaría
hacia la vida cotidiana retomando principios figurativos.
En la segunda parte, trabajando dentro de este marco
histórico-artístico, he analizado dos pasajes de Galáxias
con el propósito de elaborar el sentido de crisis que los
textos tardíos de esta obra pueden provocar.
ABSTRACT KEYWORDS
In the first part of this text I present an approach to Haroldo de Semi-abstract prose;
Campos’ Galáxias as a prose project that probes for new Galáxias;
possibilities in a paradoxical artistic field, emerged in the 60s, Haroldo de Campos;
which I have called the semi-abstract. While maintaining constructivist aesthetics;
principles basic to abstract art, this new prose orients itself post-1945 studies.
towards everyday life returning to figurative principles. In the
second part, working within this art-historical frame, I have
analyzed two passages of Galáxias aiming to elaborate the sense
of crisis that the late texts of this work can provoke.
1La escritura de este texto contó con el apoyo de Becas Chile, Becas de Doctorado en el Extranjero.
Para una versión más elaborada y extendida de las ideas y juicios ensayados por primera vez
aquí, ver MANZI CEMBRANO, Jorge. Abstração e informalismo depois de 1945: de Pedrosa e
Greenberg à nova prosa de Haroldo de Campos. Tesis de doctorado en Teoría Literaria, Departamento
de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo, 2019, capítulos 6 y 7.
2 Me refiero a la conocida declaración realizada por Haroldo de Campos en los 80: “hoje,
retrospectivamente, eu tenderia a vê-lo [a Galáxias, JMC] como uma insinuação épica que se
resolveu numa epifânica” (CAMPOS, Haroldo de. Galáxias. São Paulo: Editora Ex Libris, 1984,
s.p.).
3 Cf. AGUILAR, Gonzalo. “Haroldo de Campos: a transpoética” In: Idem. Poesia concreta brasileira.
As vanguardas na encruzilhada modernista. São Paulo: Edusp, 2005; “Parte III. A vereda para o
branco”. In: Ibidem. Hélio Oiticica, a asa branca do êxtase. Arte brasileira 1964-1980. Rio de Janeiro:
Anfiteatro, 2015; SISCAR, Marcos. “Estrelas extremas: sobre a poesia de Haroldo de Campos”. In:
Ibidem. Poesia e crise. Ensaios sobre a ‘crise da poesia’ como topos da modernidade. São Paulo: Editora
Unicamp, 2010.
4 Cf. COSTA LIMA, Luiz. “Capítulo VI: Arabescos de um arabista: Galáxias de Haroldo de
Campos.” In: A aguarrás do tempo. Estudos sobre a narrativa. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.
5 Cf. PERLOFF, Marjorie. “’Concrete Prose’ in the Nineties: Haroldo de Campos’s Galaxies and
op.cit., p.283. Cita original: “A series of ‘exterior monologues’ in prose, Galáxias points the way
from the ‘prose’ of modernists like Joyce and Stein to the new prose poetry of the late twentieth
century”. El término “poesía en prosa”, sin embargo, puede conducir a equívocos. Perloff aclara
que con ello quiere referir a “‘textos límites’ (...) que, como Galáxias, desafían la distinción entre
poesía y prosa y enfatizan la materialidad del texto” (Idem., pp.283-284, traducción mía). Es decir,
Perloff ha evitado inscribir Galáxias de modo unilateral en la tradición de la poesía. Cita original:
“‘limit texts’ (...) that, like the Galaxies, challenge the distinction between poetry and prose and
emphasize the materiality of the text”
8 Había afirmado que no contamos con una teoría de esta nueva prosa como contamos con una
teoría de la novela o de la poesía lírica. Sin embargo, a partir de los 80, esfuerzos de carácter más
sistemático, orientados a dar base a tal teoría, han sido realizados por críticos como Perloff y
Stephen Fredman. Ambos críticos percibieron que, a partir de los 60, un número importante de
artistas de vanguardia eligieron la prosa literaria para proyectos artísticos que no encajaban en
géneros como la poesía lírica o épica, la novela o el cuento. En lengua inglesa destacan casos como
Three poems (1972) de Ashbery; Mabel: A story (1976) de Creeley; How it is (1961/1964) y Fizzles
(1976) de Beckett; algunos textos de Cage en Silence (1961) y su Diary: How to improve the world
(1968); Talking (1972) y Talking at the Bounderies (1976) de David Antin. Cf. PERLOFF, Marjorie.
Poetics of indeterminacy. Rimbaud to Cage [1981]. Evanston: Northwestern University Press, 1999;
Idem., The Dance of the Intellect. Studies in the Poetry of the Pound Tradition. [1985]. Evanston:
Northwestern University Press, 1996; FREDMAN, S. Poet’s Prose. The Crisis in American Verse.
Second edition. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. En lengua portuguesa, en este
estudio propondremos Galáxias como un caso inaugural. Expandiendo nuestro arco temporal,
publicaciones recientes como Ó (2008) de Nuno Ramos sugieren que la idea de una nueva prosa
inspirada en sensibilidades y concepciones constructivo-modernistas aún está vigente y es capaz
de suscitar interés en públicos amplios.
9 El principio de la abstracción artística funcionó como idea regulativa básica de la teoría del
modernismo de Clement Greenberg, el más influyente crítico de artes visuales de la segunda
posguerra. En el contexto brasilero, este principio encontró su defensor más riguroso e influyente
en Mário Pedrosa. Para ambos críticos, abstracción fue el término general que resumía la tendencia
anti-ilusionista del arte moderno, que se manifestaba en una insistencia cada vez más consciente
y radical a componer apenas en base a las cualidades intrínsecas de cada medio específico. Para
una versión breve y esquemática de esta teoría tardía del modernismo ver GREENBERG,
Clement. “Modernist Painting”. In: The Collected Essays and Criticism. Volume 4. Modernism with a
Vengeance. 1957-1969. Ed. John O’Brian. Chicago: The University of Chicago Press, 1993. Para la
versión defendida por Pedrosa en Brasil durante los 50, ver PEDROSA, Mário. “Panorama da
pintura moderna”. In: Modernidade Cá e Lá. Textos Escolhidos IV (org. Otília Arantes). São Paulo:
Edusp, 2000.
10 En los años 60, “nuevo realismo” fue tal vez el término más usado para describir esta tendencia.
Entre quienes lo emplearon destaco a Mário Schenberg, Pierre Restany y al propio Haroldo de
Campos. Comentando el caso brasilero, mejor conocido como “Nova Objetividade”, Otília
Arantes ha enfatizado su carácter anti-arte, neo-dadá y pop. Cf. ARANTES, Otília. “Depois das
vanguardas”. In: Arte em revista, n. 7. São Paulo: Kairós, 1983, pp.5-24. En Estados Unidos, el
grupo de críticos reunidos en torno a la revista October, ha insistido en el carácter neosurrealista
y neodadaísta de movimientos como el pop art y el minimalismo. Cf. FOSTER, Hal. The return of
the real. The avant-garde at the return of the century. Cambridge: The MIT Press, 1996.
11 CLARK, T. J. “The Unhappy Consciousness”. In: Farewell to an idea. Episodes from a History of
Modernism. New Haven: Yale University Press, 2014, p. 351, traducción mía. Cita original: “There
are no rules for putting the figurative and abstract back together once the abstract has arrived.
No available criteria, no leaning on facility. These are the circumstances when pictures most need
interpreters, even ruthless ones.”
12 Idem, ibidem, p. 344, cursivas del autor, traducción mía. Cita original: “The problem, of course,
was to find a way of reconciling that second coming of the figure with the work to annihilate
likeness being done at the same time. The figure, if it was to appear at all, would have to do so
out of or against that work, as the strict contrary of it — the negation of the negation”. “Negación
de la negación”, pues a la negación de la figura y del ilusionismo realizada por el movimiento
abstracto le seguiría una segunda negación, que funcionaría como el impulso básico dentro de un
campo o régimen artístico semi-abstracto.
13 GREENBERG, Clement. “After abstract Expressionism” [1962]. In: The Collected Essays and
Criticism. Volume 4. Modernism with a Vengeance. 1957-1969. Ed. John O’Brian. Chicago: The
University of Chicago Press, 1993, p. 124, traducción mía. Cita original: “homeless
representation”.
14 Idem, ibidem, p. 127, traducción mía. Cita original: “Everything that usually serves
representation and illusion is left to serve nothing but itself, that is, abstraction; while everything
that usually serves the abstract and decorative – flatness, bare outlines, all-over or symmetrical
design – is put to the service of representation. And the more explicit this contradiction is made,
the more effective in every sense the picture tends to be”
15 Cf. CAMPOS, Haroldo de. “dois dedos de prosa sobre uma nova prosa”. In: Invenção, n. 4. São
17 Algunos de ellos fueron publicados a fines de los 60 e inicio de los 70 en revistas como flor do
mal, navilouca, código, qorpoestranho, circulando en lo que el autor llamó la “‘marginália’ dos anos
70”. (CAMPOS, Haroldo de. Galáxias. São Paulo: Editora Ex Libris, 1984, s.p.). En 1976 Haroldo
de Campos publicó una versión avanzada de Galáxias (reuniendo 43 textos) en su antología Xadrez
de estrelas. Precurso textual. 1949-1974.
18 CAMPOS, Haroldo de. “pulverulenda”. In: Galáxias. São Paulo: Editora Ex Libris, 1984, s. p.
19 Este término fue propuesto originalmente por Northrop Frye para describir un tipo especial de
prosa, de ritmo asociativo, influenciada por la oración (unidad básica de la prosa convencional),
pero cuya unidad rítmica sería, en definitiva, la frase. Esta unidad breve le permitiría a la prosa
libre un movimiento más espontáneo, voluble y digresivo que el de la prosa expositiva basada en
la oración. Cf. FRYE, Northrop. The Well-Tempered critic. Bloomington: Indiana University Press,
1963, pp. 81-93. La idea de una prosa libre ha sido retomada de modo productivo por Perloff para
estudiar la nueva prosa de los años 60 y 70. Cf. PERLOFF, Marjorie. Poetics of indeterminacy.
Rimbaud to Cage. Evanston: Northwestern University Press, 1999, pp. 39-44; pp. 316-18.
20 Respecto a esta numeración de los textos de Galáxias, una breve aclaración. La obra se compone
considero que las técnicas constructivistas a las que el locutor refiere aquí
apuntan, no a los principios formales que rigen su línea de comentario
personal (que definimos como un pensamiento ecolálico en prosa libre),
sino a la forma del tipo de texturas impersonales que hemos llamado
concreciones. Nos introducimos en tales texturas cuando, en lugar de la
dicción del locutor, que realizará una desaparición elocutoria, nos vemos
frente a una yuxtaposición de frases readymade en diversos idiomas que
anticipan la estructura quebradiza y paratáctica de la secuencia que nos
interesa comentar. Sus materiales son heterogéneos: una frase enigmática
(“pena que ela seja uma ptyx”), una pared callejera con imágenes
pornográficas, impresiones provenientes de un café, las mujeres
monocromáticas de Yves Klein estampándose sobre una tela en blanco. La
forma de este tipo de texturas es, a mi juicio, heredera del cubismo literario
de Ezra Pound: una yuxtaposición de bloques verbales con contornos
fuertes, que presentan imágenes condensadas provenientes de contextos
heterogéneos. Al ser apilados, uno tras otro, estos bloques impersonales
forman constelaciones multilaterales y simultaneístas que debemos
procesar en una lógica ajena o contrapuesta a la de una sintaxis discursivo-
lineal.21
La frase “pena que ela seja uma ptyx” y sus retornos merecen un
comentario detenido. Esta frase remite al célebre “Soneto en yx” [1899] de
Stéphane Mallarmé, un soneto emblemático para la abstracción literaria,
en la medida en que presentó una poética radical que afirmaba las
cualidades intrínsecas del medio verbal por sobre cualquier subordinación
a convenciones y sentidos vigentes en el espacio extra-artístico. En su busca
formalista de improbables rimas en yx, Mallarmé inventó la palabra-
enigma “ptyx”, sin significado alguno fuera del mundo del poema. “Ptyx”
contaría como uno de los primeros emblemas literarios de la abstracción
artística: una afirmación orgullosa, soberbia, de la primacía y autonomía
de la poesía, y de su medio específico. Haroldo, que conocía muy bien la
poética de Mallarmé, no recuperó tal emblema de la abstracción y de la
21 En este sentido, considero que, para leer Galáxias, es recomendable familiarizarse con la versión
poundiana de cubismo literario, sea en términos de vorticismo o de método ideográmico.
Haroldo de Campos estudió a fondo estos métodos desde la década de 50. Su interés tal vez se
haya intensificado durante el período de escritura de Galáxias. A mi juicio, el cubismo literario
que practica en esta obra es de linaje poundiano. (Si tuviese que tomar posición en las batallas del
paideuma concreto, en relación a Galáxias, apuntaría a Pound, y especialmente a sus “Pisan
Cantos”). El hecho de que, en 1977, el autor haya publicado Ideograma. Lógica, Poesia, Linguagem,
un libro que evidencia el nivel de compenetración con estos métodos, y con sus presupuestos,
refuerza esta hipótesis. Para una notable síntesis del cubismo literario de Pound, entendido como
bloques verbales o imágenes en relación, ver POUND, Ezra. Gaudier-Brzeska. A memoir. Nova
Iorque: New Directions Books, 1970, pp. 81-94. Para un comentario más detenido y sistemático,
ver KENNER, Hugh. The poetry of Ezra Pound. [1951] Lincoln. University of Nebraska Press, 1985.
Este último fue un libro de cabecera para Haroldo de Campos, citándolo con frecuencia desde los
tiempos del concretismo poético de los 50.
poesía pura por acaso. ¿Cómo interpretar, entonces, que haya realizado
este gesto de fidelidad a la abstracción literaria al interior de un proyecto
neofigurativo y prosaico? ¿Sería viable conservar actitudes propias de la
abstracción mallarmeana en una prosa orientada a dejar entrar, de modo
masivo, el afuera prosaico?
Al respecto, la posición del autor parece ser ambivalente.
Comencemos por notar que, en Galáxias, “ptyx”, símbolo de la pureza
poética, será conectado con “puta”, símbolo de la perdición prosaica. Esta
conexión es primero insinuada, y lamentada, en la primera oración: “pena
que ela seja uma ptyx”. Será confirmada de modo abrupto al ser
yuxtapuesa a “she’s a whore”. Nuestra oración reaparecerá más adelante,
de modo compulsivo y recortado, en “pena que ela seja/ a cadeira
sacudida de riso espernava grossas coxas de nylon”. Aquí un montaje
interrumpe el predicado esperado (“uma ptyx”/ “a whore”). Pero no lo
anula. Siendo un predicado simbólicamente cargado de enigma y erotismo,
probablemente quedará resonando en la memoria del lector, que verá
como otro bloque de prosa, terminado en “grossas coxas de nylon”, lo
substituye súbitamente, como si fuese una rima en yx. Pero aquí no hay
rima sonora.22 Más bien, estaríamos frente a algo del orden de un pattern:
la sensación de que algo en la forma se repite, pero sin que podamos definir
fácilmente de qué se trata.23
Nuestro pasaje parece sugerir que, en el afuera prosaico de Galáxias,
las rimas de la poesía pura (abstracta) pueden ser redefinidas como patterns
de estímulos sexy que encontramos en todo lugar. Recurrencias que
parecemos encontrar al acaso. Cierto tipo de repetición que se expresaría,
por ejemplo, en la contingencia prosaica de unas piernas vistas en un café.
Pero también en las mujeres monocromáticas de Yves Klein marcando una
tela en blanco. ¿Sería una pena que, en este proyecto prosaico, “ptyx”,
símbolo de la poesía pura, pasase a funcionar como una “puta”? Esta
posible degradación de actitudes abstractas y puristas reorientadas hacia
el afuera ha sido insinuada aquí y en otros textos de la obra. No obstante,
la estrategia de Haroldo será precisamente aproximarse en yx hacia la vida
cotidiana: con la concentración de un artista abstracto que busca y
22Notemos, de todos modos, que este bloque verbal (“grossas coxas de nylon”) contiene las letras
relevantes de la rima (yx), aunque en orden invertido (xy). Si no se tratase de Haroldo, asumiría
que esto no ha sido voluntario.
23 Respecto al término pattern, en su Gaudier-Brzeska, Pound nos ofrece una definición
magistralmente simple y general de un concepto complejo: “por ‘pattern’ quieres decir algo con
una ‘repetición’ dentro”. (POUND, Ezra. Op.cit., p. 87, traducción mía). Cita original: “by ‘pattern’
you mean something with a ‘repeat’ in it”. La fuerza de esta definición está en su soltura, en su
capacidad de indicar el carácter vago de aquello que se repite: no especifica qué se repite ni cuál
sería su vehículo específico: puede ser una imagen, un sonido, una asociación, una combinación,
una insinuación. Siguiendo esta pista, al hablar de patterns en Galáxias refiero básicamente a
aquellas imágenes o bloques de palabras en los que percibimos, aunque sea de modo vago, una
repetición — algo ya visto, ya sentido.
24CAMPOS, Haroldo de. “principiava a encadear-se um epos”. In: Galáxias. São Paulo: Editora
Ex Libris, 1984, s.p.
25 Cf. CAMPOS, Haroldo de. “A arte no horizonte do provável” [1963]. In: A arte no horizonte do
provável e outros ensaios. São Paulo: Perspectiva, 2010.
26 CAMPOS, Haroldo de. “e começo aqui”. In: Galáxias. São Paulo: Editora Ex Libris, 1984, s.p.
27 Considero que este principio expresa una orientación diametralmente opuesta a la poética
abierta de John Cage. Para el estadounidense, aprender a concebir lo fortuito simplemente como
fortuito, dejando caer ansiedades de control integral, apuntaría en una dirección liberadora,
abriendo nuevos caminos para el arte. Cf. CAGE, John. “Experimental music”. In: Silence. Lectures
and writings [1961]. Londres: Marion Boyars Publishers, 1995. En Galáxias, Haroldo de Campos
propuso una versión muy diferente de la incorporación del acaso, en donde máxima aleatoriedad
sería, de algún modo, compatible con máximo control formal.
28 PERLOFF, Marjorie. “Refiguring the Poundian Ideogram: From Blanco/Branco to the Galáxias”.
de lincoln distribuía...”
31Refiero aquí al notable análisis de la infraestructura traumática del pop de Warhol realizada por
Hal Foster, apoyándose en la lógica de la acción diferida de Jacques Lacan: “‘Lo que es repetido’,
escribe Lacan, ‘es siempre algo que ocurre . . . como por acaso’ (...) Así ocurre con estos pops:
parecen accidentales, pero también parecen repetitivos, automáticos, incluso tecnológicos (la relación
entre accidente y tecnología, crucial para el discurso del shock, es un gran asunto warholiano)”. (FOSTER,
Hal. The return of the real. The avant-garde at the return of the century. Cambridge: The MIT Press,
1996, p. 134, cursivas mías, traducción mía). Al mostrar que en el pop de Warhol aleatoriedad y
repetición compulsiva mantendrían una conexión subterránea, la lectura de Foster complementa
nuestra discusión sobre patterns y compulsiones en Galáxias. Los pedazos y unidades estimulantes
que retornan compulsivamente, produciendo accidentes y desconfiguraciones en la sintaxis de
esta nueva prosa, corresponderían a los pops teorizados por Foster. Cita original: “‘What is
repeated’, Lacan writers, ‘is always something that occurs... as if by chance’ (...). So it is with these
pops: they seem accidental, but they also appear repetitive, automatic, even technological (the
relation between accident and technology, crucial to the discourse of shock, is a great Warhol
subject)”.
32 CAMPOS, Haroldo de. “principava a encadear-se um epos”. In: Galáxias. São Paulo: Editora Ex
Libris, 1984, s.p.
33 Para una interpretación reciente de esta fase tardía de Galáxias ver AGUILAR, Gonzalo. “Parte
III. A vereda para o branco”. In: Idem. Hélio Oiticica, a asa branca do êxtase. Arte brasileira 1964-1980.
Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2015.
En caso de que hayamos logrado dar sustento formal a esta idea, creo que
este ensayo habrá logrado un objetivo importante.
A modo de cierre, y reincorporando ahora la figura del locutor
ficcional a nuestra reflexión, estamos en condiciones de formular una
pregunta relevante sobre la forma general de Galáxias: ¿qué función tendría
este sentido de crisis en la forma global de los textos y de la obra? A nuestro
juicio, la prosa semi-abstracta de Haroldo de Campos no sería una forma
de la resolución (llámese epifánica o paradisíaca) sino una forma de la
perplejidad, de lo que no cuadra, de lo que incomoda. Galáxias pone en
escena los esfuerzos y astucias que un sujeto realiza para procesar e
interpretar estos descuadres, ensayando modos de situarse y orientarse en
contextos inorgánicos e inestables. El protagonista o histrión de tales
movimientos e interpretaciones es el locutor ficcional, una especie de
Virgilio que media y orienta la relación del lector con la forma intrincada
de estas nuevas texturas.
Galáxias sería una obra que, a través de un contrapunto reflexivo
entre concreción impersonal y comentario personalista, dramatiza o
teatraliza el procesamiento de una crisis de difícil definición, que toca
nervios sensibles de una comunidad. No sólo por referir a aspectos
enigmáticos de una vida prosaica o común, sino también, y quizás
principalmente, por usar de modo intensivo técnicas y presupuestos de un
movimiento estético, la abstracción geométrica, que en el Brasil del período
pos-1945 fue portador de grandes ilusiones colectivas respecto a la forma
que adoptaría la modernidad industrial en el país. Que, a partir de 1964, el
uso intensivo de técnicas y principios constructivo-geométricos comenzase
a producir ansiedades y perplejidades en lugar de satisfacciones y
convicciones; a cristalizar un sentido de lo amorfo y de lo estridente, en
lugar de un sentido de orden y planificación, no debe haber sido algo fácil
de procesar, o de admitir, para este colectivo histórico.
Así, el sentido de crisis que las concreciones provocan respondería
no sólo a aquello que revelan del afuera cotidiano común, en una llave
neofigurativa; respondería, asimismo, al cambio subterráneo de función y
valencia que sufrieron las técnicas y principios constructivistas durante el
largo período de escritura de Galáxias (1963-1976). En otras palabras, para
aproximarnos a su sentido de crisis, no basta un marco neorrealista, sino
que, adicionalmente, debemos considerar, con perspectiva histórica, el
peso simbólico y el destino de su base abstraccionista. Las concreciones de
Galáxias serían, bajo esta hipótesis, formas ruinosas del movimiento
abstracto brasilero. Y como tales, se tornan una incomodidad común para
el locutor y para el lector; como si nos hablasen, oblicuamente, de un
proyecto colectivo que falló y, cuyo estado actual, parece exigir un ejercicio
proliferante de reflexiones, ajustes y reformulaciones, realizados en estado
de perplejidad.
En este escrito he intentado establecer una base para leer una forma
general, de carácter contrapuntístico, que ensaya ajustes entre un sujeto
con pretensiones de liderazgo colectivo y una situación inorgánica. Una
forma en donde la inorganicidad se ha tornado presupuesto y motor de
una actividad simbólica incansable que, por su vez, debiese ser evaluada
críticamente por el lector. Pues el lector también entra en el juego global de
la forma. Las concreciones nos sitúan, como lectores, en una posición
incómoda que nos fuerza a buscar salidas, distancias y perspectivas. Pues,
si no queremos permanecer aturdidos, debemos tomar distancia: revisar,
medir, examinar, comparar, meditar. Y luego volver a confrontar estas
formas. Es a la posibilidad de establecer una posición más autónoma o
escéptica para el lector de Galáxias, una que permita calificar los
movimientos simbólicos y las visiones extáticas del locutor ficcional como
un momento parcial dentro del juego global de la forma, que he dedicado
este escrito. Desde este ángulo, el tipo de texturas cubistas que hemos leído
pasarían a funcionar como un extraño e inestable principio de objetividad
contra el cual los movimientos veloces del locutor haroldiano pueden ser
medidos y evaluados.
Para cerrar el círculo, vuelvo a problemas de concepción. No
quisiera defender que Galáxias procese de modo satisfactorio el sentido de
crisis que su forma produce, pues creo que no lo consigue. Mi defensa de
la obra se sitúa, más bien, a nivel de concepción. En momentos históricos
de crisis, marcados por una transformación subterránea de presupuestos
colectivos básicos, concebir una nueva forma o modo simbólico capaz de
procesar tales movimientos puede tener mayor urgencia que lograr buena
factura en modos que han perdido la capacidad de tocar los nervios de una
comunidad. Creo que la prosa semi-abstracta de Galáxias, con sus altos y
bajos, acierta en términos de los problemas de forma que ayudó a definir a
partir de los 60 y 70. Responde, en el nivel profundo de sus presupuestos
formales, a la pregunta por su hora histórica. Al respecto, me gustaría
finalizar retomando una pregunta con la que Roberto Schwarz intentó
formular la incomodidad colectiva que inauguraría el período
contemporáneo en Brasil. (Y que me parece válida para muchos otros
países de la región). Es la siguiente: “E se a parte da modernização que nos
tocou for esta mesma dissoçiação agora em curso, fora e dentro de nós? E
quem somos nós nesse processo?”.34 Esta pregunta define una situación
inorgánica (externa e interna), un malestar colectivo y un problema de
perspectiva y de ajustes autorreflexivos. Creo que, más allá de las
respuestas específicas, muchas veces insatisfactorias, que Haroldo de
Campos haya ofrecido en Galáxias, esta pregunta está muy cerca del núcleo
34SCHWARZ, Roberto. “Fim de século”. In: Sequências brasileiras. Ensaios. São Paulo: Companhia
das letras, 2014, p. 198, cursivas del autor.
Jorge Manzi Cembrano é chileno e possui doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada
pela Universidade de São Paulo, tendo sido orientado pelo Prof. Dr. Jorge de Almeida. Defendeu
recentemente o grau de doutor com a tese Abstração e Informalismo depois de 1945: de Pedrosa e
Greenberg à Nova Prosa de Haroldo de Campos (2019), um estudo comparado sobre a ascensão
e crise do movimento da arte abstrata no Brasil e nos Estados Unidos durante o período pós-1945.
Na tese, a prosa literária de Haroldo de Campos teve um lugar de destaque. Contato:
[email protected]
60/70: DA PARTICIPAÇÃO
AO COMPORTAMENTAL
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2237-1184.v0i29p105-114
Celso Favaretto
Universidade de São Paulo (USP)
RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
No período 1965-68, ocorreu uma reconfiguração das Arte;
relações entre arte e política, resultante do tensiona- política;
mento das proposições em curso entre radicalidade experimentação artística;
experimental e significação política. A categoria de participação;
participação, que já adquirira especial relevo nas comportamento;
atividades artísticas, passou a admitir o aspecto contracultura.
comportamental, a corporalidade, como constitutivo
dessa nova posição estética. A eficácia política de tal
mudança estendeu-se até meados da década seguinte,
no horizonte das variadas atividades contraculturais,
apesar da pressão e censura agravadas pelo AI-5.
ABSTRACT KEYWORDS
In the period 1965-68, there was a reconfiguration of the Art;
relations between art and politics, resulting from the politics;
tensioning of the propositions underway between artistic experimentation;
experimental radicality and political signification.The participation;
category of participation, which had alread acquired special behavior;
importance in artistic activities, began to admit the counter-culture.
behavioral aspect, corporality, as constitutive of this new
aesthetic position. The political efficay of such a change
extended until the middle of the following decade, on the
horizon of the various counter-cultural activities, in despite
of the repression and censorship aggravated by the AI-5.
3 Este texto retoma, sob este aspecto, com modificações, “Incorporação: corpo e política nos anos
60/70”. In: FREITAS, Artur et al. (orgs). Imagem, narrativa e subversão. São Paulo: Intermeios, 2016.
4 OITICICA, Hélio. Catálogo da Whitechapel Experience. Londres, 1969 reproduzido na coletânea
de textos Aspiro ao Grande Labirinto (org. de Luciano Figueiredo, Lygia Pape, Waly Salomão). Rio
de Janeiro: Rocco, 1986.
5 OITICICA, Hélio. “Experimentar o experimental”. In: ARAÚJO NETO, Torquato Pereira de;
SALOMÃO, Waly Dias (orgs.). Navilouca. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1974.
6 PAULA, José Agrippino de - PanAmérica. Rio de Janeiro-GB: Tridente, julho de1967. Capa de
Antônio Dias. Texto de capa de Mário Schenberg. 2ª. Ed. São Paulo: Max limonad, 1988; 3ª. Ed.
São Paulo: Papagaio, 2001.
7 CALADO, Antonio. Quarup. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1968.
8 PAULA, José Agrippino de. Lugar público. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1965. Texto de
capa de Carlos Heitor Cony. 2ª. Ed. São Paulo: Papagaio, 2004.
9HOISEL, Evelina. Supercaos, os estilhaços da cultura em PanAmérica e Nações Unidas. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 1980.
10 FAVARETTO, Celso. “A outra América”. In: Jornal de Resenhas, n. 75, 09/06/2001. Reproduzido
em: NASCIMENTO, Milton do (org.) - Jornal de Resenhas, v. III. São Paulo: Discurso editorial,
2002, pp. 2155-7.
11
Idem. “60/70: viver a arte, inventar a vida”. In: LAGNADO, Lisette (org.). 27ª. Bienal de São
Paulo: Seminários. Rio de Janeiro: Cobogó, 2008, p. 240-9.
RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
Este artigo analisa alguns dos expedientes Dramaturgia brasileira;
dramatúrgicos utilizados na peça Papa Highirte, de teatro brasileiro;
Oduvaldo Vianna Filho. obra de Oduvaldo Vianna Filho.
ABSTRACT KEYWORDS
This article examines some of the dramaturgical techniques Brazilian drama;
used in the play Papa Highirte, by Oduvaldo Vianna Brazilian theater;
Filho. Oduvaldo Vianna Filho’s works.
alude com impaciência à explicação que alega ter-lhe dado já várias vezes
relatando que Manito morreu numa tentativa de fuga, e não em decor-
rência de tortura.1 Novamente volta-se o foco cênico para o passado, e nele
vemos o próprio ditador perguntar ao General Perez y Mejia sobre a
prática de tortura em Alhambra. Denúncias haviam sido feitas pelo jornal
de oposição El Clarin, cujo fechamento foi sintomaticamente exigido por
Mejia.2
Ao colocar em foco o contraste entre passado e presente, essa
sequência evidencia o falseamento dos fatos pelo governo de Highirte e
pelo generalato que o apoiava. O passado trazido à cena intercala-se ao
presente, produzindo elucidações a seu respeito. A supressão da verdade
é exposta estruturalmente por meio da alternância entre os tempos,
desvelando assim ao espectador e ao leitor o contexto real dos acon-
tecimentos ocultados.
Igualmente relevante para essa forma de funcionamento da
estrutura é o enquadramento temporal dado às cenas explícitas da tortura
sob o regime ditatorial de Highirte. Embora situadas no passado, essas
cenas materializam-se no palco em paralelo com diferentes momentos do
presente, colocando em foco a presença concreta de torturadores em ação.
Trata-se de uma simultaneidade que, em sua intermitência ao longo da
peça, dá materialidade cênica ao contexto de autoritarismo e aos meca-
nismos por meio dos quais se impunha a ditadura de Highirte em
Alhambra.
Uma ocorrência importante desse recurso se dá quando Mariz, no
bunker, passa pela entrevista de admissão para o emprego de motorista
enquanto, paralelamente, em cena do passado, dois encapuçados torturam
um rapaz visto de costas e que tem exatamente a sua estatura e aspecto
físico.3 O nexo associativo entre essas duas imagens, contrapostas por meio
de simultaneidade cênica, ressalta o sentido político da motivação do rapaz
e ao mesmo tempo a denúncia implícita dos expedientes da tortura sob a
ditadura de Highirte.
Todas as cenas de Mariz no bunker, no presente, já como motorista
de Highirte, mostram-no sob o impacto de projeções rememoradas de seu
passado militante em diálogos com Manito, contrapostas ao presente por
simultaneidade cênica. Trata-se de um recurso por meio do qual ganham
relevo os debates internos da organização de luta armada, com a defesa da
ação de vanguardas revolucionárias por Manito e da organização coletiva
da luta por Mariz. Nas rememorações, Manito aparece sempre ensanguen-
1 VIANNA FILHO, Oduvaldo. Papa Highirte. BETTI, Maria Sílvia (organização, apresentação e
posfácio). São Paulo: Editora Temporal, 2019, p. 16. Obs.: todas as menções a cenas da peça neste
artigo remetem a esta edição específica.
2 Idem, ibidem, pp. 16-7.
3 Id., ib., p. 21.
tado e com as marcas da tortura que viria a sofrer, recurso que frisa, a cada
ocorrência, a indissociabilidade entre seu assassinato sob tortura e a deter-
minação vingadora de Mariz no presente.
Também Highirte é tomado por rememorações quando, dançando a
chula e bebendo pulque numa cena do presente em Montalva, a reme-
moração indesejada das duras palavras de crítica de Mejia sobre seu go-
verno levam-no a arremessar com força a garrafa contra a parede4, como
que no desejo de dissipar a lembrança e o sentido do que Mejia lhe disse.
Ao desmentir o passado e expô-lo em suas contradições, a peça
emprega consistentemente um recurso que, em sua funcionalidade, exerce
de forma econômica e sugestiva o papel que narrativas e comentários
teriam, conseguindo assim intensificar ao máximo o impacto exercido
sobre espectador e leitor. Exemplo disso é a cena em que Highirte, no
passado, diz a Mejia que sabe ser amado pelo povo, enquanto no presente,
logo a seguir, leva um susto que o faz ter uma reação patética e ao mesmo
tempo brutal ao ser surpreendido por uma brincadeira de Graziela, que
chega sem ser pressentida e brinca de vendar-lhe os olhos com as mãos.5
A reação histérica é sintoma de sua fragilidade e de seu medo pânico, e é
prontamente traduzida em violência extrema ao desferir um tapa na face
da moça, desmentindo assim a autoconfiança que ostentava quanto ao
sentimento que lhe era dedicado pelo povo de Alhambra.
Presente e passado compõem nessa cena uma configuração de
síntese que se repete em outra igualmente digna de nota: Highirte tem
Graziela braços, no presente, enquanto simultaneamente, no passado
rebate as pressões por democratização que lhe são feitas por Mejia. O
sentido implícito de síntese se caracteriza fortemente porque todos os fios
dramáticos encontram-se representados de alguma forma: a essa altura
espectador e leitor já sabem que a moça introduziu no bunker aquele que
planeja executar o ex-ditador, e sabem também que Mejia, que havia
assegurado pela força a implantação da ditadura de Highirte, seria
também agente das pressões por suposta redemocratização que acarre-
tariam a derrubada do ditador e o seu banimento de Alhambra.
Os nexos de contraste subentendidos entre os tempos são recursos
estruturantes que não se restringem, porém, a cenas consecutivas ou
simultâneas: também cenas que ocorrem separadas entre si constroem, por
meio de seus conteúdos, nexos implícitos de contraste entre passado e
presente. É o caso, por exemplo, das interações entre Highirte e Perez y
Mejia, seu principal assessor no passado em Alhambra e seu principal
interlocutor no exílio no presente. Mejia, que antes cobrava de Highirte o
acirramento do autoritarismo6, passa a partir de um certo momento a
RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
Este artigo investiga a relação entre a obra antipoética do chileno Antipoesia;
Nicanor Parra (1914-2018) com a questão do fim do mundo, a partir Nicanor Parra;
da sua produção literária dos anos 1970-80. Passando pelos apocalipse;
problemas enfrentados pela obra no período, discute-se sobre a ecopoesia.
relação entre a sua poesia e o momento histórico chileno da
ditadura militar, a partir do golpe de 1973, chegando à
transformação política de Parra nos anos 80 para aquilo que irá ser
chamado de “ecopoesia”. O funeral do sujeito lírico, que já vinha
sendo colocado em questão desde o início da antipoesia de Parra,
nos anos 1950, ganha contornos dramáticos a partir das mudanças
climáticas e ameaças nucleares que o final do século XX anuncia.
Também a saída pelo sermão de pregação, como resposta ao golpe
militar e à ameaça da catástrofe ecológica, representa um ponto de
especial interesse na trajetória do autor.
ABSTRACT KEYWORDS
This essay aims at the investigation of the relation between the antipoetic Antipoetry;
works of Chilean poet Nicanor Parra (1914-2018) and the issue of the end Nicanor Parra;
of the world, through a reading of his literary production in the years of apocalypse;
1970-80. Going through the problems faced by his poetry in this period, ecopoetry.
we discuss the relation between Parra’s antipoetry and the historical
moment of the military coup d’état in Chile, in 1973, arriving at he
political transformation that takes place by the 80’s, into what will be
called ‘ecopoetry’. The lyrical subject’s funeral, that was announced since
the early antipoems, in the 50’s, is taken to its last consequences in face of
the threat of climatic and nuclear catastrophes in which the late 20th
century dwells. Also the religious discourse as a response to the military
dictatorship and the ecological crisis represents an interesting point in the
author’s trajectory.
2. Teologia do desconcerto
1 Cf. PARRA, Nicanor. Artefactos. In: _____. Obras Completas & algo +. Barcelona: Gutenberg, 2006.
2 Cf. MORALES, Leonidas. Conversaciones con Nicanor Parra. Santiago: Tajamar, 2006.
3 Cf. SUBERCASEAUX, Bernardo. Historia de las ideas y de la cultura en Chile. vol. 1-3, Santiago:
Universitaria, 1997.
4 Idem, ibidem, pp. 253-67.
XXIV
Cuándo los españoles llegaron en Chile
se encontraron con la sorpresa
de que aquí no había oro ni plata
nieve y trumao7 sí: trumao y nieve
nada que valiera la pena
los alimentos eran escasos
y continúan siéndolo dirán ustedes
5 Cf. PARRA, Nicanor. Nuevos sermones y predicas del Cristo de Elqui. Santiago: Universidad de
Chile, 1979.
6 Em conversa com Leonidas Morales, Parra se recorda de ter visto o Cristo de Elqui um par de
vezes, na juventude, e de tê-lo ouvido pregar, e revela ter ficado muito impressionado com a
figura, já então. In: MORALES, Leonidas. Op.cit.
7 Tipo de solo seco, típico do Chile, de origem vulcânica.
XXIII
[…]
a ver a ver a que nadie se atreve
a escupir la bandera chilena
primero tendría que escupir mi cadáver
apuesto mi cabeza a que nadie se ríe como yo
cuando los filisteos lo torturan.10
Tudo é dito de maneira muito direta, mas se passa como que num
passado já sepultado. O Cristo de Elqui vive em uma ditadura — mas não
a ditadura de Pinochet, e sim a ditadura do general Ibañez (Carlos Ibañez
del Campo, que foi presidente do Chile em duas ocasiões, entre 1927-31 e
1952-58). Isso que estou chamando um de curto-circuito na temporalidade
histórica do discurso, entre a situação política chilena contemporânea e a
denúncia da sua violência, não se via nos antipoemas da década anterior.
Paradoxalmente, note-se que a fase mais politizada e engajada de Parra é
quando a obra se assume mais “ficcional”, sob a roupagem da clownesca
figura histórica recuperada do místico de Elqui. Sobre isso o autor lembra,
em conversa de 1989 com Leonidas Morales, que:
8 Região inóspita na costa do Chile, que serviu como campo de detenção e extermínio de
opositores do regime de Pinochet, durante a ditadura militar.
9 In: PARRA, Nicanor. Sermones y predicas del Cristo de Elqui. Santiago: Universidad de Chile, 1977.
10 Idem, ibidem.
11 PARRA, 1989. In: MORALES, Leonidas. Op.cit., p. 117.
isso sem levar em conta o fato, é preciso que se diga, de que por diversas
razões as quais não sabe aqui desdobrar Parra não foi fisicamente perse-
guido pela ditadura, como foram muitos artistas do período — ao menos
não no sentido de ter de se exilar, ou de ter seu posto universitário cassado.
Ainda assim, para dizer de modo bastante sintético, com o Cristo de Elqui
é como se Parra “dobrasse a aposta” da ditadura. Como isso se dá?
Em primeiro lugar, através da anunciação. O leitor notará, diante
dos sermões do Cristo de Elqui, um uso da linguagem bastante particular.
No poema IX, esse uso é referido diretamente, como uma “língua vulgar”:
“y perdonen si me he expresado en lengua vulgar/ Es que esta es la lengua de la
gente” (“IX”, Sermones y prédicas de Cristo de Elqui, 1977). Apesar desse
recurso à linguagem banal e vulgar, contudo, é preciso ter em mente
contudo que a antipoesia de Parra não é uma poesia antitradição — como
pode ser erroneamente interpretado. É uma poesia que se opõe àquilo que
o autor chamava de “vício do pedantismo” na cultura ocidental — a ideia
de que o poeta é um sujeito extraordinário, cuja experiência singular não
tem par entre os outros mortais, o poeta como aquele que vê o que os
outros não veem e diz o que os outros não podem dizer. A antipoesia opõe
a isso, que Parra dizia ser um vício, um outro vício, o vício da cultura
popular, que é o vício da vulgaridade. Vulgaridade, portanto, aqui, é a
língua vulgar da experiência comum da linguagem — o uso da linguagem
que não é próprio a um ou outro indivíduo e que, justamente por definição,
não pode ser “privatizado” dessa maneira.
Ainda assim, e mesmo para o leitor acostumado a uma importante
tradição de poesia prosaica e cotidiana, que tem representantes em toda a
América Latina, e muito especialmente na poesia brasileira, os Sermões do
Cristo de Elqui podem causar algum espanto. Pois a linguagem aqui se
vulgariza a tal ponto que beira, por vezes, o “mal escrito”. Há, aqui,
quebras de raciocínio, frases que não se completam, pensamentos que se
atropelam, mudanças súbitas de assunto, repetições, redundâncias e
insistências injustificadas em certos temas — como a morte da mãe, acon-
tecimento capital que leva o Cristo a iniciar sua pregação, e que volta e
retorna nos poemas sempre de uma maneira um tanto atravessada,
esquisita. Tudo isso vem daquilo que Parra chama de os “recursos
escassos” do seu orador. E ainda assim, é uma poesia lógica, de raciocínio
sóbrio, cujas argumentações fazem muitas vezes perfeito sentido, fruto da
capacidade que esse orador tem de articular os seus pobres recursos de um
“analfabeto que nunca pisou na porta de uma escola”:
XVI
A mí me parece evidente
que religión y lógica a la larga
vienen a ser prácticamente lo mismo
se debiera sumar
como quien reza un ave maría
se debiera rezar
como quien efectúa una operación matemática
oraciones y ruegos claro que sí
ceremonias diabólicas nó
humillémonos ante el grandioso
para que no se ría Satanás.14
XLII
La presencia del Espíritu Santo
15 PARRA, 1979.
XLI
Todo puede probarse con la Biblia
por ejemplo que Dios no existe
por ejemplo que el Diablo manda más
por ejemplo que Dios
es masculino y femenino a la vez
o que la Virgen María era liviana de cascos
basta con conocer un poco el hebreo
para poder leerla en el original
e interpretarla como debe ser
es cuestión de análisis lógico
16 PARRA, 1979.
17 Idem, 1989. In: MORALES, Leonidas. Op.cit., p. 118.
3. Ecologia do apocalipse
Às portas dos anos 1980, não há como ler a ironia entre catástrofe
política e pregação destes poemas de Nicanor Parra sem colocá-los sob a
luz da perspectiva ecologista que ele irá adotar a partir de então, e que
guarda relações profundas com a questão da circunstância política e social
em que emergem os seus sujeitos mascarados. A figura teológica da
enunciação, elaborada às últimas consequências no Cristo de Elqui,
invadirá os poemas curtos de “Ecopoemas” (1982)18, publicados em Poesía
política, de 1983, em que, por exemplo, o próprio Deus dá à humanidade
um irônico recado:
1
†††† ††† ††††† †† †† †††††† †††
†† †† †††† ††††† † ††††† †† †††††† †††
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†† ††† ††††††† ††† ††† †††† ††† ††††††
24 Para um balanço geral de como isso foi pensado pelos próprios norte-americanos, vale o
interessantíssimo ensaio de Paulo Arantes, “Notícias de uma guerra cosmopolita”. In: ARANTES,
Paulo. Extinção. São Paulo: Boitempo, 2007.
25 Grupo de economistas próximos ao governo militar chileno, que elaboravam a sua política
econômica, quase todos formados pela Escola de Chicago, nos EUA, sob a tutela do ideólogo
neoliberal Milton Friedman.
PEATONES
Héroes
anónimos
de
la
ecología29
Diante desse mundo que, aos olhos do antipoeta, se abre para ser
pregado, a solução, para Parra, a única solução possível, seria, portanto,
26 “Someone once said that it is easier to imagine the end of the world than to imagine the end of capitalism.
We can now revise that and witness the attempt to imagine capitalism by way of imagining the end of the
world”. In: JAMESON, Fredric. “Future city”, New Left Review, n. 21, mai/jun 2003.
27 “Disparates religiosos y políticos en la poesía de Nicanor Parra”. Literatura y linguística, n. 18,
Santiago, 2007.
28 Hamlet, ato 5, cena 2. In: SHAKESPEARE, William. The Oxford Shakespeare — The complete Works,
(org. G. Taylor; S. Wells). Oxford: Oxford Press, 1991, p. 686. A frase ainda faz sentido hoje,
porém, justamente no âmbito do sistema financeiro, atravessado que este é por uma moralidade
do empresário versátil, prevenido e arrojado, capaz de antecipar subidas e descidas do mercado.
Fui recentemente informado, a título de curiosidade, que essa citação de Hamlet é a preferida de
um importante executivo de uma grande instituição financeira brasileira.
29 “Ecopoemas”, 1982.
30 A perspectiva que eu adoto aqui, está claro, é radicalmente oposta à adotada por Fuente. O
problema do ensaio de Fuente, me parece, é tomar a poesia e as declarações de Parra pelo seu
“valor de face”, incapacitando a leitura para os mecanismos internos que a ironia e a contradição
realizam no texto parriano. O ensaio tem momentos quase cômicos, como quando Fuente reprime
Parra por ter respondido a uma pergunta sobre os 500 anos do descobrimento da América
dizendo que não conhecia a História, mas conhecia Física e Matemática muito bem; Fuente
dispara, claramente não entendendo a piada: “¿Cómo leer esto último? ¿Un candidato al Nobel que
se ufana en no conocer la historia?”. De todo modo, aparte esses momentos em que a crítica dá lugar
ao comentário, não parece ocorrer a Fuente por exemplo que o “yoísmo” do Cristo de Elqui é o
“yoísmo” de um yo que não tem qualquer domínio sobre o próprio yo, ou que o descompasso do
eu-lírico parriano nos Sermones... com relação à fidelidade histórica, biográfica e conjuntural do
verdadeiro Cristo de Elqui revela o interesse de um contexto, precisamente, de decompasso —
conforme procurei indicar aqui. Isso a não ser que eu, por acaso, tenha perdido também alguma
piada. In: FUENTE, José Alberto de la. “Disparates religiosos y políticos en la poesía de Nicanor
Parra”, Literatura y lingüística, n. 18, Santiago: Universidad Católica Silva Henríquez, 2007.
(Abolishing freedom: a plea for a contemporary use of fatalism, 2016) e pelo teórico francês Jean-Pierre
Dupuy (Economy and the future, 2011), que examina exatamente o mesmo problema a respeito da
relação entre as esferas do sagrado e da economia. É tanto de Ruda quanto de Dupuy que estou
tirando boa parte dessa lógica contraditória da catástrofe (Cf. RUDA, Frank. Abolishing freedom: a
plea for a contemporary use of fatalism. Lincoln: University of Nebraska, 2016; DUPUY, Jean-Pierre.
Economy and the future – a crisis of faith, trad. M. B. DeBevoise. Michigan State University, 2014).
33 O termo “poesia da claridade” foi usado por Parra em conferência de 1958 para descrever o
RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
Nos anos 80, Pedro Lemebel surgia no Chile como uma extravagân- Romance chileno;
cia, como uma brincadeira licenciosa e imoral que se deixava abater ditadura chilena;
sobre um meio social, cultural e politicamente estreitado. No espaço melodrama e literatura.
minado da ditadura, as performances, os programas de rádio e as
crônicas foram as armas com as quais Lemebel exerceu sua política
de resistência. Se no deboche dos espetáculos de Las Yeguas del
Apocalipse (1987-1993), a denúncia do constrangimento político e
sexual se propunha de uma maneira teatralizada, na escrita ela irá
acolher uma diversidade de perspectivas pelas quais o problema se
constrói no caminho de uma revisão histórica. Neste seu único
romance, Tengo miedo torero (2001), a ditadura militar é penetrada
pelo prisma do olhar periférico e marginal de um velho homossexual
travesti. Lemebel convoca o expediente do cancioneiro musical do
radinho de pilha da sua infância para combiná-lo acertadamente com
o ritmo de melodrama. O resultado aponta para um binarismo
antitético, preto no branco.
RESUMEN PALABRAS-CLAVE:
Durante los años 80, Pedro Lemebel surgió en Chile como una Novela chilena;
extravagancia, una jugarreta licenciosa e inmoral que se dejaba caer sobre dictadura chilena;
un medio social, cultural y políticamente estrecho. Dentro del espacio melodrama y literatura.
minado de la dictadura, las performances, los programas de radio y las
crónicas fueron armas con las cuales Lemebel ejerció su política de
resistencia. Si en los espectáculos de Las Yeguas del Apocalipsis (1987-
1993) la denuncia de la represión política y sexual se proponía de manera
teatralizada, en la escritura ella adoptará una pluralidad de perspectivas con
las cuales el problema se construye en el camino de una revisión histórica.
En esta su única novela, Tengo miedo torero (2001), la dictadura militar
es penetrada a través del prisma de la mirada periférica y marginal de un
homosexual travesti. Lemebel convoca el expediente del cancionero musical
de su radio de pilas de la infancia y lo combina acertadamente con el ritmo
del melodrama. El resultado apunta hacia un binarismo antitético, en
contraste blanco y negro.
Santiago, que combinava entrevistas, opiniões e seleções musicais de sua escolha pessoal.
8 Ver: LÓPEZ MORALES, Berta. “La construcción de "la loca" en dos novelas chilenas: “El lugar
sin límites” de José Donoso y “Tengo miedo torero” de Pedro Lemebel. Concepción: Revista Acta
Literaria. (online) n. 42, 2011.
9 Apud MATEO DEL PINO, Ángeles, “Cronista y malabarista... (Entrevista a Pedro Lemebel)”.
en las crónicas urbanas de Pedro Lemebel”. Revista chilena de Literatura, n. 56, 2000, pp. 71-92.
12 CANOVAS, Rodrigo. Sexualidad y cultura en la novela hispanoamericana. La alegoría del prostíbulo.
abyecto en Loco afán, de Pedro Lemebel”. Rutgers University: Inti. Revista de literatura hispánica, n.
69, 2009, pp. 171-85.
14 DONOSO, José. El lugar sin límites. (1967). Barcelona: Seix barral, 1985.
15 LEMEBEL, Pedro. Loco afán. Crónica del sidario. (1996). 2ª ed. Santiago: LOM, 1997.
Lemebel, La esquina es mi corazón. (1995). 3ª ed. Barcelona: Seix barral, 2004, p. 17.
esboçado.
21 LEMEBEL, Pedro. Loco afán. Crónica del sidario. (1996). 2ª ed. Santiago: LOM, 1997.
versos encabeçados pela adversativa ‘pero’ que levam ao ‘Olé torero’ final,
enfrentando o medo com a confiança eufórica ‘en ti creo torero’.
Movimento similar pode ser observado no restante do cancioneiro
evocado no romance: Bésame Mucho opõe ao abraço e ao beijo, o afasta-
mento e o desamor: “Piensa que talvez mañana yo ya estaré lejos, muy lejos de
aqui”. A tensão e intensidade se constroem no paroxismo dessas oposições.
O mesmo acontece com o bolero El reloj (“Ella se irá para siempre cuando
amanezca otra vez”) e com Tú me acostumbraste (“Por eso me pregunto al ver
que me olvidaste, por qué no me enseñaste cómo se vive sin ti”). Digamos que
no universo amoroso da canção tradicional, mesmo quando a letra fala de
encontro, como é o caso da balada chilena Aleluya, a paisagem tende a se
bifurcar (“Es grande el mar/ más grande el cielo/ […] Ojalá haya un lugar para
los dos”). Lembrando aqui, com Roland Barthes27, como esses fragmentos
nos levam a verificar a extrema solidão do discurso amoroso:
“Desacreditada pela opinião moderna, a sentimentalidade do amor deve
ser assumida pelo sujeito apaixonado como uma forte transgressão, que o
deixa sozinho e exposto.” 28
O romance de Pedro Lemebel situa-se em meio à vertigem da
história chilena da ditadura militar numa tentativa de escancarar, feito
preto no branco, as profundas cisões sociais que a sustentaram. Há nisso,
em termos, um triunfo e um perigo de fraqueza. O triunfo está no
despudor de uma fala periférica e na comovente desmistificação do eu que
surge, a meu ver, como uma fala única em contexto latino-americano. Sua
possível fraqueza residiria nas implicações um tanto simplistas desse
binarismo de procedimento formal, preto no branco.
Laura Janina Hosiasson é livre-docente pela USP, onde leciona Literatura Hispano-americana.
Autora do livro Nação e Imaginação na Guerra do Pacífico (2012), traduziu o peruano Julio Ramón
Ribeyro (2007) e a chilena María Luisa Bombal (2013). Tem publicado numerosos capítulos em
livros e artigos em revistas especializadas. Atualmente, prepara um livro sobre o escritor chileno,
Alberto Blest Gana (1830-1920). Contato: [email protected]
27 BARTHES, Roland. Fragmento de um discurso amoroso (1977). Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1981.
28 Idem, ibidem, p. 157.
Ariovaldo Vidal
Universidade de São Paulo (USP)
RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
Este ensaio é formado de duas partes: a primeira Luiz Vilela;
analisa o romance Os novos (1971), romance de ditadura militar;
geração que trata de um grupo de universitários às Os novos;
voltas com a opressão do regime militar e as dúvidas contos;
diante dos caminhos possíveis. A segunda parte do lirismo.
ensaio trata dos contos de Luiz Vilela (também
situados nesse período), mas procurando antes
compreender alguns procedimentos do autor na
construção da narrativa, bem como apontar o lirismo
presente em muitas de suas histórias.
ABSTRACT KEYWORDS
This essay is presented in two parts: the first part analyzing Luiz Vilela;
the novel Os novos (1971), a generation novel, talking military dictatorship;
about a group of academic students dealing with the Os novos;
oppression of a military regimen and the doubts before the tales;
possible paths. The second part of the essay deals with the lyricism.
tales by Luiz Vilela (also located in the same period), but
instead, trying to understand some procedures by the
author to construct the narrative, as well as to point out the
lyricism present in several of his stories.
A primeira parte deste ensaio foi publicada originalmente no Jornal da USP. São Paulo, 26 de março de
2018; a segunda parte, inédita, foi escrita originalmente para um livro em homenagem a Luiz Vilela.
omance e contexto
1
A expressão de Antonio Candido está em “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, In: Literatura e
sociedade. 7. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1985, p. 121.
2
Refiro-me ao conhecido “Jornal, realismo, alegoria: o romance brasileiro recente”, publicado em
Achados e perdidos. São Paulo: Polis, 1979, pp. 79 e ss.; republicado em Outros achados e perdidos. São
Paulo: Companhia das letras, 1999, pp. 77 e ss.
angústias o País vivia o entrave da ditadura; e esse era um dado novo: uma
juventude que ganhava uma visão politica dos fatos, em meio ao
anonimato da grande cidade.
Em muito a personagem central de Luiz Vilela é esse mesmo jovem,
e não é por acaso que em sua obra haja um grande número de estudantes
e adolescentes. O romance que melhor concentra esse universo de relações
é Os novos (1971), que conta a história de um grupo de universitários em
Belo Horizonte, vivendo os impasses de escolhas novas, num país também
em impasse. O romance se passa no final dos anos 60, no contexto do
nefasto AI-5: Nei é a personagem central que, recém-formado, já dá aulas
de filosofia, escreve contos, frequenta bares com os amigos, mantém uma
relação afetiva com o pai distante que às vezes vem visitá-lo, e vive o drama
sentimental de fazer dos amantes dois inimigos.
O livro retoma de maneira clara a tradição mineira dos romances que
misturam a crônica de grupo e a confissão do protagonista; é visível a
presença de O amanuense Belmiro (1937), de Cyro dos Anjos, nas cenas vivas
da roda de amigos que contrastam com um lirismo subjacente ao
protagonista (diga-se que no romance de Cyro, o lirismo está por toda
parte, enquanto no de Vilela o prosaísmo está por toda parte); mas retoma
também e de modo mais claro o livro de Fernando Sabino, O encontro
marcado (1956), com o qual compartilha um mesmo grupo de amigos que
dividem suas preocupações e impasses: “Estou cansado de tudo isso —
disse Nei. — Cansado dessa confusão, cansado da literatura, cansado dessa
cidade e dessa chuva, cansado até dessas nossas conversas, que não levam
a nada. Dá vontade de sumir pra longe daqui”.3 E compartilha também o
fato de ser o depoimento vivo de uma geração, na expressão de Alfredo
Bosi para o livro de Sabino.4
O romance possui um andamento solto (não desordenado),
contando a história de uma geração de jovens escritores, não mais
formados em medicina, farmácia ou direito, mas agora ganhando a vida
com o magistério ou o jornal, e a caminho do universo da publicidade.
Trata-se de um romance de geração, abusando de um prosaísmo pesado,
com o palavrão correndo solto e — como romance de geração — tendo no
bar o espaço por excelência em que transcorre a ação. Nele (ou neles)
habitam as personagens que vivem os impasses de sua geração: além do
protagonista Nei, aparecem seus dois amigos mais próximos Vítor e Zé,
além de outros que transitam bastante ou pouco pelos mesmos espaços:
Ronaldo, Martinha, Milton, Leopoldo, Queiroz, Dalva, Mário Lúcio,
Gabriel e Telmo.
Nas conversas que preenchem o livro, aparecem os temas do período
e daquele contexto: o papel da literatura, a comédia provinciana dos
3
VILELA, Luiz. Os novos. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1984, p. 172.
4
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1991, p. 475.
Conto e lirismo
também que esse movimento, que teve lugar num determinado momento
da literatura brasileira de maneira concentrada, vinha na esteira da
mudança maior ocorrida com o romance no século XX, com a perda do
distanciamento épico, a dificuldade cada vez maior em compreender a
realidade, a descrença do próprio narrador no ato de narrar, tudo agora
reduzido ao âmbito de sua subjetividade; enfim, pressupostos que estavam
dados na base desse novo romance e que a melhor crítica procurou
descrever.7
Voltando ao nosso contista e à sua obra, a melhor definição para a
personagem central da literatura de Luiz Vilela pode ser feita lançando
mão livremente da expressão com que Hegel definiu o romance burguês
enquanto gênero: são personagens que vivem “o conflito entre a poesia do
coração e a prosa oposta das relações”.8 Não se trata de encontrar nessa
formulação original uma linha direta com a obra do contista brasileiro, e
seria tolo pensar dessa forma dada a situação histórica do escritor; mas
tomada a expressão em si, ela descreve como nenhuma outra o sentido e a
condição desses seres deslocados, constrangidos, tímidos perante os
convites ou recusas que a vida oferece. Trazem consigo uma interioridade
rica e afetiva, angustiada muitas vezes por não encontrar na objetividade
do mundo aqueles mesmos conteúdos que são a promessa de uma
plenitude capaz de superar a finitude do tempo; são quase sempre seres
melancólicos, herdeiros ainda do “romantismo da desilusão”.9
Mas se quisermos aproximar a caracterização dessa personagem do
lugar histórico em que se encontra, talvez seja melhor mesmo dizer que são
todos seres que sorrir já não podem, e vão embora solitários quando os
bares se fecham e as virtudes se negam, para falar com a voz do mineiro
que melhor os compreendeu. De fato, não seria difícil tomar Drummond
como um apoio decisivo para a leitura dos seres e contos de Vilela: bastaria
pensar nas inúmeras maneiras com que o poeta caracterizou sua persona
lírica, o gauche que se sente sempre inadequado no mundo que o cerca,
pois quando funcionário respeitável, aparece vestido num terno de vidro;
quando numa festa, fica torto no seu canto; e quando está amando, faz de
Fulana um mito.
Mesmo quando o conto se resume a uma cena ou sequência de
humor, como é o caso de “Velório”, de Tremor de terra (1967), o olhar lírico
7
Penso, por exemplo, nos ensaios conhecidos de Erich Auerbach, “A meia marrom”; Theodor Adorno,
“Posição do narrador no romance contemporâneo”; e Anatol Rosenfeld, “Reflexões sobre o romance
moderno”.
8
HEGEL, G.W.F. “A épica como totalidade plena de unidade”. Cursos de estética. Trad. de Marco
Aurélio Werle e Oliver Tolle. São Paulo: Edusp, 2004, vol. IV, p. 138.
9
Refiro-me ao capítulo de Georg Lukács em A teoria do romance. Trad. de José Marcos M. de Macedo.
São Paulo: Duas cidades/Editora 34, 2000. Num ensaio sobre Fernando Gabeira e a prosa do período, ao
mencionar alguns romances sobre o jornalismo Davi Arrigucci Jr. já definia O inferno é aqui mesmo
(1979) como um “romance de ilusões perdidas”. Cf. “Gabeira em dois tempos”. Enigma e comentário.
São Paulo: Companhia das letras, 1987, p. 120.
a) Narrador confessional
10
Com referência às categorias de foco narrativo, trabalho livremente com a terminologia do ensaio de
Norman Friedman, “O ponto de vista na ficção: o desenvolvimento de um conceito crítico”. Trad. de Fábio
Fonseca de Melo. Revista USP. São Paulo: mar./maio 2002, n. 53; e o livro de Ligia Chiappini, O foco
narrativo. 6. ed. São Paulo: Ática, 1993, baseado no ensaio de Friedman.
11
Cf. KAYSER, Wolfgang. “A estrutura do gênero”. Análise e interpretação da obra literária. Trad. de
Paulo Quintela. 7. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1985, p. 380. Além do ensaio de Kayser, utilizo também
na definição da voz lírica os ensaios de Emil Staiger, “Estilo lírico: a recordação”. Conceitos fundamentais
da poética. Trad. de Celeste Aída Galeão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975; e Anatol Rosenfeld, “A
teoria dos gêneros”. O teatro épico. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1985.
12
VILELA, Luiz. Tremor de terra. 5. ed. São Paulo: Ática, 1977, p. 115.
pelo ser até então inexistente. O resto é a angústia pela espera da aula na
noite do terceiro dia.
O segundo segmento do conto começa quando volta a vê-la na aula
seguinte, e se estende quase até o fim da narrativa, com algumas marcações
que mostram a narração sumariada de vários dias em que a viu, com quem
não falou, e cuja narração intensifica o desconcerto do aluno, cada vez mais
mergulhado na busca por compreender o sentido dessa ausência em sua
vida.
Há dois aspectos que se destacam mais claramente nesse momento
da voz narrativa: de um lado, seu lugar social; de outro, a significação que
aquela imagem ganha nesse mergulho. A certa altura, depois de perceber
que não pensava em sexo com relação à professora, se pergunta: “Bolas, se
não era sexo, o que que eu queria com ela? O que que eu queria: era isso
que eu me perguntava. E eu não sabia responder”.13 Desse fato, o narrador
passa a responder a todas as imposições que sente na vida, num universo
opressivo cheio de papeis e expectativas, momento em que a linguagem
lírica cede mais ao prosaísmo do período, para falar abertamente da vida
sexual, reduzida a preconceitos e encontros de prostíbulo, para falar ainda
mais em sua solidão.
Opondo-se a essa condição, a misteriosa e cotidiana professora vai
cada vez mais ganhando uma significação extensa em seu imaginário, em
belos momentos de um estilo reiterativo, adicionando imagem sobre
imagem, metáfora a metáfora, que acabam por configurar a sua fragilidade
diante de um sol indiferente e perfeito, que aqueceu o primeiro ser da Terra
e aquecerá o lírico narrador, quando este for apenas um punhado de terra
na sepultura. É justamente nesses momentos que a linguagem poética do
autor melhor se mostra, sem abrir mão do prosaico que a ela se mistura,
para dizer a beleza que emerge do chão a que o narrador está preso. E toda
a significação da figura aparece sintetizada na imagem sublime e selvagem
que dá título ao conto — o tremor de terra —, que o narrador deseja
ardentemente desde criança, que esperava acontecer um dia como as
outras crianças esperavam pelo Papai Noel.
Na última e breve sequência do conto, ocorre o desfecho da história,
quase sem desfecho: o aluno segue a professora, com quem nunca
conversou, na sua caminhada até a casa, ao lado do marido, ambos belos e
felizes. Passa por um bordel, como última tentativa frustrada de preencher
o vazio descoberto, que ele sabe que o acompanhará pela vida afora, ainda
que esteja ao lado de “Sônia ou Lúcia ou Marta ou Regina ou Beatriz ou
Marisa”.14
Na releitura do conto, lembrei-me da novela de Raymond Radiguet,
O diabo no corpo (1923), lida na mesma época em que li o volume de contos
13
Idem, ibidem, p. 119.
14
Id., ib., p. 122.
b) Narrador confidente
15
VILELA, Luiz. Tarde da noite. São Paulo: Vertente editora, 1970, p. 109.
c) Desfechos
mas que teve uma vida digna e respeitável como grande violonista,
amparando os pais na pobreza e sendo feliz ao lado da esposa numa
casinha modesta, enquanto o irmão criminoso e a irmã prostituta eram a
desgraça da família. A construção acumulativa e veloz das frases, com a
passagem rápida dos acontecimentos narrados de forma sumariada, leva à
revelação final das últimas linhas, quando ficamos sabendo que o
criminoso (já fora da cadeia) se apaixona pela cunhada e o cego, para não
ouvir o som dos beijos adúlteros na sala de casa, tocava na maior altura
possível, “até que as cordas rebentaram, até que ele rebentou o ouvido com
um tiro”.16 De forma expressiva, a voz do lírico nesse conto (que não se
ouve) começa pela música e termina num estampido.
Assim, a revelação final vira a frase decisiva do avesso; é um conto
muito marcante do momento em que foi publicado, como expressão dessa
geração de novos escritores vindos de uma classe média católica, e disposta
a jogar no lixo a mentalidade carola com a qual teve de conviver; para
perceber esse contexto de que se fala, basta pensar na canção antológica de
Chico Buarque — “Bom conselho” — lançada alguns anos depois do conto
de Vilela, em que vários provérbios são também virados do avesso, numa
tentativa de liquidar essa mentalidade conservadora. Mas o fato é que o
conto tem uma gravidade e uma herança naturalista que incomodam o
leitor; o acúmulo de negatividade (a cegueira do músico, a miséria da
família, o irmão alcoólatra e criminoso, a irmã adúltera e depois prostituta,
a esposa infiel), aliado ao grandiloquente da cena final, dá ao conto uma
camada de melodrama carregado de um pathos supostamente trágico que
se resolve, na verdade, de forma patética. Nesse sentido, difere do primeiro
conto lido — “Tremor de terra” — pois esse não trazia impacto algum no
final, cuja força dependia da manutenção da voltagem lírica da linguagem,
sem lançar mão de qualquer peripécia.
Caso intermediário se dá, por exemplo, com o conto “Bárbaro”, de
Tarde da noite. A oposição entre as vozes aqui é bastante clara – como a
figura dos dois irmãos no conto anterior —, mas agora feita na chave do
prosaico: os dois estudantes conversam num quarto de pensão ou
república (o conto é um grande diálogo), e um deles conta a história da
festa a que esteve no dia anterior; sua voz ocupa praticamente todo o conto,
do início ao fim, numa linguagem de um prosaísmo pesado, feito de gíria
e palavrões, traço marcante de boa parte da prosa dos anos 70, quando esse
tratamento despachado da linguagem era também um ato político. A
matéria da festa acompanha no mesmo nível a fala da personagem: é
simplesmente o caso de um grupo de amigos estudantes que vão a uma
festa na casa dos pais de um deles (que não está presente) e ficam
incomodados com a “caretice” da festa, de um ambiente a que não estão
16
VILELA, Luiz. Tremor de terra, p. 73.
17
VILELA, Luiz. Lindas pernas. São Paulo: Livraria Cultura Editora, 1979, p. 114.
18
Cf. ANGELIDES, Sophia. A.P. Tchekhov: cartas para uma poética. São Paulo: Edusp, 1995, p. 192.
ASPECTOS DO TEMPO EM
QUATRO-OLHOS, DE RENATO POMPEU http://dx.doi.org/10.11606/issn.2237-1184.v0i29p166-180
RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
O objetivo deste artigo é analisar aspectos do tempo Romance brasileiro;
no romance Quatro-Olhos (1976), de Renato Pompeu. Quatro-Olhos;
Ao longo da trama, a personagem central busca reme- ditadura militar;
morar sua história e seus projetos em oposição ao pre- Renato Pompeu.
sente em que está inscrito, no momento em que está
internado em um hospital psiquiátrico. Na tentativa
delirante de rememoração, pode-se entrever o con-
fronto entre um tempo pretérito em que havia hori-
zontes de superação para os problemas da formação
nacional brasileira e um tempo presente, da enun-
ciação, em que as ações parecem não ter mais sentido.
ABSTRACT KEYWORDS
The main objective of this article is to analyze aspects of the Brazilian novel;
temporality of the novel Quatro-Olhos (1976), from Quatro-Olhos;
Renato Pompeu. Throughout the plot, the main character military dictatorship;
tries to remember his story and his life projects as an Renato Pompeu.
opposition to the present time in which he finds himself, in
a psychiatric hospital. In his delusional attempt of
remembrance one can glimpse the conflict between a
previous time, in which the problems of the brazilian
national formation seemed to have overcoming horizons,
and the time in the present, from where he enunciates, in
which the actions do not seem to make sense anymore.
2.
companheiro?, de Fernando Gabeira, dois anos após seu lançamento. (RJ: Editora Codecri, 1981,
24ª edição).
5 Ver GONÇALVES, M. A.; HOLLANDA, H. B. de. “Política e literatura: a ficção da realidade
brasileira”. In: Anos 70 literatura. RJ: Europa empresa gráfica, 1979-1980; SUSSEKIND, F.,
Literatura e vida literária, polêmicas, diários & retratos. RJ: Zahar, 1985.
3.
4.
5.
de São Paulo em 1962, além de exigir a participação estudantil nessa proporção, dava mostras
dos interesses dos estudantes, para os quais “a universidade deveria ter estrutura mais moderna
e ágil, capaz de produzir conhecimento útil ao desenvolvimento, mas deveria colocar-se também
ao lado das causas sociais e servir de vanguarda às transformações socialistas”. In: Idem. As
universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. RJ: Zahar, 2014.
18 FURTADO, C. A pré-revolução brasileira. RJ: Fundo de cultura, 1962.
19 Idem, ibidem, p. 138.
alguns. Mas isso só entendi mais tarde, quando já tinha deixado o livro”20
— numa possível referência indireta aos “anos de chumbo”, quando o
protagonista foi preso e levado ao hospital. A imagem da rosa não é
novidade em nossa tradição literária: símbolo socialista ao longo do século
XX, está no título de um dos livros mais empenhados de um de nossos
maiores líricos — A Rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade. Numa
referência ao livro do poeta mineiro, diz o protagonista sobre o tema das
rosas no manuscrito: “Dediquei páginas à flor estéril a brotar num
interstício de cimento”21, retomando célebre verso de “A flor e a náusea”.
Ao acentuar em diversas passagens a importância da rosa em seu
livro perdido, Quatro-Olhos deixa ver sua relação pessoal com os sonhos
do passado: reescrever o manuscrito é também a recuperação de uma
utopia — voltaremos a essa questão. Por ora basta dizer que a recuperação
da utopia — inscrita entre aquelas que o próprio protagonista
ridicularizava — por via da rememoração do passado funciona no
romance como uma espécie de luta contra o presente esvaziado. Recuperar o
passado na memória, mas também tentar reescrever o livro perdido, são
maneiras de tentar trazer ao presente, ainda que subjetivamente, o tempo
pretérito da atividade — que projetava o futuro — em oposição ao presente
da expectativa em que o tempo se repete — e não passa.
6.
OLIVEIRA, F. de. “Crítica da razão dualista” in: Crítica da razão dualista; O ornitorrinco. SP:
Boitempo, 2003.
23 SCHWARZ, R. “Cultura e política, 1964 – 1969” in: O pai de família e outros estudos. SP: Paz e
terra, 1992.
24 Para a discussão sobre as obras desse período, ver: XAVIER, I. Sertão mar, Glauber Rocha e a
estética da fome. SP: Brasilense, 1983; COSTA, I. C. A hora do teatro épico no Brasil. SP: Expressão
popular, 2016.
25 Idem, ibidem, p. 69.
26 ARANTES, P. “1964” in: O novo tempo do mundo. SP: Boitempo, 2014, p. 306.
27 Idem, ibidem, p. 286.
28 Não é excesso lembrar alguns aspectos de uma instituição psiquiátrica no país entre à altura da
publicação do romance. Desde o início do século XX, os antigos manicômios eram espaços em
que eram despejados pobres, moradores de rua, militantes políticos etc. Um bom exemplo
literário em que tais instituições ganham figuração é o Triste fim de Policarpo Quaresma (1915), de
7.
Ivone Daré Rabello atua como professora sênior nas linhas de pesquisa do Departamento de
Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH-USP e na pós-Graduação: Formas e gêneros
literários, Literatura e sociedade. Atualmente volta-se para o estudo da lírica de Carlos
Drummond de Andrade e das formas culturais e sociais contemporâneas. É membro do grupo
"Formas culturais e sociais contemporâneas". Contato: [email protected]
RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
O romance O Guarani, publicado em 1857 por José José de Alencar;
de Alencar, constitui um poderoso mito inaugural romantismo;
da nacionalidade. No momento em que escrevia, no escravidão;
entanto, Alencar acompanhava os dilemas e debates identidade nacional.
sobre uma questão aparentemente ausente da trama:
a escravidão, que constituía então o nexo
fundamental da sociedade brasileira. Entender o
modo pelo qual a reflexão sobre o tema se apresenta
no romance é o objetivo deste artigo.
ABSTRACT KEYWORDS
The novel O Guarani, published in 1857 by José de José de Alencar;
Alencar, constitutes a powerful inaugural myth of the romanticism;
brazilian nationality. At the moment of the writing of the slavery;
novel, however, Alencar followed the dilemmas and national identity.
debates on an apparently absent issue of the plot: slavery,
which was then the fundamental link of Brazilian society.
Understanding the way in which the reflection on the
theme is presented in the novel is the purpose of this
article.
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1 Cf. “Folhetim – Cinco minutos”, Diário do Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 1856 e “Folhetim –
O Guarani”, Diário do Rio de Janeiro, 1º de janeiro de 1857.
2 TAUNAY, Visconde de. Reminiscências. São Paulo: Companhia melhoramentos: 1923, pp. 85-
86.
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3 BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994, p. 138.
4 MARCO, Valéria de. A perda das ilusões. O romance histórico de José de Alencar. Campinas:
Ed. da UNICAMP, 1993, pp. 14-16.
5 Idem, ibidem, pp. 86-88.
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Estado-nação Imperial. São Paulo: Edusp, 2008 [2000], pp. 253 e 256.
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análises muito diversas entre si, uma leitura do romance como mito
fundador da nacionalidade expresso de forma quase naturalista.
Sobreviventes dos conflitos que caracterizavam a trama, a jovem Ceci e o
índio Peri passavam a representar, em perspectiva bíblica, os
colonizadores da nova terra, constituída pelo que haveria de melhor de
cada um de seus povos.
Um elemento, no entanto, se mostra ausente dessas leituras
habituais sobre o sentido do mito de nacionalidade construído em 1857
por Alencar: a escravidão, que representava então nexo e dilema
fundamental da sociedade brasileira. Atento à questão, Alfredo Bosi
percebe, em livro de 1992, a força das relações de subordinação na obra
de Alencar, ao mostrar como "a figura do índio belo, forte e livre se
modelou em um regime de combinação com a franca apologia do
colonizador”.9 Ainda assim, não enxerga nela nenhuma relação com o
regime escravista brasileiro no século XIX — em grande parte por partir
de uma concepção sobre a escravidão, hegemônica na historiografia
brasileira até o final da década de 1980, que a definia como uma relação
de completa subordinação, baseada que era na violência. Formulada por
cientistas sociais como Florestan Fernandes e Fernando Henrique
Cardoso para se contrapor às imagens de equilíbrio e harmonia
associadas à escravidão na obra de Gilberto Freyre, tais leituras acabaram
por definir a escravidão como simples relação de força, através da qual o
escravizado perderia sua própria humanidade.10 Sem enxergar no sempre
altivo Peri esta condição, Bosi não percebe em O Guarani nenhum
comentário sobre a escravidão, vendo o romance como expressão
acabada da opção conservadora de Alencar pelo “primitivo natural”.11
Frente a esta concepção de escravidão, não é difícil entender os
motivos do silêncio da crítica da posteridade em relação à presença do
tema no mito inaugural de Alencar. Ao situar seu enredo no primeiro
século da presença portuguesa na América, em um momento no qual o
tráfico de africanos escravizados para a América não era ainda tão
intenso, o autor de fato não chega a incluir os escravos em sua trama,
cuidadoso que era com os registros históricos nos quais baseou sua
9 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das letras, 1992, p. 179.
10 Segundo Fernando Henrique Cardoso, um dos autores citados em nota por Alfredo Bosi para
apresentar sua concepção sobre escravidão, “o escravo auto-representava-se e era representado
pelos homens livres como um ser incapaz de ação autonômica”, configurando assim “um ser
humano tornado coisa”. In: CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil
meridional. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1977, p. 125. Para a formulação desta crítica, ver
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade. Uma história das últimas décadas da escravidão na
Corte. São Paulo: Companhia das letras, 1990, pp. 37-43.
11 BOSI, Alfredo. Op.cit., p. 193. Sua adesão a tal concepção sobre a escravidão se expressa
claramente em capítulo do mesmo livro intitulado “A escravidão entre dois liberalismos”, tanto
na análise sobre o tema quanto nas referências bibliográficas nele utilizadas.
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12 Cf. Sidney Chalhoub, Machado de Assis, historiador. São Paulo: Companhia das letras, 2003;
Hebe Cristina da Silva, Representações do negro e da escravidão em José de Alencar – o diálogo entre
o político e o romancista. Dissertação de Mestrado, IEL/UNICAMP, 2004; Tâmis Parron,
“Introdução”, em José de Alencar, Cartas a favor da escravidão, São Paulo: Hedra, 2008; e
Dayane Façanha, Política e escravidão em José de Alencar, São Paulo: Alameda, 2017.
13 “Parte oficial – Ministério da Justiça – Lei n. 581 de 4 de setembro de 1859”, Correio Mercantil,
6 de setembro de 1850.
14 Cf. Sidney Chalhoub, 2003.
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A verdade do mito
15 Cf. Sidney Chalhoub, 2003; J.J. Reis e Eduardo Silva. Negociações e Conflito: a resistência negra
no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das letras, 1989 e Silvia Lara, Campos da Violência.
Escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1988.
16 Segundo Sidney Chalhoub, “a vigência de uma ideologia paternalista não significa a
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18 Cf. Leonardo Pereira, “A realidade como vocação: literatura e experiência nas últimas
décadas do Império”. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (orgs.). O Brasil imperial (1870-
1890). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2009.
19 SILVA, Joaquim Norberto de Sousa e. "Originalidade da Literatura Brasileira", Revista Popular,
n. 9, jan-mar 1861 apud SILVA, J. N. S. História da literatura brasileira e outros ensaios. In: SOUZA,
Roberto Acízelo de (org.). Rio de Janeiro: Zé Mário editor, 2002, pp. 160-161.
20 MAGALHÃES, Gonçalves de. A Confederação dos Tamoios, Rio de Janeiro: Tip. dous de
dezembro, 1856.
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21 Em um dos versos, escreve Magalhães: “Dai-me a cruz! – brada o índio mesmo em sonho/
Dai-me a cruz! A seus pés quero prostrar-me”. In: MAGALHÃES, Gonçalves de. Op.cit., p. 190.
22 MAGALHÃES, Gonçalves de. Op.cit., p. 185.
23 “Carta de Varnhagen a D. Pedro II datada de 24/09/1856”. In: MOREIRA, Maria Eunice e
BUENOS, Luis (orgs.). A Confederação dos Tamoios. Edição fac-similar seguida da polêmica sobre
o poema. Curitiba, Ed. UFPR, 2007, p. CXLV.
24 Ig (José de Alencar), “Carta primeira”, Diário do Rio de Janeiro, 19 de junho de 1856.
25 ASSIS, Machado de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, vol. 3, 1994.
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26Ig (José de Alencar), “Sétima carta”, Diário do Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1856.
27“O Guarani”, Diário do Rio de Janeiro, 1º de janeiro de 1857. As partes ilegíveis do prólogo
foram consultadas em ALENCAR, José de. O Guarani. Cotia-SP: Ateliê editorial, p. 45.
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28 ALENCAR, José de. O Guarani. Rio de Janeiro: Empresa nacional do diário, 1857, pp. 3-4.
29 Cf. Sidney Chalhoub, 2003.
30 A afirmação do princípio da subordinação através da descrição da natureza havia sido já
apontada por Valéria de Marco, para a qual “a hierarquia da ordem natural impõe-se para o
leitor com absoluta nitidez, pois ela se consolida através da analogia com esferas de poder da
ordem social”; e por David Treece, para quem “a relação entre os dois rios parece confirmar
essa estrutura hierárquica de poder”. MARCO, Valéria de. Op.cit., p. 23; e TREECE, David. Op.
cit., p. 245.
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A gramática da escravidão
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Os perigos da insubordinação
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50 Id., ib., parte I, capítulo 3, p. 23; e parte III, capítulo 11, p. 124.
51 Id., ib., parte I, capítulo 3, pp. 25-31.
52 Id., ib., parte I, capítulo 6, pp. 57-59.
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63Id., ib., parte I, capítulo 2, pg. 19; e parte IV, capítulo 13, pp. 84-87. Sobre a afirmação dos
prejuízos da mestiçagem no período, ver SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças.
Cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Cia. das letras, 1993, pp.
43-66.
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RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
O artigo tem como objeto de análise a obra Primeiras Literatura brasileira;
Trovas Burlescas de Getulino (1859), uma das pioneiras história;
da literatura antiescravista nas letras brasileiras, de Primeiras Trovas Burlescas
autoria de Luiz Gama, poeta negro, egresso da de Getulino.
escravidão e líder abolicionista. Busca-se discutir a
maneira como as poesias em questão constroem a
imagem da etnia negra e dialogam com o discurso de
inferioridade racial e a tese de branqueamento da
população, vigentes no Brasil Império.
ABSTRACT KEYWORDS
The article has as its object of analysis Primeiras Trovas Brazilian literature;
Burlescas de Getulino (1859), one of the pioneer works history;
on anti-slavery literature in Brazilian literature, authored Primeiras Trovas Burlescas
by Luiz Gama, black poet, egress of slavery and abolitionist de Getulino.
leader. The aim is to discuss the way in which the poetry in
question constructs the image of black ethnicity and
dialogues with the discourse of racial inferiority and the
population whitening thesis, in force during the brazilian
Empire.
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1 GAMA, Luiz. Primeiras trovas burlescas de Getulino. São Paulo: Tipografia dois de dezembro de
Antônio Louzada Antunes, 1859. 130p.
2 SILVA, Ricardo Tadeu Caires. Caminhos e descaminhos da abolição. Escravos, senhores e direitos
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5 FERREIRA, Ligia Fonseca. Com a palavra, Luiz Gama: Poemas, artigos, cartas, máximas. São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2011.
6 BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2015, p. 115.
7 ZIN, Rafael Balseiro. Maria Firmina dos Reis: a trajetória intelectual de uma escritora
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8 HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São Paulo:
Selo negro, 2005.
9 MARQUESE, Rafael de Bivar. A dinâmica da escravidão no Brasil: resistência, tráfico negreiro
e alforrias, séculos XVII a XIX. Novos estudos-CEBRAP, n. 74, pp. 107-123, 2006.
10 BENEVIDES, José Lucas Góes; FELIPE, Delton Aparecido; SILVA, Sandro Adriano da. Uma
fênix renascida das “cinzas da maldição”: poesia e história moçambicana em “O grito negro”, de
José Craveirinha. Cadernos CERU, v. 29, n. 1, pp. 50-75, 2018.
11 COSTA, Emília Viotti da. A abolição. São Paulo: Editora UNESP, 2008, p. 13.
origem ou cor, os escravizados não poderiam ser comercializados, por não serem considerados
uma mercadoria. Na Era Moderna, os povos africanos são vertidos em objeto, mercantilizados e
desumanizados (JOLY, Fábio Duarte. Escravidão, política e religião no Principado de Nero. In: V
Encontro Nacional do GT de História Antiga da Anpuh, 2006, Goiânia. V Encontro Nacional do GT
de História Antiga da Anpuh - Entre o sagrado e o profano: sociedade e religião na Antigüidade,
2006, v.1, pp. 17-18).
207 | E N S A I O S
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13 ALENCASTRO, Luiz Felipe. O Trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul. São
Paulo: Companhia das letras, 2000.
14 AZZI, Riolando. A cristandade colonial, um projeto autoritário. São Paulo: Edições paulinas,
1987, p. 80.
15 MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
16 BIBLIA, Bíblia Sagrada. Edição contemporânea. Tradução de João Ferreira de Almeida. Flórida:
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17 BROOKSHAW, David. Raça & cor na literatura brasileira. Vol. 7. Mercado aberto, 1983, p. 13.
18 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. Rio de Janeiro: Ed.
Civilização brasileira, 2002, p. 49.
19 MARQUESE, 2004, p. 64.
20 BENCI, Jorge Sj. Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos. São Paulo: Editora
Grijalbo. 1977.
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21 Sobre o discurso da “barbárie pagã”, Oliva alerta: “não podemos deixar de constatar que as
representações sobre as populações e o meio ambiente africanos sofreriam a tendência de
relacionar aquele mundo às imagens da barbárie, dos sacrifícios humanos, do canibalismo e da
natureza fantástica, em um movimento”. In: OLIVA, Anderson Ribeiro. Da Aethiopia à África: as
ideias de África, do medievo europeu à Idade Moderna. Revista de história e estudos culturais, Cruz
das Almas, v. 5, n. 4, out./dez. 2008, p. 20.
22 ROCHA, Manuel Ribeiro. Etíope resgatado, empenhado, sustentado, corrigido, instruído e libertado.
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211 | E N S A I O S
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2010). 182 f. Tese de doutorado em Educação – Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2014.
29 SCHWARCZ, 1993, p. 99.
212 | E N S A I O S
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IHGB (1870-1902). Revista Expedições: Teoria da História & Historiografia, v. 5, n. 1, 2014b, p. 96.
33 PAZ, Francisco de Moraes. Na poética da História: a revitalização da Utopia Nacional
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mestrado em História Social. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo,
2009, p. 203.
214 | E N S A I O S
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37 GUIMARÃES, Manoel Luis Lima Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto
Histórico Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Revista Estudos Históricos, v.
1, n. 1, pp. 5-27, 1988.
38 No clássico O Guarani (1857), o herói Peri é um índio “civilizado” e europeizado, quase um
homem branco; Ceci, por sua vez, é branca e loura. Logo, esta paixão representa a miscigenação
entre a civilização (europeia) e o “bom selvagem” (do novo mundo).
39 PEREIRA, Elvya Shirley Ribeiro. Um fabulador da nacionalidade: José de Alencar. Sitientibus,
a vigorar no Brasil. Contudo, em 1808, novas leis autorizavam a guerra justa contra os “índios
bugres da província de São Paulo” e em Minas Gerais, legitimando novamente a escravização de
muitos grupos indígenas em várias regiões do Brasil. Os capturados eram obrigados a servir por
15 anos. A lei de 27.10.1831 finalmente aboliu toda e qualquer forma de escravidão dos indígenas
(AZZI, Riolando. Queimada e semeadura: da conquista espiritual ao descobrimento de uma nova
evangelização. São Paulo: Vozes, 1988).
41 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios no Tempo da Corte: reflexões sobre política
indigenista e cultura política indígena no Rio de Janeiro Oitocentista. Revista USP, n. 79, pp. 94-
105, 2008.
42 Idem. Os índios na história do Brasil no século XIX: da invisibilidade ao protagonismo. Revista
215 | E N S A I O S
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uma leitura comparativa entre Úrsula e a Escrava Isaura. Mafuá, Florianópolis, Santa Catarina,
Brasil, n. 27, 2017.
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46 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem Preto nem Branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade
Brasileira. São Paulo: Companhia das letras, 2013, p. 87.
47 SCHWARCZ, 1993.
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[...]
Ó Musa da Guiné, cor de azeviche,
Estátua de granito denegrido,
Ante quem o Leão se põe rendido,
Despido do furor de atroz braveza;
Empresta-me o cabaço d'urucungo,
Ensina-me a brandir tua marimba,
Inspira-me a ciência da candimba,
Às vias me conduz d'alta grandeza
[...]48
pp. 68-9.
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51 Sobre esses discursos, Oliva alerta que “(...), não podemos deixar de constatar que as
representações sobre as populações e o meio ambiente africanos sofreriam a tendência de
relacionar aquele mundo às imagens da barbárie, dos sacrifícios humanos, do canibalismo e da
natureza fantástica, em um movimento imaginário de contraposição à autoimagem europeia, ou
seja, justamente em um exercício de autoconhecimento” (OLIVA, 2008, p. 20).
52 FELIPE, 2009.
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representado por um negro, um etíope. Orígenes [padre e filósofo medieval] defendeu a idéia de
que a cor da pele refletia o seu índice de pecado, quanto mais escuro fosse o indivíduo, mais
pecados ele teria. E, juntamente com a cor da pele, o clima também foi usado no processo de
criação dessas imagens negativas (...) da África. Nesse contexto, foi elaborada uma imagem que
a cor negra do diabo era devido a sua vivência no inferno, local de temperaturas elevadas”
(CUNHA, Joceneide; SILVA, Júlio Cláudio da. História da África. São Cristóvão, Universidade
Federal de Sergipe, CESAD, 2010, p.10).
55 MACEDO, José Rivair. Os filhos de Cam: a África e o saber enciclopédico medieval. Signum:
uma mercadoria como qualquer outra, destituído de vontade própria (...). Na escravidão o
trabalhador e a força de trabalho não estavam separados. A própria pessoa do trabalhador era
objeto, coisa, de outrem” (MARTINS, José de Souza. A reprodução do capital na frente pioneira
e o renascimento da escravidão no Brasil. Tempo Social, v. 6, n. 1/2, pp. 1-25, 1994).
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[...]
Quero que o mundo me encarando veja
Um retumbante Orfeu de carapinha,
Que a Lira desprezando, por mesquinha,
Ao som decanta da Marimba augusta;
[...]59
58 Portugal foi o primeiro Estado europeu a iniciar a expansão marítima, tendo estabelecido
feitorias no litoral ocidental do continente africano desde o século XV, mantendo domínios
coloniais naquele continente até a década de 70 do século XX. Trata-se, portanto, de mais de
quatro séculos de domínio português sobre países africanos como Angola, Cabo Verde, Guiné-
Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe (HERNANDEZ, 2005).
59 GAMA, Luiz. Op. cit., p. 2, grifos nossos.
60 Segundo a tradição helênica, “Orfeu, filho de Apolo e da musa Calíope, recebeu de seu pai,
como presente, uma lira e aprendeu a tocar com tal perfeição que nada podia resistir ao encanto
de sua música. Não somente os mortais, seus semelhantes, mas os animais abrandavam-se aos
seus acordes e reuniam-se em torno dele, em transe, perdendo sua ferocidade. As próprias
árvores eram sensíveis ao encanto, e até os rochedos. As árvores ajuntavam-se ao redor de Orfeu
e as rochas perdiam algo de sua dureza, amaciadas pelas notas de sua lira” (BULFINCH, Thomas.
O Livro de Ouro da Mitologia. Rio de Janeiro: Editora Harper Collins Brasil, 2017).
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[...]
Se negro sou, ou sou bode,
Pouco importa.
O que isto pode?
Bodes há de toda casta
Pois que a espécie é muito vasta...
Há cinzentos, há rajados,
Baios, pampas e malhados,
Bodes negros, bodes brancos,
E, sejamos todos francos,
Uns plebeus e outros nobres.
Bodes ricos, bodes pobres,
Bodes sábios importantes,
E também alguns tratantes...)
[...]61
formas, figuras, cores, números. Trad. Vera da Costa e Silva [et al.] 26ª ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2012, p. 136.
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Capitães-de-mar-e-guerra
— Tudo marra, tudo berra -
Na suprema eternidade,
Onde habita a Divindade,
Bodes há santificados
Que por nós são adorados.
Entre o coro dos Anjinhos
Também há muitos bodinhos. 66
podendo ser entendido como um novo mito fundador da brasilidade. Ao escamotear o racismo
e outras heranças sociais da escravidão à população negra, o discurso ameno da suposta
harmonia racial engendrou um compromisso ratificador, de político e social do moderno Estado
republicano brasileiro, que vigeu, com oscilações em eficácia de convencimento, da Era Vargas
até o final da ditadura militar (1985), cujas as marcas permeiam o tecido social até a
contemporaneidade (GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A questão racial na política
brasileira (os últimos quinze anos). Tempo social, v. 13, n. 2, pp. 121-142, 2001; FELIPE, 2014).
66 GAMA, Luiz. Op. cit., p. 58, grifos nossos.
67 OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Santos mulatos y negros en la América portuguesa:
Catolicismo, esclavitud, mestizaje y el color de las jerarquías. Studia Historica: Historia Moderna, v.
38, n. 1, 2015, pp. 65-93.
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Considerações finais
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José Lucas Góes Benevides é licenciado em História pela Unespar/campus de Campo Mourão
(2017), mestrando pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvi-
mento na mesma instituição, pela qual também é especialista em Estudos Literários (2018). É
membro dos grupos de pesquisa GEPEDIC (Educação, Diversidade e Cultura) e Diálogos Literá-
rios da mesma instituição. Dedica-se, entre outros, aos seguintes temas de pesquisa: História da
população negra no Brasil, literatura brasileira do século XIX, escravidão, romances abolicio-
nistas, pós-abolição e pensamento racial brasileiro. Contato: [email protected]
Wilma dos Santos Coqueiro é graduada em Letras pela Faculdade Estadual de Ciências e Letras
de Campo Mourão (1997) e mestre em Letras pela Universidade Estadual de Londrina (2003). É
Doutora em Letras/área de concentração em Estudos Literários, na linha de pesquisa Literatura
e construção de identidades pela Universidade Estadual de Maringá. É professora adjunta da
UNESPAR, campus de Campo Mourão, atuando em Literatura Brasileira Contemporânea,
Literatura de Autoria feminina e Literatura e Ensino. Integra como pesquisadora o Grupo de
Pesquisa Diálogos Literários e o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Diversidade e Cultura
– GEPEDIC, ambos da UNESPAR, campus de Campo Mourão e o Grupo de Pesquisa LAFEB, da
Universidade Estadual de Maringá. Contato: [email protected]
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RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
Este artigo analisa a relação entre a literatura e a vida pública em Literatura portuguesa
Portugal em dois autores representativos da literatura portuguesa, Eça contemporânea;
de Queirós e Mário de Carvalho. Eça de Queirós é provavelmente o crítica social;
escritor português do século XIX com mais projeção internacional. instituições;
Mário de Carvalho possui atualmente uma vasta obra de mais de trinta ironia.
anos que tem merecido a atribuição de vários prémios literários,
nacionais e estrangeiros e é um leitor entusiástico de Eça que
frequentemente menciona. Têm em comum a intenção formadora e
reformadora através de uma ironia impiedosa e crítica acutilante das
respetivas sociedades. Este artigo analisa algumas vertentes e
instituições da sociedade portuguesa que merecem a sua crítica,
nomeadamente o jornalismo, a política, as igrejas e a cultura
dominante. A responsabilidade de trazer os cidadãos da apatia em que
estão quanto à cultura e à política é evidente nestes dois autores que
não apenas dão um testemunho da sociedade portuguesa, mas
transmitem a indignação moral contra todas as formas de submissão
aos poderes instituídos.
ABSTRACT KEYWORDS
Our study aims to present the relation between literature and public life by Modern portuguese
two outstanding writers of Portuguese literature, Eça de Queirós and Mário literature;
de Carvalho. Eça de Queirós is probably the nineteenth century Portuguese social critique;
writer with the most international projection. Mário de Carvalho currently institutions;
has a vast work of more than thirty years that has been awarded in Portugal irony.
and abroad. They have in common the formative and reforming intention
through a merciless irony and sharp criticism of their societies. Mário de
Carvalho is also an enthusiastic reader of Eça that he often mentions. This
article analyzes some aspects and institutions of Portuguese society that
deserve their criticism, namely journalism, politics, churches and the
dominant culture. The responsibility to move away citizens from their apathy
towards culture and politics is evident in these two authors who not only bear
witness to Portuguese society, but convey moral indignation against all forms
of submission to the established powers.
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Introdução
1 REAL, Miguel. “O realismo irónico”. In: JL – Jornal de Letras Artes e Ideias, nº 1032, de 21 de
abril a 4 de maio de 2010, p. 13.
2 “Riso que peleja” é uma expressão que Campos Matos retirou da advertência do próprio Eça
que consta d’Uma Campanha Alegre. Segundo Matos, este seria o fator determinante para que a
obra de Eça tivesse uma maior empatia junto do público brasileiro do que aquela que gozou no
seu país. In: MATOS, Campos. (s/d) “Sobre a receção literária de Eça de Queirós”. Disponível
em: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2863.pdf>.
3 QUEIRÓS, Eça. Prosas bárbaras. Porto: Lello & Irmãos – Editores, 1945, p. 190.
4 CARVALHO, Mário. Fantasia para dois coronéis e uma piscina, Lisboa: Caminho, 2003, p. 227.
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por exemplo, nas traduções das suas obras para várias línguas e na
atenção que tem merecido por parte de estudiosos e de críticos. Eça de
Queirós é provavelmente o escritor português do século XIX com mais
projeção internacional. Mário de Carvalho possui uma vasta obra de mais
de trinta anos que tem merecido a atribuição de vários prémios literários,
nacionais e estrangeiros.
O exercício profissional do Direito e o interesse pela política são
outros pontos comuns aos dois autores que deixam refletir nos seus
textos não só um clima de confronto de valores mas também de
questionamento de direitos e deveres que podem motivar o leitor a uma
reflexão sobre a ética, a moral e o direito e como se processa, individual
ou coletivamente, a escolha e a decisão entre o bem e o mal.5
Esta aproximação parece também legitimar-se pelas próprias
palavras de Mário de Carvalho que, pontualmente, presta tributo a Eça.
Por exemplo, através do narrador (que se autodenomina autor) de A arte
de morrer longe, quando ele proclama a sua admiração pelo “grande Eça
de Queirós” a propósito da sua denúncia de fenómenos e instituições da
vida pública que parecem atravessar o tempo: o jornalismo, a política, as
igrejas e a cultura dominante na sociedade portuguesa. A alguns aspetos
dessa denúncia iremos agora prestar atenção, iniciando com uma citação
de Mário de Carvalho a propósito do jornalismo.
2. O jornalismo
5 Para a relação da obra de Mário de Carvalho com o Direito, ver CARVALHO, Dealtina.
Propagandistas, vadios e outros manipuladores do direito na obra “Quando o diabo reza” de Mário de
Carvalho. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Aberta, 2015. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/10400.2/5633>.
6 CARVALHO, Mário. A arte de morrer longe. Lisboa: Caminho, 2010, p. 96.
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7 CARVALHO, Mário. Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto. Porto: Coleção mil
folhas /Ed. Público, 2002 [1995], p. 58.
8 Idem, ibidem, p. 61.
9 Id., ib., ib.
10 ARNAUT, Ana Paula. Post-Modernismo no Romance Português Contemporâneo – Fios de Ariadne
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3. A política
<http://figaro.fis.uc.pt/queiros/obras/Maias/Maias_20001210.pdf, p. 286>.
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Bartlo saia tão compenetrado de casa de Cíntia que passou pelo meio
duma arruada de campanha eleitoral quase sem dar por isso. Uma
mocinha saltitante, com uma T-shirt cheia de dizeres, intercetou-o e
estendeu-lhe um papel todo colorido. Bartlo, rosnando:
— Vai fritar moscas!17
16 QUEIRÓS, Eça. O conde d’ Abranhos. Porto: Lello & Irmãos Editores, 1981 [1925], p. 40.
17 CARVALHO, Mário. “Quando o diabo reza”. In: Crononovelemas. Lisboa: Porto Editora, 2017
[2011], p. 183.
18 Idem, ibidem, p. 169.
19 Id., ib., p. 249.
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4. As igrejas
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26 A ortografia foi modificada do original segundo o acordo ortográfico. In: CARVALHO. Id., ib.
27 Idem, ibidem, p. 197.
28 Id., ib., p. 156.
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5. A cultura dominante
Talvez seja Eça, como nenhum outro escritor do século XIX, aquele
que desvenda a importância da ópera de S. Carlos enquanto lugar de
convívio social equivalente ao passeio público em vez de ponto cultural
uma história de desejo no desejo de história” - Atas do Colóquio Literatura e História, realizado
na Universidade Aberta em outubro de 2002. Lisboa: Universidade Aberta, 2005, pp. 285-296
(CD-ROM). In:
<https://repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/320/1/ACTAS-
LiterAtura%20e%20Hist%c3%b3ria285-296.pdf.pdf>.
32 CARVALHO, Mário. Quatrocentos Mil Sestércios seguido de O Conde Jano (novelas). Lisboa:
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34 CARVALHO, Mário Vieira de. “Eça de Queirós e a ópera no século XIX em Portugal”,
Colóquio Letras, 91, 1986, p. 25. Vieira de Carvalho demonstra como, a partir dos romances de
Eça, a ópera participava de um processo de alienação. In:
<http://coloquio.gulbenkian.pt/bib/sirius.exe/issueContentDisplay?n=91&p=27&o=r>.
Para o estudo dos aspetos musicais na obra de Eça, ver PINTO, Paul; PINTO, Judith. “Music as
Narrative in Eça de Queirós’ O Primo Basílio”. In: Hispania 73.1 (March 1990): 50-65;
CARVALHO, Mário Vieira de. Eça de Queirós e Offenbach: a ácida gargalhada de Mefistófeles.
Lisboa: Edições Colibri /Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, 1999 e FERRO, Luís dos Santos. “Música”. In: CAMPOS MATOS (org. e coord.).
Dicionário de Eça de Queiroz, 2ª ed. rev. e aumentada. Lisboa: Caminho, 1993, pp. 633-644.
35 QUEIRÓS, Eça de. Os Maias, p. 431.
36 Correspondência de O Distrito de Évora, no. 3, 13 de janeiro de 1887. In: QUEIROZ, Eça de.
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música era quase tão boa como a letra”.39 O humorista Ricardo Araújo
Pereira (2007) também se pronuncia sobre a letra das canções de outro
cantor popular, Tony Carreira. Comenta ele os dois seguintes versos,
“Vem para mim bamboleando/ escorrega nos meus lábios”: “este último
parece alertar para o caráter traiçoeiro dos beijos, que ora fazem tropeçar
ora saem de lábios escorregadios. A registar, por quem, desejando
entregar-se aos prazeres do amor, não queira, ainda assim, partir uma
perna”.40 Mais uma vez se repete o fenómeno retratado n’Os Maias: a
música predominante na sociedade portuguesa é a sua caricatura.
Todos estes cantores populares, sendo praticamente inexistentes
enquanto atuam em feiras e romarias, podem ser rapidamente
promovidos através da televisão cuja programação é grandemente
dedicada a este tipo de música, a concursos bizarros e a telenovelas que
personagens de educação superior consomem. Em A arte de morrer longe,
presenciamos o que fazem as personagens Arnaldo e Bárbara ao serão:
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6. Conclusão
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O país fala, fala, desunha-se a falar, e pouco do que diz tem o menor
interesse. O país não tem nada a dizer, a ensinar, a comunicar, O país
quer é aturdir-se. E a tagarelice é o meio de aturdimento mais à mão.49
Maria Cecília Vieira leciona Português e Literatura Portuguesa numa escola secundária. É
licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, mestre em Estudos Portugueses
Multidisciplinares e doutorada em Literatura Portuguesa. É investigadora integrada no CEMRI
– Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais da Universidade Aberta no
Grupo de Investigação de Comunicação Intercultural. A sua investigação de doutoramento
versou sobre a obra de Mário de Carvalho no contexto do pós-modernismo. Contato:
[email protected]
Gulbenkian, 2016.
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RESUMO PALAVRAS-CHAVE:
O presente artigo tem como objetivo interpretar a Antonio Candido;
leitura empreendida por Antonio Candido daquele Marcel Proust;
que para muitos foi seu escritor preferido, o francês romance;
Marcel Proust. Com o ensaio “Realidade e realismo” realismo;
(via Proust) nosso crítico a partir do autor do Em teoria literária.
busca do tempo perdido nos oferece uma modalidade
sugestiva e singular de realismo enquanto teoria
literária.
ABSTRACT KEYWORDS
This article aims to interpret the reading undertaken by Antonio Candido;
Antonio Candido of that one who for many was his Marcel Proust;
favorite writer, the Frenchman Marcel Proust. With the novel;
essay “Reality and Realism” (via Proust) our critic from realism;
the author of In Search of Lost Time offers us a literary theory.
suggestive and singular modality of realism as a literary
theory.
1 Este artigo resulta de um trabalho apresentado no Seminário Antonio Candido 100 Anos
realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
nos dias 10 a 13 de setembro de 2018 e que foi organizado pelo grupo de pesquisa Articulação
Discente para Pensamento Social Brasileiro e o departamento de sociologia, ambos da
Universidade de São Paulo-USP. Agradeço aos organizadores do evento a oportunidade de
expor o texto, aos comentários do professor Alex Moura do departamento de filosofia da USP e
as observações de Rebeca Errázuriz da Universidade Adolfo Ibánez do Chile e de Ivo Soares
Paulino do departamento de sociologia da USP. Agradeço imensamente aos pareceristas
anônimos. As imperfeições que permaneceram são de minha responsabilidade.
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2 Ainda são necessários estudos que problematizem o estilo de recepção de um autor como
Marcel Proust e a singularidade de sua obra maior num país periférico como o Brasil e que
construiu ao longo do tempo histórico e cultural um sistema literário consistente e significativo
enquanto narrativa, enredo e estética.
3 GALVÃO, Walnice Nogueira. Novos caminhos de Proust. Suplemento Mais! Folha de São
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Um país de proustianos...
6 Na Alemanha Marcel Proust também mereceu acolhida por parte dos eruditos e da crítica
literária, autores como Walter Benjamin e Erich Auerbach logo nos primeiro momento leram e
comentaram o Em Busca do Tempo Perdido. Ver sobre isso: KAHN, Robert - Benjamin leitor de
Proust. Alea, v. 14/1, 2012.
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Nogueira Galvão e Ione Andrade, já em 1919 em Maceió, Jorge de Lima recebe de um piloto de
avião francês – que ao fazer escala na cidade vindo da Europa trazia as novidades parisienses
para o poeta e médico – o segundo volume do Em busca do tempo perdido recém publicado.
9 GALVÃO, Walnice Nogueira. Op. cit., p. 16.
10 OLIVEIRA, Maria Mara L. P. Op. cit., p. 71.
11 Idem, ibidem, p. 71.
12 Id., ib., ib.
13 Malgrado as restrições de Graça Aranha ao aspecto excessivamente emocional do romance,
característico do espírito Frances, ele não deixa de “reconhecer o estilo sensível de Proust”. In:
OLIVEIRA, Maria Mara L. P. Op. cit.
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romance proustiano nos decênios de 40 e 50. Lettres Françaises, n. 14, v. 2, 2013 pp. 277 e 278.
16 GALVÃO, Walnice Nogueira. Op. cit., p. 16.
17 Idem, ibidem, ibidem.
18 A cultura filosófica brasileira foi e é, também, leitora de Marcel Proust. Além de Olgária
Matos, os filósofos Franklin Leopoldo e Silva, Carlos Nelson Coutinho e a filósofa Jeanne Marie
Gagnebin dedicaram textos e ensaios ao escritor francês.
19 MATOS, Olgária Chain Féres. Traduzir Proust. In: PROUST, Marcel. O tempo redescoberto, v. 7.
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20 MOTTA, Leda Tenório da. A história de um texto. In: PROUST, Marcel. O tempo redescoberto,
v. 7. Porto Alegre. Globo, 1998, pp. 299, 302 e 303.
21 WILLEMART, Philipe. Abertura do Congresso Proust 2011. In: ALMEIDA, Alexandre
Bebiano e WILLEMART, Philipe (orgs.) Proust 2011. São Paulo: Humanitas/FAPESP, 2012, p.
18.
22 GALVÃO, Walnice Nogueira. Op. cit., p. 17.
23 Idem, ibidem, ibidem.
24 Id., ib., ib.
25 Id., ib., p. 17.
26 ALMEIDA, Alexandre Bebiano. Op. cit., p. 278.
27 SILVA, Guilherme Ignácio. Op. cit., p. 8.
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Proust) nos anos 1980 (ou 1993, a data efetiva de publicação do texto ainda é incerta) o percurso
da crítica e teoria literária de Candido passou por outras fases. Além da atividade de professor
e intelectual público ele publicaria após suas primeiras leituras e comentários sobre Proust,
Formação da literatura brasileira, O observador literário, Literatura e sociedade e Na sala de aula, dentre
inúmeras outras. Não é exagero dizermos que essas obras de algum modo repercutiram no
texto sobre o Em busca... dos anos 1980.
31 PEDROSA, Célia. Antonio Candido: a palavra empenhada. Rio de Janeiro: Editora da UFF, 1994,
p. 135.
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32 ALMEIDA, Alexandre Bebiano. Um Proust mal lido, mas vivo? Nota sobre a recepção do
romance proustiano nos decênios de 40 e 50. Lettres Françaises, n. 14, v. 2, 2013, p. 195.
33 Ver sobre essa discussão: RAMASSOTE, Rodrigo Martins. Inquietudes da crítica literária de
encontrou para publicar seu primeiro volume, No caminho de Swann. A influência de André
Gide sobre a maison Gallimard, em que tinha sido um dos seus diretores, fez com que eles não
aceitassem Proust para publicação. A crítica francesa formada pelo romance do século XIX
(Balzac, Stendhal, Vitor Hugo, Emile Zola), não poderia entender as inovações e a originalidade
do Em busca do tempo perdido, bem como a dificuldade extrema em ler e compreender a obra.
OLIVEIRA, Maria Marta L. P. Op. cit., pp. 57, 60, 63, 64 e 66.
35 CANDIDO, Antonio. Notas de crítica literária - Vinte anos. Folha da Manhã, São Paulo,
04/03/1943, p. 5.
36 Idem, ibidem, ibidem.
37 ALMEIDA, Alexandre Bebiano. Um Proust mal lido, mas vivo? Nota sobre a recepção do
romance proustiano nos decênios de 40 e 50. Lettres Françaises, n. 14, v. 2, 2013, p. 195.
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60 WAIZBORT, Leopoldo. A Passagem do Três ao Um. São Paulo. Cosac Naify, 2007, p. 176.
61 Idem, ibidem, ibidem.
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recorte teórico que ira escrever “nos anos 1980”62 sobre o escritor francês
resulta; por um lado na aproximação ao teórico húngaro, como nos diz
Waizbort, e por outro da própria concepção que Antonio Candido
passaria a ter em relação ao Em busca do tempo perdido. Esta circunstância
do seu percurso lhe seria repleta de significados, na medida em que com
Marcel Proust — que desde há muito tinha “convívio amoroso”63 — o
crítico possibilitava a si mesmo tratar de “quest[ões] teórica[s]
decisiva[s]”.64 De modo que o tema do realismo na literatura era factível
de ser abordado, desde que pela via da narrativa proustiana. Ora, “o
problema da realidade na obra literária não depende, no fundo, da
aparência, das camadas superficiais da obra e do que ela apresenta, mas
da profundidade”.65 Assim, é via a expressão das minudências narrativas
de Proust, plenas de temporalidades composicionais, que Antonio
Candido discute a questão do realismo.66 Diz Waizbort:
Lukács. Mas é discutível que o realismo como teoria da literatura tal como aparece no ensaio do
crítico sobre Proust tenha como referência significativa o realismo lukacsiano. Marcel Proust (e
James Joyce) como expressões originais do romance moderno de vanguarda que jamais foi
aceito por George Lukács. Mesmo diferenciando os dois escritores e considerando que em
Proust existiria certos elementos do mundo real, Lukács jamais se penitenciou por suas análises
e comentários negativos sobre o autor do Recherche. Dos escritores do romance moderno de
vanguarda Lukács, anos depois, somente concederia valor estético (e moral) a Kafka. Em troca
de cartas com Carlos Nelson Coutinho, que na ocasião dizia estar preparando um livro sobre
Proust e Kafka, o crítico húngaro disse que “no que diz respeito ao seu plano, êle me interessou
muito. Que você veja em Proust e em Kafka o problema central, é algo inteiramente justo. É
igualmente aconselhável, sobretudo no que diz respeito a Kafka, diferenciá-lo fortemente da
literatura subsequente [de vanguarda].” Ver Carlos Nelson Coutinho - Introdução in: LUKÁCS,
George. O realismo crítico hoje: abordagem de um dos problemas mais graves e fascinantes do nosso
tempo: a relação entre o marxismo e as artes. Ed. Thesaurus: 1991, p. 12.
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69 CANDIDO, Antonio. Realidade e realismo (via Marcel Proust). In: Recortes. Rio de Janeiro:
Ouro sobre azul, 2004, p. 135. Utilizo aqui a edição da Ouro sobre azul, Rio de Janeiro 2004, mas o
ensaio de Candido foi escrito e publicado entre os anos 1980 e 1990. No artigo de Alexandre
Bebiano Almeida a que citamos mais acima a data de publicação é 1993, e no livro de Leopoldo
Waizbort consta que o ensaio é dos anos 1980.
70 Idem, ibidem, p. 135.
71 Id., ib., ib.
72 Id., ib., ib.
73 Id., ib., ib.
74 Essa afirmação já seria suficiente para diferenciar as concepções de realismo de George
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77 Isso, obviamente, não exime Lukács das limitações, e podemos arriscar até equívocos, em sua
leitura de Proust, Joyce e outros romancistas da vanguarda literária. O próprio fato de outros
críticos marxistas e dialéticos, como Walter Benjamin, Theodor Adorno, Fredric Jameson e
Roberto Schwarz, terem apreciado o romance moderno sugere os problemas de certos aspectos
da abordagem estética lukacsiana aos textos de Marcel Proust, James Joyce e em menor medida
de Franz Kafka.
78 O argumento de Edu Teruki Otsuka, ainda que ele deixe bem delineado o objetivo do seu
texto, não considera a posição de recusa, até intransigente, de Lukács aos escritores da
vanguarda literária – o que exprime por outro ângulo certos aspectos de sua concepção de
literatura. Que de fato para ele ou é realista e grande, ou se não é decadente e sem valor estético
o que é problemático inclusive da própria perspectiva da crítica literária histórico-materialista.
79 OTSUKA, Edu Teruki. Lukács, realismo, experiência periférica (anotações de leitura).
de um dos problemas mais graves e fascinantes do nosso tempo - a relação entre marxismo e as artes.
Brasília. Thesaurus, 1991 (1968), p. 9.
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81 LUKÁCS, George. O realismo crítico hoje: abordagem de um dos problemas mais graves e fascinantes
do nosso tempo - a relação entre marxismo e as artes. Brasília. Thesaurus, 1991, p. 31.
82 Idem, ibidem, ibidem.
83 Id., ib., ib.
84 Id., ib., ib.
85 Id., ib., p. 33.
86 Id., ib., ib.
87 Id., ib., ib.
88 Id., ib., p. 37.
89 Id., ib., pp. 36 e 37.
90 Id., ib., pp. 34, 44 e 47.
91 Id. ib., p. 49.
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O sol
O sol/ iluminava
O sol/ iluminava/ até meia altura
O sol/ iluminava/ até meia altura/ um renque de árvores
O sol/ iluminava/ até meia altura/ um renque de árvores/ que
margeava a estrada de ferro.
96 CANDIDO, Antonio. Realidade e realismo (via Marcel Proust). In: Recortes. Rio de Janeiro:
Ouro sobre azul, 2004, p. 136.
97 Idem, ibidem, ibidem.
98 Id., ib., ib.
99 Id., ib., ib.
100 Id., ib., ib.
101 Id., ib., p. 137.
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volumes cinco e seis. Ora, Antonio Candido como nos diz Walnice
Nogueira Galvão foi um proustiano de vida toda e Marcel Proust, por
conseguinte, seu escritor predileto — nosso crítico construiu ao longo de
“décadas de convívio amoroso”102 com o escritor da memória e do tempo.
E conhecia passagens — estas a que nos referimos inclusive —
infindáveis do Em busca do tempo perdido que poderiam expressar sua
teoria literária realista (e imaginativa). A indicação para a análise de O
tempo redescoberto não era fortuita. (É neste volume último que o ápice do
teor romanesco é alcançado. Nele, Marcel dá sentido às oscilações que os
pormenores da sua existência o vão afetando no transcurso do tempo. Se
nos outros volumes encontramos o narrador-personagem diante de fios
— reais — de uma vida intermitente que se espalham pela estrutura
mesma da narrativa, e que na sua face imediata incita ao leitor a
percepção de um suposto (e equivocado) subjetivismo estéril; em O tempo
redescoberto o detalhamento dado pela subjetividade de Marcel adquire
significado pleno. Pois é na permanência do tempo — dado pela obra de
arte —, e enquanto fenômeno sensível da memória, que a multiplicidade
de eventos disseminados na trajetória do narrador-personagem
expressam o andamento realístico da obra literária proustiana. E o
volume escolhido por Antonio Candido não só satisfaz a estrutura de
sentidos do romance como texto unitário — mas desfaz, definitivamente,
o suposto subjetivismo estilhaçado pelos momentos de interação afetiva
de Marcel ao longo do seu percurso. O tempo redescoberto: desvela num
olhar amoroso para trás qual é o sentido de uma vida vivida na dinâmica
particular da realidade existencial. Por outras palavras, mesmo uma (ou
diversas) realidade criada, imagética e alegoricamente, é alentadora para
se perceber o sentido de uma vivencia de então e nos afetar para a
experiência presente e talvez futura. Assim é que Marcel pode dizer
questionando-se a si mesmo; “como as individualidades (humanas ou
não) se comporiam neste livro de impressões múltiplas, as quais
provocadas por muitas [pessoas], muitas igrejas, muitas sonatas,
serviriam para constituir uma única sonata, uma única igreja, uma única
[pessoa] [...] Sim, a esta obra, a noção do Tempo, que acabava de adquirir,
me dizia [que era] chegada a hora de consagrar-me [à obra] [...] Obra tal
como há pouco a concebera na biblioteca [na] análise em profundidade
das impressões [...] recriadas pela memória”.103 Lamentamos Lukács
pelos inconvenientes interpretativos de seu realismo plano e documental.
Mas voltemos, sem mais, a Antonio Candido — felizmente.)
Nosso crítico a partir de O tempo redescoberto argumenta que as
“alterações trazidas ao pormenor pelo tempo”104 são capazes de
102 WAIZBORT, Leopoldo. A Passagem do Três ao Um. São Paulo: Cosac naify, 2007, p. 247.
103 PROUST, Marcel. O Tempo Redescoberto. Porto Alegre: Globo, 1998, p. 281.
104 CANDIDO, Antonio. Op. cit., p. 136.
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Ronaldo Tadeu de Souza possui graduação em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2004), mestrado em Ciências Sociais também pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (Área de Concentração - Política) (2008) e doutorado na
Área de Teoria Política no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo -
USP (2017). Foi professor de sociologia do direito no Centro Universitário Unifieo de 2009 a
2013 e de teoria política no Curso de Extensão da Fundação Escola de Sociologia e Política de
São Paulo em 2017. Minhas pesquisas estão concentradas em: teoria política moderna e
contemporânea com enfase em Hannah Arendt, Leo Strauss, Giorgio Agamben e Seyla
Benhabib; teoria das ciências humanas, teoria democrática contemporânea com foco em Joseph
Schumpeter e pensamento político e social brasileiro. Contato: [email protected]
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