A conversa rolava solta na sala de um consultório médico em São Paulo. O atleta olímpico falava de como é reconhecido fora do Brasil e não no próprio país, mas que gostaria de mudar a situação por meio das redes sociais. Estava confiante, afinal, a 100 dias dos Jogos de Paris, tinha confirmada a terceira participação olímpica seguida.
Uma saída para ir ao banheiro mudou tudo. No corredor, ele encontrou uma mulher, negra como ele.
- Você é atleta do badminton, né? - indagou, já sabendo a resposta.
- Sou - respondeu prontamente o atleta, estendendo a mão para cumprimentar a mulher enquanto ela segurava a porta do consultório com o outro braço, na ideia de não deixar o filho escapar.
- Sou sua fã. Você representa muito para nós. Fui atleta de handebol. Boa sorte nas Olimpíadas - afirmou rapidamente, sem ter tempo nem sequer de tirar uma foto com o atleta antes de se despedir.
Ainda criança, Ygor Coelho fala sobre o sonho de disputar as Olimpíadas na França
Ygor Coelho, carioca, 27 anos, já foi o 30º do mundo no badminton e é o maior atleta brasileiro da história da modalidade. Títulos em Jogos e Campeonatos Pan-Americanos, medalhas de ouro e prata em etapas do circuito mundial e hoje ele é o 44º do mundo. Aos 19 anos, foi primeiro brasileiro da modalidade a disputar uma edição dos Jogos Olímpicos, em casa, na Rio 2016. E, segundo as próprias palavras, um desconhecido no país.
No entanto, não foi o mesmo Ygor que voltou daquela caminhada de poucos passos no corredor do consultório médico. Sorriso largo, pele negra corada e peito estufado.
- Você viu? Eu sei o que ela quis dizer, significa muito para a gente mesmo - me disse, orgulhoso.
Já se passou quase uma década desde que o morador da favela da Chacrinha deixou a zona oeste do Rio de Janeiro para viver na Europa graças ao badminton. Os sete últimos anos na Dinamarca, um dos centros do esporte no mundo, fizeram do menino carioca um homem conhecido e, segundo ele mesmo, cheio de fãs e seguidores na Ásia. China, Tailândia, Malásia, não é incomum Ygor visitar esses países onde seus equipamentos esportivos são muito vendidos e ele participa de campanhas publicitárias. A fama asiática, aliás, faz do badminton o segundo esporte mais praticado no mundo, de acordo com alguns levantamentos.
Mas Ygor não se desconecta do Brasil, do Rio, do morro onde ele começou a jogar na Associação Miratus, ONG criada por seu pai, Sebastião. E a realidade ligada ao tráfico, ao crime, às milícias também não o deixa esquecer a pobreza da cultura esportiva do país onde nasceu. As redes sociais são a ferramenta que ele usa para se manter conectado às origens. Por isso a preocupação em aumentar o número de fãs que chegou a 30 mil, no Instagram, e 25 mil, no Tik Tok, neste mês.
Influenciador olímpico sofre no Brasil. Ygor poderia buscar em Hugo Calderano um mentor. O mesa-tenista de 27 anos, também o melhor da história do país na modalidade e a caminho da terceira Olimpíada, é desses fenômenos cheios de fãs na Ásia, principalmente na China. Mesmo assim, ainda longe da casa dos milhões nas redes. Sim, as redes que os separam dos rivais são mais sociáveis para conectá-los aos torcedores. Mas como transformar o sucesso nas quadras e mesas em números fora do campo de jogo?
Uma fã. Uma só. Provou a Ygor que a influência dele vai muito além das telas. No dia a dia, um atleta sair da favela, representar os negros brasileiros mundo afora e estar prestes a disputar a terceira Olimpíada é, realmente, servir de mentor para uma nova geração.
O Ygor de 2024 certamente inspiraria o Ygor de 2009. Um menino que sonhava em viajar pelo mundo e disputar as Olimpíadas na França. Detalhe: Paris foi escolhida como sede olímpica apenas em 2017.
- O badminton me faz viajar a América toda. E vai me levar para a França, meu sonho é ir para a França e jogar as Olimpíadas pelo Brasil - profetizou o garoto de 12 anos que transformou seu sonho em realidade.
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