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Por Bruno Cassucci, Carlos Gil, Gabriela Ribeiro e Ivan Raupp — Orlando, Estados Unidos


Danilo será o capitão da Seleção Brasileira na Copa América

Danilo será o capitão da Seleção Brasileira na Copa América

A capacidade de articular e expressar ideias colaboraram para que Danilo, aos 32 anos, assumisse o posto de capitão da seleção brasileira. Porém, o lado mais intelectualizado também rende brincadeiras com o lateral, como ele mesmo reconhece:

– Às vezes eu sou o palestrinha, né? (risos), o que dá palestras.

Nesta conversa com o ge, Danilo não "palestrou", mas passou por temas complexos. Falou sobre como humanizar a seleção brasileira e as dificuldades em criar conexão com o povo. Também abordou o papel dos jogadores como formadores de opinião e chamou os companheiros a dividirem responsabilidades - algo que, segundo ele, andou faltando.

Focado no presente, mais precisamente na Copa América, Danilo se permitiu falar brevemente sobre o futuro. Reforçou o compromisso em ficar pelo menos mais um ano na Juventus, mas deixou clara suas prioridades caso volte ao Brasil: Flamengo e Santos.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Recentemente, viralizaram nas redes sociais trechos de discursos que você fez no vestiário da Seleção antes de amistosos. Como você se prepara para esses momentos?
– Eu procuro sempre humanizar aquilo que eu falo. No futebol a gente tem a mania de falar muito generalizado as coisas. Eu acho que é muito importante humanizar, falar de forma direta, mandar mensagens diretas, porque realmente toca muito mais quem está ouvindo. Sempre é algo que eu procuro ver antes, saber mais ou menos um cronograma, uma linha do tempo que eu vou seguir durante a fala. Mas claro que a forma como eu falo é a emoção que eu tenho, que me guia naquele momento, eu acho que é aquilo que me faz tocar muito nos jogadores, em quem escuta e também em quem vê de fora, né?

Então você planeja um pouco antes...
– É, é algo que eu tenho assim preparado. Eu sempre sei mais ou menos em que ponto eu quero tocar, quais são as histórias que eu quero contar, o que eu quero falar, acho que isso é natural quando a gente quer criar uma narrativa nesse sentido. A gente precisa estar preparado, isso é muito difícil de sair de uma forma natural de um momento para o outro.

Assista aos bastidores da Seleção antes e depois da vitória sobre a Inglaterra

Assista aos bastidores da Seleção antes e depois da vitória sobre a Inglaterra

Recentemente, você apontou o ex-goleiro Buffon como um modelo de liderança para você. Poderia explicar melhor por que essa inspiração?
– O Buffon, como eu falei, é o meu principal espelho por dois motivos: primeiro porque, para mim, ele foi o maior da história como goleiro, daquilo que eu já vi, que eu conheço. Entretanto, ele se fazia tão pequeno no dia a dia, mas pequeno não de uma forma medíocre, pequeno de uma forma humilde. Se colocava sempre do tamanho de todos nós da equipe, de todos os funcionários, de todos aqueles que conviviam com ele no dia a dia. É a coisa principal que eu mais aprendi com ele. Isso fez com que ele fosse ainda maior na minha visão. Um cara tão grande, com um alcance mundial tão grande, mas ao mesmo tempo tão humano, tão humilde, tão parceiro no dia a dia. Isso, pra mim, era a maior qualidade humana que ele tinha e é isso que eu admiro muito. Entretanto, ele tem uma aura diferente, é algo que eu não posso explicar, dizer que eu convivi com aquilo e que eu senti aquilo, entendeu? É por isso realmente que ele é o meu maior ídolo, meu maior espelho nesse sentido.

O que a braçadeira de capitão representa para você, Danilo?
– É algo muito sério, né? É a realização de um sonho, sem dúvida, mas é uma responsabilidade. Eu acho que quando você veste a braçadeira de capitão da seleção mais importante do mundo, como acontece comigo também na Juventus já há algum tempo, eu acho que é um tema de responsabilidade. Porque ser capitão não quer dizer só aquele que vai usar a braçadeira quando entrar em campo, vai muito além disso. É você dedicar seu tempo e energia muitas vezes em prol dos companheiros, em prol do bem da equipe. O que te tira muitas vezes um momento que poderia ser só seu, um momento que poderia ser específico pro seu descanso, pra você estar tranquilo. É um momento em que você muitas vezes está dedicando para o grupo para questões fora de campo, mas que vão fazer um efeito importante.

Essa postura faz com que outros jogadores venham te elogiando publicamente. Foi assim com Savinho, Bruno Guimarães, Raphinha, entre outros. Como você se sente com isso?
– Eu acho que a coisa que me deixa mais orgulhoso é que isso não tem a ver com eu ter me tornado nesse momento o capitão da seleção brasileira. É um papel que eu sempre tive, é o que eu sempre fui como pessoa, né? Então é isso que me deixa muito mais satisfeito assim. Eu procuro ser um cara que me dê bem com todos, apesar de muitas vezes ter uma diferença de geração. Eu vou fazer 33 anos e convivo com o Endrick, que tem 17, alguns com 20, como o Savinho, o próprio Raphinha, que não é tão velho assim, tem 27 anos assim, então são outras gerações. Mas eu vou me adaptando, vou tentando entrar um pouquinho na onda deles e isso me faz ser próximo, me faz poder ter esse carinho, ter esse tipo de momento "relax", de brincadeira e que, claro, eles me reconhecem como uma pessoa com quem podem contar.

Você está na Seleção há mais de uma década e jogou como titular na maior parte do último ciclo de Copa. Como pode ajudar nesse momento de transição do Brasil, com mudança de treinador e também de alguns convocados?
– Eu acho que nessa transição a gente tem um papel muito importante, que é ser aberto às novas ideias, às mudanças, realmente a vida é feita disso, você saiba deixar fluir, saber entender os novos caminhos, mas também ser responsável por manter aquilo que deu certo. Eu acho que é importante a gente ter bem esse balanço, isso o Dorival vem fazendo muito bem, também os outros atletas que continuaram dos outros ciclos. É entender o equilíbrio entre aquilo que pode ser útil daqui pra frente e aquilo que realmente tem que mudar, tem que fazer de uma maneira diferente para a gente tentar ter resultados diferentes. Eu procuro ser líquido nessa maneira, não ser resistente ao extremo. Eu acho que a gente tem que estar aberto realmente para aquilo que pode ser diferente. E eu tento passar a minha experiência de forma humanizada.

– Eu acho que dentro dessa seleção tem muita qualidade, tem muita gente com muito potencial, mas precisa realmente assumir a parte da responsabilidade de cada um. Eu acho que se eu posso dizer alguma coisa que ficou pelo caminho, que a gente não fez bem, foi repartir as responsabilidades com igualdade justas. Então eu acho que isso a gente pode fazer daqui pra frente e isso vai surtir um efeito importante dentro de campo.

Danilo, lateral-direito e capitão da seleção, em entrevista ao ge — Foto: Ivan Raupp

Quando fala em repartir responsabilidades, isso é de fora para dentro? Como imprensa e torcida veem cada um dos jogadores da Seleção? Ou também internamente?
– Das duas partes. De fora para dentro sempre foi muito bem marcado, essa questão de responsabilizar muito mais um jogador do que o outro, pesar e cobrar muito mais um jogador do que o outro. Mas eu acho que da nossa parte também sempre faltou um passo adiante, nesse senso de falar "não, peraí, isso aqui é minha responsabilidade, isso sou eu que tenho que fazer." E quando você divide melhor isso, acho que você soma forças, ao invés de pesar em um ou dois jogadores só. É isso que eu venho tentando falar aqui, eu acho que é um momento ideal para que isso possa acontecer de uma maneira muito mais natural. De dentro para fora era pouco, mas também acontecia. Faltava da nossa parte dar um passo adiante e assumir um pouco mais as responsabilidades, sejam elas técnicas no jogo, em campo, nos treinamentos, seja elas nas falas, nos posicionamentos, e acho que esse é o caminho que a gente tem que buscar.

Qual tem sido a maior dificuldade de vocês nesse processo de mudança?
Eu acho que o que é mais difícil para essa seleção, assim como foi foi para as outras, é a comparação. Eu acho que enquanto o Brasil não for campeão mundial outra vez, vai existir sempre a comparação com aquilo que já foi a seleção brasileira ou com os resultados que a Seleção teve. Foram resultados grandiosos, jogadores que atingiram um patamar de qualidade e de expressão popular mesmo, reconhecimento popular muito grande. Enquanto a gente não conseguir ou o Brasil não conseguir vencer outra vez uma Copa do Mundo sempre vai existir a comparação. E a comparação, já dizia o mestre Augusto Cury, é ladrão da felicidade. Toda vez que a gente começar a comparar, sempre vai faltar alguma coisa, sempre vai ter algo que não vai estar bom. Então a gente tem que tentar, como eu falei outro dia, até fiz um post falando que nós temos que tentar ser justos e honestos com nós mesmos, não ser refém das circunstâncias. e andar numa linha em que a gente possa ser equilibrado com os nossos julgamentos, com aquilo que a gente tem feito, com aquilo que a gente precisa evoluir ainda e seguir nesse caminho.

Danilo, você é muito estudioso, tem o projeto Voz Futura, é um cara muito preocupado com essa parte mental. No dia a dia, com essa garotada, já aconteceu de você vir com um papo mais cabeça e alguém dizer: "eu estou entendendo nada do que você tá falando, Danilo"? Você tem essa preocupação de não parecer, em determinado momento, professoral ou, entre aspas, chato com esses assuntos? Como é que você faz para dosar isso, ter o lado intelectual, digamos, mas falar a língua dos boleiros também?
Às vezes eu sou o palestrinha, né? (risos). O que dá palestra. Outro dia os meninos brincaram quando eu fiz a pergunta para o Raphinha, na coletiva, alguns deles falaram "ih, eu não ia saber responder." Mas, brincadeira à parte, eu tento me colocar em igualdade, entrar no mesmo mundo, na mesma "vibe". Toda vez que eu tenho a oportunidade, eu procuro entender os momentos de sentar com alguém, fazer uma conversa um para um. Mas tudo bem relaxado, bem tranquilo, não ser o palestra. Mas tentar falar aquilo que eu penso, aquilo que eu vejo que pode ser melhorado, aquilo que eu vejo que possa ser feito de uma maneira diferente, sempre em prol daquilo que é a seleção brasileira.

– Mas não só, muitas vezes eu vejo alguns comportamentos e visões que eu acho podem ser feitos de outra maneira para a pessoa em si, como ser humano, como pessoa. Porque muitas vezes a gente está muito focado no futebol, que é a nossa profissão, o nosso trabalho principal, aquilo que realmente tem que ser o nosso foco maior. Mas eu tento mostrar para eles também que eles possam entender que a vida tem uma extensão. Quando você entende que a vida tem uma extensão e ela é composta de outras partes, os momentos mais difíceis aqui dentro eles ficam mais mais ligeiros, é mais fácil de você passar por eles, você entende que tem outras partes da vida que te integram também. Então, eu tento, vou falando com um, vou falando com outro, outro dia eu sentei com o Vini lá no campo, batemos um papo super legal, o próprio Savinho, o Rafinha é um cara que eu falo muito, o Paquetá, o Bruno, eu vou tentando, de alguma maneira, deixar uma sementinha plantada, porque eu não sei quanto tempo mais eu vou estar na seleção brasileira, mas eles ainda têm um trajeto grande pela frente.

Essa semana o Mbappé deu uma entrevista na seleção francesa na qual levantou a bola prestem atenção nas eleições, que é importante ver em que vai votar, quais são as plataformas. Já o Unai Simon, goleiro espanhol, foi em outro sentido, disse que não tem que falar disso, só tem que falar de futebol, não tem que entrar em política. O que você pensa? E mais: esse é um assunto entre os jogadores da Seleção?
– Às vezes, às vezes sim. Eu acho que é importante você falar dos temas que são principais porque nós somos influências para muita gente, nós somos espelho para muita gente. Mas desde que você saiba o que você está falando, que você tenha consciência, que você tenha uma mínima sabedoria em relação àquele determinado assunto. Porque muitas vezes as pessoas cobram um posicionamento ou uma fala de um assunto que o jogador ou uma pessoa influente não tem conhecimento ou não está à par daquilo que está acontecendo. É necessário que você vá ter informações, vá estudar para saber o que você está falando. Eu acho que não só jogadores de futebol, mas também outros influenciadores devem falar, se posicionar e influenciar outras pessoas desde que saibam o que estão falando. Porque hoje em dia as coisas estão em uma proporção muito grande com a internet, com as redes sociais. Muita gente fala "ah, beleza, tem que se posicionar, eu vou falar alguma coisa." Não, espera aí. Tem que falar se você tiver conhecimento de causa, se você tiver um "know-how". Senão, é melhor você ficar calado mesmo e ter as suas decisões. A partir do momento que você tem um conhecimento, que você saiba que a sua opinião é fundamentada e baseada em alguma coisa concreta, eu acho, sim, que é necessário falar.

Você tem mais um ano de contrato com a Juventus. Recentemente, houve rumores de que poderia voltar ao Brasil e defender o Flamengo, até por ser um jogador muito querido pelo Tite. Você já tem uma ideia do que pensa em fazer no futuro?
A minha família é toda flamenguista, é uma loucura. Toda vez que tem jogo do Flamengo, Libertadores, todas essas coisas, o pessoal para, vai fazer churrasco para ver o jogo do Flamengo. Eu tenho uma cunhada que ela chora. Falou do Flamengo, ela chora mesmo, se emociona.

– Nesse momento, como você falou, eu tenho contato com a Juventus garantido até 2025, podendo ter mais um ano de extensão. E muito mais de eu falar que eu estou muito feliz na Juventus, que eu me sinto realizado, tem a ver com aquilo que é o meu papel lá também. Porque, acho que vocês sabem bem, aquilo que é o capitão no futebol europeu e principalmente na Itália, que é tão bairrista. É um papel muito mais do que... É quase um trabalho, sabe? São muitas funções, muitas coisas que você desenvolve e trabalha no dia a dia, que não é fácil você deixar para trás de uma hora pra outra, né?

– Estou planejando ainda aquilo que vão ser meus próximos anos como jogador de futebol. Não quero jogar até muito tarde, sempre falei isso. Dois ou três anos é o máximo que eu quero jogar. Mas, se em algum momento eu falar "quero voltar para o Brasil", tem duas prioridades: Flamengo e Santos.

Danilo, de 32 anos, é titular da seleção brasileira — Foto: Rafael Ribeiro / CBF

Você falando em jogar mais dois, três anos... Coincide com o próximo ciclo de Copa. Você teme encerrar seu período na Seleção sem conquistar um título relevante?
Não, não tenho medo. Não tenho medo porque isso significaria que eu estaria colocando só um objetivo final na minha passagem pela Seleção, e na verdade não é isso, né? Todo o tempo que eu passo aqui, todos os anos que eu já estou aqui, os momentos, as frustrações, as vitórias em jogos importantes, jogos difíceis, tudo isso vai me deixando realizado pouco a pouco. É claro que a Copa do Mundo, a Copa América, agora que é o nosso principal objetivo, para mim seria muito importante e gratificante por estar investindo tanto tempo e tanta energia nisso. Mas eu já fico muito satisfeito com aquilo que eu desenvolvo diariamente, com a história que eu vou poder contar para os meus filhos, que eles vão poder contar depois para outras gerações, poder inspirar também garotos que vieram principalmente do interior, como eu, de uma cidade de 13 mil habitantes, que muitas vezes escutava que você não pode, você não vai conseguir, você não vai chegar. E estar tantos anos na seleção brasileira. Claro que esse é o meu principal papel, boto toda a minha energia para ganhar uma competição importante, espero que isso aconteça, mas não tenho medo e não me sentiria frustrado por isso.

Em Copas tem um histórico legal de laterais levantando taça pelo Brasil...
– Com certeza, o último foi o Cafu, um grande ídolo que eu tenho no futebol. Enfim, tenho objetivos curtos nesse momento, penso na Copa América, não só em termos de não pensar muito longe, mas até por termos fisiológicos, do meu condicionamento físico, daquilo que eu posso oferecer para a seleção brasileira. Então vou fazendo objetivos curtos e se eu chegar até lá e a gente tiver essa felicidade... Quem sabe.

Você é lateral na Seleção e zagueiro na Juventus. Com o Tite, você ficava mais contido, mas o Dorival tem pedido uma participação ofensiva maior dos laterais. Como é essa adaptação?
O Dorival é um treinador que eu gosto muito daquilo que ele pensa, porque ele não é engessado numa forma de jogar dentro da partida. De acordo com aquilo que o adversário te oferece, é aquilo que a gente tem que fazer os movimentos de uma maneira ou de outra. É claro que eu, jogando já há alguns anos em uma função muito mais defensiva, como zagueiro já há dois ou três anos, preciso de algum tempo no jogo ou de um jogo para poder me adaptar quando a partida me pede para ser um pouco mais ofensivo. E claro, também nós temos o Yan, que é um jogador de muito futuro, mas que já fez uma temporada incrível e que pode oferecer isso também. É importante entender que dentro do grupo a gente tem características que possam ser mudadas durante um jogo e que a gente possa surpreender de alguma maneira. Até porque, hoje em dia, com todos os vídeos e tudo isso, as equipes dos adversários se preparam muito bem. Então é importante que a gente tenha essa consciência até de mudar peças durante o jogo ou no começo do jogo para poder surpreender quem quer que seja. Como eu falei, oDorival têm ideias que eu gosto muito, que são ideias que tem um certo padrão, que te dão uma segurança dentro do jogo, mas não fica engessado num tipo de jogo, e eu acho que isso é muito importante.

Por que o clima está tão leve na Seleção? É uma percepção só de quem vê de fora?
O clima está legal, mas eu acho que o clima quase sempre foi legal dentro da seleção brasileira. Em termos daquilo que é o dia a dia dos jogadores, da convivência com a comissão técnica, o entrosamento e tudo isso. Mas o clima fica legal de verdade quando você vence. E isso eu tenho tentado falar diariamente. É importante que a gente tenha um clima leve, um clima de amizade, de brincadeira, de sorriso, mas que a gente tenha a responsabilidade de saber que quando o jogo ou o próximo dia pedir um momento de mais responsabilidade, de ser um pouco mais introspectivo e pensar naquilo que é o jogo, naquilo que a gente tem que fazer, a gente tem que ter essa capacidade e essa maturidade, senão daqui a pouco o clima leve, a felicidade e a alegria vão ser tidos como uma falta de responsabilidade, uma falta de foco. A gente tem que aprender a lidar com isso, eu tenho tentado falar diariamente para que a gente não sofra por uma felicidade em excesso, digamos assim.

Nos seus discursos no vestiário e também em entrevistas de outros jogadores a gente tem ouvido muito se falar em resgatar o orgulho e a conexão entre o povo e a Seleção. E foi o exatamente o oposto que o Ronaldinho disse ver, por mais que depois ele tenha negado e explicado que isso foi parte de uma campanha publicitária. De alguma forma, isso chateou vocês? O Ronaldinho pediu desculpas?
Isso é uma coisa que também no jogo (contra a Inglaterra) em Wembley, eu falei ali antes do jogo sobre isso, era uma coisa que nas reuniões internas a gente já tinha debatido também. Eu concordo e eu até entendo aquilo que seja a frustração do torcedor brasileiro, primeiro por resultados, porque o futebol, no final das contas, você vê os resultados. Se ganhou, se perdeu, se não ganhou, é assim que funciona. Mas eu acho que a identificação também com os atletas. Eu, por exemplo, estou há 12 ou 13 anos no futebol europeu, joguei um ano e meio no Santos. Se você pega hoje um garoto, um jovem de 20 anos, ele não me viu jogar no Brasil, ele tinha sete anos, oito anos. Então é natural que não haja essa identificação. Como a gente pode minimizar isso, diminuir esse espaço? Humanizando mais as coisas, as ações, as nossas falas, aquilo que a gente posta, aquilo que a gente fala na entrevista.

– Muitas vezes a gente dá muito a impressão de que a nossa vida é muito distante daquilo que é a realidade do povo brasileiro. Ou a gente não mostra que a gente veio também dessa realidade. Então esse é o nosso papel, sabe? Aproximar de alguma maneira, humanizando muito mais aquilo que é a nossa parte. Depois em campo, é claro, isso tem que fazer com que a gente tenha mais emoção, demonstre mais emoção, demonstre mais importância. Claro que a gente se importa muito, faz muito mal para a gente quando a gente não ganha, quando não consegue uma classificação, um resultado que seja esperto. A gente não pode querer dizer "ah, beleza, somos super-heróis, faz parte da derrota." Não, jogar pela seleção brasileira e ter uma derrota é dolorido, é difícil mesmo que eu jogue na Europa há 13 anos, mesmo que eu viva fora do Brasil há tanto tempo e talvez as pessoas pensem que eu não tenha essa identificação, mas sim, eu tenho muito. Nós temos mesmo.

Nós precisamos aproximar de alguma maneira, humanizando aquilo que são as nossas falas, os nossos atos. Falta isso da seleção brasileira, eu venho falando isso há algum tempo. A gente tem entrado muito em acordo com isso, para poder fazer com que as pessoas se sintam próximas de nós. Falar, poxa, o Danilo, olha de onde ele veio. Veio lá de Bicas, tem 13 mil habitantes, filho do baiano caminhoneiro, da Zezé, que era cabeleireira. Sabe? Tem uma história que se parece com a história do brasileiro mediano, digamos assim, do brasileiro comum, que de comum não tem nada, que muito pelo contrário, tem uma vida extraordinária, tem sempre uma história extraordinária.

– Quanto ao Ronaldinho, não, eles falaram sim com o entorno ali da CBF, porque para gente foi uma surpresa ver toda aquela declaração. Pô, é o nosso ídolo, é o nosso ídolo máximo também, é um cara que todo mundo cresceu vendo. Depois a gente entendeu que se tratava de uma ação publicitária da parte deles e tudo, e aí eu depois até vi várias vezes outra vez a entrevista onde ele falava que era o justo ou o contrário. Eu quero sentir da parte também dos ex-jogadores, de quem fez parte aqui da seleção brasileira, também esse apoio, esse carinho com a gente, porque isso fortalece.

Uma última: em março, depois da vitória para a Inglaterra, muita gente entendeu que você deu uma "indireta" para o Diniz numa entrevista, ao comentar que "futebol muitas vezes é fazer aquilo que já está inventado." Ali houve alguma comparação ou foi só uma má interpretação de palavras?
Na verdade, a minha fala foi mal colocada. Ele foi um equívoco, um erro meu. Às vezes a gente cobra a interpretação alheia, mas também se você falar de uma certa maneira dá margem para várias interpretações. O que eu quis dizer naquele momento é que o Diniz, tendo um estilo tão diferente daquilo que era o processo anterior com o Tite, necessitava de um tempo. E essa adaptação não podia ser, na minha opinião, ser drástica. Ou seja: a minha opinião é de que ele deveria seguir, claro, implementando as ideias dele e aquilo que ele pensava de futebol, mas partindo de uma base que vinha daquilo que a gente já vinha fazendo. Acho que assim é mais fácil você implementar as mudanças, que é o que acontece com o Dorival. Ele vem implementando as mudanças e aquilo que ele pensa de futebol. mas partindo de uma base, porque foi um trabalho de seis anos, entendeu? Então é difícil que você se desapegue daquilo de uma hora para outra. Foi isso que eu quis dizer. Com o Diniz eu tive vários debates interessantíssimos sobre futebol, sobre psicologia, sobre a vida. Ele é um pouco, digamos, maluco da vida, assim, um pouco como eu, então a gente se entendeu muito bem.

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