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Por Douglas Ceconello

Jornalista, um dos fundadores do Impedimento.org, dedicado ao futebol sul-americano

ge.globo — Porto Alegre

Manu Silva

Entre muitas contratações surpreendentes de clubes brasileiros nos últimos tempos, resultado de um campeonato financeiramente pujante, provavelmente a campeã no quesito "rolê aleatório" é a chegada de Yannick Bolasie ao Criciúma. O que não é nada aleatória é a postura do atacante, nascido na França, criado na Inglaterra e naturalizado congolês: Bolasie de forma alguma está de férias, e seu comprometimento em campo mostra isso, mas está disposto a aproveitar a primeira experiência fora da Europa com uma imersão absoluta na forma brasileira de viver o futebol -- e, portanto, a vida.

O cartão de visitas oficial aconteceu na estridente goleada de 4 a 0 sobre o Vasco, quando o atacante nascido em Lyon mostrou todas as credenciais que lhe tornaram célebre na vida real e também nos games (onde ganhou até uma jogada com seu nome, inspirada neste drible em Eriksen, em 2014). Naquela tarde em São Januário, em seu compromisso mais glamouroso até então em solo brasileiro, usou a habilidade e a velocidade típicas e colocou metade do time vascaíno para dançar no ritmo do GRIME, estilo inspirado no Hip Hop e surgido na periferia de Londres, do qual é entusiasta.

Na transição entre o fish and chips dos ingleses para o churrasquinho de rua, ou um atrevido pastelzinho de camarão nas praias mais próximas, portanto desde já vencedor na vida, Yannick Bolasie arrebatou não apenas os corações carvoeiros, mas de brasileiros de todas as procedências. Mesmo recém-chegado ao país, ele foi, por exemplo, um dos primeiros e mais enfáticos personagens da esfera futebolística a manifestar solidariedade ao Rio Grande do Sul, estado vitimado pela catástrofe climática. Aliás, em seu perfil no Twitter, mostra uma abertura incomum para nomes da sua envergadura: comenta jogos e lances, responde aos seguidores, manda "feliz aniversário" personalizado e, sobretudo, procura aperfeiçoar o português, que na verdade já está muito cumpridor -- exceto, é claro, quando se depara com a falta de decoro e a afetuosa malícia de alguns gaiatos.   

No último sábado, um dia após completar 35 anos, Bolasie passou cerca de duas horas distribuindo autógrafos no estádio Heriberto Hülse. Recebeu mimos de todas as espécies, desde flores até picolés de abacaxi, como retribuição pelo carinho e atenção que vem dedicando aos torcedores do Tigre -- talvez, principalmente, como forma de agradecer por ter escolhido a cidade catarinense como destio do rolê mais aleatório da sua carreira. Há muito mais filosofia entre o sul de Londres e o norte de Palhoça do que podemos conceber, e em algum ponto do caminho, ou um pouquinho adiante, estava Criciúma -e o clube que lhe pertence. Em amarelo e negro, como um Peñarol ou um Dortmund, mas com a bendição geográfica de ter Florianópolis logo ali, e mais algum vídeo da Libertadores de 92 e da cantoria da barra carbonera, a escolha não deve lhe ter parecido nem um pouco absurda. 

E não é que Bolasie tenha optado por um encerramento de carreira fartamente remunerado em um campeonato competitivo. Bem pelo contrário: antes de assinar contrato, atentos observadores o teriam identificado correndo pelas avenidas de Criciúma, preparando-se fisicamente. Mas ele também já frequentava o comércio local e perambulava por território criciumense buscando compreender a atmosfera, a cultura e as circunstâncias que a partir de então fariam parte de sua vida, com as quais não demorou a ser envolver genuinamente. E o restante do caminho seria (e está sendo) naturalmente construído com fruição absoluta e admiração mútua, como em um desses relacionamentos que surgem apenas muito de vez em quando.

Footer blog Meia Encarnada Douglas Ceconello — Foto: Arte

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