A agricultura brasileira dispõe de tecnologias para liderar o processo de transição para sistemas mais sustentáveis, reduzindo emissões por meio de recuperação de áreas degradadas, fixação biológica de nitrogênio no solo, plantio direto na palha, maior uso de insumos biológicos e redução da idade de abate de bovinos, entre outras práticas. Os principais desafios estão na redução do desmatamento ilegal e na ampliação e disseminação daquelas tecnologias, disponíveis principalmente no Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC+).
“Será preciso garantir que todos os produtores tenham acesso e condição de adotar tais tecnologias, já que um número enorme deles está à margem desse processo”, afirma João Adrien, membro do grupo executivo da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e head de ESG agro do Itaú BBA, lembrando que o último Censo Agropecuário indicou que 70% do valor bruto da produção no setor são gerados por apenas 2% dos produtores.
Em um experimento conduzido a campo entre outubro de 2022 e julho de 2023, em parceria com a Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), com 147 bovinos de alta linhagem genética, a Embrapa Cerrados demonstrou a possibilidade de redução de emissões de metano entre 16% e 22% com a aplicação de protocolos já desenhados pela própria empresa desde 2020. “Sem qualquer investimento extravagante, se o produtor fizer tudo bem feito, seria possível reduzir emissões de CH4 [metano] pelo rebanho naquelas mesmas proporções, com ganhos de rentabilidade”, sustenta a pesquisadora Giovana Maciel, da Embrapa Cerrados, sediada em Brasília. O trabalho indicou ainda um potencial de ganho de peso entre 27,4% e 36,1% em relação ao grupo de controle.
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A Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta SP), por meio do recém-instalado Centro de Ciência para o Desenvolvimento da Neutralidade Climática da Pecuária de Corte em Regiões Tropicais (NeuTroPec), desenvolve pesquisas sobre técnicas para otimizar a fermentação entérica de bovinos e reduzir emissões. “O objetivo principal é que essas tecnologias possam ser aplicadas em uma ampla gama de escalas de produção, desde pequenos criadores e produtores de leite até grandes fazendas de pecuária”, afirma Carlos Nabil Ghobril, coordenador da agência.
Primeiro do gênero na América Latina, o NeuTroPec desenvolve plataformas baseadas em mensuração de emissões de metano e de outros gases do efeito estufa, balanço de carbono em sistemas de produção a pasto, desenvolvimento de tecnologias de nutrição, entre outros, de acordo com Renata Helena Branco Arnandes, doutora em zootecnia e coordenadora do centro, que iniciou seus trabalhos em setembro de 2023.
Na agricultura, novos equipamentos são mais sustentáveis. O número de drones utilizados na pulverização de lavouras já se aproxima de 10 mil, ou mais de quatro vezes o total de 2,3 mil aviões agrícolas em operação, segundo Rafael Moreira Soares, pesquisador da Embrapa Soja. A unidade, sediada em Londrina (PR), já realizou quatro safras testes com a aplicação de fungicidas, inseticidas e herbicidas por meio de drones.
Além de evitar o contato direto de aplicadores com o agrotóxico, o equipamento consume 10 litros de água por hectare. Aviões consomem 15 vezes mais. Os drones também evitam o amassamento da lavoura - como ocorre com tratores, que provocam perdas de 4% no volume colhido, acrescenta Soares.
Numa parceria com a Primato Cooperativa Agroindustrial, do Paraná, a Tupy investe na instalação de uma bioplanta em Ouro Verde do Oeste (PR). Com construção revista em duas etapas, com a primeira já em implantação, a planta vai processar diariamente perto de 1 milhão de toneladas de dejetos gerados por 67 mil suínos de 27 propriedades próximas a Toledo, na região oeste do Paraná, gerando energia elétrica, biofertilizantes e biocombustíveis.
De acordo com Fernando Cestari de Rizzo, CEO da Tupy, deverão ser produzidos em torno de 12 mil metros cúbicos por dia de biogás, o que deve ser suficiente para substituir o consumo de diesel de 33 caminhões.
“Além do biogás e seus derivados, como biometano e dióxido de carbono (CO2) renovável, essa operação produzirá mais de 10 mil toneladas de fertilizante organomineral”, acrescenta o executivo. Em sua estimativa, quando incluída uma outra bioplanta, em Minas Gerais, para tratamento de dejetos de aves poedeiras, será possível reduzir emissões num volume aproximado de 63 mil toneladas de CO2 -equivalente ao ano, comparável, segundo o executivo, ao plantio anual de mais de 500 mil árvores.
A aplicação de sistemas de biodigestão em granjas, aponta Yuri Schmitke, presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), está cada vez mais integrada ao negócio de grandes produtores. “A biodigestão de resíduos agrícolas e pecuários teria potencial para até 160 terawatts/hora, representando 25% da demanda elétrica do país, ou 145% da demanda de combustível”, afirma, citando projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Grandes empresas de consumo também buscam mitigar as emissões de seus produtos, como a Nespresso, que lançou em 2003, em parceria com a Rainforest Alliance, o Programa Nespresso AAA de Qualidade Sustentável. O projeto inclui cerca de mil fazendas de café em Minas Gerais, de acordo com Daniel Motyl, gerente regional do programa. “Até 2030, nosso objetivo é obter pelo menos 95% de café regenerativo”, afirma.
A primeira etapa do programa envolve a promoção de práticas e soluções naturais, com uso de compostagem, cobertura do solo, insumos biológicos e fertilizantes orgânicos, com assistência de agrônomos da Nespresso. O segundo passo envolve o plantio de árvores nativas dentro e no entorno das fazendas para sequestro de carbono, seguido pelo estímulo à proteção de ecossistemas naturais ao redor dos cafezais.