Um dos objetivos do governador Eduardo Leite (PSDB) para 2023 era “recuperar o protagonismo” do seu Estado, o Rio Grande do Sul, e também do PSDB, que presidia no fim do ano passado após o pior resultado eleitoral da história do partido.
Nesta função, ele não obteve êxito: perdeu espaço para o deputado Aécio Neves (MG) e deixou o comando da legenda, por força de decisão judicial, em setembro.
No comando do Rio Grande do Sul, Leite enfrenta desafios de ordem fiscal e dos impactos de eventos climáticos extremos, primeiro uma seca, depois chuvas e ciclone que causara perdas humanas e materiais, afetando o agro e outros setores importantes da economia local.
“Alcançamos no mandato anterior um equilíbrio nas contas, mas tivemos perda de arrecadação por causa da decisão eleitoreira do ex-presidente”, afirmou o governador ao Valor, referindo-se à lei sancionada por Jair Bolsonaro, ano passado, que limitava a aplicação de alíquotas de ICMS para setores como combustíveis e energia elétrica com o objetivo de conter a alta dos preços.
“E tivemos eventos climáticos atípicos e extremos. Foram desafios que nos fizeram puxar o freio de mão dos investimentos”, completa Eduardo Leite.
Entre julho e outubro, principalmente, o Estado enfrentou um inédito ciclone e enchentes que deixaram mais de 50 mortos e cerca de 430 mil casas danificadas em todo o território gaúcho - o prejuízo superou a cifra de R$ 1 bilhão. Houve ajuda, financeira inclusive, do governo federal.
Sobraram críticas ao governador, filmado com o namorado num show da cantora Ivete Sangalo, em São Paulo, semanas depois dos desastres naturais, quando o Estado ainda lidava com a calamidade.
- Retrospectiva em imagens
Especial 2023: Primeiro ano do segundo mandato de Eduardo Leite no Rio Grande do Sul
Aos 38 anos, o político do PSDB foi o primeiro governador da história do Rio Grande do Sul a conseguir uma reeleição - depois de um período de incertezas, quando deixou o cargo no ano passado pensando na Presidência, que ele acabou reconsiderando. O caminho mais fácil acabou sendo a inédita reeleição, que ele obteve colocando-se entre bolsonaristas e lulistas, sem aderir a nenhum lado.
O governador é esperançoso em construir a tão falada “terceira via”, apesar de ter encampado algumas das pautas da direita bolsonarista, como a educação militarizada das escolas cívico-militares, que ele quer manter após a descontinuidade do programa como anunciado pelo Ministério da Educação.
“Não dá para enquadrá-lo na regra de Lula ou de Bolsonaro, nem na lógica da direita ou esquerda. Ele muitas vezes é cobrado por uma régua que não cabe nele”, afirma o publicitário Fábio Bernardi, que fez as duas campanhas de Leite ao governo, a sua disputa nas prévias do PSDB e segue trabalhando a seu lado, com sua agência de publicidade contratada pelo Executivo estadual.
O Estado ainda tem uma questão fiscal frágil, com o governador - não é o único no país - cobrando uma revisão do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), acertado com o governo Bolsonaro (em 2022) para o pagamento da dívida, além de questionar os juros que os Estados pagam à União. A dívida atual dos gaúchos supera os R$ 93,5 bilhões.
Leite prossegue com a pauta das privatizações, iniciada antes da reeleição, e tomou medidas impopulares, como um projeto encaminhado ao Legislativo em novembro que pretendia aumentar a alíquota do ICMS. Mas o próprio governador voltou atrás e retirou a proposta após ficar claro que ela não teria o apoio da classe política e de grupos de empresários, que consideraram a medida prejudicial à economia gaúcha.
“Ninguém gosta de pagar mais imposto, eu também fiquei insatisfeito [com o pedido de aumento]. É algo naturalmente antipático”, justifica Leite.
Ele argumentava que a reforma tributária vai causar perdas durante a transição, além do impacto da a redução eleitoreira promovida no ICMS por Bolsonaro.
O governo gaúcho, contudo, ao desistir do projeto enviado ao Legislativo, recorreu a um plano B para aumentar a receita a partir de cortes a incentivos concedidos a 64 setores produtivos, tributação de impostos da cesta básica antes isentos, entre outras medidas.
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Uma das críticas frequentes a Eduardo Leite é a de que, apesar do marketing vender um político moderno, ele age muitas vezes como um típico expoente da “velha política”, aquele que fala uma coisa e faz outra. Na campanha da reeleição, ele prometera não aumentar os impostos - antes, havia dito que não disputaria um novo mandato.
Os adversários admitem que o governador é um político difícil de fazer oposição. É considerado jeitoso, com um discurso democrático, tem boa articulação midiática e é jovem. E ele rejeita enfaticamente a polarização nacional que marca a política, o que o deixa numa posição única no Brasil: trata-se do único governador que enfrenta oposição de petistas e bolsonaristas.
O deputado federal gaúcho Bohn Gass, do PT, ressalta a “hipocrisia política” do adversário, por agir de uma maneira diferente do que fala. “O discurso dele é de um isentão, mas na prática é a velha direita”, diz.
“O Rio Grande do Sul é governado por um jovem com cabeça antiga, baseado em conchavos e sem inovação”, disse Onyx Lorenzoni, ex-ministro de Bolsonaro derrotado por Leite ano passado. “Ele parece o filho que herdou a empresa e está vendendo todo o patrimônio para tentar se manter”.
A crítica à privatização, pauta normalmente endossada pelos bolsonaristas, no Rio Grande ganha eco no PT e sindicatos. Nacionalmente, o governador gaúcho tornou-se um nome de referência da concessão de atividades do Estado à iniciativa privada, sendo frequentemente chamado pelo mercado financeiro para falar sobre o assunto.
Até o momento foram privatizadas a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), a Sulgás e a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), arrematada em leilão - ainda contestado em câmaras do Tribunal de Constas do Estado - por R$ 4,1 bilhões. No passado, Leite também tinha dito que não privatizaria a Corsan.
“São mudanças de posicionamento que acontecem em razão da mudança de contexto”, justifica-se o publicitário Bernardi.
De toda forma, o governador - que nunca escondeu as suas intenções presidenciais - insiste que o protagonismo de seu Estado e de seu atual partido é um processo longo, que não vai se resolver apenas em um ano.
“Não havia nenhuma expectativa de o PSDB retomar seu protagonismo em um ano. É uma construção longa”, afirmou o governador, ressaltando não ver problema no fato de Aécio Neves ter voltado a comandar oficiosamente a sigla. “Virei presidente do PSDB num momento de crise, mas seria difícil conciliar com minhas atividades de governador. Não vou falhar com meu Estado”.