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Avaliao Psicolgica Pericial: reas e Instrumentos

setembro/2014

Avaliao Psicolgica Pericial: reas e Instrumentos


Flvia Hermann Jung [email protected]
Avaliao Psicolgica
Instituto de Ps-Graduao IPOG
Goinia-GO, 14 de agosto de 2013

Resumo
A avaliao psicolgica pericial ou percia psicolgica forense difere de outros tipos de
avaliao psicolgica em funo do seu objetivo final: subsidiar decises legais, quando
estas dependem de um entendimento acerca do funcionamento psicolgico do(s)
envolvidos(s). Deste modo, a percia psicolgica pode se fazer presente em questes
relacionadas ao Direito de Famlia, ao Juizado da Infncia e Juventude, ao Direito Civil, ao
Direito Penal e ao Direito do Trabalho. Os instrumentos utilizados nas percias psicolgicas
so praticamente os mesmos utilizados nas avaliaes clnicas, pois no Brasil faltam
instrumentos criados especificamente para avaliar aspectos subjetivos que relacionem-se com
as questes legais. Este artigo buscou demonstrar como a percia psicolgica insere-se nas
diferentes reas do Direito e quais instrumentos e testes so mais utilizados nestas
avaliaes.
Palavras-chave: Percia Psicolgica. Testes psicolgicos. Direito.

1. Introduo
A avaliao psicolgica, processo pelo qual atravs de instrumentos apropriados
(entrevistas, tcnicas e testes psicolgicos, observaes, etc.) chega-se a concluses a respeito
de aspectos do funcionamento psicolgico de um indivduo, encontra-se presente em
diferentes campos de atuao do psiclogo. Assim sendo, insere-se tambm no campo da
Psicologia Forense, sendo conhecida como avaliao psicolgica pericial ou, mais
comumente, percia psicolgica forense. A percia psicolgica se diferencia de outros tipos de
avaliao psicolgica pelo fato do seu objetivo ser subsidiar decises judiciais.
A percia psicolgica insere-se no campo interdisciplinar da psicologia forense e da
psicologia clnica. Ibaez e vila definem a psicologia forense como sendo toda psicologia
orientada para a produo de investigaes psicolgicas e para a comunicao de seus
resultados, assim como a realizao de avaliaes e valoraes psicolgicas, para sua
aplicao no contexto legal (1990, apud ROVINSKI, 2003, p. 183). A percia psicolgica
forense pode ser definida como o exame ou avaliao do estado psquico de um indivduo
com o objetivo de elucidar determinados aspectos psicolgicos deste; este objetivo se presta
finalidade de fornecer ao juiz ou a outro agente judicial que solicitou a percia, informaes
tcnicas que escapam ao senso comum e ultrapassam o conhecimento jurdico. Na percia
psicolgica, todo o processo de avaliao (a obteno dos dados atravs de instrumentos
adequados, a anlise dos dados e a comunicao dos resultados) deve ser direcionado aos
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objetivos judiciais.
Segundo Silva (2003), recorre-se prova pericial quando os argumentos ou demais
provas de que se dispe no so suficientes para o convencimento do juiz em seu poder
decisrio, portanto, esta tem como finalidade ltima auxiliar o juiz em sua deciso acerca dos
fatos que esto sendo julgados. A percia psicolgica considerada um meio de prova no
mbito forense e sua materializao se d atravs da elaborao do chamado laudo pericial. O
laudo pericial, que ser apreciado pelo agente jurdico que o solicitou, deve ser redigido em
linguagem clara e objetiva para que possa efetivamente fornecer elementos que auxiliem a
deciso judicial, devendo responder aos quesitos (perguntas) solicitados, quando presentes.
Segundo a autora, embora o Direito exija respostas imediatas e definitivas, o laudo
psicolgico poder somente apontar tendncias e indcios.
Segundo Rovinski (2003; 2004) as tcnicas e os mtodos de investigao utilizados na
avaliao psicolgica forense no diferem de forma substancial do processo de avaliao
psicolgica clnica, necessitando apenas de uma adaptao aos objetivos forenses. A eleio
da metodologia que ser utilizada na percia depender das especificidades de cada caso. A
coleta dos dados deve direcionar-se ao que deve ser investigado, assim, para que o psiclogo
selecione os instrumentos psicolgicos mais adequados para cada caso, ele dever se basear
na prpria natureza do exame em questo e na prvia leitura dos autos do processo (com
especial ateno ao que demandou a percia psicolgica e aos quesitos formulados). No
existem metodologias fixas para a realizao de avaliaes psicolgicas periciais, sendo estas
construdas de acordo com as caractersticas do caso e do sujeito (nvel de escolaridade, idade,
presena de limitaes fsicas ou mentais, etc). A leitura dos autos do processo propicia o
levantamento de hipteses prvias antes do primeiro contato com o indivduo e permite que a
entrevista seja direcionada para a investigao de tais hipteses.
A metodologia utilizada nas percias psicolgicas seria, de modo geral, a seguinte: a)
leitura dos autos do processo (identificao da demanda, das questes psicolgicas que sero
alvo da investigao pericial e dos quesitos que devero ser respondidos pelo psiclogo); b)
levantamento das hipteses prvias que nortearo a coleta dos dados; c) coleta dos dados
junto ao sujeito (entrevista inicial) e, quando necessrio, junto a terceiros ou a instituies; d)
planejamento da bateria de testes/tcnicas mais adequada para o caso; e) aplicao da bateria
de testes; f) interpretao dos resultados dos testes luz dos dados colhidos nos autos
processuais e na(s) entrevista(s); g) redao do informe psicolgico com o objetivo de
responder demanda jurdica que motivou tal avaliao (e, quando presentes, responder aos
quesitos/perguntas constantes no processo judicial).
Este artigo tem a inteno de focar em uma etapa desta metodologia: relatar quais so
os instrumentos psicolgicos mais utilizados nestas avaliaes e expor as reas do Direito nas
quais h demanda por avaliaes psicolgicas periciais.
2. Desenvolvimento
Apesar de se utilizar uma metodologia parecida com a utilizada na clnica, a avaliao
psicolgica pericial possui algumas caractersticas prprias e especficas: a) dirige-se a um
foco especfico, determinado pelo sistema judicial; b) busca-se informaes precisas e exatas,
inclusive em outras fontes (escola, local de trabalho, etc.); c) o sujeito pode ser nocolaborativo e apresentar uma resistncia consciente avaliao, devido sua natureza
coercitiva; d) o sujeito pode intencionalmente distorcer os dados que fornece sobre si
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(simulao/dissimulao); e) h um maior distanciamento emocional entre o examinando e o


psiclogo, j que este ltimo no visto como algum que est ali para ajud-lo; f) o tempo
destinado avaliao do examinando menor, diminuindo a possibilidade de reconsiderao
das formulaes feitas (MELTON et. al, 1997, apud ROVINSKI, 2003).
Em uma percia psicolgica forense o psiclogo geralmente utilizar entrevistas e
testes psicolgicos para conhecer os aspectos psquicos do sujeito que se relacionam com a
questo legal pronunciada, buscando eleger quais instrumentos podero auxili-lo nesta
investigao. No momento da escolha de quais instrumentos so mais adequados para um
determinado tipo de percia psicolgica, h de se considerar se estes podem responder
demanda, ou seja, s perguntas formuladas pelos agentes jurdicos (ou seja, definem-se quais
atributos sero avaliados e quais so os instrumentos mais adequados para conhec-los). Este
um cuidado que deve existir em qualquer tipo de avaliao psicolgica e que, na percia
psicolgica, deve ser revestida de um cuidado especial, pois a grande maioria dos
instrumentos dos quais dispomos no foram especificamente construdos para uso em
avaliaes forenses e as concluses obtidas a partir dos mesmos devero ser transpostas para
os objetivos e linguagem jurdicos.
Os instrumentos utilizados na percia psicolgica forense devem consistir de mtodos
e materiais adequados, destinados a analisar e avaliar aspectos referentes estrutura da
personalidade, cognio, dinmica e afetividade das pessoas envolvidas (SILVA, 2003,
p. 192). Porm, nem sempre os instrumentos psicolgicos, por mais que sejam vlidos, so
capazes de responder de modo preciso e objetivo s questes jurdicas, portanto, h de se ter
muito cuidado tanto na escolha dos instrumentos que iro compor uma percia psicolgica
quanto no momento de interpretar os resultados e concluses obtidos a partir dos mesmos,
evitando extrapolaes, ou seja, evitando chegar a concluses que vo muito alm daquelas
que o instrumento pode oferecer. Groth-Marnat (1984, p. 25, apud CUNHA, 2003, p. 29) traz
um alerta em relao aos resultados obtidos atravs dos testes psicolgicos, ao dizer que os
dados descrevem o que uma pessoa pode ou no fazer no contexto da testagem, mas o
psiclogo deve ainda inferir o que ele acredita que ela poderia ou no fazer na vida cotidiana.
A(s) entrevista(s) psicolgica(s) constitui-se como o primeiro momento junto ao
periciando; atravs desta busca-se colher dados pertinentes da histria de vida do indivduo,
compreender aspectos do seu funcionamento psicolgico, entender os fatos que motivaram o
processo e a percia em questo e observar a posio do periciando frente aos mesmos.
tambm o momento no qual o psiclogo realiza o enquadramento, apresenta tanto a si prprio
quanto o prprio processo avaliativo (objetivo, papis, nmero de encontros, lugar, horrios e,
se for o caso, honorrios) e esclarece possveis dvidas do periciando. Ser tambm o
momento de se observar aspectos relacionais do periciando a partir do modo como se vincula
ao psiclogo, as reaes transferenciais, levantar hipteses e, ainda, observar coerncias e
incoerncias entre suas linguagens verbal e no-verbal.
Ser necessrio informar ao sujeito que os dados colhidos e que sejam pertinentes ao
caso sero relatados ao agente jurdico que solicitou a percia (laudo pericial), estando,
portanto, comprometidas a confidencialidade e o sigilo dos dados. Para Taborda (2004) a
questo da no-confidencialidade dos dados introduz no setting a presena deste terceiro que
solicitou a avaliao, podendo provocar uma distoro nos dados e fatos que so comunicados
pelo examinando ao perito.
Em uma percia psicolgica frequentemente se faz necessrio entrevistar outras
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pessoas alm do prprio examinando (como, por exemplo, algum familiar prximo) para que
possam ser colhidas mais informaes a respeito das suas caractersticas e funcionamento
psicolgico. Segundo Rovinski (2003) isso acontece porque a avaliao pericial busca
entender e responder, de modo imparcial e neutro, as questes colocadas pela justia,
diferentemente da avaliao clnica, que busca compreender a realidade psquica do paciente e
sua viso particular sobre seus problemas. A entrevista com terceiros tambm de suma
importncia nos casos em que a psicopatologia do sujeito impede que o mesmo fornea dados
confiveis e precisos acerca de si prprio.
Taborda (2004) afirma que em uma avaliao pericial comum que a simulao se
faa presente, pois o examinando poder omitir informaes que possam prejudic-lo e
potencializar as que acredita que possam auxili-lo. Deste modo, o perito dever estar atento
a essa possibilidade e buscar confirmar por fontes colaterais (entrevista com terceiros, exame
de documentos e prova tcnica carreada aos autos) a fidedignidade do que afirmado pelo
examinando em sua entrevista (p. 63).
O perito, ao conduzir uma entrevista, jamais dever perder de vista os objetivos da
mesma, que estaro atrelados aos objetivos da prpria percia (quais aspectos psquicos
especficos devero ser investigados?). A entrevista psicolgica sempre far parte de um
processo de avaliao psicolgica pericial, j os testes psicolgicos no so utilizados por
todos os psiclogos peritos; para Rovinski (2009), os testes, sejam psicomtricos ou
projetivos, funcionam como instrumentos auxiliares. Pesquisa realizada por Rovinski e Elgues
(1999, citada por ROVINSKI, 2003; 2004) no Rio Grande do Sul encontrou que 87% dos
psiclogos forenses pesquisados utilizavam outros instrumentos de avaliao alm da
entrevista, dando preferncia para os testes de personalidade projetivos e grficos. A prvia
leitura dos autos processuais e a(s) entrevista(s) direcionaro a escolha dos testes psicolgicos
que sero utilizados para responder demanda do judicirio.
O uso dos testes psicolgicos nas percias psicolgicas apresenta algumas vantagens
em relao a uma avaliao realizada somente atravs de entrevistas: os testes aprofundam a
compreenso do sujeito, pois medem caractersticas no passveis de serem percebidas ou
mensuradas apenas atravs das entrevistas e observaes; do ao profissional a possibilidade
de observar o comportamento de forma padronizada e julgar se o mesmo encontra-se dentro
das condies observadas na populao normal; auxiliam a eliminar boa parte da
contaminao subjetiva da percepo e do julgamento do psiclogo; diminuem a
possibilidade do sujeito manipular a avaliao psicolgica; possibilitam acessar regies
profundas do sujeito, muitas das quais so inacessveis a ele prprio, por no ter conscincia
de certas caractersticas que existem em si mesmo.
Os testes psicolgicos auxiliam no conhecimento do estado mental dos indivduos e
segundo vila e Rodriguez-Sutil (1995, apud ROVINSKI, 2003) estes seriam responsveis
pela crescente solicitao dos laudos psicolgicos periciais. Rovinski (2004) afirma que a
avaliao forense dirige-se a eventos definidos de forma restrita, relacionadas a um foco
circunscrito (o quesito solicitado), entretanto, a avaliao psicolgica pericial demandada
pelo sistema jurdico geralmente atravs de assertivas gerais, tais como se o ru era capaz de
entender o carter criminoso do seu ato poca do fato. Dependendo do caso em questo, o
psiclogo dever investigar se h alguma doena do espectro psictico ou rebaixamento
intelectual que poderia ter diminudo ou anulado a capacidade de entendimento da natureza
criminosa de um ato; se o sujeito padece de depresso como alega no seu pedido de
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aposentadoria; se h um transtorno no controle dos impulsos que predisps o sujeito a


cometer determinado delito; se existe alguma leso ou disfuno neurolgica que tenha de
alguma forma relao com o comportamento criminoso ou que incapacite o sujeito a gerir a
prpria vida; quais as condies afetivas e relacionais apresentadas pelos genitores que
pleiteiam a guarda do filho, dentre outras vrias demandas.
Deste modo, a demanda jurdica dever ser transportada para a linguagem psicolgica
para que se identifique as caractersticas que sero alvo de investigao. Assim, para se
avaliar a capacidade de entendimento de um sujeito o psiclogo necessitar, por exemplo,
avaliar sua inteligncia, sua capacidade de perceber a realidade de modo adequado e objetivo
e o grau de coerncia e lgica dos seus pensamentos. No momento da escolha dos testes
psicolgicos que iro compor a avaliao pericial, h de se considerar as limitaes e os
alcances dos mesmos, no sentido de saber se as informaes que podero ser extradas destes
auxiliaro na investigao das questes psicolgicas demandadas no processo judicial. Vamos
considerar os seguintes exemplos para gerar uma reflexo sobre o assunto: qual instrumento
psicolgico capaz de predizer qual genitor tem melhor capacidade para cuidar
adequadamente de uma criana para obter sua guarda? De esclarecer se h indcios de que
uma criana foi vtima de abuso sexual? De predizer o potencial de reincidncia criminal de
um sujeito?
O psiclogo perito, diante destas demandas, dever decomp-las em construtos que
podero ser analisados atravs de testes psicolgicos (lembrando que dever utilizar testes que
estejam aprovados pelo SATEPSI) e escolher aqueles que podero responder a tais demandas.
Como forma de ilustrao em relao aos exemplos acima, o psiclogo poder optar por
avaliar grau de controle emocional, impulsividade, presena de traos antissociais, qualidade
do relacionamento interpessoal, capacidade de empatia, presena de autoestima rebaixada,
entre outros e, para isso, dever ter um bom conhecimento dos testes psicolgicos disponveis
para uso e do que possvel se avaliar atravs dos mesmos. Deste modo, dependendo da
demanda especfica de cada caso, alguns instrumentos psicolgicos sero escolhidos em
detrimento de outros.
Como outro exemplo, nos casos em que necessrio aferir de modo especfico o nvel
de inteligncia de um adulto para saber se esta se encontra dentro da normalidade ou se h a
presena de algum grau de Retardo Mental, pode-se utilizar a Escala Wechsler de Inteligncia
para Adultos (WAIS-III). Se for necessrio investigar funes neuropsicolgicas, pode-se
utilizar as Figuras Complexas de Rey, Teste de Ateno Dividida, WISCONSIN, etc. De
modo geral, a avaliao neuropsicolgica no mbito forense ter como objetivo diagnosticar
os efeitos cognitivos, emocionais e comportamentais de uma desordem neurolgica e sua
possvel correlao com a esfera criminal ou cvel (SERAFIM, 2006). A capacidade de
compreenso do carter delituoso de uma ao ou a capacidade de um sujeito para gerir a si
prprio e os prprios bens so exemplos de competncias que podem ser diretamente afetadas
por um rebaixamento na capacidade intelectual do sujeito ou pela presena de disfunes
cerebrais. Em algumas percias poder ser necessrio realizar um diagnstico diferencial entre
uma sndrome psiquitrica ou neurolgica, e alguns aspectos no cognitivos da conduta
(desinibio, irritabilidade, impulsividade, etc.) podem ser expresso de alguma alterao no
sistema nervoso central.
A avaliao da personalidade constitui-se na maior demanda relacionada s percias
psicolgicas: busca-se investigar o grau de controle dos impulsos, caractersticas do
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relacionamento interpessoal, o controle emocional, recursos da personalidade, agressividade,


presena de psicopatologias, dentre outros. No contexto pericial, os testes de personalidade
projetivos apresentam uma grande vantagem em relao aos testes de personalidade objetivos
ou psicomtricos. Isto ocorre porque a avaliao psicolgica pericial, diferentemente da
clnica, constitui-se num embate de interesses advindos dos sujeitos envolvidos no processo
judicial; busca-se demonstrar que se um genitor capaz de prover as necessidades do filho;
que se portador de Esquizofrenia que o incapacita ao trabalho; que no apresenta tendncia a
comportamentos violentos, etc. O psiclogo perito deve estar sempre muito atento a estas
caractersticas do trabalho pericial e buscar cercar-se de estratgias avaliativas que sejam
adequadas a este contexto, a fim de diminuir a possibilidade de que o examinado distora
intencionalmente a apresentao dos dados. Os testes de personalidade objetivos geralmente
oferecem poucas informaes teis em contextos forenses (GACONO; EVANS; VIGLIONE,
2008).
As assertivas objetivas dos testes de personalidade psicomtricos facilitam, por parte
do examinando, a produo ou simulao de traos/sintomas/caractersticas que o mesmo no
possui. Por exemplo, se a avaliao pericial for para analisar um pedido de indenizao por
danos psquicos onde o requerente alega sofrer de Depresso, o Inventrio de Depresso de
Beck (BDI) poderia facilitar um resultado do tipo falso positivo, pois ao responder o teste o
examinando, sem dificuldade, consegue escolher as assertivas que melhor caracterizam uma
personalidade que se encontra em um estado depressivo. O mesmo acontece com as tentativas
de encobrimento ou dissimulao de traos/sintomas/caractersticas que se possui; em um
exame de cessao de periculosidade, o uso do Inventrio de Expresso de Raiva como
Estado e Trao (STAXI) facilitaria ao sujeito manipular os resultados favoravelmente aos seus
interesses.
Deste modo, os testes projetivos constituem-se como um mtodo bastante apropriado
para se obter dados a respeito das caractersticas de personalidade de um periciando, pois as
possibilidades de simulao ou dissimulao de caractersticas apresentam-se mais reduzidas
quando comparadas s entrevistas ou aos testes de personalidades objetivos. Sero as
coerncias ou incoerncias entre os fatos relatados nos autos do processo, nas entrevistas, no
comportamento no verbal do examinando e nos resultados dos testes psicolgicos que
nortearo o psiclogo na anlise de questes relacionadas simulao ou dissimulao.
Na Junta Mdica Oficial do Tribunal de Justia do Estado de Gois, local de trabalho
da autora, so realizadas percias psicolgicas provenientes das varas criminais e cveis, tais
como os exames de insanidade mental; os exames que buscam determinar a probabilidade de
uma criana ter sido vtima de abuso sexual ou de um sujeito ter sido autor de violncia
sexual; de cessao de periculosidade (em sujeitos que receberam medida de segurana por
terem sido considerados inimputveis ou semi-imputveis no exame de insanidade mental); de
avaliao de danos psquicos; de interdio; e de reavaliao de sujeitos reprovados em
concursos pblicos. Tambm so realizadas percias administrativas (em servidores do TJ-GO
que buscam aposentadoria ou prorrogao da licena de afastamento por motivo de sade,
desde que motivadas por doena mental ou intenso sofrimento psquico) e eventualmente so
realizadas percias em adolescentes infratores para subsidiar decises judiciais.
Os testes de personalidade mais utilizados nas percias psicolgicas na Junta Mdica
so o Rorschach (Sistema Compreensivo), HTP e Pirmides Coloridas de Pfister;
eventualmente so utilizados o TAT, o Palogrfico e o Zulliger (Sistema Compreensivo).
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Geralmente so aplicados dois testes de personalidade (em algumas ocasies, trs) em sesso
posterior (s) entrevista(s), iniciando-se na grande maioria das vezes pelo HTP; em outra
sesso aplica-se o Rorschach e, quando necessrio, algum outro teste de personalidade dentre
estes citados. Segundo Ocampo e Arzeno (2001) os testes grficos so considerados ideais
para a introduo da testagem psicolgica por sua natureza geralmente pouco ansiognica e
familiar, por ser composto por materiais simples e por sua aplicao demandar pouco tempo.
Quando se faz necessrio avaliar outras questes no relacionadas ao funcionamento da
personalidade, geralmente so utilizados o WAIS, WISC, Raven Escala Geral, AC, R-2, R-1 e
R-1 forma B.
O Rorschach utilizado quase que em todas as percias psicolgicas realizadas na
Junta Mdica cujo objetivo seja avaliar a personalidade em razo das suas caractersticas
psicomtricas (elevado grau de confiabilidade) e projetivas, o que o torna um instrumento
bastante completo, rico e profundo na avaliao quantitativa e qualitativa, nomottica e
idiogrfica da personalidade (WEINER, 2000). Para Gacono, Evans e Viglione (2008) tais
caractersticas fazem do Rorschach um dos testes mais utilizados, aceitos e requisitados na
prtica psicolgica forense, mas os mesmos autores recomendam alguns cuidados no
momento de escolh-lo para compor uma bateria, tais como: avaliar se as variveis do
Rorschach so capazes de responder questo legal alvo da investigao psicolgica; se h
normas e validade de construto para a populao forense, a partir da qual se possa comparar o
desempenho do sujeito avaliado; e caso o Rorschach no seja capaz de medir diretamente o
comportamento alvo da investigao (como competncia parental em disputa de guarda),
avaliar se suas variveis podem informar acerca de tendncias comportamentais e atributos de
personalidade pertinentes ao caso (exemplo, controle emocional).
Para Rovinski (2006) o Rorschach um teste bastante til nas percias psicolgicas em
razo da possibilidade que este oferece para se conhecer a estrutura e a dinmica da
personalidade, realizar diagnsticos diferenciais, avaliar o nvel do funcionamento psquico,
avaliar a presena de sintomas em casos de suspeita de simulao/dissimulao e realizar um
levantamento dos traos de personalidade do sujeito. A autora realizou um levantamento, em
sua atividade profissional (percias psicolgicas na rea cvel, no Tribunal de Justia do Rio
Grande do Sul), de quais testes psicolgicos foram mais utilizados juntamente com o
Rorschach nos anos de 2004 e 2005. De 103 casos analisados, constatou que em apenas 3
deles a avaliao no contou com outro teste alm do Rorschach; o teste mais utilizado
juntamente com o Rorschach foi o HTP, seguido pelo TAT. A autora comenta que o HTP
utilizado com mais frequncia nos casos em que se busca avaliar a
estrutura da personalidade, principalmente em percias sobre capacidade
civil; enquanto que o TAT fica mais utilizado em casos em que a dinmica
da personalidade o foco de interesse, principalmente em percias de
famlia e danos psquicos (p. 176).

Os instrumentos de avaliao psicolgica forense, no Brasil, so praticamente os


mesmos instrumentos utilizados na avaliao psicolgica clnica. Grisso (1986, apud
ROVINSKI, 2003; 2004) defende a criao de mais instrumentos de avaliao especficos
para responder s demandas judiciais, os chamados Forensic Assessment Instruments (FAIS Instrumentos Especficos de Avaliao Forense), atravs dos quais se possa avaliar
comportamentos relevantes s questes judiciais. Tais instrumentos buscam garantir a
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padronizao de mtodos quantitativos com os quais se possa observar, identificar e medir


comportamentos diretamente relevantes s questes legais sobre as competncias e
capacidades do homem (GRISSO, 1986, apud LAGO; BANDEIRA, 2009, p. 61). No Brasil
temos atualmente dois instrumentos mais especificamente direcionados s questes
relacionadas s demandas judiciais: o PCL-R e o IFVD.
O PCL-R (Psycopathy Checklist Revised) ou Escala Hare tem o objetivo de verificar,
por meio de uma entrevista semi-estruturada, caractersticas da personalidade e condutas
presentes em pessoas que apresentam as condies prototpicas da psicopatia e que, desta
forma, so mais sujeitas reincidncia criminal. No se destina a realizar um diagnstico
clnico de psicopatia, sendo dirigido populao carcerria. Os sujeitos classificveis como
psicopatas no meio carcerrio so minorias e essa diferenciao fundamental para as
questes de previso de reincidncia criminal, reabilitao social e concesso de benefcios
penitencirios (HARE, 2004). O sujeito avaliado em vinte itens e recebe em cada um deles
uma pontuao que pode variar de zero a dois pontos; ao final, os pontos so somados e de
acordo com a pontuao obtida o sujeito classificado como possuindo: transtorno global da
personalidade (personalidade psicoptica), transtorno parcial da personalidade (bandido
comum, anti-social atenuado) ou como no apresentando nenhum dos transtornos citados.
Os itens que o PCL-R avalia referem-se : loquacidade/charme superficial;
superestima; necessidade de estimulao/tendncia ao tdio; mentira patolgica;
vigarice/manipulao; ausncia de remorso ou culpa; insensibilidade afetivo-emocional;
indiferena/falta de empatia; estilo de vida parasitrio; descontroles comportamentais;
promiscuidade sexual; transtornos de conduta na infncia; ausncia de metas realistas e de
longo prazo; impulsividade; irresponsabilidade; incapacidade de aceitar responsabilidade
pelos prprios atos; muitas relaes conjugais de curta durao; delinquncia juvenil;
revogao da liberdade condicional; versatilidade criminal. A pontuao no PCL-R baseada
nas respostas que o sujeito fornece a um roteiro de entrevista que acompanha o manual do
teste e tambm nas informaes colhidas em outras fontes (familiares, registros criminais,
etc), deste modo, um instrumento suscetvel manipulao.
O IFVD (Inventrio de frases no diagnstico de violncia domstica contra crianas e
adolescentes) constitui-se como um instrumento auxiliar na identificao da violncia
domstica (fsica e/ou sexual) contra crianas e adolescentes a partir dos transtornos
(emocionais, cognitivos, fsicos, sociais e comportamentais) que essa experincia pode trazer
(TARDIVO; PINTO JNIOR, 2010). O instrumento pode ser utilizado com sujeitos na faixa
etria dos 6 aos 16 anos e composto por 57 frases que devem ser respondidas com sim ou
no; de acordo com a pontuao obtida, sugere-se que h indcios de vitimizao. O IFVD
no considerado um teste psicolgico e no avalia a personalidade, deste modo, pode ser
utilizado por outros profissionais no-psiclogos que lidam com esta situao. O instrumento
pode auxiliar as percias nas varas criminais (identificao da probabilidade da violncia
fsica ou sexual ter ocorrido com uma criana ou adolescente) e nas varas de famlia (quando
situaes de disputa de guarda e regulamentao de visitas envolvem a denncia de violncia
fsica ou sexual ).
A avaliao psicolgica pericial recobre temas distintos do Direito e acontece em
diversas reas. Pode-se citar como exemplos as seguintes reas e avaliaes: Direito de
Famlia (avaliao para definio de guarda e regulamentao de visitas), Juizado da Infncia
e Juventude (avaliao psicolgica de candidatos adoo e de adolescentes autores de ato
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Avaliao Psicolgica Pericial: reas e Instrumentos

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infracional que esto internados em regime de privao de liberdade), Direito Civil (avaliar a
presena de danos psquicos decorrente de um fato particular traumatizante e avaliar a
incapacidade para exercer atos da vida civil interdio), Direito Penal (averiguao de
periculosidade em detentos, da sanidade mental de um indivduo no momento do crime e de
sujeitos que receberam medida de segurana doentes mentais que cometeram algum delito e
que se encontram em alguma instituio psiquitrica forense) e Direito do Trabalho (avaliar se
h nexo causal entre possveis danos psicolgicos causados pelo ambiente de trabalho ou por
acidentes ocorridos neste, avaliar pedidos de aposentadoria e de afastamento do trabalho por
sofrimento psicolgico).
No Direito de Famlia, os principais pedidos de avaliao concentram-se em torno da
questo da definio da guarda do menor e regulamentao de visitas. Nos casos onde ocorre
a separao conjugal e as partes no entram em acordo em relao a quem deve ser o detentor
da guarda, o juiz determina a realizao da uma percia psicolgica com todos os envolvidos
(pais, filhos e eventualmente terceiros, quando for o caso), na qual o psiclogo dever
comparar as qualidades que cada genitor possui e as necessidades e interesses que o filho
apresenta (GRISSO, 1986, apud ROVINSKI, 2003). Nos casos de regulamentao de visitas a
avaliao da famlia contribui ao esclarecer ao juiz os conflitos e a dinmica familiar
existente, sugerindo medidas para a superao das dificuldades que criam obstculos s
visitas.
As percias que examinam as competncias parentais (disputa de guarda e avaliao de
maus-tratos), segundo Rovinski (2003), no devem focar apenas na avaliao dos aspectos
intrapsquicos dos pais, necessrio levar em considerao os aspectos relacionais e as redes
de apoio com as quais a famlia pode contar (famlia extensiva e recursos da comunidade).
Para Lago e Bandeira (2009) devem ser avaliados as habilidades de maternagem e
paternagem, as estruturas de personalidade dos pais e filhos, a qualidade dos vnculos
parentais e outros aspectos relevantes, de acordo com o caso. Estas autoras alertam para a
questo de que as diferenas existentes nos testes psicolgicos dos genitores no devem ser
consideradas um critrio exclusivo para a definio de quem deve ficar com a guarda da
criana, e que a observao das interaes entre a criana e seus genitores ser de
fundamental importncia.
Em relao aos instrumentos de avaliao psicolgica mais utilizados nas percias de
disputa de guarda, Lago e Bandeira (2008) realizaram um estudo com 51 psiclogos de vrios
estados do Brasil com experincia em avaliao psicolgica nestas situaes. Concluram que
a entrevista (com os pais e com os filhos, separadamente e/ou em conjunto) era a tcnica mais
utilizada (94% a 98% dos psiclogos pesquisados a utilizam), seguida pelos testes
psicolgicos (somente 25% da amostra relatou no utiliz-los). Com os pais, os principais
testes psicolgicos empregados foram os projetivos, como o HTP (75,8%), o Rorschach
(45,5%) e o TAT (39,4%), seguidos por outros testes de personalidade e de inteligncia (IFP,
IEP, STAXI, Zulliger, WAIS). Com as crianas e adolescentes os testes mais empregados
foram o HTP (88,9%), o DFH (77,8%) e o Teste das Fbulas (52,8%), seguidos por testes de
inteligncia e personalidade (WISC e IEP). Atravs desta pesquisa, nota-se que as entrevistas
e os testes de personalidade projetivos so os principais instrumentos utilizados na percia
psicolgica no contexto da disputa de guarda no Brasil.
Rovinski (2004) cita a utilidade do MMPI, do Rorschach e do Inventrio Fatorial de
Personalidade (IFP) para a avaliao dos pais e ressalta que este ltimo, alm de possuir
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escalas de controle (validade e desejabilidade social) que podem apontar para tentativas de
manipulao dos resultados, possibilita a investigao de fatores que podem se associar com
a temtica dos cuidados parentais (assistncia, afiliao, agresso, ordem, etc.).
Na avaliao das crianas, Felipe (1997, p. 305, apud SHINE, 2003, p. 185-186)
considera relevante o uso do CAT e do Desenho da Famlia e Estria (DF-E) em funo de ter
observado que tais tcnicas
acrescentaram informaes relevantes, especialmente quanto: s imagens parentais
(trazendo aspectos que permaneciam negados ou que no podiam ser diretamente
expressos); e a fatores centrais na dinmica da personalidade; aspectos estes que
ampliaram bastante a compreenso da situao emocional da criana frente disputa
familiar (de uma tal forma que dificilmente seria possvel apenas a partir de
entrevistas e observaes ldicas).

Silva (2003) considera que os testes mais indicados para uso com as crianas em
percias de famlia seriam o HTP, o Desenho da Famlia, o CAT, as Fbulas de Dss e o Teste
das Pirmides Coloridas de Pfister, alm da tcnica do ludodiagnstico (especialmente til no
caso de avaliao de crianas muito pequenas, ou muito comprometidas emocionalmente ou
que simplesmente recusam-se a responder aos testes)
Lago e Bandeira (2009) citam uma pesquisa realizada nos Estados Unidos por Keilin e
Bloom em 1986 que concluiu que os principais procedimentos utilizados na avaliao de
disputa de guarda eram as entrevistas clnicas com cada um dos genitores e com os filhos
(separadamente), testagem psicolgica (dos pais e dos filhos), observao da interao entre
pais e filhos, entrevistas com terceiros e visitas escola. Os testes psicolgicos mais
utilizados com os pais foram o MMPI, o Rorschach e o TAT; com os filhos (crianas e
adolescentes) os testes psicomtricos mais utilizados foram o WISC ou WAIS (de acordo com
a idade do filho) e o Standford-Binet, e dentre os projetivos os mais utilizados foram o CAT, o
TAT, os desenhos projetivos e o Rorschach.
Ackerman e Ackerman (1997, apud LAGO; BANDEIRA, 2009) replicaram o estudo
de Keilin e Bloom dez anos depois e encontraram que os testes projetivos e os de inteligncia
continuaram a ser os testes mais utilizados com os filhos, assim como o MMPI/MMPI-2 e o
Rorschach se mantiveram como os mais utilizados com os pais. Entretanto, perceberam que
instrumentos criados especificamente para a avaliao psicolgica em contextos de guarda
passaram a ser utilizados pelos psiclogos peritos, como o Bricklin Perceptual Scales (Escala
de Percepo de Bricklin), o Perception of Relationships Test (Teste de Percepo das
Relaes) e o Ackerman-Schoendorf Scales for Parent Evaluation of Custody (Escala
Ackerman-Schoendorf para Avaliao Parental de Custdia). Tais instrumentos so
conhecidos como Forensic Assessment Instruments (Instrumentos Especficos de Avaliao
Forense), j citados neste artigo. No Brasil no dispomos de instrumentos psicolgicos
elaborados especificamente para se responder s demandas judiciais em questes de disputa
de guarda.
Em muitas situaes de disputa de guarda h a denncia de abuso sexual contra um
dos genitores, geralmente o pai. Nestes casos, a avaliao da credibilidade da denncia de
abuso sexual torna-se um fator central na percia psicolgica, pois interferir de modo
determinante no estabelecimento da guarda, na regulamentao das visitas ou at mesmo na
destituio do ptrio poder (ROVINSKI, 2004). Atualmente, a prtica mais comum para a
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elucidao da ocorrncia do abuso sexual com crianas tem sido o enfoque na presena ou
ausncia de caractersticas que so comumente encontrados em crianas vtimas de abuso
sexual. Tais caractersticas seriam colhidas atravs de entrevista com o genitor (e demais
sujeitos considerados importantes no processo) e atravs do contato do psiclogo com a
criana (entrevista, hora ldica e testes psicolgicos, em especial os projetivos). Entretanto,
sabe-se que no existem caractersticas psicolgicas exclusivas de crianas que foram vtimas
de abuso sexual, alm de muitas crianas poderem apresentar um discurso contaminado,
permeado por falsas memrias.
Deste modo, Rovinski (2004) cita a tcnica da Avaliao da Validade da Declarao
(Statement Validity Assessment - SVA) como sendo a tcnica mais popular no mundo para
avaliar a veracidade de uma declarao. A SVA foi criada na Alemanha em 1954 e sua origem
encontrada no trabalho de psiclogos que necessitavam avaliar as denncias de abuso sexual
realizadas por crianas. Na SVA o psiclogo realiza a avaliao da declarao a partir da
comparao de um perfil tpico que deveria ser apresentado pela criana, considerando as
caractersticas do desenvolvimento normal da memria para sua idade (ALONSOQUECUTY, 1999, apud ROVINSKI, 2004, p. 143). Rovinski (2004) adverte para o fato de
que no deve ser utilizada como prova nica no contexto legal e sua utilizao seria mais
indicada na fase investigativa do crime. Em razo dos objetivos da SVA, esta tambm seria
indicada nas percias psicolgicas na rea criminal, na qual frequentemente o psiclogo
chamado a se pronunciar a respeito da possibilidade de uma criana ter sido vtima de abuso
sexual ou no, tanto intrafamiliar como extrafamiliar.
O Juizado da Infncia e Juventude responsvel pela avaliao de candidatos adoo
e nesta se faz necessrio examinar, segundo Pilotti (1988, apud WEBER, 2004), a
personalidade e a maturidade dos candidatos (capacidade para dar e receber afeto e para
assumir a responsabilidade de cuidar; flexibilidade para mudanas segundo as necessidades
do outro; habilidade para enfrentar frustraes); o modo de se relacionar com a prpria
famlia; qualidade da unio matrimonial; adaptao no local de trabalho; atividades
comunitrias e atitudes perante a disciplina; capacidade para aceitar a criana que ser
adotada tal como ela ; a capacidade dos candidatos de lidar com a infertilidade (se for o caso)
e se as motivaes para a adoo esto baseadas em necessidades emocionalmente ss. O
autor no faz referncia a como tais aspectos poderiam ser investigados, mas percebe-se que
alguns deles so passveis de serem analisados atravs das tcnicas usualmente utilizadas nas
percias: entrevistas, tcnicas e testes psicolgicos, observaes, etc. Entretanto, o modelo de
seleo que visa somente classificar e descobrir atributos desejveis nos candidatos adoo,
embora ainda muito utilizado no Brasil, tem sido alvo de crticas, e Weber (2004) acredita que
este deve ser substitudo pelo modelo de preparao/educao (atividades pedaggicas e de
treinamento para o papel de pais adotivos).
O psiclogo tambm poder realizar avaliaes psicolgicas periciais no contexto da
delinquncia juvenil. Segundo Serafim e Saffi (2012), na Unidade de Internao Provisria
(que verifica a prtica do ato infracional e a atribuio de medida socioeducativa) o psiclogo
poder emitir parecer para fornecer subsdios deciso judicial. Nesta avaliao,
caber ao psiclogo realizar um amplo e aprofundado estudo das condies
psicolgicas, socioculturais e familiares, a fim de atender, de fato, s necessidades
do adolescente, bem como, poder estabelecer correlaes das possveis variveis
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potencializadoras para a prtica do ato infracional (p. 125).

De acordo com o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), os adolescentes autores


de ato infracional que esto cumprindo medida socioeducativa de internao em
estabelecimento educacional (privao de liberdade) devem ser avaliados em perodos
mximos de 6 meses, para reavaliao da manuteno do regime (BRASIL, 1995). A
avaliao psicolgica deste adolescente ser um dos critrios adotados para se decidir acerca
da manuteno ou no da medida socioeducativa.
Para Oliveira (2012) a avaliao destes adolescentes de fundamental importncia
para o estabelecimento de aes mais eficazes e ajustadas s suas necessidades, entretanto, no
Brasil, no h uma prtica de avaliao sistematizada que utilize instrumentais fundamentados
em modelos tericos especficos para a delinquncia juvenil. Esta autora buscou realizar a
adaptao transcultural da verso revisada do Inventrio de Personalidade de Jesness, cujo
objetivo avaliar caractersticas de personalidade de adolescentes infratores, sendo
capaz de aferir o nvel de engajamento do adolescente com a prtica de delitos e
fornecer um diagnstico diferencial e multidimensional psicodinmico do
adolescente a partir de seu perfil psicolgico e das caractersticas dominantes em sua
personalidade. O inventrio tem sido utilizado em pesquisas desde a dcada de 60,
demonstrando capacidade de diferenciar adolescentes infratores de no infratores,
nveis de envolvimento com atos infracionais em meio aos infratores, risco de
envolvimento infracional e de reincidncia (OLIVEIRA, 2012, p. 16).

No Direito Penal, Rovinsky (2003; 2004) cita duas situaes nas quais o psiclogo
perito poder atuar. A primeira delas refere-se aos exames de determinao da
responsabilidade penal (exame de insanidade mental para determinao do grau de
imputabilidade) quando necessita-se esclarecer quo preservadas encontravam-se as
capacidades de entendimento e autodeterminao do ru no momento do crime (havia a
presena de alguma patologia que pudesse reduzir ou abolir tais capacidades?). Este exame
ocorre na fase de julgamento do ru e realizado pelos mdicos psiquiatras, que podem
solicitar ao psiclogo uma avaliao psicolgica como exame complementar, para aprofundar
a compreenso do funcionamento psquico do sujeito e auxiliar nos diagnsticos diferenciais,
j que em muitas situaes estes profissionais deparam-se com tentativas de simulao e
dissimulao de sintomas por parte do examinando.
Em relao a tais exames complementares solicitados pelos psiquiatras peritos,
Taborda (2004, p. 59) diz que
em funo das caractersticas da cena judiciria, na qual todas as provas colhidas so
submetidas ao duplo escrutnio das partes adversas, sendo vigorosamente refutadas
pela que se sentir prejudicada, de todo aconselhvel que o examinador valha-se de
elementos objetivos que confortem sua apreciao subjetiva. Assim, o perito forense
poder solicitar exames complementares.

Este aprofundamento possvel em uma avaliao psicolgica j que os psiclogos


podero utilizar testes psicolgicos, que so capazes de medir de forma padronizada
caractersticas no passveis de serem percebidas ou mensuradas apenas atravs das
entrevistas e observaes. A segunda situao ocorre na fase de execuo da pena e
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denominado exame criminolgico, cujo objetivo seria determinar a possibilidade de
reincidncia criminal, individualizar a execuo da pena e verificar a cessao de
periculosidade para fins de progresso de regime.
Na Junta Mdica Oficial do Tribunal de Justia do Estado de Gois tambm so
realizadas percias psicolgicas em rus e vtimas de abuso sexual para verificao de
indcios/determinao da probabilidade destes sujeitos terem sido autores ou vtimas de
crimes sexuais, como meio de constituio de prova em casos nos quais existem poucas
evidncias materiais do crime e nenhuma ou poucas testemunhas oculares. Embora o
judicirio espere que o psiclogo perito se pronuncie com respostas do tipo sim ou no a
respeito da ocorrncia de uma situao de abuso sexual, necessrio se ter uma viso crtica
do tema e a conscincia de que no existe, at o momento, nenhuma tcnica na cincia
psicolgica ou resultados no Teste de Rorschach (ou em quaisquer outros testes) que possam
atestar com preciso se uma criana (ou adolescente) foi vitimizada ou se o ru cometeu o
abuso pelo qual est sendo acusado. O que poderemos encontrar so adultos e crianas com
sintomas e/ou caractersticas psicolgicas comumente encontrados em agressores ou vtimas
de crimes sexuais, porm, como no existem caractersticas psicolgicas exclusivas destes
grupos, outros sujeitos tambm podero apresent-las. Em um exame desta natureza, como
em qualquer outro, h de se considerar os dados obtidos atravs de diversas fontes para que se
possa concluir a respeito de tal probabilidade.
A respeito destes exames, Shine (2003, apud Semer, 2006) diz que, mesmo que o ru
tenha caractersticas em comum com abusadores e a vtima tenha caractersticas em comum
com crianas abusadas isto no implica que este ru tenha cometido tal delito. Costa (2006)
esclarece que deve estar claro para o psiclogo que no lhe cabe descobrir se o agente
realmente cometeu o delito ou no. Isso funo da investigao policial. Ao psiclogo
dada a funo de conhecer, dentro do praticvel, o mundo psquico do indivduo (p. 170).
necessrio ressaltar que afirmar, com certeza e convico, a respeito da ocorrncia de um
crime algo perigoso e arriscado, no mximo, o psiclogo poder se pronunciar em termos
probabilsticos.
Pasqualini-Casado et. al (2008) realizaram uma pesquisa na qual submeteram trs pais,
acusados de estuprarem suas filhas, ao Mtodo de Rorschach (SC) e concluram que no h
um padro de caractersticas universais que os represente, pois estes formam um grupo
heterogneo, portanto, no h um perfil nico de personalidade. Serafim et al. (2009)
realizaram uma reviso da literatura quanto ao perfil dos abusadores sexuais de crianas e
identificaram no apenas um perfil de abusador, mas dois perfis gerais que subdividiam-se
gerando um total de sete perfis.
Scortegagna e Villemor-Amaral (2012) pesquisaram estudos desenvolvidos em vrios
pases (incluindo o Brasil) nos quais foi utilizado o Rorschach em crianas vtimas de abuso
sexual. Algumas pesquisas demonstraram que h diferenas em algumas variveis do
Rorschach ao se comparar vtimas e no-vtimas e que tais achados podem contribuir para a
determinao da ocorrncia do abuso sexual. Porm, Scortegagna e Villemor-Amaral (2009)
alertam que as vtimas reagem ao abuso sexual de formas diferentes e que no se pode esperar
que as mesmas apresentem um perfil extremamente caracterstico, pois isto poderia ser um
confundidor do processo diagnstico (p. 335).
Rocha Jnior e Castro (2004) realizaram uma pesquisa com 34 psiclogos atuantes no
sistema penitencirio da Grande So Paulo (nas atividades de exame criminolgico e
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acompanhamento psicolgico) e descobriram que 88% deles utilizam testes psicolgicos nas
avaliaes psicolgicas que realizam com os reeducandos, com as justificativas de que estes
complementam os dados da entrevista, identificam caractersticas de personalidade, reduzem
a possibilidade dos examinandos dissimularem suas caractersticas e tornam a percia mais
segura e consistente. Os testes psicolgicos mais utilizados por estes profissionais foram os
testes de personalidade projetivos grficos: HTP (65%), Wartegg (41%) e DFH (20,5%), com
a justificativa de que so instrumentos de baixo custo e rpida aplicao e interpretao. O
teste de Rorschach foi relatado como sendo utilizado por apenas um participante da pesquisa,
com as justificativas de que possibilita uma avaliao profunda e dinmica da personalidade e
por existirem muitas pesquisas com este instrumento. Os psiclogos que no utilizam o
Rorschach revelaram que isso ocorre devido escassez de tempo destinado a cada exame, ao
alto custo do material e falta de uma formao especfica com este teste. Os pesquisadores
concluram que a escolha das tcnicas de exame est fundamentada em critrios externos
(tempo e dificuldades materiais) e alertam para a necessidade de suprir tais profissionais de
condies de trabalho mais adequadas, que possam ir de encontro s necessidades avaliativas
especficas de cada caso.
No Direito Civil, existem as avaliaes psicolgicas para investigao de danos
psquicos cujo objetivo avaliar os prejuzos emocionais decorrentes de um evento
traumtico, o foco deve se restringir verificao da presena e da intensidade dos sintomas
emocionais com a determinao do nexo de causalidade (ROVINSKI, 2004, p. 43-44). Nos
processos por danos morais, atravs da percia psicolgica leva-se aos autos a realidade
psquica da vtima, o que, segundo Rovinski (2009), auxilia na garantia dos direitos humanos
ao permitir que tais vtimas reivindiquem seus direitos. Junta Mdica do Tribunal de
Justia/GO tambm so solicitadas percias psicolgicas para aferir a existncia de sofrimento
psicolgico decorrente do nome ou sobrenome (retificao do registro civil), quando alegado
que estes causam constrangimento pessoa que o possui.
Os exames de interdio tambm so pedidos frequentes no Judicirio e consistem em
avaliar a capacidade civil, ou seja, avaliar se um sujeito (como alegado no processo)
realmente no possui discernimento pleno (incapacidade absoluta ou relativa) para exercer os
atos da vida civil (como vender e adquirir bens, fazer testamento, contrair matrimnio, etc.)
em decorrncia de possveis quadros psicopatolgicos, tais como retardo mental, quadro
demencial, quadro psictico, transtorno de humor grave, dependncia qumica e transtorno do
impulso (SERAFIM; SAFFI, 2012). Nestas percias o psicolgico utilizar com frequncia
testes que avaliam a inteligncia e as funes neuropsicolgicas, alm dos testes que avaliam
a personalidade, quando for o caso.
No Direito Trabalhista, a percia psicolgica busca entender se h nexo de causalidade
entre o sofrimento psicolgico ou transtorno mental alegado pelo sujeito e o seu ambiente de
trabalho, devendo atentar-se para a existncia de transtornos psicolgicos prvios. Este
sofrimento ou transtorno pode ser consequncia de diferentes situaes que ocorrem no
trabalho (tais como o assdio moral e o assdio sexual) e pode gerar dano psquico. Para
Serafim e Saffi (2012), o psiclogo dever identificar e correlacionar se o quadro psicolgico
decorrente da experincia traumtica torna a pessoa com prejuzos relativos incapaz de
desempenhar suas tarefas habituais, de trabalhar, de ganhar dinheiro e de relacionar-se (p.
144). Estes autores enfatizam que nestas percias deve-se ir alm de uma classificao
nosolgica e buscar esclarecer o quanto uma patologia ou condio afeta o funcionamento
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psquico e como repercute na adaptao do sujeito no seu trabalho.
3. Concluso
Neste artigo buscou-se apresentar as diversas reas do Direito onde a percia
psicolgica se insere e quais os principais instrumentos de avaliao psicolgica utilizados
nas mesmas. Foram encontrados mais estudos e pesquisas em relao s percias psicolgicas
em Direito de Famlia, Direito Civil e Direito Penal, e poucos estudos em relao s percias
no Direito do Trabalho e no Juizado da Infncia e Juventude.
Percebeu-se que no Brasil os instrumentos mais utilizados nas percias psicolgicas
so a entrevista, os testes de personalidade projetivos e os de inteligncia. O Rorschach foi
frequentemente citado como sendo um teste muito utilizado nas percias, o que demonstra seu
valor nestes exames e o quanto o trabalho de um psiclogo perito pode ser enriquecido
quando h o domnio desta tcnica. Ao longo deste artigo foram citados alguns testes que no
momento no se encontram aprovados para uso pelo SATEPSI, mas que na ocasio das
pesquisas realizadas pelos autores citados, tinham seu uso regulamentado. O psiclogo perito,
ao realizar uma percia psicolgica, dever sempre consultar a lista dos testes aprovados para
uso pelo SATEPSI para garantir que seu trabalho esteja pautado nos princpios ticos da sua
profisso.
No Brasil, pode-se afirmar que possumos apenas dois instrumentos que so
direcionados s avaliaes psicolgicas no mbito jurdico: o PCL-R (Psycopathy Checklist
Revised) ou Escala Hare e o IFVD (Inventrio de frases no diagnstico de violncia
domstica contra crianas e adolescentes). Nos pases mais desenvolvidos, percebe-se que h
um nmero bem maior de instrumentos psicolgicos direcionados a estas avaliaes, os
chamados Forensic Assesssment Instruments (Instrumentos Especficos de Avaliao
Forense). Conclui-se que no Brasil h a necessidade de criao ou de adaptao de
instrumentos estrangeiros destinados a investigar comportamentos que sejam relevantes s
questes legais.

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ISSN 2179-5568 Revista Especialize On-line IPOG - Goinia Edio Especial n 008 Vol.01/2014 set/2014

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