Processos afetivos e volitivos
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Sobre este e-book
A preocupação central do livro tem como objetivo desambiguar as confusões que se fazem entre processos cognitivos, afetivos e volitivos de um lado e a confusão entre processos sensíveis (biológicos) e processo psicológicos.
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Processos afetivos e volitivos - Luiz Pasquali
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil
Pasquali, Luiz Processos afetivos e volitivos / Luiz Pasquali --. 1. ed. -- São Paulo : Vetor, 2020.
Bibliografia.
1. Análise transacional 2. Comportamento (Psicologia) 3. Desenvolvimento cognitivo Psicologia 4. Psicologia 5. Relações interpessoais I. Título.
20-35138| CDD-150
Índices para catálogo sistemático:
1. Comportamento humano : Psicologia 150
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964
ISBN:978-65-86163-39-1
CEO - Diretor Executivo
Ricardo Mattos
Coordenador de Livros
Wagner Freitas
Diagramação
Rodrigo Ferreira de Oliveira
Capa
Rodrigo Ferreira de Oliveira
Revisão
Paulo Teixeira
© 2020 – Vetor Editora Psico-Pedagógica Ltda.
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, por qualquer
meio existente e para qualquer finalidade, sem autorização por escrito
dos editores.
SUMÁRIO
Sobre o autor
Outros livros do autor
Agradecimento
1. Introdução geral
Referências
PARTE I - PROCESSOS AFETIVOS
Referências
2. Senso Ético
Introdução
Senso ético na religião
Senso ético na filosofia
Senso ético na psicologia e neurociências
Referências
3. Senso estético
Introdução
O senso estético no contexto da evolução (seleção sexual)
O senso estético na filosofia
O senso estético nas neurociências
Referências
4. Senso do sublime
Introdução
Senso do sublime no contexto da filosofia e da arte
Senso do sublime no contexto da tecnologia
Senso do sublime no contexto da psicologia e das neurociências
Referências
5. Senso do cômico
Introdução
Senso do cômico na filosofia
Senso do cômico em psicologia e neurociências
Curiosidades sobre o humor
Referências
PARTE II - FUNÇÕES EXECUTIVAS
6. Função executiva da mente humana
Conceituação
Referências
ANEXO A - Teorias sobre função executiva
J. M. Fuster: Cross-temporal synthesis or integration (1997)
J. Duncan: Goal-neglect (1986)
Teoria do processamento da informação (Borkowski & Burke, 1996; Butterfield & Albertson, 1995; Bransford & Stein, 1993; Scholnick & Friedman, 1993)
Relational frame theory (Hayes, 1989; Hayes, Gifford, & Ruckstuhl, 1996)
Self-directed action theory (Barkley, 1994, 1997, 2001, 2006)
Luria: teoria neuropsicológica
Norman e Shallice (1986): supervisory attentional system (SAS)
Mesulam (2002): transcender o módulo default
Grafman (1995): executive knowledge (structured event complexes)
Referências
7. Vontade e Will to Meaning
A vontade
O will to meaning (significado da vida)
Referências
8. A atenção e o alerta (AROUSAL)
Visão geral da atenção
Os processos bottom-up e top-down da atenção
O processo de filtragem dos estímulos da atenção
Referências
9. Correlatos biológicos das funções executivas
Introdução
Conclusão
Referências
10. Uma modelagem do comportamento humano
A modelagem
A modularidade dos processos mentais
Conclusão
Referências
11. Avaliação das funções executivas
Introdução
Kaufman Assessment Battery for Children (KABC-II)
Behavior Rating Inventory of Executive Function (BRIEF)
Das-Naglieri Cognitive Assessment System (CAS)
Stroop Test
Tower of London Test/Torre de Londres (TLT or TOL)
Wisconsin Card Sorting Test (WCST)
Behavioral Assessment of the Dysexecutive Syndrome (BADS)
Barkley Deficits in Executive Functioning Scale (BDEFS)
Outros testes e escalas das funções executivas
Avaliação crítica dos testes das funções executivas
Avaliação crítica das escalas das funções executivas
Referências
APÊNDICE A – a questão central dos testes psicológicos: o construto
O que é o construto?
Onde está o problema?
A solução final para os testes psicológicos
A ignorância da psicologia
Solução provisória para os testes psicológicos
Avanço substantivo na instrumentação psicológica
Conclusão
Referências
12. Validação ecológica em testes
Introdução
Os objetivos da avaliação neuropsicológica
Da utilidade ao desafio da avaliação neuropsicológica
O cuidado com a estatística no desafio da validação ecológica
As inovações nas hipóteses para uma pesquisa ecológica em neuropsicologia
Referências
Sobre o autor
Luiz Pasquali, doutor em psicologia pela Université Catholique de Louvain (Bélgica), é, atualmente, pesquisador associado sênior na Universidade de Brasília, bem como sócio-fundador da empresa LabPAM Saber e Tecnologia Ltda e Psychodata. Tem formação em pedagogia, teologia, filosofia e psicologia, e seus interesses concentram-se nas áreas da epistemologia da ciência e da instrumentação e medida em psicologia. Com o apoio da Finep, fundou o Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medida (LabPam), além do Laboratório de Ensino de Psicologia via computador, com o apoio do Proin/Mec. Membro-fundador e primeiro presidente do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (Ibap), também é consultor do CNPq, CAPES, Inep, Fapesp e de várias revistas brasileiras de psicologia. Publicou cerca de uma centena de trabalhos científicos e é autor de mais de uma dezena de livros.
OUTROS LIVROS DO AUTOR:
Profissiografia – análise de cargo. Brasília, DF: LabPAM, 2012. (Coautor: Bartholomeu Tôrres Tróccoli).
Análise crítica dos testes psicológicos. v. I. Brasília, DF: LabPAM, 2012.
Psicometria: teoria dos testes na psicologia e na educação. 4ª edição. Petrópolis: Vozes, 2011.
Instrumentação psicológica: fundamentos e práticas. Porto Alegre: Artmed, 2010.
A ciência da mente. a psicologia à procura do objeto. Brasília, DF: LabPAM, 2008.
TRI – Teoria de resposta ao item, procedimentos e aplicações. Curitiba: Appris , 2018.
Técnicas de exame psicológico – TEP. Vol. I: fundamentos das técnicas psicológicas. 2ª edição. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
Planejamento e avaliação de ações de IEC – manual prático de planejamento estratégico. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1997.
Análise crítica dos testes psicológicos. v. II. Brasília, DF: LabPAM, no prelo.
Processos cognitivos. São Paulo: Vetor, 2019.
Análises multivariadas. Mímeo.
Delineamento de pesquisa em ciência. 2 volumes. São Paulo: Vetor, 2015.
Deus Est. Porque o ateísmo está equivocado. No prelo.
Agradecimento
Este livro é fruto de décadas de reflexão, perplexidade e ansiedades diante da confusão teórica no campo da psicologia, além de preocupação com a procura do objeto específico da psicologia. E a sensação é de que finalmente se está no caminho certo, particularmente com a psicologia cognitiva e com as neurociências. Assim, o livro intenta aferir os avanços das neurociências no que tange aos processos executivos ou às funções executivas da mente humana. Eu, autor principal do livro, não sou especialista na área e, portanto, busquei ajuda de peritos. Portanto, fico muito agradecido aos professores da Universidade de Brasília Sérgio Leme Da-Silva e Danilo Assis Pereira, que, além de contribuir com um capítulo, evitaram que eu apresentasse falhas mais graves na área.
Agradeço aos colegas e alunos que me estimularam na procura do objeto escorregadio da psicologia.
Um agradecimento especial à Universidade de Brasília, por seu programa de Pesquisador Associado Sênior. Incentivos dessa natureza redefinem o significado e a vivência da aposentadoria acadêmica.
Agradeço comovido às pessoas íntimas da família que tornam a vida prazerosa, valiosa e sublime.
1. Introdução geral
A mente humana conta com um interminável arsenal de processos, tais como processos cognitivos, processos afetivos e processos volitivos, e eles atuam estruturalmente de modo independente, ou melhor, de maneira específica (object-specific), porque têm regras distintas de processamento.
Para entender a especificidade de contribuição dos mais variados vetores da personalidade para o comportamento humano, parte-se da pressuposição exposta no Quadro 1.
Quadro 1. Fatores geradores do comportamento humano
tabela6_2eFonte: Pasquali (2008).
O Quadro 2 procura esmiuçar o Quadro 1 e elucidar a concepção do que sejam processos afetivos da mente (quadrante Senso de Valor), que incluem os módulos de senso ético, senso estético, senso do cômico e senso do sublime, bem como dos processos volitivos ou funções executivas (quadrante Vontade), que incluem os módulos de atenção, vontade e significado da vida.
Quadro 2. Destaque do senso de valor e processos executivos
O comportamento humano é finalmente entendido como a confluência de todos os componentes biológicos e psicológicos (quiçá também espirituais) que constituem a personalidade humana. Essa confluência contém elementos específicos e de interação entre todos os componentes. Assim, partindo do comportamento, fica difícil avaliar a contribuição específica de cada componente. Para aferir essa contribuição específica, portanto, parece necessário compreender a estrutura e o funcionamento específicos de cada componente e, então, desvendar a contribuição de cada um para os diferentes tipos do comportamento humano. Como essa contribuição representa fatores de caráter cognitivo, afetivo e volitivo, a compreensão da contribuição individual de cada um desses fatores deve ser procurada na estrutura e no funcionamento específicos de cada fator da personalidade humana. Consequentemente, fica estranho afirmar, por exemplo, que o senso do bom é uma questão cognitiva, porque ele não é, estruturalmente, uma questão de cognição, mas, sim, de apreço (veja Rigstad, 2006). Obviamente, no comportamento final do ser humano, entra também a cognição, mas a contribuição específica do apreço do bom deve ser procurada na área dos afetos.
Um tratado sobre os processos cognitivos já foi publicado pela Vetor Editora (Pasquali, 2019). Este livro que você tem em mãos visa coletar informações acerca dos processos propriamente afetivos e volitivos.
Referências
Pasquali, L. (2008). A ciência da mente: a psicologia a procura do objeto. Brasília, DF: LabPAM.
Pasquali, L. (2019). Os processos cognitivos. São Paulo, SP: Vetor.
Rigstad, M. (2006). Moral sense. In A. C. Grayling. The Encyclopedia of British Philosophy. London, UK: Thoemmes-Continuum.
Parte I - Processos Afetivos
Inicialmente, parece relevante alertar sobre dois equívocos que se encontram na literatura, inclusive a especializada, sobre processos afetivos. O primeiro confunde esses processos com outros processos mentais, especialmente os processos cognitivos, e o segundo confunde emoção e sentimento.
Esses equívocos devem-se às diferentes agendas que os autores têm a respeito dos processos mentais. De fato, é possível encontrar pesquisadores e interessados na área por parte da mais variada gama de disciplinas do conhecimento, tais como psicologia, filosofia, linguística, informática, neurociências, psiquiatria, antropologia, teologia e arte. É difícil conceber um consenso sobre a matéria entre tantos interesses e visões diversificados e heterogêneos. Em psicologia, há confusão até entre processos cognitivos e processos afetivos, quando Jung (1921, 1971), por exemplo, distingue quatro processos ou funções ou estilos cognitivos: sensoriar, intuir, pensar e sentir e Goleman (1996, 1998) introduziu a inteligência emocional. A confusão entre processos emocionais (a emoção), que ocorrem ao nível do biológico, e processos afetivos psicológicos, que ocorrem ao nível do mental (o sentimento), é corriqueira na literatura, especialmente entre os defensores do monismo, ou seja, de que processos biológicos e processos mentais são sinônimos.
Como explicado na Introdução Geral deste livro, a mente humana conta com um interminável arsenal de processos – processos cognitivos, processos afetivos e processos volitivos, os quais, no entanto, do ponto de vista estrutural, atuam de maneira independente, específica (object-specific), na medida em que apresentam regras distintas de processamento. Portanto, não se aconselha dizer, por exemplo, que o senso do bom é uma questão cognitiva, visto que, estruturalmente, não se trata de uma questão de cognição, mas, sim, de apreço, de acordo com Rigstad (2006). É evidente que, no comportamento final do ser humano, inclui-se também a cognição, porém, deve-se buscar a contribuição específica do apreço do bom na área dos afetos.
Essa observação procura explicar por que, aqui, os valores, como o objeto dos fatores afetivos psicológicos (que podemos chamar de sentimento), são tratados conforme sua estrutura e funcionamento específicos, sem que com isso se pretenda defender que o comportamento humano depende somente deles, tampouco que eles não interagem com os demais fatores da personalidade para determinar o comportamento final do ser humano. Isso tudo é para evitar a enorme confusão que se encontra na literatura entre emoção, cognição, volição, valores, ética, moralidade, estética, etc.
Dito isso, tomemos os valores como o objeto típico do sentimento humano (ou seja, do afeto psicológico em contraposição ao afeto biológico, o qual chamaremos de emoção). A Figura 1 procura delinear essa proposta, em que os valores representam o conteúdo dos diferentes módulos do sentimento humano, ou seja, do senso de valor, que se apresenta em quatro esferas: senso do valor ético, senso do valor estético, senso do valor cômico e senso do valor do sublime.
tabela6_2eFigura 1. A composição dos valores na personalidade humana.
Como já mencionado, esses módulos afetivos não estão desconectados do restante dos módulos mentais e biológicos do ser humano, mas, estruturalmente, eles operam a informação com regras próprias. Assim, os processos cognitivos dizem respeito à aquisição e à manipulação da informação sobre a realidade, os processos volitivos procuram explicar as decisões finais e o controle do comportamento humano, ao passo que os processos afetivos procuram explicar o caráter avaliativo que o ser humano deposita sobre a realidade.
É importante elucidar a estrutura e o funcionamento de cada um desses módulos e explicitar as relações com todo o restante do ser humano, a fim de que se possa, finalmente, entender e explicar o comportamento humano. Essa é uma tarefa insana, dada a ignorância fundamental da psicologia com respeito a todos os módulos mentais. Contudo, parece relevante verificar o que a literatura especializada na área já apresenta como propostas de explicação, desde já antecipando a diversidade irreconciliável das opiniões na área. Contudo, a Figura 1 orienta a empreitada, ao individualizar os processos envolvidos, de sorte que opiniões sobre processos afetivos que os misturam estruturalmente com processos cognitivos e/ou volitivos devem ser consideradas no mínimo desorientadoras.
Com respeito à disponibilidade de literatura científica sobre os módulos afetivos, verifica-se que ela é abundante com referência ao senso ético (teorias do senso moral de caráter mais filosófico) e ao senso estético (sobretudo na arte), sendo quase inexistente no que tange aos demais sensos.
A biologia tem conhecimentos aprofundados e diferenciados sobre os processos afetivos da emoção, mas a psicologia apresenta pouco avanço na área dos sentimentos, confundindo-os, aliás, com a emoção. O que há em abundância sobre o sentimento, especialmente o senso ético, são as diatribes intermináveis dos filósofos e teólogos da área e as explicações de artistas sobre o senso estético. Todavia, a psicologia não parece contribuir o suficiente para essa área dos processos afetivos, embora as neurociências já venham mostrando dados interessantes, mesmo que estes sejam quase que exclusivamente descritivos.
Em contrapartida, a confusão entre emoção e sentimento faz que ambos sejam tratados praticamente como sinônimos. Parece haver, aí, um grande equívoco, sendo necessário distinguir os dois conceitos, dado que a emoção se refere a processos biológicos, ao passo que o sentimento deve ser entendido como processo mental ou psicológico. A psicologia ainda não produziu conhecimentos diferenciados e suficientes nessa área. Um dos objetivos fundamentais deste livro consiste, precisamente, em focalizar a necessidade de se fazer essa distinção, porque, do contrário, ficaria difícil visualizar o que a psicologia teria de novo a contribuir para essa área. Nesta obra, fica claro que a psicologia ainda tem pouco de específico a propor no que tange aos afetos humanos, já que os psicólogos que ensinam tal assunto, em cadeiras tipicamente chamadas de psicopatologia
ou psicologia profunda
, abordam-no quase que exclusivamente do ponto de vista psiquiátrico ou atuarial (Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, quinta edição – DSM-5), com destaque para a anatomia e a fisiologia desses processos comportamentais. Ainda, o assunto é tratado de acordo com teorias idiossincráticas como psicanálise ou terapias humanistas (logoterapia, Gestalt-terapia, psicologia transpessoal).
Este livro tem como objetivo coletar informações sobre todos esses processos propriamente afetivos.
Referências
Goleman, D. (1996). Emotional intelligence: why it can matter more than IQ. New York, NY: Bantam.
Goleman, D. (1998). Working with emotional intelligence. New York, NY: Bantam.
Jung, C. G. (1971). Tipos psicológicos. Rio de Janeiro, RJ: Vozes. Original de 1921.
Rigstad, M. (2006). Moral sense. In A. C. Grayling. The Encyclopedia of British Philosophy. London, UK: Thoemmes-Continuum.
2. Senso Ético
Introdução
A literatura sobre o senso ético ou o senso moral é abundante desde o tempo de Aristóteles, mas ela era, inicialmente, quase exclusivamente de caráter filosófico ou teológico. Vamos, aqui, conhecer o que esses dois ramos de conhecimento dizem sobre o tema e verificar, em seguida, o que a psicologia tem ou teria a dizer sobre ele.
Senso ético na religião
Praticamente todas as religiões contam com um componente ético em suas doutrinas, o qual visa conceituar, sistematizar, defender e recomendar preceitos que definem o que é um comportamento correto ou errado. A origem de tais preceitos é, tipicamente, de caráter sobrenatural mediante revelação, e eles podem, também, surgir socialmente, como guia para a conduta humana. Aqui, abordaremos sucintamente as várias religiões, a fim de conhecer os tipos de preceitos éticos defendidos.
Senso ético no budismo
O budismo não pretende ser uma religião nem mesmo uma filosofia, mas busca fornecer dicas sobre como viver uma vida em sua plenitude. Portanto, a origem de seus preceitos é de caráter antropológico, ou seja, os preceitos foram e vão surgindo na tradição que veicula ensinamentos e exemplos de estudiosos e sábios do passado e do presente. Há coleções anedóticas de preceitos éticos, tais como o Pancasila, que prescreve os preceitos de não matar, não roubar, não mentir, não ter má conduta sexual e evitar alcoolizantes, e a Vinaya (disciplina
, ou código de preceitos), que prescreve centenas de votos, especialmente para os monges.
Contudo, os ensinamentos fundamentais de Buda são as Quatro Nobres Verdades e os Oito Nobres Caminhos (Dharma = doutrina).
As quatro grandes verdades são as seguintes:
1. Existe o sofrimento.
2. Existe a causa do sofrimento: desejos.
3. Existe a cessação do sofrimento: Nirvana.
4. Existe uma via que leva à cessação do sofrimento: Os Oito Nobres Caminhos.
Os Oito Nobres Caminhos dividem-se em três estágios:
a) Sila: é questão de moralidade e diz respeito à abstenção de más ações e palavras. Trata-se do comportamento ético e refere-se à pureza moral de pensamento, palavra e ato. Ele tem quatro condições (castidade, calma, quietude e libertação de perturbações das paixões) e oito preceitos (não matar, não roubar, não cometer atos imorais, não mentir, não tomar bebidas alccoólicas, não comer fora de hora, não dançar ou usar joias ou ir a shows etc., não usar camas elevadas e luxuriosas). Esses preceitos valem mais para os monges e freiras e, no caso do sexo, recomenda-se o celibato. Ademais, o código moral dos monges e freiras – o Vinaya – apresenta 227 regras de conduta.
O Sila tem três caminhos:
linguajar correto: falar de maneira não ofensiva, não exagerada, falar a verdade;
ações corretas: boas ações, evitando atos que possam fazer mal;
vida correta: o modo de viver deve ser tal que não produza prejuízos a si mesmo ou a outros, direta ou indiretamente.
b) Samadhi: concentração meditativa da mente, procurar o domínio sobre a própria mente. Com o desenvolvimento da Samadhi, a mente fica livre de distrações, fica calma, tranquila e luminosa, penetrando a natureza profunda da realidade e, eventualmente, obtendo cessação de todo o sofrimento. A meditação mais popularizada é o Zen do budismo chinês.
A Samadhi tem três caminhos:
esforço/exercício correto: esforçar-se para melhorar;
mentalidade/consciência correta: ver as coisas como elas realmente são e com consciência límpida;
concentração/meditação correta: ficar consciente da realidade atual dentro de si mesmo, sem desejos e aversão.
c) Prajña: a sabedoria que purifica a mente. Trata-se de procurar o insight da verdadeira natureza de todas as coisas e obter o bodhi. A estratégia para desenvolver a sabedoria consiste, sucessivamente, em ouvir sermões, leitura e estudo dos textos budistas (nível intelectual), verificar na vida prática se os princípios aprendidos funcionam (nível pragmático) e, finalmente, conseguir insight intuitivo por meio da meditação (nível intuitivo).
A Prajña tem dois caminhos:
compreensão correta: entender a realidade como ela de fato é, e não como ela parece ser;
pensamentos corretos: mudança no modo de pensar.
Todas essas ações envolvem esforço humano para alcançar o mais alto grau de iluminação. Buda nunca afirmou ser mensageiro de algum deus e, muito menos, ser ele mesmo um deus, embora em alguns textos de Mahayana ele seja considerado mais que um ser humano. A revelação que ele obteve e que é acessível a qualquer ser humano é o bodhi, ou seja, a iluminação obtida por meio da meditação, e não por inspiração divina. O budismo pretende, assim, ser mais uma estratégia de higiene e saúde mental do que uma filosofia, tampouco uma religião. Buda era avesso a discussões de caráter filosófico, porque elas desviavam a atenção da prática da meditação e, ademais, a iluminação (bodhi) não era uma questão intelectual ou lógica, pois ela transcende todos os conceitos terrenos. O importante é o estudo, a autocultura mental e moral, a fé e a veneração aos textos sagrados (os sutras), porque estes apontam para a verdade e a autoliberação. Pensar (intelectualmente) sobre as coisas é importante, mas constitui apenas o início do processo e, por isso, é algo deve ser eventualmente abandonado para, finalmente, chegar à liberação e ao buda (bodhi).
Senso ético no hinduísmo
O hinduísmo apresenta versões drasticamente diferentes e variadas. Contudo, há alguns temas que aparecem em praticamente todas as versões. Entre tais temas, sobressaem os seguintes:
Dharma: a ética, os deveres;
Samsara: o ciclo de nascimento, vida, morte, renascimento;
Karma: ação e reação;
Moksha: liberação do Samsara;
Yogas: caminhos, práticas.
No Dharma (discutido nos Vedas e Upanishadas), elabora-se a doutrina sobre a ética do comportamento humano, e o Yogas preceitua práticas úteis para originar um comportamento correto. Dharma significa os deveres do ser humano. Na versão Grihastha Dharma, há quatro objetivos vitais – ou estágios – na vida do ser humano:
1. Kama: o prazer e o gozo sensual.
2. Artha: prosperidade e sucesso material.
3. Dharma: conduta correta, conforme os deveres de cada um e seguindo as leis das escrituras.
4. Moksha: liberação do ciclo de samsara.
Para a versão Grihastha, o ser humano pode perseguir, sucessivamente, todos esses objetivos, mas tendo o moksha como meta final. Para a versão Sannyasin Dharma, o objetivo único do ser humano é o moksha, que pode ser diretamente alcançado a partir de qualquer estágio em que o ser humano se encontra.
Como é que o ser humano finalmente alcança o moksha, o nirvana ou o samadhi? É por intermédio da meditação, tal como o yoga. Há vários métodos de praticar o yoga para alcançar a vida espiritual, quais sejam:
• Bhakti yoga: o cominho do amor e da devoção;
• Karma yoga: o caminho da conduta correta;
• Raja yoga: o caminho da meditação;
• Jñana yoga: o caminho da sabedoria.
O sujeito pode escolher um desses caminhos para obter a vida espiritual, mas eles não são exclusivos, pois o sujeito pode praticar vários yogas ou todos eles.