Cura por atacado
"A senhora n�o vai conseguir hor�rio se n�o falar qual o tema da reuni�o", disse a secret�ria do ent�o ministro da Sa�de Jos� Serra, em 2000. "S� posso fazer o convite pessoalmente. Quarta que vem ele estar� no gabinete?", perguntou, do outro lado da linha, Merula Anargyrou Steagall, dona da Insiders, importadora e distribuidora de utens�lios de cozinha. "Sim, mas a agenda est� apertada", respondeu a secret�ria do ministro. "Estarei a�. Tenho uns compromissos em Bras�lia." N�o havia "uns compromissos" na capital federal. Mas Merula saiu de S�o Paulo e, no dia marcado, apareceu no minist�rio. A secret�ria pediu que aguardasse em uma sala lotada. Ela recusou. Quando a porta do gabinete abriu, ela mencionou um conhecido do ministro. "Vamos entrar", disse ele. Merula contou que fora eleita presidente da Abrasta (Associa��o Brasileira de Talassemia) havia 15 dias e explicou sobre a doen�a de origem gen�tica, conhecida como anemia do Mediterr�neo. O paciente tem de receber transfus�es de sangue peri�dicas -em geral, a cada 20 dias-, al�m de medicamento para eliminar o excesso de ferro do organismo.
O governo n�o dispunha de estat�sticas, como ela queria. Mas Merula saiu de l� com a lista dos hemocentros e o relat�rio de compra de rem�dios da pasta. Sua miss�o era elaborar um sistema de refer�ncia mundial para o tratamento da talassemia. Esse era o convite ao ministro. Organizou um congresso internacional e reuniu diretores de hemocentros, m�dicos e pacientes. Levantou o n�mero de casos, identificou lacunas no tratamento e ofereceu treinamento a m�dicos. Merula, 47, investe em seus projetos com a f� de quem sabe que tudo vai dar certo. Faz planos por atacado -quer pol�ticas p�blicas em vez de uma caixa de seringas; muitos filhos e n�o s� um; conhecer o mundo em vez de ficar parada. Ela tem pressa. Sempre foi assim. Aos tr�s anos de idade, quando foi diagnosticada com talassemia, os m�dicos disseram aos pais, os gregos Villy, 66, e Emmanoel Anargyrou, 79, que a menina viveria at� os cinco. "N�o se apeguem", ouviram. Merula sabia que seriam mais. "Eu queria fazer tudo o que uma pessoa de 80 anos faz em 30 anos", conta. Herdou o otimismo e a determina��o do pai, que saiu da Gr�cia em 1954 e chegou ao Brasil com US$ 2 e poucas palavras em portugu�s. Aqui, ele conseguiu emprego em uma metal�rgica. Tornou-se empres�rio e deixou para tr�s as lembran�as da fome e da perda de parte da fam�lia na Segunda Guerra Mundial. "Voc�s s�o aben�oados. T�m o que comer", repetia aos tr�s filhos.
GOSTO DE VIVER
Para Merula, o pai repetia: "Voc� gosta de viver? Ent�o, aproveite tudo ao m�ximo". Foi o que ela fez. Paraquedismo, rali, windsurfe, tudo isso est� na bagagem. Tamb�m participou de um curso de modelo para vender roupas, de uma sociedade na ag�ncia de turismo da fam�lia e da cria��o de importadora de utens�lios de cozinha. O diminutivo que usa em certas situa��es exp�e a import�ncia que d� a algumas coisas: "tomar sanguinho", "vidrinhos da inje��o", aguardar na "salinha de espera" do minist�rio. Decidiu casar ao terminar a faculdade de administra��o, ap�s dois anos de namoro com Denisarth Steagall, 50. Era setembro de 1991. A �nica data dispon�vel para a cerim�nia caia numa sexta-feira, 13 de dezembro. Poderia esperar dois anos. Mas driblou a supersti��o da m�e e fez a festa em tr�s meses.
MATERNIDADE
No mundo, eram raros os casos de m�es com talassemia. Merula teve quatro filhos: Daniel, 20, Dina, 15, Roberto, 13, e Vit�ria, que morreu logo ap�s o nascimento. Em 1998, o primog�nito foi diagnosticado com linfoma de Hodgkin, c�ncer no sistema linf�tico. O casal consultou dois m�dicos no Brasil, buscou cirurgia espiritual e viajou para os EUA para ter tratamento mais eficaz. "As c�lulas [do linfoma] est�o necrosadas", disse o cirurgi�o, duas horas depois de iniciada a bi�psia. O c�ncer n�o deixou marcas em Daniel, mas trouxe a Merula o desejo de ajudar. Ela achou que tivesse cumprido a miss�o com a Abrasta. Mas ouviu do ministro: "Por que voc� n�o monta uma associa��o para c�ncer?". Foi a vez de ela aceitar o convite e criar a Abrale (Associa��o Brasileira de Linfoma e Leucemia). � frente das institui��es, ela tem mudado a hist�ria do tratamento, os progn�sticos, o papel do governo e a qualidade de vida das pessoas. Para Merula, vit�rias em atacado s�o muito mais saborosas.
Assista
Conhe�a mais sobre a Abrale e Abrasta
O avan�o socioecon�mico alcan�ado pelo Brasil nas �ltimas d�cadas n�o s� aproximou a renda per capita e a sobrevida dos brasileiros � dos pa�ses desenvolvidos, mas tamb�m aumentou a exposi��o a produtos qu�micos e a um estilo de vida --principalmente nas grandes cidades-- menos saud�vel e mais estressante. Desse modo, segundo Paulo Hoff, diretor do Centro de Oncologia do Hospital S�rio-Liban�s e do Instituto do C�ncer do Estado de S�o Paulo, espera-se um grande aumento no n�mero de casos de c�ncer no pa�s.
Estima-se que, em 2013, o Brasil ter� 518.510 casos novos. De acordo com o estudo "Estimativa 2012 - Incid�ncia de C�ncer no Brasil", do Instituto Nacional do C�ncer, 20 mil desses novos casos ser�o de leucemia (gl�bulos brancos) e linfoma n�o Hodgkin (sistema linf�tico), duas das principais neoplasias onco-hematol�gicas. Em 2008, foram estimados no mundo 351 mil novos casos e 257 mil �bitos por leucemia e 356 mil novos casos e 191 mil �bitos por linfoma n�o Hodgkin.
No Brasil, por ano, s�o 50 mil novos casos de pessoas diagnosticadas com linfoma, leucemia, mieloma m�ltiplo, mielodisplasia e outros c�nceres do sangue. Se n�o forem tratadas e dependendo do caso espec�fico, algumas destas neoplasias podem levar � morte rapidamente. Felizmente, com o avan�o da medicina, h� muitos casos que podem ser curados se houver tratamento precoce assim como terapia adequada. Atualmente, existem v�rios tipos de tratamento, como radioterapia, quimioterapia, cirurgia e transplante de medula �ssea. � comum que uma combina��o dessas modalidades seja necess�ria para o tratamento.
Todo cidad�o brasileiro tem direito a tratamento de c�ncer na rede p�blica de sa�de. Na ocorr�ncia de sintoma, deveria se encaminhar � unidade mais pr�xima do SUS (Sistema �nico de Sa�de), onde um oncologista pedir� exames para comprovar a exist�ncia da doen�a. Uma vez comprovada, o paciente poder� ser encaminhado para uma Unacom (Unidade de Assist�ncia de Alta Complexidade em Oncologia), que � capacitada para tratar os c�nceres mais comuns do pa�s ou para um Cacom (Centro de Assist�ncia de Alta Complexidade em Oncologia), que trata qualquer tipo de neoplasia.
Uma terceira op��o � ser encaminhado a um centro de refer�ncia como o Inca, localizado na capital fluminense, ou o Icesp, em S�o Paulo. Para que isso aconte�a, o paciente precisa ser indicado por uma unidade que perten�a ao sistema de refer�ncia do centro.
Apesar de existir uma diretriz nacional para combater o c�ncer, n�o h� estrutura suficiente para atender toda a popula��o que necessita. N�o raro, ouvem-se casos de quem aguarda por anos.
Demora-se muito tamb�m para que o Brasil registre novas tecnologias e muito mais para que essas tecnologias ou tratamentos sejam parte dos protocolos de tratamento para os pacientes diagnosticados. A pessoa que ser� tratada pelo SUS ou a que ter� cobertura de um plano de sa�de ter� de enfrentar burocracias, fazer escolhas e conhecer as op��es de tratamento para poder decidir, com a equipe de sa�de, sobre o seu tratamento.
A Abrale nasceu para democratizar o tratamento e auxiliar pacientes onco-hematol�gicos por meio de mobiliza��o pol�tica, pesquisa e apoio a paciente e familiares. "Apoi�-los desde o diagn�stico e durante todo o percurso de seu tratamento, ser sua ponte com tudo o que lhe � de direito, empoderar paciente e fam�lia, colaborar com a atualiza��o de conhecimentos dos m�dicos e profissionais da sa�de, cobrar das autoridades medidas e leis que facilitem a vida dos que representa" s�o as raz�es de seus programas.
Mais recentemente, por causa da demanda, a associa��o passou tamb�m a atender outras doen�as hematol�gicas como a PTI (trombocitopenia imune prim�ria, uma doen�a autoimune). A Abrale tamb�m atua conjuntamente com a Abratasta (Associa��o Brasileira de Talassemia), que atende pacientes que sofrem dessa anemia heredit�ria causada pela produ��o inadequada da hemoglobina.
Entidades de assist�ncia a pacientes existem h� d�cadas em todo o mundo.
A inova��o maior do trabalho da empreendedora social n�o est� em "o que" faz, mas em "como faz": construiu empiricamente um m�todo pr�prio, eficiente e hol�stico, com impacto abrangente e profundo, forte influ�ncia em pol�ticas p�blicas, excel�ncia em gest�o e inova��es incrementais. Um de seus diferenciais � reunir com maior efic�cia as melhores ideias e solu��es pulverizadas em diversas organiza��es de variadas �reas.
A candidata afirma que, quando iniciou sua atua��o empreendedora, "n�o existiam outras entidades com miss�es semelhantes na �rea da sa�de". O foco dos trabalhos cong�neres no Brasil era prestar assist�ncia a pessoas com a doen�a em hospitais e casas de apoio com trabalho regional, sem o enfoque integral proativo e preventivo caracter�stico da Abrale.
N�o � poss�vel categorizar a organiza��o como pioneira. Por�m, alguns dos projetos foram desbravadores na �rea onco-hematol�gica no sentido de quebrar paradigmas de demora no diagn�stico, dificuldade de acesso a especialistas, medicamentos de alto custo e exames completos, reinser��o social, pouco conhecimento sobre os direitos dos pacientes e dificuldade de encontrar canais de informa��es confi�veis sobre o tema.
A inova��o t�cnica � o principal tipo de inova��o encontrado na organiza��o avaliada. De uma forma transversal, ela se d� com a constru��o emp�rica de um m�todo pr�prio e eficiente --ainda n�o sistematizado e de aprimoramento cont�nuo-- a fim de atingir a miss�o de "produzir e disseminar conhecimento, oferecer suporte e mobilizar parceiros para alcan�ar a excel�ncia e humaniza��o no cuidado integral dos pacientes onco-hematol�gicos".
"Tratar o doente, n�o a doen�a"
A Abrale vai al�m da assist�ncia com foco exclusivo na doen�a e oferece apoio jur�dico (para a obten��o de medicamentos e tratamento adequados), suporte especializado em oncopsicologia, onconutri��o e onco-odontologia, al�m de assist�ncia social, fisioterapia, fertilidade, espiritualidade e terapia ocupacional a pacientes e familiares. "Ao contr�rio das outras organiza��es, com enfoque �nico, a Abrale atua de forma multidisciplinar, tornando-se um porto seguro aos pacientes", atesta o m�dico Osvaldo Ant�nio Donnini, 62, diretor do Grupo de Sangue, Componentes e Derivados da Secretaria Estadual de Sa�de de S�o Paulo.
Comit� Cient�fico
A organiza��o desenvolveu a estrat�gia de alinhar prioridades e construir os programas com o auxilio de um comit� cient�fico multidisciplinar, composto de forma volunt�ria por grandes especialistas em onco-hematologia dos principais centros de tratamento do pa�s. Trata-se m�dicos, psic�logos, enfermeiros, assistentes sociais, dentistas, terapeutas ocupacionais e nutricionistas com interesse no aprimoramento da oncologia no pa�s.
Os profissionais respaldam os programas e iniciativas da associa��o e colaboram na produ��o de conhecimentos e conte�dos que s�o transmitidos e disseminados em v�rios formatos (publica��es impressas, on-line e multim�dia), seja para pacientes, seja para outros profissionais da sa�de e do governo. Tamb�m colaboram para que haja interface da Abrale com os pacientes das diversas institui��es/hospitais do pa�s.
Destacam-se o forte engajamento constatado nas entrevistas de avalia��o do Pr�mio Empreendedor Social e o alto n�vel dos profissionais, sobretudo no caso dos m�dicos.
Rela��o m�dicos-pacientes horizontal
Uma das primeiras iniciativas de Merula � frente da Abrasta, em 2000, e que permanece at� hoje foi a cria��o de um congresso que re�ne de forma inusitada profissionais da sa�de, pacientes e familiares. At� hoje, esse tipo de encontro � raro na �rea da sa�de, por ir al�m do foco em conhecimento cient�fico ao criar empatia sem hierarquia e desconstruir o muro entre o profissional e o paciente, com vistas a sua autonomia. "A participa��o [dos doentes] � intensa e muito pr�pria, com resultados surpreendentes, inclusive para os m�dicos", afirma o hematologista e oncologista membro do comit� cient�fico Daniel Tabak, 57, considerado um dos maiores especialistas em transplante de medula �ssea no pa�s.
Atendimento "por atacado"
Caracter�stica intr�nseca � empreendedora social, que diz preferir o impacto em escala ao individual, a atua��o "por atacado" diferencia a Abrale das organiza��es que se especializam no apoio individualizado ao paciente, tamb�m oferecido por ela de forma personalizada, entretanto.
Com isso, a associa��o trabalha intensamente para impactar pol�ticas p�blicas em n�vel nacional, mudar os paradigmas do atendimento em hospitais p�blicos em n�vel regional e realizar educa��o de m�dicos e de profissionais da sa�de, levando o conhecimento de temas e aspectos relevantes para os pacientes, em n�vel local, por�m de maneira catalisadora.
A candidata conjugou o forte envolvimento pessoal com a causa, comum a l�deres de associa��es correlatas, com a ado��o inovadora de m�todos e ferramentas de gest�o comuns ao setor privado, trazidos de sua experi�ncia empreendedora e refor�ados pela preocupa��o intensa com o crescimento sustent�vel da organiza��o.
Exemplo � o uso de programa de CRM ("customer relashionship managment") para relacionamento com os p�blicos, com mais de 30 mil cadastros de pacientes e familiares afetados pelas doen�as que representa, que, segundo ela, � o maior banco de dados desse tipo do Brasil. A associa��o conta tamb�m com software ERP ("enterprise resource planning") de gest�o integrada, elevados padr�es de transpar�ncia e "accountability" e gestores capacitados, regularmente orientados por diretores volunt�rios de alto n�vel executivo.
A proposta de valor �nico da Abrale pode ser expressa em seu slogan: "100% de esfor�o onde houver 1% de chance".
N�o h� ind�cios de pontos fracos ou amea�as que coloquem em risco a continuidade do trabalho da Abrale ou da Abrasta.
No �mbito da organiza��o, � p�blica a informa��o de que sua principal l�der tem talassemia major, tipo mais grave de uma anemia heredit�ria causada pela produ��o inadequada de hemoglobina. Segundo a empreendedora social, aos 47 anos, ela � hoje uma das talass�micas de idade mais avan�ada de que se t�m conhecimento no mundo. N�o obstante, segue � frente das duas associa��es, que atualmente focalizam o processo de sucess�o, estimulado fortemente pela pr�pria candidata.
Segundo dados informados pela organiza��o, a Abrale vem aumentando consistentemente o n�mero de benefici�rios diretos e indiretos ao longo dos �ltimos cinco anos, ao passo que o or�amento anual tem se mantido na faixa de R$ 3 milh�es -o que pode denotar aumento de efici�ncia operacional.
O relacionamento com colaboradores, parceiros, patrocinadores, benefici�rios e familiares � aberto, acess�vel e transparente, com atendimentos e/ou presta��o de contas regulares.
A organiza��o apresenta CRM (gest�o de relacionamento com clientes e parceiros) de alto n�vel e credita parte de seu sucesso a esse diferencial. Anualmente, realiza um evento para reconhecimento de seus parceiros.
N�o existe uma avalia��o sistematizada de desempenho da organiza��o para esse p�blico relacional mais amplo.
A Abrale divide seus patrocinadores em cinco n�veis:
1. Diamante (contribuem com valores acima de R$ 301 mil anuais): Novartis Bioci�ncias e Roche Farmac�utica;
2. Ouro (contribuem com valores de R$ 101 mil a R$ 300 mil anuais): Bristol Myers Squibb Brasil, Bristol Myers Squibb Company, GlaxoSmithKline, Novartis Pharmaceuticals, Schering Plough e Zodiac;
3. P�rola (contribuem com valores de R$ 31.000 a R$ 100.000 anuais): Cotema Equipamentos e Pe�as, SEM, Genzyme do Brasil, Merck, Novartis Vaccines and Diagnostics, Phrma - Pharmaceutical Research, Roche Diagnostica Brasil, Takeda Distribuidora, The Leukemia & Lymphoma Society e United Medical;
4. Prata (contribuem com valores de R$ 2.400 a 30 mil anuais): 40 empresas e organiza��es de diversas �reas;
5. Empresa amiga (contribuem com valores inferiores a R$ 2.400 anuais): 11 empresas e organiza��es de diversas �reas.
O or�amento estimado para 2013 � de R$ 3.784.500.
Ao longo de 13 anos, a empreendedora social transformou as duas associa��es que lidera nas principais refer�ncias do pa�s -e da Am�rica Latina- em defesa de pacientes com talassemia (Abrasta) e doen�as onco-hematol�gicas (Abrale). Tem influenciado diretamente a melhoria do acesso aos tratamentos de ponta por meio de pol�ticas p�blicas, com impacto transformador na vida dos benefici�rios.
"Mesmo quando pessoas com outros tipos de c�ncer nos procuram, tentamos ajudar, sobretudo com indica��es e apoio jur�dico", diz a coordenadora de apoio ao paciente, Melissa Abreu Pereira, 34.
No campo do tratamento em talassemia, foi a principal respons�vel por fazer as pol�ticas p�blicas de tratamento da doen�a avan�arem a ponto de colocar o Brasil como refer�ncia internacional.
A popula��o-alvo da Abrale � composta por todas as pessoas com c�ncer do sangue no Brasil, os sobreviventes, seus familiares e cuidadores, de um lado, e, de outro, os profissionais da sa�de que atuam nesse segmento e que totalizam mais de 1 milh�o de pessoas, segundo a organiza��o.
Em um software de CRM, a associa��o afirma manter o cadastro completo de 21 mil pacientes, 3.451 familiares, 6.401 volunt�rios e/ou interessados na causa, 2.839 m�dicos e 7.658 profissionais da sa�de. Ele � atualizado com dados diariamente coletados, tanto na sede quanto nas regionais.
Desde a funda��o, foram beneficiados diretamente 25.387 pacientes de c�ncer do sangue.
Como o pr�prio nome sugere, a Abrale j� surgiu com enfoque nacional: a assembleia de cria��o da entidade, em 2002, reuniu 85 pessoas relacionadas com linfoma e leucemia em todo o pa�s. Com sede em S�o Paulo, hoje a organiza��o conta com n�cleos regionais em dez Estados, em Belo Horizonte, Curitiba, Florian�polis, Fortaleza, Goi�nia, Porto Alegre, Recife, Ribeir�o Preto, Rio de Janeiro, Salvador e no Sul de Minas Gerais.
Os n�cleos contam em geral com um profissional itinerante da sa�de, que auxilia o paciente regionalmente na supera��o de barreiras que o impe�am a realizar do tratamento adequado pelo sistema de sa�de. Monitoram os centros de tratamento com visitas regulares e coletam dados para a interface em pol�ticas p�blicas entre a Abrale e o governo. Tamb�m divulgam os servi�os prestados gratuitamente pela associa��o, realizam distribui��o de material did�tico e educativo, al�m de campanhas de conscientiza��o sobre as doen�as e tratamentos.
O enfoque internacional se d� por meio da rede Alianza Latina, criada em 2007 pela candidata para compartilhar entre organiza��es com miss�es similares a reprodu��o de programas da Abrale no Brasil. A rede � composta por 72 organiza��es em 19 pa�ses da Am�rica Latina mais EUA, Espanha e Portugal, objetivando que as entidades se profissionalizem, ampliem a capta��o de recursos e melhorem o di�logo com os governos.
A replicabilidade � vari�vel.
� invi�vel replicar integralmente o trabalho que a candidata desenvolveu ao longo de sua hist�ria, ligado intimamente a suas caracter�sticas empreendedoras. Contudo, grande parte de seus conhecimentos e aprendizados adquiridos podem ser apreendidos por outras organiza��es e em outros contextos, como j� comprova com a Alianza Latina.
� um dos pilares fundamentais do trabalho da candidata na defesa de pacientes com talassemia e c�ncer do sangue. Estruturou, assim, uma �rea de pol�ticas p�blicas com uma gerente advogada com s�lidos conhecimentos na �rea e, desde maio, um diretor de alto n�vel, o ex-presidente do CRF-SP (Conselho Regional de Farm�cia) e da Anvisa --�rg�o respons�vel pelos registros de novos medicamentos no Brasil-- Dirceu Raposo.
"Estamos mapeando todos os deputados que atuam com sa�de e terceiro setor, em detalhes, como se t�m ou tiveram um filho diagnosticado [com c�ncer]. O fato de eu ter conquistado respeito no Congresso e ter boas rela��es com autoridades do governo, como com o atual presidente da ANS [Ag�ncia Nacional de Sa�de], autoridades de vigil�ncia sanit�ria nos Estados e secret�rios de sa�de, abre portas", ressalta Raposo, que se dedica em regime parcial de duas vezes por semanas � Abrale/Abrasta.
A chegada de Raposo dentro do recente processo sucess�rio e de profissionaliza��o da organiza��o deve intensificar o impacto em pol�ticas p�blicas que, segundo a empreendedora social, � vasto em sua trajet�ria.
A estrat�gia da organiza��o para alcan�ar os objetivos � mapear as necessidades considerando a viv�ncia dos pacientes, familiares e profissionais da sa�de e, com base nas lacunas identificadas, atuar em seus diversos programas e projetos.
Entre as principais lacunas declaradas pela candidata est�o
- Car�ncia de conhecimento sobre as doen�as e tratamentos;
- Falta de acesso a especialistas;
- Dificuldade de acesso aos medicamentos e toda a estrutura multidisciplinar para um tratamento adequado;
- Desconhecimento sobre os direitos dos pacientes;
- Reinser��o ao conv�vio social;
- Seguir criando canais de comunica��o e abrindo espa�o na m�dia para o tema;
- Demanda por cursos de reciclagem por profissionais da sa�de;
- Falta de registros epidemiol�gicos e monitoramento do sistemas de Sa�de no Brasil e na Am�rica Latina;
- Pouco incentivo � pesquisa cient�fica e ao desenvolvimento de novos medicamentos no continente sul-americano.
Seu m�todo de atua��o, criado empiricamente ao longo de sua hist�ria, � baseado em quatro pilares interconectados que balizam todos os servi�os da associa��o: apoio ao paciente, educa��o e informa��o, pol�ticas p�blicas e pesquisa.
Alianza Latina
Rede que promove a capacita��o de organiza��es de apoio a pacientes com doen�as do sangue, oferecendo-lhes treinamento e servi�os gratuitos, como acesso a especialistas, ferramentas de gest�o e informa��es atualizadas.
Projeto Dod�i
Em parceria com o Instituto Maur�cio de Sousa, tem o objetivo de desenvolver um programa educativo voltado a crian�as hospitalizadas com c�ncer, para tentar amenizar o sofrimento e integrar a crian�a e seus familiares ao tratamento. Foram criados gibis, materiais de apoio para a equipe m�dica, p�steres etc. Os pacientes recebem junto com o material educativo um boneco.
Programa Alliance
Dirigido a pacientes com leucemia mieloide cr�nica (LMC), o Programa Alliance - Suporte ao Paciente consiste em pesquisa realizada por telefone com os pacientes cadastrados na entidade, voltado ao entendimento do fluxo no sistema de sa�de desde o diagn�stico, al�m de aspectos ligados � qualidade de vida e � ades�o ao tratamento.
O programa tamb�m tem como objetivo educar, motivar e estimular a ades�o do paciente ao tratamento, esclarecendo aspectos da doen�a e a import�ncia de seguir as orienta��es da equipe de sa�de, para que sejam alcan�ados melhores resultados com o tratamento.
Abrale Beleza
Tem por objetivo resgatar a luz pr�pria das pacientes, ajudando-as a enfrentar os obst�culos trazidos com o diagn�stico por meio de sua autopercep��o e imagem. S�o realizadas oficinas de maquiagem nos centros de tratamento, e as mulheres ganham kits de maquiagem e aulas de automaquiagem
DEPOIMENTOS
"O choque do diagn�stico � terr�vel. [Meu filho Guilherme, na �poca com tr�s anos e nove meses,] tinha leucemia. Eu conhecia a doen�a: sou bi�loga e fiz doutorado sobre c�ncer. � lindo ver as c�lulas se reproduzirem no microsc�pio, mas as coisas mudam quando isso acontece em um filho. Achava que ele n�o ia resistir. O tratamento come�ou em 2007. Nessa �poca, fiz meu primeiro contato com a Abrale. � a �nica associa��o que conhe�o nessa �rea que presta servi�os jur�dicos, d� assist�ncia psicol�gica e oferece apoio. Sempre gostei da troca que existe entre familiares, m�dicos e psic�logos. Ela organiza cursos muito bons, que eu participava como m�e e profissional. Falavam de novos medicamentos, protocolos, o que fazer para consegui-los. Quando a doen�a do Guilherme regrediu, em 2009, os m�dicos aconselharam um transplante de medula. Fizemos o teste e descobrimos que o Gustavo [o ca�ula, ent�o com seis meses] e ele eram 100% compat�veis. Tudo correu bem at� a alta. O problema come�ou no ambulat�rio. Era tudo misturado, adultos e crian�as: 99% eram maltratados. Reclamava, sem resposta. Escrevi uma carta e enviei para os conselhos de medicina, os diretores do hospital, a Abrale. Durante um congresso, a Merula [Steagall, presidente da Abrale] apareceu com a minha carta. A Abrale fez o papel dela: questionar e tirar satisfa��es. As pessoas que indiquei foram direcionadas para cargos administrativos. O ambulat�rio foi dividido entre crian�as e adultos. Retomei minha vida. Meus filhos est�o saud�veis."MARIANA DA ROCHA PIEMONTE, 38
bi�loga, m�e de Guilherme, 9, e Gustavo, 6
Frases sobre a empreendedora social e seu trabalho
"Os m�dicos aprenderam a tratar talassemia [a partir da elei��o de Merula para a presid�ncia da Abrasta]. Tinha muito paciente morrendo. Hoje eles morrem de acidente de carro, n�o por causa da doen�a. N�s j� fizemos sete confer�ncias internacionais [com m�dicos e pacientes]. Antigamente, a gente comprava filtro [que � conectado � bolsa de sangue durante a transfus�o para a remo��o de leuc�citos, para n�o haver rea��es como febre no receptor]. Cada uma custava R$ 80. Meus filhos [que t�m talassemia] tomavam duas bolsas. Hoje s�o tr�s. L� vai a Merula falar com o [ent�o ministro da Sa�de] Jos� Serra. Dali a pouco, j� estava aprovada [a obrigatoriedade dos filtros no SUS]. O tratamento mudou radicalmente. Meus filhos est�o vivos por causa dela, pela atualiza��o do tratamento." CLAUDIA VELLOZO, 51
m�e de dois jovens com talassemia e tesoureira da Abrasta
"A tend�ncia da �rea de sa�de � se fechar para profissionais. Tive a oportunidade de rodar o mundo e vi dois lugares que combinam [m�dicos e pacientes em eventos]: a Abrale e a Federa��o Internacional de Hemofilia. A Abrale e a Merula tiram esse abismo entre eles. O paciente tem que saber o que tem e quais s�o suas op��es de tratamento." LUIZ VALENTE SOARES J�NIOR, 43
membro do Comit� de Odontologia da Abrale
"A terapia ocupacional � pouco conhecida, ainda mais em onco-hematologia. Com a Merula e o suporte da Abrale, come�amos um levantamento dos profissionais. Em 2008, eram 14. Hoje, s�o 90. A partir disso, publicamos um livro. No comit� de terapia ocupacional da Abrale, encontramos um espa�o de fortalecimento da profiss�o. � uma das poucas associa��es que n�o v� a profiss�o como algo recreacionista. O comit� tem foco educativo para o paciente e o profissional e de apoio assistencial. Temos artigos cient�ficos, publica��es em revista e cursos. Al�m disso, desenvolvemos educa��o a dist�ncia, que fica no site, chat, palestras e oficinas."
MAR�LIA OTHERO, 30 coordenadora do Comit� de Terapia Ocupacional da Abrale
"No hospital [enquanto estava um m�s em interna��o para o tratamento de leucemia], olhando a internet, cheguei a um santo chamado Abrale, que � um porto de conhecimento e ajuda. Em 2006, frequentei bastante a associa��o e recebi apoio psicol�gico e jur�dico total. Tomava um quimioter�pico brando e teria que fazer um transplante, mas n�o havia ningu�m 100% compat�vel. Achei a droga nova na internet. Na Abrale, j� conheciam o medicamento e sabiam de mais novidades ainda. Consegui, pelo setor jur�dico [da associa��o], a libera��o desse medicamento, que � de uso cont�nuo. A partir dessa decis�o judicial, todos tiveram acesso. Foi a esperan�a. A informa��o d� seguran�a, tranquilidade. A Merula busca muito conhecimento. Eu perguntava: O que voc� acha disso? Ela � o intermedi�rio para eu, como leigo, entender o que � melhor. Se a pessoa n�o tem informa��o, essa doen�a � destruidora. Voc� n�o sabe o que fazer, onde est�, o que funciona, o que deprime. Tem que ter algu�m que possa te ajudar do outro lado. A for�a para te fazer aceitar que est� ali dentro. T�cnicas para te fazer levantar." ALCIDES PAIOLA NETO, 49 professor de educa��o f�sica, que est� em tratamento de leucemia desde 2006