Pequenos � altura
Psic�loga parte de questionamentos para transformar as pr�ticas de educa��o nutricional no pa�s
Por que aquela pessoa remexe o lixo?
No come�o da d�cada de 1970, em um ponto da imponente avenida Paulista, s�mbolo da cidade de S�o Paulo, Gisela Maria Bernardes Solymos, ent�o com 6 anos, tem seu primeiro contato com a desigualdade. De m�os dadas com a m�e, Ivone Bernardes Solymos, viu a desnutri��o e a pobreza refletidas em um morador de rua. A menina que sonhava com fazenda, planta��es e cria��o de animais descobriu naquele momento que comer n�o � t�o simples como pensava ser.
� o come�o de uma vida de questionamentos, em que as respostas para perguntas simples nem sempre atendem � �nsia de conhecimento da garota� o come�o de uma vida de questionamentos, em que as respostas para perguntas simples nem sempre atendem � �nsia de conhecimento da garota.
Ouvir que bater o bolo apenas de um lado era fundamental para que a massa crescesse a levava mais longe. Que componentes impediam que o doce, ap�s remexido de todos os lados, ganhasse forma? Era preciso testar para ter a comprova��o. "Eu era insuport�vel no querer saber o porqu� das coisas", garante.
Era a m�e a explicadora oficial aos questionamentos da garota. Dela, Gisela herdou a alegria e a jovialidade. Do pai, o h�ngaro Peter Solymos, recebeu uma dose de tristeza. N�o como a dele, que deixou a terra natal na d�cada de 1960, depois da invas�o sovi�tica, em 1956. "Ele tem o cora��o partido em peda�os, de um povo que foi abandonado [pelas tropas ocidentais, que eram aguardadas pelos h�ngaros antes da tomada sovi�tica]. Eu n�o", diz ela, pensativa.
O discurso sobre as origens do pai e sobre como foi indiretamente afetada pela guerra na Europa e pela desigualdade no Brasil deixa transparecer uma Gisela indignada, inconformada.
Foi com essa ess�ncia de mudan�a que fez seu primeiro trabalho em uma favela de S�o Paulo. Com vontade de ajudar, mas sem um plano estruturado, o projeto morreu logo depois. Mas deixou na garota o desejo de transforma��o. "L� nasceu o ideal."
Esse misto de "paix�o pelo ser humano" e de questionamentos em tempo integral a levou para o curso de psicologia. Passou na USP (Universidade de S�o Paulo), �poca em que ingressou tamb�m no movimento Comunh�o e Liberta��o, que inclui educa��o e integra��o �s miss�es da Igreja Cat�lica. "O relacionamento com Deus sempre foi importante."
Leu Freud e Jung. E passou cinco anos em crise durante o curso. Por que a psicologia n�o consegue explicar a cren�a em Deus em algo que n�o seja uma defici�ncia humana?
Essa � uma das perguntas que Gisela n�o conseguiu responder. Mas manteve a f� e a atua��o na �rea de psicologia.
Ficou por tr�s anos em uma consultoria organizacional, na qual pulou de estagi�ria a consultora. At� aparecer a oportunidade de voltar para a favela.
Com um grupo de rec�m-formados e pesquisadores, desbravou comunidades da Vila Mariana (zona sul de S�o Paulo) -fam�lias que n�o s�o mapeadas nem mesmo no censo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica)- para um levantamento sobre sa�de e nutri��o. L�, nasceu n�o apenas a metodologia de interven��o em sa�de na comunidade mas tamb�m o embri�o do Cren (Centro de Recupera��o e Educa��o Nutricional).
Diretora-geral da institui��o que assiste crian�as e adolescentes subnutridos que atendeu a 50 mil pessoas, ela estendeu a �rea de atua��o de Mirand�polis (zona sul de S�o Paulo) para a Vila Jacu� (zona leste) e Macei�. Desenvolveu metodologia que contempla a estatura -e descobriu que os �ndices de desnutri��o ultrapassam as estat�sticas oficiais.
Por que os agentes de sa�de e os estudantes de medicina n�o s�o capacitados para coletar dados antropom�tricos e mapear essa popula��o para que haja trabalho mais intensivo de combate � desnutri��o?, questiona-se hoje, em mais um ciclo de perguntas que sempre a movem para respostas transformadoras.
Assista
Conhe�a mais sobre a Cren (Centro de Recupera��o e Educa��o Nutricional)
Quando o centro iniciou sua atua��o antes mesmo de sua formaliza��o, no fim da d�cada de 1980, o tema desnutri��o infantil era um problema relativamente reconhecido pelas estat�sticas oficiais, por�m subvalorizado.
Nessa �poca, a abordagem de levar equipes de sa�de para favelas era in�dita. A criadora do Programa Sa�de da Fam�lia, do Minist�rio da Sa�de, fez est�gio no Cren e idealizou o programa lan�ado pelo governo em 1994 a partir dessa experi�ncia.
Outra contribui��o pioneira e de alto impacto foi a implanta��o da mensura��o estatura das crian�as para diagn�stico da desnutri��o, at� ent�o inexistente no pa�s. No in�cio da d�cada de 1990, a medida padr�o adotada era o baixo peso para estatura (magreza), associado principalmente � baixa imuniza��o, � alta preval�ncia de infec��es e a guerras, contexto comum na �frica.
J� a baixa estatura para a idade (independentemente do peso) est� associada � baixa disponibilidade de alimentos, ao analfabetismo materno e � baixa renda, cen�rio mais pr�ximo da realidade brasileira, conforme o Cren demonstrou por meio de diversos estudos cient�ficos.
Atualmente, o Minist�rio da Sa�de entende que a desnutri��o no Brasil se expressa principalmente pelo n�o crescimento pleno da crian�a desnutrida, e o IBGE, a partir de 2008, passou a incluir estatura das crian�as em suas pesquisas.
O Cren foi a primeira iniciativa no Brasil a combater a desnutri��o infantil com uma equipe de sa�de integrada interdisciplinarmente dentro de um modelo de centro de educa��o infantil. Al�m do atendimento em sa�de, comum a outros projetos, no Cren as crian�as seguem um processo efetivo de educa��o adequado � sua faixa et�ria, sendo inseridas em outra escola quando da alta do semi-internato.
Contrariando a tend�ncia de medicar, o carro-chefe do centro � a educar por meio de um m�todo hol�stico: n�o s� faz a consulta mas tamb�m realiza busca ativa com visitas domiciliares e oferece oficinas de capacita��o, envolvendo a fam�lia da crian�a para um impacto transformador no longo prazo. Outras institui��es que trabalham com desnutri��o infantil ou o fazem por meio de interna��o hospitalar -o que traz dificuldade na manuten��o do v�nculo m�e-crian�a internada- ou efetuam atendimento cl�nico, n�o educativo.
S�o v�rios os projetos inovadores elaborados pelo Cren. Em 2000, estruturou o projeto Creches, que implantou a educa��o nutricional em CEIs (Centros de Educa��o Infantil) em S�o Paulo, usando metodologia de oficinas pr�ticas. At� ent�o, a creche n�o se concebia como respons�vel por essa dimens�o do desenvolvimento da crian�a e, quando o fazia, fazia-o de modo te�rico, por meio de aulas e desenhos. As oficinas geravam o contato direto da crian�a com o alimento, de acordo com sua faixa et�ria. Esse m�todo atualmente � amplamente empregado em CEIs conveniados e municipais, segundo a organiza��o.
A metodologia de busca ativa de casos nas favelas e consequente acompanhamento dos casos de desnutri��o tem sido empregada nas capacita��es de profissionais de sa�de da rede p�blica. A principal inova��o nessas capacita��es � a supervis�o em campo.
Outro exemplo da aplica��o inovadora do m�todo foi o projeto de protagonismo juvenil realizado no norte de Minas Gerais chamado Eu Aprendi, Eu Ensinei. O trabalho envolveu adolescentes em a��es de combate � desnutri��o em comunidades carentes, realizadas como atividades interdisciplinares dentro do curr�culo das escolas. Foram envolvidos 11 cidades, 53 escolas, 850 professores e 16 mil alunos. A experi�ncia foi replicada em Alagoas.
Em 2002, em um projeto realizado em parceria com o BNDES, o centro lan�ou o �nico site do pa�s especializado em desnutri��o.
Reconhecido pela Unicef como "centro de excel�ncia e refer�ncia nacional para desnutri��o", o Cren se prepara agora para aplicar seu m�todo e inovar no combate a outro mal crescente nos dias atuais: a obesidade infantil.
Do or�amento anual atual de R$ 3,4 milh�es, 87% v�m de parcerias com o poder p�blico na esfera municipal, por meio de conv�nios com as secretarias de Sa�de, Educa��o e Participa��o e Parceria de S�o Paulo. O restante divide-se entre doa��es de pessoas f�sicas e jur�dicas e projetos incentivados. Uma pequena parcela (0,38%) origina-se da venda de produtos em bazares.
Embora comum a organiza��es sociais da �rea da sa�de, essa concentra��o traz consigo riscos inerentes � falta de diversifica��o das fontes de recurso, agravada pela concentra��o na esfera municipal, mais vol�til em termos de programas de governo -e cuja elei��o acontecer� em 2012.
Para minimizar tais riscos, a entidade conta com um fundo de reserva que soma atualmente R$ 190 mil.
Principais parceiros: ArcelorMittal, Central Nacional Unimed, EcoRodovias, Funda��o AVSI, Funda��o Ita� Social, Funda��o Tide A. Setubal, Instituto Ajinomoto, Instituto Carrefour, Instituto Pr�-Vida, Novo Nordisk Brasil, Sabesp, Secretaria Estadual de Assist�ncia e Desenvolvimento Social, Secretaria Municipal da Educa��o, Secretaria Municipal de Participa��o e Parceria (CMDCA e Fumcad) e Secretaria Municipal de Sa�de.
A atua��o do Cren j� beneficiou mais de 50 mil pessoas desde seu in�cio, segundo dados quantitativos e qualitativos devidamente registrados. Em 2011, as duas unidades somam o atendimento a 142 crian�as subnutridas, de 0 a 6 anos, em regime de semi-internato, e cerca de 2.000 crian�as e adolescentes com subnutri��o, sobrepeso e obesidade em regime ambulatorial.
Na Vila Jacu�, 60 adolescentes participam de programa que visa a educa��o cidad�, com uso de m�sica, leitura, teatro e rodas de conversa. No Telecentro de Inclus�o Digital, 2.363 pessoas est�o cadastradas (mais de 60% com menos de 18 anos).
Em rela��o ao total de atendimentos/procedimentos em 2010, tem-se:
- 3.262 atendimentos � comunidade (censo antropom�trico e atendimento multiprofissional);
- 7.326 atendimentos de ambulat�rio (m�dico, nutricional, social e psicol�gico, com crian�as e seus familiares);
- 6.346 atendimentos de semi-internato (m�dico, nutricional, social e psicol�gico, com crian�as e seus familiares);
- 670 atendimentos domiciliares;
- 1.167 atendimentos de grupo;
- 62.615 procedimentos de enfermagem;
- 82.358 refei��es servidas.
Os perfis variam de uma unidade a outra. Na Vila Mirand�polis, localizada em regi�o central, as fam�lias t�m renda familiar acima de tr�s sal�rios m�nimos, 30% apresentam problemas com �lcool e outras drogas ou conflito com a lei e 68% das m�es contam com presen�a do companheiro em casa. A maioria delas tem ensino m�dio completo e engravidou com idade entre 19 e 22 anos. Na Vila Jacu�, na periferia da zona leste, esses indicadores mudam respectivamente para um a tr�s sal�rios, 7% e 84%. Grande parte das m�es tem ensino fundamental incompleto e teve filho na faixa et�ria de 23 a 35 anos.
O forte embasamento cient�fico -a organiza��o surgiu de um projeto acad�mico da Unifesp, com quem mant�m v�nculo direto- � refletido em um m�todo exemplar de mensura��o de impacto, tanto quantitativo como qualitativo. Semanalmente, realizam-se estudos de caso para acompanhamentos individuais. Os resultados globais do servi�o s�o sistematizados e analisados anualmente em v�rias reuni�es por toda a equipe t�cnica. Um comit� t�cnico se re�ne mensalmente com respons�veis de cada �rea, com a participa��o de docentes da Unifesp, para discuss�o de metodologia e resultados parciais nas diferentes �reas de atua��o. Os resultados tamb�m s�o avaliados por meio de pesquisas cient�ficas, tendo originado dezenas de publica��es cient�ficas em revistas nacionais e internacionais.
Agora a institui��o trabalha para a estrutura��o do prontu�rio eletr�nico, a fim de integrar as �reas de nutri��o, pediatria e servi�o social, o que tamb�m facilitar� a elabora��o de relat�rios de presta��o de contas.
Os relat�rios avaliam o desempenho de todas as �reas, mas com foco nos impactos nutricional e m�dico das atua��es. As crian�as do hospital-dia obt�m recupera��o nutricional comprovada, com real ganho de m�sculos e ossos. H� recupera��o de anemia, controle de infec��es e melhora no desenvolvimento motor e cognitivo.
O percentual observado de melhora do IMC (�ndice de massa corporal) nos casos de excesso de peso v�o de 64% a 79%, variando por faixa et�ria, tempo de tratamento e n�mero de consultas.
Em pesquisa interna de avalia��o dos servi�os prestados, 89% dos respons�veis pelas crian�as afirmam ter sentido diferen�a no atendimento do Cren em rela��o aos demais servi�os p�blicos que utiliza, sendo a "aten��o dada" e a "explica��o da conduta e do diagn�stico" os principais diferenciais apontados. Para 83%, o atendimento do Cren os ajudou a lidar melhor com algum comportamento do filho (como limites com rela��o aos hor�rios para refei��es e dormir).
Os benef�cios perpassam os ganhos na sa�de dos atendidos. Como resultados das interven��es registrados, encontram-se mudan�as estruturais na fam�lia, como retorno aos estudos, manuten��o dos acompanhamentos psicol�gico e social, maior articula��o e aten��o aos direitos e deveres e coloca��o no mercado de trabalho. As crian�as mudam rotinas e h�bitos e adquirem responsabilidade e protagonismo. Os pais fortalecem o v�nculo com a comunidade, ganham responsabilidade, mostram maior empenho no tratamento e ressignificam a experi�ncia vivida.
O Cren surgiu como um projeto de extens�o da Unifesp sobre desnutri��o infantil que ganhou vida independente. Uma vez comprovada a efici�ncia de sua metodologia, o desafio passou a ser estend�-la para um servi�o ampliado. � nesse contexto que foi credenciado e conveniado com a Secretaria Municipal da Sa�de, tornando-se um centro de refer�ncia para preven��o e tratamento de dist�rbios nutricionais na cidade de S�o Paulo, sem restri��o de �rea de abrang�ncia.
Hoje conta com duas unidades prestadoras de servi�o -uma na Vila Mirand�polis, na zona sul de S�o Paulo, e outra na Vila Jacu�, zona leste. Mant�m ainda uma equipe de campo na periferia de Jundia� (SP) e, em parceria com a ONG Associa��o Nutrir e com recursos do BNDES, implantou outra unidade do Cren em Macei� (AL).
As a��es de forma��o profissional para difus�o da metodologia de preven��o e combate � desnutri��o, entre leigos e profissionais, permitem que sua atua��o se estenda em v�rios �mbitos, dentro e fora do pa�s. S�o v�rios os desdobramentos:
- 1997 -assessoria a projeto de combate � desnutri��o em Itapeva (SP) e a creche em Bras�lia (DF), em 1999;
- 2000 e 2010 -difus�o do m�todo Cren em semin�rios e implanta��o em obras sociais no M�xico (Campeche e Oaxaca);
- 2002 -implanta��o de centro de recupera��o nutricional nos moldes do Cren em creche em Lima (Peru);
- 2003 -capacita��o de equipes de entidades sobre m�todo Cren em Tegucigalpa (Honduras);
- 2004 -implanta��o de ambulat�rio de combate � desnutri��o no Centro de Orienta��o � Fam�lia, em Salvador (BA), e do projeto Eu Aprendi, Eu Ensinei em 11 munic�pios no norte de Minas Gerais;
- 2005 e 2009 -estrutura��o de projetos de combate � desnutri��o em Les Cayes e Port au Prince (Haiti);
- 2006 -replica��o do m�todo de busca ativa e promo��o de h�bitos de vidas saud�veis em creche do Rio de Janeiro;
- 2008 -forma��o de m�dico colombiano contratado da FAO para criar programa de combate � desnutri��o na Col�mbia e capacita��o no m�todo de busca ativa a equipes de sa�de e entidades locais no Jari (PA);
- 2008 e 2010 -capacita��o de entidades de assist�ncia no m�todo Cren em Maputo (Mo�ambique);
- 2009 -implanta��o do projeto Eu Aprendi, Eu Ensinei em 15 munic�pios no semi�rido de Alagoas.
- 2010 -execu��o do projeto Trans-Forma��o, de desenvolvimento de servi�os educacionais de utilidade p�blica voltados para a inf�ncia e a adolesc�ncia na cidade de Belo Horizonte com difus�o das metodologias em �mbito nacional (Bras�lia, Macap�, Manaus, Petr�polis, Salvador e S�o Paulo)
Academicamente, a organiza��o trabalhou em coopera��o com institui��es em Alagoas, Cear�, Minas Gerais, Rio de Janeiro e S�o Paulo, e internacionalmente com Argentina, EUA, Haiti, Inglaterra, �ndia, It�lia, Chile, M�xico, Peru.
O rigor cient�fico com que trabalha o Cren desde suas origens possibilitou � organiza��o compilar seus conhecimentos, iniciativas e resultados em documentos como planos de trabalho e plano pol�tico-pedag�gico e em artigos cient�ficos publicados nacional e internacionalmente.
Conforme visto no item anterior, o m�todo desenvolvido pelo Cren j� foi replicado para dezenas de cidades no Brasil e no mundo. Isso se deve sobretudo ao fato de os processos estarem adequadamente sistematizados.
Em 2002, com recursos do BNDES, o centro lan�ou a cole��o e o portal Vencendo a Desnutri��o, que sistematizou todo o processo de diagn�stico e interven��o na desnutri��o prim�ria, nos v�rios �mbitos poss�veis. Em portugu�s e ingl�s, o site � o �nico especializado em desnutri��o (www.desnutricao.org.br) no pa�s.
A cole��o � composta de sete livros, 17 f�lderes e um v�deo, dispon�veis para download no portal. Os livros foram traduzidos para o espanhol e atualmente um deles est� sendo traduzido para o franc�s com vistas � publica��o no Haiti. Mais de 10 mil c�pias dos livros foram impressos e distribu�dos e um milh�o de downloads foram feitos no portal.
O Cren tamb�m desenvolveu, em parceria com a Funda��o Avsi, da It�lia, um projeto de e-learning com 32 Centros de Educa��o Infantil em cinco polos (Belo Horizonte, Bras�lia, Rio de Janeiro, Salvador e S�o Paulo). A Avsi � o maior apoiador nesse processo e investe na coopera��o t�cnica para a descri��o da metodologia do Cren com o objetivo de difundi-la como refer�ncia para seus projetos em todo o mundo.
Consciente de que o tema desnutri��o infantil necessita do poder p�blico para ser trabalhado em escala sist�mica, a empreendedora social tem em seu curr�culo longo hist�rico de influ�ncia em pol�ticas p�blicas e trabalho com parcerias governamentais nas tr�s esferas por meio do Cren.
A primeira parceria se d� por meio de contratos de assessoria e conv�nios de presta��o de servi�os. A entidade � um centro de refer�ncia em nutri��o para crian�as e adolescentes. Tamb�m realiza capacita��o do PSF (Programa de Sa�de da Fam�lia) para diagn�stico e interven��o de dist�rbios nutricionais prim�rios. Em S�o Paulo, efetua conv�nios via Fumcad (Fundo Municipal dos Direitos da Crian�a e do Adolescente), pela Secretaria de Participa��es e Parcerias, para implanta��o e manuten��o de um telecentro em Vila Jacu�. Em Macei�, oferece assessoria para avalia��o do Programa de Distribui��o do Leite no Estado de Alagoas.
Outro canal importante s�o as discuss�es t�cnicas promovidas pelo IEA-USP (Instituto de Estudos Avan�ados), pelo qual foi convidado a lan�ar o grupo de Nutri��o e Pobreza com o objetivo de discutir metodologias e pol�ticas p�blicas de combate � desnutri��o e � pobreza. Entre as atividades do grupo destacam-se a realiza��o de um simp�sio, tr�s oficinas e duas confer�ncias, al�m da participa��o em confer�ncia do Consea (Conselho Nacional de Seguran�a Alimentar e Nutricional) e em sess�o do Comit� Permanente de Nutri��o da ONU e da publica��o de v�rios artigos. Em todos os eventos, membros da universidade, da sociedade civil e do governo foram convidados, visando ao debate sobre programas e pol�ticas p�blicas.
Desde 2000, o Cren debate com o MDS (Minist�rio do Desenvolvimento Social) a necessidade de realizar busca ativa das crian�as desnutridas nas regi�es mais pobres do Brasil, incluindo o indicador estatura/idade nas avalia��es. Ap�s os semin�rios de 2005 ("Diagn�stico e Solu��es dos Problemas Alimentares e Nutricionais no Brasil: Formando Parcerias") e de 2006 ("Educa��o para a Nutri��o e para o Combate � Pobreza") realizados pelo IEA, o governo federal lan�ou editais para a realiza��o de avalia��es nutricionais no Nordeste, especialmente no semi�rido, e para a reformula��o de toda a merenda escolar. Incluiu-se oferecimento de alimentos a estudantes de ensino m�dio, problema que havia sido evidenciado pelo Cren com o projeto Eu Aprendi, Eu Ensinei, em escolas de ensino m�dio no norte de Minas Gerais. Hoje � reconhecida pelo governo federal a necessidade de mensurar estatura para identificar a desnutri��o prim�ria no Brasil.
O centro conta com v�rios outros exemplos de impacto em pol�ticas p�blicas em sua �rea de atua��o:
- em 2002, lan�ou o site e a cole��o Vencendo a Desnutri��o, com recurso do BNDES. O projeto foi na �poca o maior financiamento a fundo perdido oferecido a uma ONG, por "possuir a melhor metodologia e condi��es t�cnicas e de gest�o";
- por meio de um curso de especializa��o ministrado pelo Cren e certificado pela Unifesp, foi proposto a gestores de sa�de fazer censo antropom�trico nas campanhas de vacina��o. O munic�pio de Jandira (Grande S�o Paulo) aplicou o m�todo em 1.600 crian�as e adolescentes, descobrindo alt�ssimos n�veis de desnutri��o. A a��o-piloto fez com que o prefeito estruturasse todo um projeto de combate � desnutri��o na cidade que, por ter sido lan�ado no mesmo ano do programa Fome Zero, recebeu na cidade o nome de Desnutri��o Zero;
- conforme antes mencionado, a criadora do PSF (Programa Sa�de da Fam�lia) fez est�gio no Cren e, segundo a organiza��o, idealizou o programa a partir dessa experi�ncia;
- em S�o Paulo, foi realizado em 2000 o projeto Creches, que implantou a educa��o nutricional em centros de educa��o infantil, usando a metodologia de oficinas pr�ticas, hoje amplamente empregado em CEIs conveniados e municipais.
O foco atual de atua��o � para que a vigil�ncia nutricional seja efetivamente implantada no �mbito do PSF e que se estenda a crian�as at� seis anos de idade.
A atua��o do Cren � baseada em cinco princ�pios fundamentais. Mais do que filosofias ou ideologias, s�o aplicados em todas as suas atividades e repetidos frequentemente pela empreendedora social. S�o eles:
1 - centralidade da pessoa
Todo atendimento no Cren tem a inten��o de criar uma cultura de responsabilidade e n�o deseja apenas agir "sobre" as estruturas carentes. Para isso acontecer, aponta a empreendedora social, devem-se manter vivos os anseios fundamentais e inalien�veis, tamb�m chamados de significado �ltimo da vida de cada pessoa, a raiz de suas escolhas e da busca da felicidade pessoal.
O foco fundamental � a pessoa como motor de um processo de desenvolvimento. A organiza��o acredita que, sem estimular a liberdade e a criatividade, n�o existe desenvolvimento duradouro. Mesmo tendo foco na nutri��o, parte de uma escuta qualificada e um compartilhamento e endere�amento de todas as necessidades da pessoa/fam�lia, estimulando suas iniciativas e capacidade de resposta �s dificuldades. As a��es educativas utilizam-se de t�cnicas acess�veis e correspondentes a seus desejos e necessidades (das crian�as aos adultos).
2 - valoriza��o da liberdade
O centro entende a liberdade como "a energia vital que d� sentido � vida e que abre o ser humano � possibilidade de lutar e se mover positivamente em qualquer circunst�ncia". Assim, tendo em vista uma interven��o que n�o queira ser tutelar e assistencialista e provocar apenas depend�ncia, deve procurar valorizar a liberdade das pessoas, o que se d� no Cren por meio dos tr�s �ltimos princ�pios fundamentais.
3 - partir do patrim�nio presente (positivo) na realidade em que se quer intervir
Antes de partir do que falta ou da vulnerabilidade da comunidade a ser atendida, o Cren busca conhecer o que j� existe -quais as estrat�gias de sobreviv�ncia que as pessoas atendidas t�m realizado com relativa efici�ncia. "Cada pessoa, ainda que seja pobre, representa uma riqueza." A interven��o procura valorizar e fortalecer o que as pessoas t�m constru�do -o tecido social e o conjunto de experi�ncias que constituem o seu patrim�nio de vida, fatores que influenciam diretamente o sucesso da interven��o no longo prazo e sua efetividade.
4 - "fazer com" -identificar as necessidades, individuar as solu��es e construir junto com a popula��o atendida a mudan�a almejada
A empreendedora social acredita que um projeto "ca�do do c�u" � violento porque n�o conta com a participa��o de quem deve ser o sujeito da a��o e n�o mero objeto ou � ineficaz na medida em que fica restrito somente ao assistencial.
5 - garantir recursos, forma��o e educa��o, entre outros fatores, para o desenvolvimento dos corpos intermedi�rios e constru��o de parcerias
Realizar um projeto de desenvolvimento significa para a institui��o favorecer as possibilidades de agrega��o e associativismo, reconhecer e valorizar a constitui��o de corpos sociais intermedi�rios, como tamb�m de um tecido social rico de participa��o e de corresponsabilidade.
Empiricamente, esse m�todo permitiu ao Cren estabelecer um v�nculo de confian�a e relacionamento est�vel com as fam�lias atendidas no decorrer do tempo, o que at� ent�o era tido como improv�vel com grupos populacionais em situa��o de exclus�o social -caracter�stica das fam�lias de crian�a desnutridas. Conquistou a perman�ncia no tratamento e, como consequ�ncia, a recupera��o de estatura dessas crian�as, fator considerado imposs�vel na literatura cient�fica nacional e internacional.
As duas unidades do Cren em S�o Paulo, mais os centros de refer�ncia replicados (como em Macei� e no Peru), atendem nas seguintes modalidades:
Atendimento na comunidade: a crian�a � inicialmente atendida na pr�pria comunidade em parceria com os profissionais do Programa de Sa�de da Fam�lia treinados pelo Cren, que fazem censo antropom�trico. As fam�lias s�o convidadas a comparecer a um local escolhido por integrantes da comunidade. Nesse encontro verifica-se o cart�o de vacina��o da crian�a e mensuram-se estatura e peso, orientando a fam�lia sobre as condi��es de sa�de e estado nutricional da crian�a. Caso a crian�a (ou o adolescente) apresente quadro de desnutri��o ou obesidade ex�gena, � encaminhada para atendimento em ambulat�rio. O Cren tamb�m oferece forma��o a profissionais, agentes comunit�rios e outras pessoas vinculadas � comunidade que prestem atendimento a crian�as.
Ambulat�rio: a crian�a � atendida individualmente em consultas cl�nicas, nutricionais, psicol�gicas e de assist�ncia social, al�m de participar de atividades grupais e atendimento domiciliar, com a presen�a de educador f�sico.
Semi-internato (hospital-dia): oferecido � crian�a desnutrida com at� cinco anos. O atendido permanece na institui��o de segunda a sexta-feira, das 7:30 �s 17:30, separado em grupos de acordo com a faixa et�ria, visando � sua plena recupera��o nutricional. Recebe cinco refei��es di�rias, atendimento em sa�de e psicologia (quando necess�rio) e desenvolve atividades psicopedag�gicas (oficinas) de educa��o nutricional.
As oficinas foram desenvolvidas por pela �rea de nutri��o com aux�lio da pedagogia com o objetivo de melhorar a aceita��o de alimentos pelas crian�as, possibilitar seu acesso, diminuindo a inseguran�a alimentar, e ampliar o conhecimento sobre os alimentos e suas prepara��es. As receitas s�o selecionadas por nutricionistas respeitando crit�rios como manipula��o pelas crian�as, valor nutricional, alimentos comumente rejeitados por crian�as e n�vel de dificuldade para prepara��o da receita.
No desenvolvimento das oficinas as crian�as exploram conte�dos interdisciplinar -linguagem oral e escrita, matem�tica, alimenta��o e cultura geral. Tamb�m tornam-se para os pais um ve�culo de transmiss�o das informa��es recebidas.
Paralelamente, como parte integrante do tratamento da crian�a, o Cren oferece �s fam�lias atendimento psicol�gico, com "espa�o de escuta", e visita domiciliar -importante tamb�m aos profissionais e estagi�rios que, em contato com a popula��o, levam um olhar diferenciado a seus atendimentos futuros. Tamb�m realiza oficinas diversas a fim de refor�ar o v�nculo intrafamiliar, como aulas culin�rias comunit�rias realizadas pelas pr�prias m�es, oficinas na casa da fam�lia na hora do almo�o, forma��o degrupos de obesos e gestantes etc.
DEPOIMENTOS
"Tive sete filhos e nunca vi a desnutri��o neles. A imagem que temos de crian�as desnutridas � daquelas magrinhas da �frica. A gente nunca imagina que aquilo pode estar acontecendo com um filho.S� comecei a ter ideia de que havia algo errado depois de uma interna��o do Jackson [o mais novo, hoje com 8 anos]. Ele havia nascido com 3,5 kg e, tr�s meses depois, estava com 3,1 kg. Eu n�o enxergava -amamentava e, na minha cabe�a, fazia tudo direito.
Viv�amos em hospitais por causa da bronqueolite [inflama��o viral dos bronqu�olos, tecido pulmonar]. Quando os m�dicos quiseram entub�-lo, pensei: perdi meu filho. Ele estava em fase terminal. Foi um m�s e 18 dias internado e com passagem pela UTI. L�, um m�dico me falou sobre o Cren.
Levei o Jackson e o Julio Cesar [que hoje tem 9 anos] ao Cren. Os dois estavam desnutridos. Eu vinha com os dois nos bra�os, ainda muito pequenos, pegando �nibus e metr� lotados. Deixava os dois no Cren e sabia que eles seriam cuidados. Que receberiam comida e aten��o.
Mas foi uma recupera��o lenta. Eles me ensinavam o que fazer, chegavam a encher a paci�ncia, mas muitas vezes eu n�o tinha como cumprir. Foi um per�odo dif�cil, em que eu apanhava. Meu ex-marido me batia na boca. Sem dentes, ele dizia, ningu�m olharia para mim. Eu tinha desgostado de mim. Trabalhava catando lixo e meu marido n�o me ajudava. Sustentava a casa e a fam�lia com R$ 800.
Uma vez, a coordenadora me chamou. Disse que mandaria uma carta para o juiz para tirar de mim a guarda do Jackson. Ela foi dura e me perguntou: como voc� explica que ele volte mais magro do que saiu daqui em menos de um dia? Foi preciso.
Mas eles n�o cuidavam s� dos dois. Eu tamb�m recebia aten��o -n�o viravam a cara para mim. Quando precisei de mais suporte, eles me deram. Quando decidi pela separa��o, todos me ajudaram. Eu tinha muito apoio, gostava de vir. Nos encontros com os pais, eu n�o me soltava. At� que um dia pensei: por que s� eu vou ficar muda? Falei e me senti segura.
Levaram meus filhos e eu ao [parque de divers�es] Playcenter e tive curso de culin�ria. Aprendi a fazer pratos diferentes e passei a me olhar de outra forma. Eu me separei, e o Julio Cesar recebeu alta da semi-interna��o dois anos depois. Hoje trabalho na limpeza do Instituto do Sono [ligado � Unifesp].
O Jackson � uma joia rara - n�o vive mais no hospital, mas ainda n�o est� recuperado. Ele deve receber alta daqui a pouco."
MARIA PAULA BARBOSA, 38, ajudante de servi�os gerais