Cientista pol�tico leva boas pr�ticas de gest�o p�blica aos rinc�es do Brasil
Aos 13 anos, Sergio Andrade descobriu com o Plano Collor como a condu��o das pol�ticas p�blicas impacta a vida de todos.
As duras medidas econ�micas, que inclu�am confisco da caderneta de poupan�a e foram baixadas pelo ent�o presidente Fernando Collor em 1990, abalaram o pa�s e mudaram at� mesmo a rotina de um menino, como ele, nascido na zona rural de Pouso Alegre (MG).
"De repente ficamos sem nada. Foi um per�odo muito dif�cil, deixamos de produzir e passamos a plantar apenas para subsist�ncia. Foi um divisor de �guas", relata.
Filho de fazendeiros, ele estudou at� o 5� ano em uma escola da zona rural. Tr�s anos depois de vivenciar as graves consequ�ncias de mais um plano econ�mico, o adolescente mineiro, impulsionado pela m�e, foi trabalhar como cont�nuo na prefeitura. "No meu primeiro emprego vi as dores e as del�cias do setor p�blico."
Teve "aulas pr�ticas" sobre os interesses que movem a pol�tica, conheceu os puxa-sacos. Passou pelo departamento de �guas, de IPTU e parou no de ISS da administra��o pouso-alegrense.
Mal sabia ele que duas d�cadas depois, voltaria a trabalhar em prefeituras, agora como consultor.
Cientista pol�tico formado pela USP, Andrade hoje desembarca em munic�pios como Barro Alto (GO), a 225 km ao norte de Goi�nia, no papel de diretor executivo da Agenda P�blica.
A OSCIP (Organiza��o da Sociedade Civil de Interesse P�blico) tem como objetivo aprimorar a gest�o p�blica, a governan�a e incentivar a participa��o social em localidades impactadas por grandes obras. "A chegada de um grande empreendimento pode representar uma oportunidade ou ser um grande desafio para os munic�pios", afirma Andrade. "H� um aumento na demanda pelos servi�os p�blicos na sa�de, na educa��o, no saneamento, na assist�ncia social e no ordenamento da pr�pria cidade."
CARTA BRANCA
No pacato munic�pio goiano de 8.700 habitantes, Andrade � recebido pelo prefeito, Geraldo Martins (PT), um servidor p�blico aposentado que diz ter se embrenhado na pol�tica por ideal e doa integralmente o sal�rio de prefeito (R$ 13.500) para a constru��o de habita��es populares.
Doutor Geraldo, como � conhecido, deu carta branca para que os "forasteiros" da Agenda P�blica o ajudassem a pensar a administra��o de Barro Alto.
A ONG desembarcou no munic�pio h� cinco anos gra�as a uma parceria com a mineradora Anglo American, que extrai 41 mil toneladas por ano de n�quel em seus arredores.
O contrato foi mais uma oportunidade de Andrade trabalhar nessa tens�o entre poder p�blico, setor privado e demandas sociais. "De um lado, o Estado incompleto, que precisa melhorar suas capacidades t�cnicas. De outro, a iniciativa privada investindo em projetos pontuais. E no meio, a sociedade civil com suas demandas", explica.
Nesse meio de campo era preciso fazer um diagn�stico da situa��o do munic�pio e estabelecer metas de longo prazo e sanar uma d�vida de R$ 17 milh�es da prefeitura.
Com a ajuda da equipe da Agenda P�blica, que atua in loco, foram alocados recursos em �reas priorit�rias, como sa�de e educa��o. Os acordos com o Governo Federal viabilizaram o acesso a quase R$ 1,2 milh�o em conv�nios, no per�odo de 2012-2015.
Com as contas em dia, a prefeitura tamb�m passou a usar estrategicamente os recursos advindos da extra��o de min�rio.
Foi essa equa��o que possibilitou, por exemplo, a reabertura da maternidade municipal, com uma contrapartida de R$ 2 milh�es da Anglo American.
PARTO DISTANTE
H� mais de uma d�cada, as gestantes da cidade tinham de se deslocar para outras localidades para dar � luz e fazer o pr�-natal.
Na madrugada de 23 de setembro de 2014, a dona de casa Dejane Borges, 34, sentiu as dores do parto de sua terceira filha. Moradora da zona rural de Barro Alto (GO), a inten��o era ir para Goi�nia, a 224 km de dist�ncia.
Mas a fam�lia acabou reinaugurando a maternidade. Tayn� Borges do Prado foi o primeiro beb� a nascer em Barro Alto depois de 12 anos. "O trabalho de parto foi t�o r�pido que n�o teria dado tempo de chegar a lugar nenhum", lembra a m�e.
Os outros dois filhos de Dejane e do vaqueiro Nilson Prado, 44, n�o s�o barroaltenses. "Muita coisa mudou por aqui. Agora temos maternidade, pediatra e vacina��o", comemora Dejane, que nunca tinha ouvido falar da Agenda P�blica.
Na casa avarandada do s�tio, a dona de casa descobriu que a reativa��o da maternidade fez parte de uma s�rie de iniciativas elaboradas pela organiza��o da sociedade civil em parceria com a prefeitura local, com base em consultas � popula��o.
"As pessoas sacam o que est� em jogo", pontua Andrade. "� diferente quando voc� se compromete genuinamente com a solu��o de um problema, com o olhar de longo prazo."
Uma consci�ncia de empreendedor social foi sendo moldada quando, aos 23 anos, rec�m-entrado na USP, ele come�ou a desbravar o Brasil profundo.
Contratado para uma consultoria cujo cliente era a Vale, Andrade conheceu a crueza gerada pela falta de acesso a direitos nas localidades em que a mineradora atuava. "Nunca me esque�o da serragem vermelha do monumento dos Sem-Terra para homenagear os mortos em Eldorado dos Caraj�s", afirma, referindo-se ao massacre de 1996 que resultou em 19 mortos no conflagrado no sul do Par�. "Vi que o problema s� poderia ser resolvido por meio de pol�ticas p�blicas."
Um bom exemplo � ver que o planejamento das contas p�blicas em Barro Alto permitiu tamb�m que os filhos de dona Dejane em idade escolar contassem com transporte. Aluna do 8� ano, Kawany,13 anos, pega a Kombi na porta de casa todos dias �s 5h30, para chegar �s 7h � escola p�blica que fica na cidade.
� um relato que leva Andrade de volta � sua inf�ncia em Minas. Ele dependia do pai para lev�-lo de carro �s aulas, a 12 km de dist�ncia, quando precisou deixar a escola rural para continuar os estudos em Pouso Alegre.
Mas a lida paterna no campo muitas vezes fazia com que perdesse a hora. O cientista pol�tico se recorda de um epis�dio quando tinha 12 anos. Aluno aplicado, ele ficou bravo com mais uma falta iminente e decidiu ir � escola de qualquer jeito. Foi caminhando. "Eu queria pegar uma carona, mas n�o consegui", lembra Andrade. A escapada causou alvoro�o na fam�lia. "Quando me encontraram, meu pai chorava ao volante. Nunca mais fugi."
Cinco anos depois, ele ganhou asas e foi para Belo Horizonte trabalhar em um banco. De l� se transferiu para Curitiba, onde estreou como produtor cultural. Quando se mudou para S�o Paulo foi trabalhar em uma produtora e teve contato com artistas como o diretor e ator Antonio Abujamra (1932-2015). "Ele me chamava de velho", recorda-se Andrade.
Aos 38 anos, ele diz que aprendeu a ser mais leve e a se divertir mais, mesmo na pele de um empreendedor social que escolheu a �rdua tarefa de fortalecer as pol�ticas p�blicas.
Para tanto, conta com a qualidade dos velhos pol�ticos mineiros. "Sou bom de costura, conciliador."