Com as sequelas da pandemia de covid-19 praticamente dissipadas, a previdência privada volta a apresentar bons resultados em termos de captação, rentabilidade dos ativos e crescimento dos investidores. Só que, agora, dentro de um novo marco regulatório que gestores e analistas consideram atrativo do ponto de vista do poupador e positivo para o crescimento do mercado.
“Olhando para trás, para o comportamento dos clientes da previdência privada, o setor mostrou resiliência na pandemia, com todas as consequências socioeconômicas, preservando um nível de captação líquida positiva, ainda que reduzida, e até algum crescimento em quantidade de participantes”, avalia o presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), Edson Franco.
Nos últimos 12 meses, até fevereiro de 2024, o resultado acumulado indica um crescimento de 11,7% nos prêmios e contribuições, superando os R$ 176 bilhões. A captação líquida cresceu 48,9% no período, somando 49,4 bilhões. Os resgates subiram 1,8%, abaixo da inflação no período, totalizando R$ 126,8 bilhões.
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Dados da entidade mostram um início de ano promissor: a arrecadação dos planos de previdência privada aberta somou R$ 31,2 bilhões no primeiro bimestre de 2024, uma alta de 23,9% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto os resgates somaram R$ 21,4 bilhões, com queda de 1,6% sobre janeiro/fevereiro de 2023, o que resulta numa captação líquida de R$ 9,8 bilhões no bimestre, com alta de 185,1% em relação ao primeiro bimestre de 2023.
A base baixa do ano passada explica em parte tal desempenho: janeiro e fevereiro viram o colapso das Lojas Americanas e da Light, que compunham parte significativa das carteiras de muitos fundos previdenciários. Além disso, a rentabilidade de fundos multimercados e de renda variável sofreu com a aversão ao risco e eles perderam atratividade, comparativamente aos de renda fixa, como explicam o CEO da Valora Investimentos, Daniel Pegorini, e Francisca Brasileiro, sócia e diretora de investment solutions da TAG Investimentos.
Pegorini também ressalta o movimento de migração de investidores motivado por novas regras tributárias. “Quando os fundos exclusivos deixaram de ser isentos do come-cotas, vários foram transformados em programas de previdência ao longo do ano passado e começo deste ano, e os que não foram transformados, parte foi fechada e os investidores acabaram indo para o regime previdenciário porque este apresenta uma equação fiscal de longo prazo melhor em relação àqueles fundos”, detalha Pegorini, acrescentando a esse movimento migratório as novas regras para emissão de certificados imobiliários e agrícolas, conhecidos pelas siglas CRI e CRA.
“Começamos o ano com um forte rally, muito por conta da tributação dos fundos exclusivos. A demanda já diminuiu um pouco, mas ainda temos visto uma procura grande pelos investimentos em previdência de forma geral, tanto na parte da família quanto do lado corporativo”, diz Brasileiro, apontando para o crescimento da previdência complementar dos servidores públicos. “Depois que caiu a previdência pública integral, é o segmento que mais cresce em termos de patrimônio: a cada dia a gente ouve falar de novos municípios adotando essa previdência.”
Paralelamente, o novo marco regulatório que instituiu a adesão automática à previdência das empresas tende a ser um impulsionador do crescimento dos participantes. “É comprovado em outros países, notadamente da Europa, que [adesão automática] aumenta cerca de 30% a participação, e isso deve acontecer também no Brasil”, frisa Brasileiro.
Segundo o diretor da área de previdência da consultoria Mercer Brasil, Thiago Calçada, apenas 10% da população brasileira entre 20 e 64 anos possui hoje previdência privada. O Brasil, afirma ele, enfrenta obstáculos similares aos países da América Latina e comunga os desafios dos sistemas de seguridade social ao redor do mundo com o crescente aumento da longevidade, bem como patamares mais elevados de inflação observados nos últimos anos
“A solução poderia envolver, além do incremento do nível de contribuição, um sistema onde a solvência focasse mais em mecanismos de formação de poupança de longo prazo”, sustenta Calçada. “Qualquer solução estrutural deve focar além do binômio paramétrico [valor do benefício x idade de aposentadoria], abordar outros itens, como forma de financiamento, nível de benefício da população abrangida, incentivo a previdência complementar”, diz.