Correção: Ao contrário do reportado, Fernando Torelly, CEO do Hcor, disse que é comum que as operadoras negociem reajustes inferiores à variação do IPCA. Ele não defende a negociação de reajustes abaixo da inflação.
A crise nas operadoras de convênios de saúde, com prejuízo operacional de R$ 10,7 bilhões em 2022, vem atingindo as contas e os planos de investimento dos hospitais privados, afetados por aumentos no prazo de pagamento, questionamentos de faturas e descredenciamento de serviços. A avaliação é do diretor-executivo da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp), Antônio Britto.
“A falta de dinheiro em caixa e os juros altos estão provocando adiamento generalizado de investimentos em equipamentos e novas instalações”, diz Britto. É o caso do Hcor, em São Paulo. Segundo seu CEO, Fernando Torelly, a instituição adiou a construção de um novo bloco com 210 leitos, orçada em R$ 400 milhões e com início originalmente previsto para 2024.
“Decidimos só começar as obras depois de negociarmos o credenciamento das operadoras para o novo bloco”, diz Torelly. O motivo da cautela são os frequentes descredenciamentos seletivos. “De um dia para o outro, somos descredenciados para realização de determinados tipos de exames para planos interessados em cortar custos. Isso afeta nosso caixa e também os pacientes, que tinham todo histórico de exames conosco”.
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Segundo Torelly, é também comum que as operadoras negociem com os hospitais reajustes inferiores à variação do IPCA. Os repasses têm ficado em torno de 70% da inflação. O questionamento das contas apresentadas também é frequente. “Em média 60% do que é questionado pelos planos acaba sendo pago, mas com atraso entre 150 e 200 dias”, conta o executivo do Hcor.
Segundo a Anahp, as glosas (recusa nos pagamentos) subiram em média de 3,7% da receita líquida dos hospitais em 2021 para 4,5% em 2022. No mesmo período, o prazo médio de pagamento aumentou de 68,5 dias para 73,5 dias. “Os planos estão usando nosso fluxo de caixa para resolver o deles”, diz Britto. “Mas não adianta cada um só pensar em salvar a própria pele. Seria necessário buscar soluções envolvendo toda a cadeia de saúde, governo e Agência Nacional de Saúde Suplementar [ANS ]”.
Entre possíveis soluções para o futuro, Britto menciona a flexibilização dos planos, com opções de cobertura exclusivamente hospitalar ou ambulatorial. Outra opção são planos com franquia. O executivo também defende o modelo adotado em países da Europa, em que cabe a um médico de família encaminhar os pacientes a especialistas e hospitais. “Assim há alguém com todo o histórico do paciente, que pode ajudá-lo a não dar passos errados, como, de um lado, procurar hospitais para gripezinhas e, de outro, deixar de fazer exames preventivos, aumentando o risco de doenças futuras”.
A diretora-executiva da Federação Nacional da Saúde Suplementar (FenaSaúde), Vera Valente, concorda. “Precisamos de soluções que visem o uso racional dos recursos dos planos de saúde e promovam eficiência operacional”, diz. Segundo a entidade, entre 2021 e 2022, as receitas das operadoras cresceram 5,6%, enquanto as despesas aumentaram 11,1%. Neste cenário, o setor está no vermelho por sete trimestres consecutivos.
“Os desperdícios são um ralo de recursos”, diz Valente. Em sua opinião, a remuneração aos hospitais por serviço prestado agrava o problema por incentivar procedimentos e exames desnecessários. “É um modelo criticado em vários países por remunerar o hospital por suas compras, independentemente dos esforços em comprar bem”, diz a professora da FGVsaúde, Ana Maria Malik. Conforme as executivas, modelos alternativos podem incluir a remuneração por pacotes com materiais e procedimentos predeterminados, como ocorre com os partos ou com o pagamento baseado nos resultados obtidos para os pacientes.
Para a FenaSaúde, a crise do setor é agravada pelos constantes acréscimos à lista de novos medicamentos e tratamentos de cobertura obrigatória, definida pela ANS, especialmente depois de março de 2022, quando o prazo para avaliação de itens adicionados caiu de 18 meses para 180 dias (prorrogáveis por mais 90). “Nós fazemos nossos cálculos atuariais com base no rol existente, mas novas tecnologias que encarecem tratamentos em milhões surgem a todo momento”, diz Valente. Outro problema citado pela executiva são fraudes.