A necessidade de investimentos em saúde, que passa pela adoção de novas tecnologias e rearranjos que garantam eficiência para as empresas, vem chamando a atenção dos fundos de private equity (PE). Houve números recordes em 2021, mas que em 2022 não se sustentaram, pressionados por arrefecimento da economia, aperto monetário e preços dos ativos em alta.
Indefinições sobre arcabouço fiscal e reforma tributária, alta alavancagem de empresas e os juros a 13,75%, além da alta sinistralidade dos planos de saúde, que bateu em 89,21%, frearam também as fusões e aquisições do setor. Só houve 17 negócios nos quatro primeiros meses do ano, queda de 37,4% em relação ao mesmo período de 2022, segundo a PwC Brasil.
Esse desaquecimento, para analistas, não reduz a necessidade de investimentos no setor, considerado resiliente e com boas oportunidades, e tampouco o interesse dos gestores de PE. O segmento hospitalar pode atrair aportes com foco nas pequenas e médias unidades e fora do eixo Rio-São Paulo. “Os acordos tiveram retração, mas sobre uma base muito alta de 2021. A atratividade se mantém, agora com uma seleção mais rigorosa dos ativos”, afirma Luiza Mattos, sócia da Bain & Company e líder das práticas de saúde e customer experience na América do Sul.
A consultoria aponta que em 2022 foram movimentados US$ 89 bilhões em saúde no mundo - inclui PE e fusões e aquisições -, 41% a menos que em 2021. No país o movimento segue na mesma direção, conforme recorte da Bain & Company a pedido do Valor apenas com dados públicos dos fundos PE. Os fundos aportaram US$ 500 milhões em saúde - novos negócios e follow on - em 39 operações no ano passado, contra US$ 3,2 bilhões de 2021. “Quando separamos o segmento de provedores e serviços relacionados, onde estão hospitais, foram 14 operações em 2022, sendo quatro em hospitais, que movimentaram US$ 181 milhões, também recuo sobre 2021 com uma maior seletividade dos fundos”, explica Mattos.
A executiva acrescenta que, em 2022, houve aumento na relevância de alvos menores e que atuam em novos modelos assistenciais, como atendimentos primários ou baseados em tecnologia, diferente dos aportes de relevância dos anos anteriores, como Grupo Oncoclínicas, Kora e Mater Dei. Ela diz que operações de compra de serviços de diagnóstico por hospitais, ou associação a convênios, estão no radar, mas salienta que é preciso ver como a economia caminhará.
O Pátria Investimentos já tem histórico de aportes em saúde. O setor consumiu, segundo Norberto Jannuzzi, sócio e head of health, 50% do orçamento utilizado pela área de PE. Os seus três primeiros fundos já foram totalmente desinvestidos - quando saem do empreendimento e retornam o capital aos cotistas - e dois estão em fase de investimento. O Pátria, embora não informe valores, tem um dos cases de sucesso em hospitais dentro da tendência de busca por escala, verticalização e aposta em regiões menos assistidas.
Januzzi destaca o potencial de crescimento do setor, já que só 25% da população tem plano de saúde. “O Brasil atrai muito player global, o que é importante no momento de desinvestimento dos fundos”, diz. O executivo acrescenta que o país tem, na média, 2,2 leitos por mil habitantes, abaixo do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de 3 por mil, e quase a metade menos do que a média dos países desenvolvidos (5 por mil). “Os mercados que investimos no Brasil são os mais carentes, que precisam de recursos”.
O custo de crédito é citado por Roberto Haddad, sócio e líder de private equity da KPMG no Brasil, como um fator importante na perspectiva dos fundos. “Com juro alto e custos de saúde pressionando, vejo ainda mais oportunidades. O dono da empresa ou toma um empréstimo nos bancos ou aceita a participação de um sócio, via fundos”, diz. Para Haddad, o momento é de atratividade para o setor hospitalar, que demanda gestão e escala, atributos que os fundos geralmente emprestam aos negócios. “Ainda tem muito hospital menor nas mãos de médicos. A eficiência operacional de um de grande porte, quando comparada à de uma unidade pequena ou média, é muito maior.”
A média de leitos por hospital no Brasil hoje é de 78, segundo Luis Fernando Joaquim, sócio e líder de life sciences e health care da Deloitte. Para que o hospital tenha eficiência e escala e seja rentável, diz, o ideal é ter no mínimo 150 leitos. “Há muito mercado a ser consolidado”, afirma.
O setor é muito fragmentado no país. São mais de 7.000 hospitais, entre públicos, filantrópicos e privados, segundo a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde). Como comparação, o maior grupo, a Rede D’Or, tem 70 hospitais, menos de 1% do total.
Analistas esperam fusões e aquisições para o fim do ano, se os juros caírem. “A busca é por ativos com marcas consolidadas e de especialidades”, diz Igor Batista, sócio da JK Capital. “Hoje tem boom de empresas buscando compradores e poucas companhias querendo comprar. Os ativos estão ficando mais baratos”, afirma Leonardo Dell’Oso, sócio da PwC Brasil.
Grandes grupos vêm mapeando ativos que podem compor seus portfólios e retomando a busca por capital. “Muitas empresas estão se preparando para follow-on e leaseback [venda e aluguel de volta do ativo para levantar capital]. O plano de captação de recursos da Hapvida entre abril e maio foi de R$ 2,45 bilhão”, afirma Joaquim.