Exercícios de Português
Exercícios de Português
Exercícios de Português
Instituto de Fsica
Instituto de Qumica
Instituto de Biocincias
Faculdade de Educao
So Paulo
2008
AGRADECIMENTOS
Acredito que no existem trabalhos ou pesquisas, em que o pesquisador, ou aluno,
no tenha, deixado de participar de alguns momentos com a famlia ou amigos. O tempo no
suficiente para tudo. Esse trabalho tem um pouco do carinho, da pacincia, da participao
e da torcida, direta ou indiretamente, de parentes e amigos. Assim, agradeo a algumas
pessoas que de alguma forma participaram dessa jornada.
A Deus pelo tempo da sade e da vida que me doa.
minha esposa pelo tempo de amor, carinho, dedicao, apoio, confiana e
companheirismo doados durante nossa vida.
Ao meu filho Svio pelo tempo da alegria, felicidade e pureza impressos na minha vida.
minha filha Laura pelo tempo da esperana de uma vida nova que se inicia.
Aos meus Pais, Eva e Ademar pelo tempo de suas vidas dedicadas a minha vida.
Aos meus avs pelo tempo dos sonhos em vida e pelo tempo da saudade na memria.
Ao Marcelino e Maria Luiza, sogro e sogra, pelo tempo da pacincia e ajuda incondicional.
minha cunhada Mrcia pelo tempo de solidariedade na ajuda com meus filhos.
s minhas tias pelo tempo silencioso de torcida.
Ao meu orientador Joo Zanetic, pelo tempo de oportunidade, orientao, aprendizagem,
pacincia, amizade, luta poltica e liberdade de pensamento.
Maria Regina pelo tempo da reorientao dos caminhos.
Maria Jos e Beatriz pelo tempo de sugesto para meu crescimento profissional.
amiga Gisele, pelo tempo de confiana e amizade em todos esses anos de IFUSP.
Aos meus alunos pelo tempo da participao nas atividades e nas aulas.
Aos amigos do programa pelo tempo de luta e estudo.
RESUMO
Esse trabalho tem como propsito central compreender e analisar a relao entre
o perfil epistemolgico do conceito de tempo e o perfil cultural de diferentes grupos de
alunos. Para isso, lana-se um breve olhar sobre o conceito de tempo ao longo da
histria segundo duas perspectivas: a da mensurao e a do carter filosfico e
cientfico. Essa reconstruo conceitual permite estabelecer uma relao entre o
conceito de tempo e a cultura ao longo da histria. Alm disso, busca-se nas noes de
perfil e obstculo epistemolgico de Gaston Bachelard e na gnosiologia de Paulo Freire,
um dilogo que fornea os principais pilares de sustentao da relao entre o perfil
epistemolgico e a cultura.
Por outro lado, investiga-se o perfil epistemolgico do conceito de tempo dos
estudantes do ensino fundamental, mdio e superior de uma instituio de ensino da
grande So Paulo e a relao com os prprios perfis culturais desses alunos, utilizando
como ferramenta metodolgica de levantamento de dados o questionrio.
Por fim, faz-se uma interpretao desses dados luz das teorias de Paulo Freire
e Gaston Bachelard, buscando entrelaar a cultura e o perfil epistemolgico, definindo
parmetros que permitem esboar perfis culturais e epistemolgicos, coletivos e
individuais, nos moldes Bachelardianos.
ABSTRACT
This work is to understand and analyze the central relationship between the
epistemological profile of the concept of time and cultural profile of different groups of
students. For this reason, launches, a brief look at the concept of time throughout history
according to two perspectives: that of the measurement and the scientific and philosophical
character. This reconstruction allows us to establish a conceptual link between the concept
of time and culture through history. Also, search on the terms of profile and epistemological
obstacle of Gaston Bachelard and gnosiologia of Paulo Freire, a dialogue that provides the
main pillars to sustain the relationship between the epistemological profile and culture.
Moreover, research is the epistemological profile of the concept of time for students
of primary, middle and top of an educational institution of Sao Paulo and great relationship
with their own cultural profiles of these students, using as a methodological tool of survey
data the questionnaire.
Finally, it is an interpretation of these data the light of the theories of Paulo Freire
and Gaston Bachelard, seeking intertwine culture and epistemological profile, defining
parameters that allow profiles outlining cultural and epistemological, collective and
individual, in line Bachelardianos.
NDICE
INTRODUO.................................................................................................................08
1. DIFICULDADES E POSSIBILIDADES NO ENSINO DE FSICA
1.1 Uma experincia pessoal..........................................................................................13
1.2 Problemas: um pequeno olhar..................................................................................15
1.3 Algumas possibilidades............................................................................................20
2. CONCEITO DE TEMPO SOB MLTIPLOS OLHARES
2.1 Nos calendrios e relgios........................................................................................31
2.2 Na fsica e na filosofia ..........................................................................................59
2.3 Na sociedade industrial moderna e contempornea..................................................86
2.4 Nos conceitos concorrentes.......................................................................................94
2.5 Na divulgao cientfica, fico cientifica, literatura e msica.................................99
2.6 Na pesquisa de ensino de cincias............................................................................104
3. REFERENCIAIS GNOSIOLGICOS E EDUCACIONAIS
3.1 A epistemologia de Gaston Bachelard .....................................................................108
3.2 As noes de obstculo e perfil epistemolgico..................................................... 110
3.3 Perfil epistemolgico: uma preferncia....................................................................117
3.4 Perfil Epistemolgico e o conceito de tempo...........................................................119
3.5 Paulo Freire: uma vida dedicada educao que liberta..........................................122
3.6 A teoria do conhecimento de Paulo Freire ..............................................................129
3.7 Bachelard e Paulo Freire: algumas aproximaes .................................................. 140
4. EDUCAO, CINCIA, CULTURA E PERFIL EPISTEMOLGICO
4.1 Sociedade e a cultura ...............................................................................................149
4.2 Currculo e a cultura.................................................................................................154
INTRODUO
ii.
iii.
ii.
iii.
No captulo 2 faz-se uma breve reconstruo histrica do conceito de tempo sob algumas
ticas especficas. Primeiramente o conceito de tempo visto no seu aspecto quantitativo,
discutindo a evoluo de calendrios e relgios, e em seguida, sob o olhar da histria da
cincia e da filosofia. Em ambos os casos, parte-se da antiguidade, passando pela Idade
Mdia e chegando poca contempornea, buscando apresentar o caminho histrico da
evoluo desse conceito. Considerou-se vlido destacar a apresentao das concepes de
tempo dos povos orientais, rabes, pr-colombianos e de algumas tribos indgenas
brasileiras, indo-se alm da tradicional apresentao das concepes ocidentais. Finalmente
dada tambm uma ateno especial s concepes de tempo de Galileu, Newton e Einstein,
alm de outros cientistas e filsofos. Ainda nesse captulo, alarga-se a reflexo sobre o
conceito de tempo, destacando-se sua presena na sociedade industrial moderna e
contempornea, em algumas obras de divulgao cientfica, em filmes de fico cientfica,
na literatura e em letras de msica. O objetivo desse alargamento apresentar a face
mltipla
10
11
12
Esta seo foi escrita em primeira pessoa por ser um depoimento pessoal sobre a escolha do tema da
dissertao.
13
Assim, partindo de uma experincia pessoal de ensino e de uma investigao, ainda que
preliminar, busquei finalizar o meu curso de Licenciatura em Fsica desenvolvendo uma
monografia, sob a orientao da professora Maria Lcia Vital Abib, da Faculdade de
Educao da USP, em que procurei pesquisar a construo histrica do conceito de tempo e
algumas relaes interdisciplinares, visando a elaborao de um material que servisse de
subsdio para os professores de ensino mdio.
Portanto, partindo desse trabalho de monografia, que foi de carter terico, ao entrar na
ps-graduao, j estava pretendendo desenvolver uma pesquisa qualitativa sobre o ensino
atual do conceito de tempo, buscando investigar as concepes dos alunos, utilizando a
histria da cincia como possibilidade
Dentro desse contexto, conheci o professor Joo Zanetic, pessoalmente, pois j tinha
sido seu aluno na disciplina de Gravitao, atravs do contato da professora Maria Regina.
Logo nas primeiras conversas com o professor Zanetic fiquei muito motivado, pois ele me
indicou a leitura dos livros A Filosofia do No, de Gaston Bachelard, e Extenso ou
Comunicao?, de Paulo Freire, alm da tese de Doutorado de Andr Ferrer Martins (2004)
que pesquisou as concepes dos alunos sobre o conceito de tempo tendo Bachelard como
referncia. Na poca foi o nico trabalho dessa natureza que eu conheci. um trabalho
belssimo que abriu as portas para outras possibilidades de anlise, entre elas, como o
prprio Martins (2004) indica, a relao entre o perfil e a cultura.
Identifiquei-me bastante com a filosofia de Bachelard e a educao de Paulo Freire.
Alm disso, cada conversa que tenho com o professor Zanetic um aprendizado tanto
acadmico como de conscincia, de vida. Com esse contato, tambm fui conhecendo a ponte
entre fsica e literatura, rea em que o professor Zanetic tem concentrado sua pesquisa
atualmente, sendo mais uma possibilidade de ensino de fsica e mais especificamente aqui
do conceito de tempo.
Portanto, foi nesse contexto que fiz e fao uma experincia sobre o conceito de tempo e
busco dentro desse emaranhado interdisciplinar estabelecer uma ponte entre o perfil
epistemolgico e a cultura.
ou seja, os alunos pensam prioritariamente nas notas e na aprovao final, enfatizando uma
postura submissa a regras burocrticas e desumanizantes, entendendo rapidamente que
preciso se adequar ao sistema imposto, ou ainda fazem a opo, induzida muitas vezes pelo
prprio sistema, de agredir a escola, funcionrios e professores como uma forma de reao,
talvez inconsciente, invaso cultural sentida, pois, entre outros problemas, os contedos e
as propostas de estudo, em geral, no ecoam dentro da sua realidade. Refletindo sobre uma
situao educacional acontecida no Chile, h cerca de 50 anos, tem-se o seguinte testemunho
de Paulo Freire (2002, pg. 42):
(...) Pois bem, ainda que reconheamos que nem todos os agrnomos chamados extensionistas
faam invaso cultural, no nos possvel ignorar a conotao ostensiva da invaso cultural que
h no termo extenso (...)
Einstein (1982, pg. 25/26), ao comentar sua experincia educacional, destaca uma
situao similar e descreve a sua frustrao perante esse ensino dogmtico:
(...) como estudantes, ramos obrigados a acumular essas noes em nossas mentes para os
exames. Esse tipo de coero tinha (para mim) um efeito frustrante. Depois de ter passado nos
exames finais, passei um ano inteiro durante o qual qualquer considerao sobre problemas
cientficos me era extremamente desagradvel. Porm, devo dizer que na Sua essa coero era
bem mais branda que em outros pases, onde a verdadeira criao cientfica completamente
sufocada. Na verdade, quase um milagre que os mtodos modernos de instruo no tenham
exterminado completamente a sagrada sede do saber, pois essa planta frgil da curiosidade
cientfica necessita, alm de estmulo, especialmente liberdade; sem ela, fenece e morre. um grave
erro supor que a satisfao de observar e pesquisar pode ser promovida por meio da coero e da
noo do dever.
Essa crtica feita por Einstein dirigida ao ensino superior, porm perfeitamente
cabvel estend-la aos outros nveis de ensino
Assim, ao pensar na educao cientfica das escolas brasileiras, tem-se quase um
consenso quanto necessidade de novas possibilidades de ensino. Sem dvida, uma grande
parte dos alunos no sero fsicos, bilogos ou qumicos, e o ensino mdio ser a nica
oportunidade de contato com a cincia. necessrio um ensino de cincia que possa
oferecer para todos, ou seja, para aqueles que seguiro na graduao a rea de cincia, como
tambm para aqueles que seguiro outras reas do conhecimento e, ainda, para aqueles que
terminaro sua educao escolar nesse nvel de ensino, a mesma oportunidade de contato
16
Assim, o formulismo exagerado, que nasce nas aulas de cursinho e invade os livros
didticos, ainda a principal ferramenta de ensino de fsica, hoje vendida em pacotes
educacionais para muitas escolas particulares de So Paulo. Essa operacionalizao
matemtica de conceitos e leis da fsica como um treinamento olmpico em busca do ouro
(aprovao no vestibular), principalmente nos colgio particulares. No ensino pblico as
aulas transitam desse formalismo escassez de professores. Esse formalismo pode at
cativar alguns alunos, sobretudo aqueles que tenham afinidade com essa abordagem,
17
porm, poder excluir, ou por que no dizer, negligenciar, para a maior parte dos alunos que
pela ltima vez estar em contato com essa cincia e no tem afinidade com esse tipo de
proposta, a possibilidade de uma discusso cientfica por meio de outras formas de
abordagens de ensino. Para Einstein e Infeld (1980, pg. 222):
o pensamento e as idias, e no as frmulas, so o princpio de toda teoria fsica. As idias devem
assumir posteriormente a forma matemtica de uma teoria quantitativa, para possibilitar uma
comparao com a experincia.
18
Ainda nessa linha, Zanetic (1989, pg. 203), enfatiza os problemas que interferem e
prejudicam a discusso de uma fsica presente como cultura, alm de privarem uma grande
parte dos alunos de interagirem com didticas diversificadas de ensino de fsica:
(...) Infelizmente tal procedimento raramente ocorre, devido a inmeros fatores dos quais
comentarei brevemente alguns. Em primeiro lugar, h a ausncia de disciplinas que abordem a
histria da fsica nos cursos de licenciatura que formam os professores do 2 grau. Em segundo
lugar, os livros didticos de fsica de maior sucesso no nosso mercado editorial so extremamente
deficientes quanto preocupao de situar a fsica num contexto cultural mais rico e dinmico. Em
geral, a apresentao da fsica nesses textos fica restrita a resumos tericos, que enfatizam a
memorizao de frmulas e definies para a soluo de exerccios e problemas, ocupando com
isso o maior espao desses livros. Em, terceiro lugar, muito prximo e ligado ao anterior, est o
espectro do vestibular, interferindo decisivamente no contedo dos programas das escolas. Isto
trgico se atentarmos para o fato de que a grande maioria dos alunos do 2 grau no ir freqentar
um curso superior, e um nmero menor ainda ter a Fsica como disciplina bsica. A ma de
Newton tem tudo a ver com a tentativa de acabar com o pecado original da m colocao da fsica
no contexto educacional. E da afirmao da fsica como cultura.
E como pano de fundo dessas ausncias, ainda tem-se a grande ausncia de leitores. Nos
prprios cursos de formao de professores, como nas Licenciaturas das Universidades
pblicas, USP, UNICAMP e UNESP, s para citar algumas, a escrita, a compreenso
mnima de pequenos textos e a leitura constante, so requisitos em que os alunos apresentam
grandes dificuldades. importante ressaltar que nessas instituies estudam alunos com boa
formao. Pode-se questionar ento: o que acontece nos cursos de formao de professores
que surgem como um produto novo no balco de vendas das mais diversas faculdades
particulares do Brasil?
Alm do problema de formao dos professores, fundamental destacar tambm outros
problemas que influenciam o ensino de fsica tornando-o cada vez mais formal e livresco,
como: os baixos salrios, longas jornadas com um nmero excessivo de aulas dadas pelo
professor, a escassez de aulas de fsica semanais no currculo do ensino mdio, o vestibular
ditando as regras e controlando o currculo e, porque no dizer, a prpria didtica imposta
19
pelos livros didticos, editoras e at pela prpria escola. Essa pobreza da abordagem
cientfica conduz a educao atual a um faz de conta, ou seja, professores explorados e sem
formao e nem recursos fazem de conta que ensinam, e, em contrapartida, alunos
desmotivados e desinteressados fazem de conta que aprendem. Uma situao que chega a ser
nociva, conforme reflete Paulo Freire (apud Zanetic 1989, pg. 52):
... idias que so simplesmente recebidas pela mente sem que sejam utilizadas ou testadas ou
mergulhadas em combinaes. A educao com idias inertes no s intil; , acima de tudo,
nociva.
Portanto, fez-se aqui uma crtica ao ensino de fsica atual, alm de se apontar alguns dos
seus principais problemas. A seguir pretende-se apresentar algumas sugestes e indicar
possibilidades para um ensino de fsica inserido na vida social e cultural de seus alunos.
20
Nesse pequeno trecho, Einstein reflete sobre a conexo entre as experincias sensoriais
(fatos empricos) e os conceitos e proposies, sendo esse caminho realizado atravs da
intuio, estabelecendo a diferena entre fantasia e verdade cientfica. Einstein separa
muito claramente os papis desempenhados pela lgica e pela intuio, demonstrando assim
sua crtica ao pensamento positivista. Para Einstein, a liberdade de escolha do caminho
correto fundamental e uma das caractersticas do seu pensamento. Seria como resolver
uma charada, em que o pensamento livre, mas o caminho correto depende de lgica e
intuio, que esto presentes na imaginao cientfica. Essa idia est em ressonncia com a
citao anterior de Bronowski, em que a imaginao um campo de experincias mentais
em qualquer sentido, lgico ou fantasioso.
Nesse sentido ocorre a evoluo dos perfis epistemolgicos propostos por Bachelard.
22
forma de pensar a prpria existncia humana e o papel da cincia nesse contexto. Assim, os
Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) indicam a necessidade de ampliao da discusso
de cincias:
A fsica percebida enquanto construo histrica, como atividade social humana, emerge da
cultura e leva compreenso de que modelos explicativos no so nicos nem finais, tendo se
sucedido ao longo dos tempos, como o modelo geocntrico, substitudo pelo heliocntrico, a teoria
do calrico pelo conceito de calor como energia, ou a sucesso dos vrios modelos explicativos
para a luz. O surgimento de teorias fsicas mantm uma relao complexa com o contexto social
em que ocorreram. 5
Portanto, importante refletir com os alunos a evoluo dos conceitos fsicos e suas
rupturas, ao longo da histria, levando-os tambm a olhar a cincia de forma criativa e
humana, evidenciando seus limites e apresentando-a como um aspecto da cultura da
humanidade, assim como as artes e a religio.
24
No Brasil, nos ltimos anos, Zanetic vem estudando essas reas do conhecimento
humano e propondo uma possvel ponte entre as artes e a fsica. Zanetic afirma que quando
se refere ligao de arte e fsica, mais especificamente aqui entre literatura e cincia, no
tem em mente somente os escritores de literatura universal que utilizam conceitos cientficos
em suas obras, como ele costuma dizer, escritores com veia cientfica. Mas tambm os
cientistas que escrevem textos eruditos, ou seja, os cientistas com veia literria.
(...) Assim, por exemplo, trechos dos Dilogos e dos Discursos, de Galileu, ou A mquina do
tempo de H. G. Wells, podem suscitar anlises tanto do contedo cientfico quanto do discurso
literrio pelos professores de fsica e portugus respectivamente. Vale destacar aqui o trabalho de
divulgao cientfica, praticado por grandes fsicos do sculo XX com veia literria, como Einstein,
Landau, Bohr, Feynman, entre outros. Muitos livros desses autores poderiam ser utilizados em
aulas do ensino mdio. (Zanetic,2006,
pg 5)
Como outros exemplos, pode-se observar a presena do pensamento aristotlicoptolomaico no poema pico A Divina Comdia, de Dante Alighieri. A mesma influncia
ocorre tambm em Os lusadas, de Cames, escrito em uma poca posterior de Dante. A
leitura do livro A viagem ao redor da lua, de Jlio Verne, outro exemplo fantstico de
ponte entre fsica e arte. Aps a leitura desse livro o professor pode explicar aos seus alunos
porque o projtil no chegaria lua e sugerir a leitura de um texto de George Gamow,
conforme aponta Zanetic (2006, pg. 15):
A situao complica-se, lgico, por causa da presena da atmosfera terrestre. Se algum
disparasse um projtil de artilharia com a necessria velocidade de escape a partir da superfcie
terrestre, como foi descrito em A viagem ao redor da Lua, uma fantasia do famoso escritor Jlio
25
Verne, a cpsula jamais teria chegado ao seu destino. Ao contrrio da descrio feita por Jlio
Verne, tal projtil ter-se-ia fundido logo de sada com o calor desenvolvido pelo atrito com o ar, e
os detritos teriam cado, pois teriam perdido toda energia inicial. aqui que aparecem as
vantagens de um foguete sobre um projtil de artilharia. Um foguete parte da sua plataforma de
lanamento vagarosamente e vai ganhando velocidade gradativamente enquanto vai subindo. Desse
modo, ele atravessa as camadas mais densas da atmosfera terrestre com velocidades para as quais
o calor gerado por atrito ainda no tem grande importncia, e somente atinge sua velocidade
mxima numa altitude em que o ar suficientemente rarefeito para no causar nenhuma resistncia
significativa ao vo (GAMOW, 1965, p. 83/84).
Assim, um professor de fsica com boa formao e perspicaz saberia conduzir uma
discusso utilizando o texto de fico cientfica e contrapondo com a explicao de Gamow
conforme o texto acima. Zanetic (1989, pg. 202) tambm sugere uma utilizao inteligente
da lenda da ma de Newton:
A ma, Newton, a fsica e o 2 grau.
Era uma vez um jovem ingls que, numa bela tarde de domingo, estava descansando
deitado sob uma macieira, batendo um descontrado papo com um colega da Universidade de
Cambridge. Seria um dia como outro qualquer, perdido na voragem dos tempos, caso um pequeno e
trivial acidente no tivesse ocorrido. Uma bela e brilhante ma vermelha, talvez tentando atingir
seu lugar natural, como diria um filsofo aristotlico de ento que estivesse assistindo cena,
desprendeu-se da rvore e chocou-se com a cabea do jovem fsico. Isaac Newton, este era seu
nome, comentou: Da mesma forma como esta ma atrada pela Terra para seu centro, o a
Lua em seu movimento ao redor do nosso planeta.
Desta forma, para espanto e desespero do pobre observador aristotlico, nascia a teoria da
gravitao universal, que daria honra e glria para seu proponente. E resgataria para a histria os
nomes de muitos pensadores que, desde a poca dos antigos gregos, acreditando no movimento da
Terra, lanaram as idias que culminariam com a grande sntese realizada por Newton. Seu livro
Princpios Matemticos da Filosofia Natural, publicado em Londres em 1687, o registro de tal
sntese. Um sculo e meio aps o heliocentrismo de Coprnico, meio sculo aps o eppur si muove
de Galileu condenado pela Inquisio, surgia uma obra que iria influenciar e determinar os
caminhos da fsica nos dois sculos seguintes.
Caso um professor de fsica do 2 grau iniciasse suas aulas de mecnica contando uma
fbula como esta a seus alunos, estaria reforando a lenda da ma de Newton de dvidosa
veracidade histrica. Ao mesmo tempo, ele poderia estar despertando em seus alunos uma
curiosidade com relao ao surgimento das idias e conceitos da fsica totalmente ausente das salas
de aula. Portanto, o saldo seria extremamente positivo. O contexto cultural em que a fsica foi
construda daria um embasamento mais rico para a compreenso da teoria, dos embates entre
idias oponentes, da construo social do conhecimento e da razo de ser de inmeras aplicaes
26
Muitos outros escritores com veia cientifica e cientistas com veia literria poderiam ser
citados aqui, assim como alguns filmes de fico cientfica de 2001: uma odissia no
espao, a A mquina do tempo, passando por Guerra nas estrelas, Jornadas nas estrelas,
De volta para o futuro, Matrix, entre outros; alm de programas jornalsticos como O poeira
das Estrelas, exibido no Fantstico e conduzido pelo fsico Marcelo Gleiser. O fundamental,
independente da conceituao correta ou no, a postura do professor diante dessas
discusses.
A letra de msica tambm um recurso interessante para o ensino. Muitas so as
canes que direta ou indiretamente citam cincia e podem provocar dilogos interessantes
com os alunos. Como exemplo, Zanetic (2006, pg. 7), aponta a letra da msica Tempo e
Espao do Zologo e sambista Paulo Vanzolini e a interpretao do professor Menezes:
O samba "Tempo e Espao" de Paulo Vanzolini, por exemplo, eu j conhecia h muito tempo.
Sempre havia entendido este samba como sendo a descrio do que vive um cidado apaixonado,
confundindo tempo e espao, tropeando universos.
Ouvindo este samba, nessa manh, percebi que ele incorporava o conceito da relatividade geral de
Einstein. A seguir, fui surpreendido com conceitos de eletrodinmica quntica! Toquei de novo... de
novo(...) e fui encontrando outros elementos da Fsica. (MENEZES, 1988, p. 57/58)
Nessa mesma linha, recentemente, na novela global Alma Gmea, a sua msica de
abertura, Alm do olhar, composta por Paulo Henrique e Paulinho Soledade e interpretada
pelo cantor Ivo Pessoa, discutia a decomposio da luz branca nas sete cores do arco-ris,
revelando-se tambm uma boa alternativa para discusso de ptica, conforme trecho
destacado abaixo:
(...) como a luz do sol que toca um cristal
E em sete cores mostra assim
Que tudo natural
como o som do mar que vem nos alcanar(...)
E no se pode deixar de citar a msica Quanta, de Gilberto Gil (1997), em que o autor
discute conceitos de fsica quntica, alm da proximidade entre cincia e arte:
(...) Fragmento infinitsimo
27
Portanto, essas possibilidades apontadas podem favorecer o contato dos alunos com
outras formas de discutir cincia, mais especificamente fsica, e atingir um nmero maior de
alunos que tenham afinidade com essas discusses. Pensando nos problemas apontados, a
histria da cincia, a msica, teatro, literatura, podem contribuir para minimizarmos a difcil
situao do ensino de fsica, alm de estabelecer um dilogo com um nmero maior de
alunos, buscando diminuir os efeitos provocados pela invaso cultural, em que o saber
apenas estendido e no dialogado. Alm disso, proporciona uma grande possibilidade de
realizao de projetos interdisciplinares, atingindo outros dois problemas graves: o
analfabetismo literrio e cientfico. Ezequiel Teodoro (apud Zanetic 2006, pg. 9), aponta a
importncia de todo professor como professor de leitura, alm da leitura como integrante da
formao humana:
Neste ponto cabem perfeitamente as trs teses desenvolvidas por Ezequiel Theodoro da Silva ao
tratar do tema cincia, leitura e escola:
1 tese: todo professor, independente da disciplina que ensina, professor de leitura;
2 tese: a imaginao criadora e a fantasia no so exclusividade das aulas de literatura;
3 tese: as seqncias integradas de textos e os desafios cognitivos so pr-requisitos bsicos
formao do leitor.6
28
"O que ento o tempo? Se ningum me pergunta, eu sei; porm, se quero explic-lo a
quem me pergunta, ento no sei. No entanto, posso dizer com segurana que no existiria
um tempo passado, se nada passasse; e no existiria um tempo futuro, se nada devesse vir;
e no haveria o tempo presente se nada existisse(...)
Santo Agostinho
30
Portanto, a idia de vencer o tempo, ou seja, perpetuar o presente, aparece nas mais
antigas civilizaes. No fundo permanece uma idia da passagem do tempo como algo
natural. Esse tipo de atividade pode ter contribudo com o desenvolvimento da conscincia
humana, buscando organizar a vida do homem em uma seqncia de eventos e percepes,
tendo a memria como ferramenta desse desenvolvimento.
Assim, a observao dos ciclos naturais levou o homem a construir uma interpretao,
ainda que muito bsica, da vida. A morte era encarada como transio, assim como outros
eventos. E essas transies tinham um carter dramtico. G.J. Whitrow (1993, pg.37) indica
essa situao:
No perodo paleoltico os homens j sabiam que, em certas pocas do ano, animais e plantas so
menos prolficos que em outras, e, nessas ocasies, consideravam necessria a prtica de rituais
sazonais para garantir um suprimento adequado de ambos.
32
Essa definio de calendrio, que o trecho acima chama de civil tambm conhecida
por ano egpcio. A definio desse calendrio, como o trecho acima tambm indica, deve
realmente estar ligada a mdias das cheias do rio Nilo, visto que, posteriormente, os egpcios
perceberam uma diferena com as observaes astronmicas, sobretudo da estrela Co Sotis,
ou Siris, como ficou conhecida. Essa estrela costuma aparecer como a mais brilhante no
10
Pensando nos dias atuais, seria equivalente a abolir a seqncia de anos e admitir os governos como
referncias temporais. Por exemplo: o perodo do governo de FHC marcaria um ciclo. O governo de Lula
marcaria outro e assim por diante sem preocupao com os anos.
11
Esse calendrio no acompanhava as estaes pela observao dos ciclos naturais, apenas era uma diviso de
trs perodos de 4 meses.
12
Esse calendrio era baseado na observao astronmica da estrela Sirius ou Co Sotis, por isso recebeu o
nome de sotiacal.
33
cu, antes da aurora, quando das cheias do rio Nilo. Porm isso no coincidia com a
definio do ano egpcio, ocorrendo uma defasagem de 1 dia a cada 4 anos civis. Assim, a
partir dessa observao astronmica, foi definido o calendrio sotiacal.
O ano egpcio era dividido em tempo da inundao, tempo da semeadura e tempo da
colheita, que nem sempre coincidiam com a mesma poca do ano devido defasagem
citada. Portanto, o calendrio sotiacal e o calendrio egpcio ou civil coincidiam apenas em
intervalos de 1460(=355x4)14 anos. Alm desses dois calendrios eles possuam tambm um
calendrio lunar baseado nas fases da lua. Descobriram que 309 meses lunares
correspondiam a 25 anos egpcios ou civis. A principal funo desse calendrio era a
definio das datas festivas.
Os egpcios tambm se empenharam em definir os momentos do dia. Para isso
utilizavam uma espcie de relgio solar (G.J. Whitrow, 1993, pg. 41):
Um fragmento de relgio de sol egpcio datado de cerca de 1500 a.C. encontra-se hoje num museu
de Berlim. Com a forma de uma rgua T, era disposto pela manh horizontalmente com o travesso
voltado para o leste, de modo a lanar uma sombra ao longo da haste, graduada com marcas
referentes a seis horas. medida que o sol se elevava no cu, a sombra se reduzia, at desaparecer,
ao meio dia na marca da sexta hora.
Assim como o Egito, que fica s margens do rio Nilo e tinha sua vida organizada em
funo dos fenmenos naturais da regio, a Babilnia, que ficava s margens dos rios Tigre
e Eufrates, tambm tinha sua vida organizada em funo da ocorrncia de fenmenos
naturais Porm, diferentemente do Nilo, que tinha um comportamento uniforme, esses rios
traziam muitas variaes climticas para a regio. Os moradores enfrentavam muitos
fenmenos naturais desde chuvas torrenciais, enchentes, at vendavais. Sendo assim, a
cultura babilnica estava mergulhada em uma constante disputa mstica, na viso da poca,
uma disputa entre o bem e o mal em que, ao contrrio dos Egpcios, no encontravam pocas
de tranqilidade e beleza. Suas vidas, inseridas nesses fenmenos, estavam sempre sendo
ameaadas. Como os Egpcios, os Babilnicos tambm possuam as suas grandes festas em
funo da observao da natureza. Nesse sentido, G.J. Whitrow (1993, pg. 45) aponta que:
Embora o festival do Ano-novo simbolizasse o incio de um novo ciclo solar, a renovao da
fertilidade e a vitria sobre o caos, sua celebrao no fornecia garantia alguma de que a ordem
social prosseguiria imperturbada.
Como o ano lunar era menor que o ano solar era necessria a introduo de um dcimo
terceiro ms para correo. Porm a periodicidade dessa introduo no era muito clara
podendo ser relacionada, provavelmente com poca das colheitas.
Examinando o ciclo lunar e solar, o grego Mton e sacerdotes babilnicos (no se sabe
se independentemente um do outro), descobriram que 19 anos solares so aproximadamente
14
iguais a 6940 dias, assim como 235 lunaes so 6940 dias. Esse ciclo chama-se metnico e
os babilnicos passaram a utiliz-lo tambm.
Os babilnicos tambm influenciaram a civilizao atual com os seguintes conceitos: a
inveno dos 12 signos zodiacais todos com 30 dias, baseados na diviso do cu como um
crculo, alm da diviso convencional do crculo em 360 partes iguais. Por outro lado, como
aponta G.J. Whitrow (1993, pg. 47), os babilnicos tambm influenciaram muitas crenas
judaicas e crists:
O ciclo lunissolar de 19 anos tornou-se a base dos calendrios judaico e cristo, uma vez que
resolvia o problema do estabelecimento das datas das luas novas para fins religiosos. Em
particular, a origem do problema do estabelecimento da data da pscoa remonta aos babilnicos.
Os rituais celebrados pelo rei-sacerdote, em especial no Festival do Ano-Novo, eram vistos como
repeties de aes divinas e pretendia-se que correspondessem exatamente, tanto no tempo como
em carter, aos rituais realizados nas alturas. Dessa idia primitiva brotou a crena de que era
importante celebrar a Pscoa na data correta, uma vez que era o momento decisivo do combate
entre Deus (ou Cristo) e o demnio, e Deus precisava do apoio de seus adoradores para derrotar o
inimigo.
G.J. Whitrow (1993, pg. 47), mostra ainda a relao das idias babilnicas com a
definio de semana:
Os babilnicos prestavam especial ateno aos perodos de sete dias associados s sucessivas
fases da lua, cada um dos quais terminava com um dia do maligno. Neles tabus especficos eram
impostos para aplacar e reconciliar os deuses.
Assim, a noo de semana, bem como as relaes religiosas com o domingo, que na
cultura crist, em oposio ao dia do maligno, o dia do senhor, remontam aos babilnicos.
Portanto, os babilnicos influenciaram os judeus, que por sua vez influenciaram os cristos,
que por sua vez influenciaram e influenciam muitos dos povos atuais.
A Babilnia como denominada at agora, foi uma regio dominada por vrios povos em
diferentes pocas. Por volta de 500 a.C essa regio pertenceu ao imprio Persa, iranianos
que derivam de um ramo da raa dos arianos. Seu objetivo, quanto ao estudo dos astros,
estava atrelado necessidade de se estabelecer horscopos, sob a influncia de doutrinas
ligadas imortalidade e a origem celeste da alma.
Quanto ao calendrio, os iranianos adotaram o calendrio egpcio civil com algumas
alteraes e o chamaram de calendrio avestano. Esse calendrio consistia em um ano com
12 meses todos com 30 dias, exceto o oitavo, que tinha 35 dias. importante ressaltar que
36
37
O imprio romano, por sua vez, destaca-se pela criao do calendrio Juliano e pela
confuso ocorrida com a marcao do tempo nessa poca. Boczko (1998, pg. 17) aponta
essa confuso:
O calendrio utilizado no Imprio Romano era o lunar, com a intercalao do 13 ms sob os
cuidados dos sacerdotes oficiais. Essas inseres nem sempre foram feitas de forma rigorosa, e sob
o governo de Jlio Csar, elas foram amide negligenciadas que em 46 a.C. a discrepncia entre o
calendrio adotado e o ano solar atingia 80 dias.
Assim, essa poca provocou uma grande desordem nos calendrios e foi necessrio
elaborar um acerto nessa marcao. Ento sob a orientao do astrnomo Sosgenes foi feito
um acerto no calendrio, em que o ano 46 a.C. passaria a ter 80 dias a mais. A partir do ano
45 a.C. passaria a intercalar 1 dia a cada 4 anos, nascendo assim a idia do ano bissexto. G.J.
Whitrow (1993, pg. 49), reflete de forma interessante esse acerto que culminou com o
calendrio Juliano:
"A conselho do astrnomo grego Sosgenes, Csar decretou que, para corrigir essa anomalia, o ano
46 a.C. seria prolongado a 445 dias. Este, embora tenha sido chamado "o ano da confuso",
destinava-se a dar fim numa confuso. Csar aboliu tambm o ano lunar e o ms intercalar e
baseou seu calendrio inteiramente no Sol. Fixou o verdadeiro ano em 365 dias e 1/4 e introduziu o
ano bissexto de 366 dias de quatro em quatro anos, o ano civil comum compondo-se de 365 dias.
Estabeleceu que janeiro, maro, maio, julho, setembro e novembro teriam todos 31 dias e os demais
30, exceto fevereiro, que normalmente teria 29 dias e, nos anos bissextos, 30. Lamentavelmente, em
7 a.C. esse bem-feito arranjo sofreu uma interferncia: em homenagem a Augusto (que o
considerava seu ms de sorte), deu-se seu nome ao ms Sextilis, atribuindo-lhe o mesmo nmero de
dias do ms precedente, que fora renomeado por Marco Antnio em honra a seu tio-av
assassinado. Assim, um dia foi tirado de fevereiro e transferido para agosto. Para evitar a
ocorrncia sucessiva de trs meses de 31 dias, setembro e novembro foram ambos reduzidos a 30
dias, e outubro e dezembro passaram a ter 31. Assim, em homenagem ao primeiro dos imperadores
romanos, um arranjo ordenado foi reduzido a uma mixrdia ilgica que muitas pessoas tm
dificuldade em memorizar, mas que, no curso de 2.000 anos, foi imposta com sucesso maior parte
do mundo.
Vale lembrar que esse dia adicional j era previsto no calendrio egpcio. Os romanos
deixaram de fazer esse acrscimo, o que provocou toda confuso. Alguns problemas
aconteceram devido dificuldade de interpretao das correes. Porm aps o ano 8 d.C. as
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intercalaes foram rigorosas e o calendrio Juliano passou a ser usado em todo mundo
ocidental, tendo aproximadamente 365,25 dias.
Por outro lado definio do tempo passa obrigatoriamente pelo domnio cristo, visto
que at hoje a ordem temporal antes e depois de Cristo. A definio de era tem referncia
a um acontecimento histrico que o nascimento de Cristo. Porm, aps o nascimento e
morte de Cristo, ningum contava o tempo dessa maneira, pois no se sabia ou se podia
esperar, que essa data viria a ser relevante. Assim, antes da definio da era crist, o tempo
era marcado pelo calendrio Juliano e a data importante era a subida ao trono do imperador
Diocletiano, marcando o incio da era Diocletiana. Nessa poca o cristianismo comeou a se
tornar um movimento forte e um abade romano chamado Dionsio sugeriu que os anos
fossem contados a partir do nascimento de Cristo, conforme aponta Boczko (1998, pg. 19)
sobre a definio da era crist na era Diocletiana:
Segundo clculos cujo mtodo se perdeu, Dionsio fixou que o ano 248 da Era Diocletiana
correspondia ao ano 525 aps o nascimento de Cristo. E assim nasceu a prolptica Era Crist
(prolptica a Era cuja poca adotada aps a ocorrncia do evento que define a era).
no equincio da
primavera boreal, adotado como 21 de maro (Boczko,1998, pg. 21). Ainda sobre a data
da Pscoa e, mais especificamente, sobre definio da lua cheia, Boczko (1998, pg. 21)
define:
A lua cheia era definida como sendo aquela que ocorre 13 dias aps a Lua Nova anterior; a data
da Lua nova era dada pela tabela elaborada segundo o ciclo metnico. Devido a essas 3
imposies, a data da pscoa calculada nem sempre coincide com a data que seria obtida se a
definio da Pscoa seguisse critrios astronmicos reais.
39
Essas imprecises se davam devido diferena entre o ano Juliano e o ano solar mdio,
o que poderia ocasionar um grave problema religioso, pois os Cristos poderiam comer
carne em um perodo de abstinncia, como na poca da quaresma, o que era proibido.
Nesse momento histrico a igreja tinha um grande domnio e, j na idade mdia, sob o
pontificado de Gregrio XIII, deu-se incio reforma no calendrio conhecida como
Gregoriana. Assim se seguiram algumas regras visando resolver esse problema: a retirada
de 10 dias na contagem do ms de outubro de 1582, sendo que o dia 4 uma quinta-feira
passou a ser dia 14 uma sexta-feira; alm disso os anos mltiplos de 100 deixariam de ser
bissextos, com exceo dos mltiplos de 400, sendo assim retirava-se 1 dia a cada 100 anos
e acrescentava 1 dia a cada 400 anos. Fixou-se uma regra para Pscoa como nos mostra
Boczko (1998, pg. 23):
A Pscoa ocorre no 1 domingo aps a Lua cheia Eclesistica (13 dias aps a lua nova
eclesistica, definida segundo o ciclo metnico) que ocorre aps ou no equincio da primavera
eclesistica (21 de maro); caso o dia assim definido esteja alm de 25 de abril, a Pscoa ocorre no
domingo anterior; caso a lua cheia eclesistica ocorra no dia 21 de maro e esse dia seja domingo,
a Pscoa ser no dia 25 de abril.
Portanto o calendrio Gregoriano com 365,2425 dias, aos poucos foi substituindo o
calendrio Juliano e sendo adotado na maioria dos pases ocidentais.
40
historiadores, pode ser considerado o primeiro intelecto cientfico produzido pelos povos da
Germnia. Porm, pensando no conceito de tempo, um outro monge chamado Beda que
viveu parte de sua vida em Jarrow, tem maior relevncia.
Os escritos de Beda tm uma grande importncia na histria da cronologia, pois neles
encontram-se relatos do snodo de whitby, em 664. Nesta ocasio o Rei Oswy convocou
esse snodo para resolver o problema da data da Pscoa entre as igrejas romana e celta. A
tradio romana estabelece o dia da Pscoa como o primeiro domingo aps a primeira lua
cheia que se segue ao dia 21 de maro (ou coincide com ele). Se a lua cheia coincidir com o
domingo, o dia da Pscoa o domingo seguinte. A preocupao aqui era evitar a
coincidncia com o Pessach15 judaico. Por outro lado, a igreja celta seguia a tradio
romana, mas o seu afastamento a impedia de acompanhar as mudanas quando o 14 dia da
lua caa num domingo. Na maioria dos anos este fato no trouxe nenhum problema, porm
em uma oportunidade o rei Owsy, que seguia a prtica celta, no pode comemorar a Pscoa
em razo da ausncia da rainha que seguia a tradio romana e estava de jejum porque para
ela o domingo era de ramos.
Beda, alm desse relato, fez outros tratados como: De temporum ratione (sobre a
contagem do tempo), em que ele computou tabelas da Pscoa para o perodo de 532 a 1063
dC. Alm disso, introduziu na Inglaterra o sistema d.C. formulado por Dionsio, em que os
anos so contados a partir do nascimento de Cristo.
Aps esse perodo, os ataques dos vikings e a conquista normanda sobre a Inglaterra
levaram a Europa para um outro perodo histrico. Porm o interesse dos homens da idade
mdia pela astronomia e pelos fenmenos temporais era grande. Mas os astrnomos s
conseguiram superar Beda com o astrolbio, instrumento trazido do mundo islmico. G.J.
Whitrow (1993, pg. 93) comenta:
Uma ferramenta essencial para permitir aos astrnomos superar o estgio atingido por Beda foi o
astrolbio. Esse instrumento fora introduzido no ocidente no sculo XI, trazido do mundo do Isl,
que na poca gozava de um grau mais elevado de civilizao e de saber cientfico e tecnolgico que
o ocidente.
A era islmica teve incio em 16 de julho de 622, o primeiro dia da fuga de Maom para
Medina. A contribuio do mundo islmico importante principalmente como preservadora
da cultura helnica, por meio das inmeras tradues dos escritos dos filsofos gregos
41
realizada a partir do sculo VII. O conhecimento cientfico dos gregos combinados com
contribuies indianas e iranianas difundiu-se pelo mundo islmico chegando at a Europa.
A preocupao dos islmicos era contratar pessoas com slida formao matemtica para
determinar momentos astronomicamente definidos de preces e a direo de Meca. Segundo
G.J. Whitrow (1993, pg. 93), Bagd torna-se a grande sucessora de Alexandria:
Por volta do fim do sculo IX, muitos trabalhos cientficos e tecnolgicos helensticos haviam sido
traduzidos para o rabe, inclusive o grande livro astronmico de Ptolomeu, Syntaxia, hoje mais
conhecido por seu ttulo rabe, Almagesto. Em virtude de toda essa atividade, Bagd
foi a
15
16
Pscoa Judaica.
Referncia: www.arquipelagos.pt/newlayout.php?active=.
42
Uma boa descrio do instrumento foi feita pelo poeta Chaucer na segunda metade do
sculo XIV, conforme G.J. Whitrow (1993, pg. 95):
Consistia de uma placa circular de metal (em geral de bronze) com uma borda graduada. Era
marcada com uma linha de referncia (ou dimetro) e articulada a seu centro, havia uma linha
giratria (ou ponteiro). Modelos portteis podiam ser pendurados num aro preso borda, de tal
modo que a linha de referncia ficava na horizontal. Dirigindo o ponteiro para uma estrela
especfica, podia-se ler a sua altitude a partir da escala da borda com preciso de cerca de um
grau. Para qualquer latitude dada, a estrela polar tem de fato uma altitude constante e as outras
parecem girar a sua volta em decorrncia da rotao da Terra. Na frente do astrolbio havia uma
fina placa (o tmpano), onde estava gravada a projeo esferogrfica das linhas de altitude e
azimute (distncia angular ao longo do horizonte), como se apresentariam a um observador numa
determinada latitude. Um mapa das estrelas com interstcios em projeo esferogrfica (conhecido
como rete) ficavam em frente ao tmpano e podia ser girado com a mo sobre as linhas de altitude e
azimute.
Por fim, o calendrio islmico um dos poucos lunares e o ano civil17 pouco mais de
dez dias mais curto que o ano trpico, tambm chamado de ano das estaes.
China e ndia
Os hindus, durante um extenso perodo chamado de vdico (XV aC at XI dC) fizeram
uma srie de observaes do cu. Nessas observaes a trajetria do sol foi descrita, assim
como a da lua, constituindo um registro importante que os levou elaborao de alguns
calendrios.
Por volta de 1000 aC o calendrio utilizado era composto de 360 dias dividido em 12
meses de 27 ou 28 dias. Ronan (2001, pg. 72, vol. II) indica que os hindus perceberam o
erro em seu calendrio e aos poucos fizeram a correo.
Os hinos vdicos do os dois valores (27 e 28), mas parece que o perodo foi sendo alterado com o
passar dos anos, pois em 100 a.C. um texto vdico "a respeito das luminrias" refere-se tambm ao
ms "terico" de 30 dias. Mesmo assim, isso daria um calendrio 5,25 dias mais curto que o ano
solar, e os hindus vedas tinham dois mtodos para lidar com ele: ou adicionar um ms extra a intervalos regulares ou somar cinco ou seis dias a um ou mais meses. Tentaram ambos, e por fim
adotaram a primeira alternativa.
17
Ariabata I, j por volta de 500 dC, utilizou o valor de 1728.000 para definir a Idade de
Ouro, e 1296000 anos para a Idade da Prata. A Idade de Ferro seria composta por um ciclo
menos de 432000 anos e teria comeado em 17 ou 18 de fevereiro de 3102 aC , quando os
planetas estariam em conjuno no cu (Ronan, 2001).
Os chineses tinham duas motivaes para observao do cu. A primeira era a crena na
influncia desse na vida das pessoas. A segunda era a necessidade de confeco de
calendrios . vlido lembrar que a aceitao dos calendrios era parte das obrigaes com
o imperador e revelava a obedincia a ele.
A astronomia chinesa, bem como a cincia em geral, demorou em ser entendida e
percebida, embora em muitos casos, fosse mais avanada que a dos gregos, principalmente
pela dificuldade lingstica (Ronan, 2001). Contudo, sabe-se que esse povo fez um grande
mapeamento astronmico do cu, identificando as posies de diversas constelaes (28),
posies do sol e da lua em diferentes pocas18.
Em 1400 aC, aproximadamente, os chineses sabiam que a durao do ano solar era de
365,25 dias e que as lunaes possuam um perodo de 29,5 dias. Tinham um calendrio
solar, utilizado para definio das estaes da natureza, e outro lunar possivelmente utilizado
para organizao do ano civil. Sendo assim, doze lunaes correspondem a 354 dias
configurando uma diferena com o calendrio solar, levando a necessidade de um acrscimo
de um ms extra de 29 ou 30 dias para fazerem as correes de acordo com as observaes
da natureza. Porm no se sabe ao certo a periodicidade desse acrscimo. Alm desses
calendrios, os chineses desenvolveram um ciclo de 19 anos que, segundo Ronan (2001,
pg.36 vol. II):
18
Ao que tudo indica, os chineses conheciam esse ciclo um sculo antes de Meto apresentar, seu
trabalho. Esse mtodo de 19 anos era superior ao primeiro e, de modo geral, o substituiu no sculo
III a.C. Tais clculos eram suplementados por um ciclo "meteorolgico" de 24 pontos "Incio da
Primavera", "gua da Chuva", "Insetos Excitados", "Equincio Primaveril", e assim por diante;
cada ponto significava um movimento do Sol prximo aos 14 graus de ascenso reta e pouco mais
de 15 graus ao longo da eclptica. Se um ms lunar deixava de conter um dos pontos meteorolgicos
o que podia acontecer de tempos em tempos isso significava que se devia inserir um ms extra.
Assim os chineses tinham um eficiente calendrio lunissolar.
A semana chinesa possua 10 dias e essa definio era feita tendo como referncia uma
contagem de dias baseada nos chamados 12 ramos terrestres e 10 caules celestes que
davam dois ciclos de 60 dias e era utilizada na dinastia Chang . Portanto, sem nenhuma
relao com o sol ou lua, apenas baseada em elementos msticos de previso da sorte. A
semana de 7 dias s apareceu por volta de 1000 dC, introduzida atravs do contato com os
persas e com mercadores da sia Central j na dinastia Sung.
O maior ciclo chins era baseado no movimento do planeta Jpiter, conforme aponta
Ronan (2001, pg. 38 vol.II):
Outros ciclos foram reconhecidos, como aconteceu com outras civilizaes, e quase todas elas
ficavam fascinadas com o perodo de 12 anos de Jpiter. O maior ciclo chins, a "Suprema Grande
Origem Derradeira", combinava todos os outros, e somava no menos que 23 639 040 anos; era o
perodo depois do qual todas as variaes das posies relativas de todos os objetos celestes se
repetiriam.
45
Portanto, nesse tipo de relgio a chama queima em ritmo constante servindo para medir
a diviso do dia religioso e para outros fins. Essa forma de medir o tempo foi bastante
difundida na China e as pessoas de olfato mais sensvel identificavam a hora pelo cheiro,
algo muito diferente e prprio dessa cultura.
Zapotecas, maias e incas
Na regio meso-americana (Amrica Central) existiram diversas civilizaes de
impressionante nvel de desenvolvimento em muitas reas do conhecimento humano,
comparvel aos egpcios e babilnicos do mesmo perodo.
Quanto marcao do tempo, merece destaque a civilizao zapoteca, que sobreps os
olmecas no fim do sculo VIII aC e precederam os astecas que se utilizaram do seu
calendrio. Os zapotecas esculpiam suas crenas e conhecimentos nas lajes de arenito ao
largo do ptio principal. Os danzantes como foram chamados, revelam entre outras coisas,
segundo Ronan (2001, pg. 56, vol I):
(...) um calendrio cclico de 52 anos, com dias e meses expressos num sistema de numerais de trao e
ponto. Esse ciclo de 52 anos, ou "calendrio circular", foi adotado porque, aps um calendrio de
19
365 dias repetir-se 52 vezes, um determinado dia ocorrer novamente na mesma posio no ano. Mais
uma vez, ento, encontramos o que parece ser um sistema de calendrio sofisticado, que deve ter sido
administrativamente admirvel, como o egpcio, e que mostra claramente o conhecimento de que o
perodo de 365 dias no era exato. Era o primeiro calendrio escrito da MesoAmrica, e foi adotado
pelos maias.
A civilizao maia teve uma ateno particular com a medio do tempo, pois era
constituda por um povo agrcola obrigado a lutar contra um clima tropical. Mas, toda a sua
preocupao com o tempo estava ligada questo mstica e religiosa. Tinham a necessidade
de saber qual deus estava no comando em determinado momento. Foi uma civilizao que
possua uma matemtica bastante complexa e exata.
O calendrio maia era composto por um ano sagrado com o ciclo de 260 dias
distribudos em um conjunto de 13 meses de 20 dias. Alm desse, os maias, possuam
tambm o ano solar de 365 dias que os arquelogos chamam de ano vago de 18 meses de 20
dias e cinco dias intercalares. Existia ainda um ciclo maior chamado calendrio Redondo
com 18980 dias, correspondendo ao perodo em que os ciclos de 260 e 365 dias coincidiam.
Vale a pena notar que o nmero 18980 mnimo mltiplo comum de 260 e 365. Outro fato
importante do calendrio maia foi uma era conhecida com longa conta, sendo uma
contagem dos dias a partir de um ponto convencional. Eles acreditavam que o mundo havia
sido destrudo e criado vrias vezes. Atualmente os pesquisadores acreditam que a longa
conta era usada para datar eventos histricos e no astronmicos.
Outro fato interessante sobre os maias que o tempo estava ligado ao planeta Vnus,
sobretudo quando ele aparecia como a primeira estrela da manh. Esse perodo de
visibilidade tinha uma importncia vital e era considerado um momento aterrorizante. Todos
os ciclos dos maias tinham seu reincio num dia em que Vnus fosse a estrela da manh.
Possuam tabelas sobre o planeta Vnus com uma notvel exatido s alcanada nos tempos
modernos.
Mas os dados acima, apesar de importantes, no revelam a obsesso dos maias pela
marcao do tempo. A arquitetura maia era alinhada e construda tendo eventos
astronmicos como referncia. A pirmide de Chichen-Itza, hoje conhecida como EL
Castilho, tem a fachada oeste apontada para o Sol poente nos dias de passagem pelo znite
(Maes, 2006).
47
Quanto s divises temporais menores, os maias possuam uma estrutura para a semana
diferente da dos europeus, segundo G.J. Whitrow (1993, pg. 112):
(...) Enquanto na Antiguidade europia os dias da semana eram considerados submetidos
influncia dos principais corpos celestes dia de Saturno, dia do Sol, dia da Lua e assim por
diante para os maias cada dia era ele prprio um deus. Representavam as divises do tempo
como cargas transportadas por uma hierarquia de carregadores divinos que personificavam os
nmeros plos quais se distinguiam os diferentes perodos de tempo: dias, meses, anos etc(...) .
Essa forma de pensar a semana possua uma relao com o trabalho, ou seja o erguer-se
do cho com a carga pesada nas costas (...) a cena tpica do carregador indgena
reiniciando sua jornada, familiar a todos que visitaram as regies montanhosas da
Guatemala., segundo o historiador J.E. Thompson (apud G.J. Whitrow 1993, pg. 112).
48
Na Amrica do sul se destaca a civilizao inca que viveu, e ainda vive, nos Andes. O
imprio inca durou em torno de 1 sculo. Desenvolveram vrias tcnicas para sobreviver as
intempries do ambiente gelado do Andes, alm de desenvolver uma tecnologia nas reas
de fundio, mumificao e matemtica, sobretudo com o quipus, algo parecido com o
baco chins. Contudo, quanto a marcao do tempo desenvolveram apenas um calendrio
solar e um lunar, conforme aponta Ronan (2001, pg. 62, vol I)
No entanto, o ponto de vista mais corrente de que tinham tanto um calendrio lunar como um
baseado nas estaes. O que no est claro como os dois se relacionavam, mas, pelo menos em
uma rea inca, cada terceiro ano ligado s estaes era constitudo por um calendrio lunar de treze
meses, esquema que tornava o calendrio lunar quase paralelo ao das estaes. Este tinha doze
meses, cada um deles com trs semanas de dez dias, aos quais se adicionavam cinco dias para as mais
importantes cerimnias religiosas incas, chegando ao total de 365 dias. O ano comeava no solstcio
de vero, que caa em dezembro. Observaes para determin-lo eram feitas a partir de uma plataforma
elevada no meio da grande praa de Cuzco, com o auxlio de marcas pr-arrumadas.
Os incas, ao contrrio dos maias, tinham uma organizao das cidades que visava
orden-las em funo de sua astronomia, objetivando a agricultura. Portanto as suas ruas
eram ordenadas de acordo com os eventos astronmicos, e quem sobrevoa o deserto de
Nazca pode admirar as linhas com quilmetros de comprimento traadas no cho.
Assim extremamente interessante pensar que uma civilizao que no chegou a
inventar a roda e no possui registro de relgios de sol ou de gua, ou seja, no marcava o
tempo em pequena escala, como os maias, possa ter desenvolvido calendrios extremamente
precisos.
Grupos indgenas brasileiros
Pensando no dilogo entre o tempo e a cultura importante destacar civilizaes
diferentes da ocidental. J se descreveu aqui os maias, chineses e os hindus. Destacam-se
agora os nativos brasileiros.
Quando se examina a cosmologia desses grupos indgenas, intensifica-se a crena que
a concepo de tempo fruto da cultura e organizao social. Assim como outros povos
citados, os indgenas brasileiros perceberam que os fenmenos naturais so cclicos. Assim
sua atividade de pesca, caa e lavoura estavam sujeitas a flutuaes sazonais.
Os tupis-guaranis, que fazem parte do tronco lingstico que inclui o tupi, o guarani,
entre outras lnguas, so o grupo mais extenso, sendo encontrados em partes do Brasil,
49
Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolvia, Peru e Guiana Francesa. Para esse grupo o Sol o
principal regulador da vida. Os guaranis, por exemplo, nomeiam o sol de Kuaray na
linguagem cotidiana e Nhamandu na espiritual (Afonso, 2006). Eles determinam o meio-dia
solar, pontos cardeais e estaes do ano pelo gnmon, ou seja, pelo relgio solar, chamado
por eles de cuaracyraangaba. Lembrando que o relgio solar tambm foi utilizado no Egito,
Babilnia, China e Grcia. Segundo Afonso (2006, pg. 51):
O calendrio guarani est ligado trajetria aparente anual do Sol e dividido em tempo novo e
tempo velho (ara pyau e ara ym, respectivamente, em guarani). Ara pyau o perodo de primavera
e vero, sendo ara ym o perodo de outono e inverno.
Assim, o incio de cada estao obtido pela observao precisa do nascer e pr-dosol. O dia para eles medido por dois nasceres consecutivos do sol, sendo a primeira
unidade bsica. J a lua tambm tem a sua importncia por definir o ms, que medido
como o intervalo entre o aparecimento da mesma fase da lua no cu. A lua tambm
importante para a orientao geogrfica, pois a parte iluminada reflete os raios solares.
Quanto s horas, segundo Afonso (2003, pg. 51), as fases da lua:
(...) permitiam obter as horas da noite: o primeiro filete, depois da lua nova, aparece ao anoitecer,
do lado oeste, e desaparece minutos depois; a lua crescente (jaxy endy mbyte) aparece desde o
anoitecer at meia-noite; a lua cheia, do pr-do-sol ao nascer do sol e a lua minguante (jaxy
nhenpytu mbyte) fica visvel da meia-noite ao amanhecer.
50
Quando elas apareciam, afirmavam que as chuvas iam chegar, como chegavam, efetivamente,
poucos dias depois. Como a constelao aparecia alguns dias antes das chuvas e desaparecia no
fim para tornar a reaparecer em igual poca, eles reconheciam perfeitamente o intervalo de tempo
decorrido de um ano a outro. Da mesma maneira, atualmente para os tembs, que habitam o norte
do Brasil, o nascer helaco das Pliades anuncia a estao da chuva e o seu ocaso helaco aponta a
estao da seca. Para os guaranis do sul do pas, o nascer helaco das Pliades anuncia o inverno,
enquanto o ocaso helaco indica a proximidade do vero.
Os bororos, tribo que vive no cerrado tambm um povo indgena com poucos
representantes, porm so grandes preservadores da sua cultura. Sua marcao temporal no
traz grandes diferenas com os tupis-guaranis, pois utilizam o sol (Meri) como referncia
diria e a lua (Ari) como referncia noturna. O perodo de um ms, assim como a coleta de
brotos de palmeiras para o artesanato e plantio tambm so determinados pela lua. As
Pliades tambm orientam os ciclos sazonais
Um fato diferente com relao aos tupis-guaranis a organizao da aldeia em funo
da observao do sol. Outro fato interessante a mudana da localizao da casa de um
bororo ao longo da vida (Fabian, 2006, pg. 59) :
(...) um homem boror nascer na metade norte ou sul da aldeia, ir se mudar para a casa central
dos homens na puberdade(...) , e ento morar com a famlia de sua mulher na metade oposta, reproduzindo assim o movimento solar anual norte-sul/sul-norte.
Os caiaps, por sua vez, distribuem-se no Parque do Xingu, ao norte do estado de Mato
Grosso e ao Sul do Par. As aldeias antigas eram construdas tendo a trajetria aparente do
sol no cu como referncia, sendo definida como um padro de construo. Seu sistema de
orientao espacial e a definio dos pontos cardeais so feitos de maneira interessante e
singular, pois o xam deita-se no centro da aldeia, com seu umbigo apontado para o Znite,
a cabea para o nascente do sol e os ps para o poente. Segundo Campos (2006, pg. 66)
esse esquema funciona muito bem para a prtica de organizao social e se mostra mais
coerente do que o sistema ensinado nas nossas escolas, pois:
Nelas ensina-se a apontar a mo direita para o nascente. Isso, conseqentemente, nos coloca de
frente para o norte e aparentemente para a Estrela Polar. Sabemos que ela no pode ser vista do
Hemisfrio Sul, pois se encontra abaixo do horizonte para quem aqui observa o cu. Desse modo
somos ensinados a ficar de frente para algo que no vemos e acabamos dando as costas para o que
vemos: a constelao do Cruzeiro do Sul. Este sim o recurso de orientao noturna mais visvel
no Hemisfrio Sul. Nesse caso a regra definitivamente prtica seria ensinarmos a colocar a mo
51
esquerda em direo nascente. Desse modo, noite estaramos de frente para o Cruzeiro do Sul e
olhando na direo sul. Em vez NORTEar, a proposta aqui SULear.
Portanto, para os caiaps, de maio a outubro, com o rio ainda cheio, no final da festa da
mandioca e com o milho ainda com a palha seca, comea o tempo de seca. De novembro a
abril, com a invaso das formigas de asas e o surgimento das borboletas na margem do rio,
inicia-se o tempo de chuva.
Para finalizar, ressalta-se que a riqueza e o conhecimento dos povos nativos
brasileiros, desenvolveram uma cincia de marcao temporal com uma preciso invejvel e
comparvel aos povos da antiguidade mais citados: egpcios, babilnicos e gregos.
Relgios do mundo moderno e contemporneo
A palavra inglesa clock est relacionada com a palavra latina clocca e com a palavra
francesa cloche, que significam sinos. Esses tinham grande importncia na vida na idade
mdia e os mecanismos desenvolvidos para toc-lo, como a roda dentada e alavancas
oscilantes, podem ter contribudo para o desenvolvimento do relgio mecnico, pois:
(...). Uma possvel comprovao desta idia pode ser vista na nica representao pictrica que
restou de um relgio de gua ocidental do sculo XIII, que parece ter sido
volta de 1250, na corte de Lus IX. Era essencialmente um instrumento para anunciar as horas, com
sinos. A nica roda visvel parece ter 24 dentes, o que pode significar que tinha uma rotao diria.
A fora motora era fornecida por um peso que descia lentamente, pendurado num fio enrolado em
volta do eixo ou rvore, constituindo o caso mais antigo que se conhece de acionamento por peso de
um relgio. (G.J. Whitrow 1993, pg. 120)
Assim a relao entre a palavra e o seu significado estava bem justificada, porm esses
no foram os primeiros relgios que apareceram. Os primeiros relgios que apareceram
52
foram os mecnicos. Daqueles de que se tem notcia os primeiros eram acionados por pesos,
instalados no monastrio de Dunstable. A igreja catlica teve um papel importante nesse
desenvolvimento da tecnologia dos relgios, devido severa observncia dos horrios de
oraes e o registro do tempo, alm de todo o controle sobre o ensino e o domnio
econmico, que eram importantes para contratar os artesos.
O aspecto mais revolucionrio desses relgios no eram os pesos e nem as engrenagens,
e sim o escapo de haste e folhas. Esse dispositivo consistia em uma barra horizontal com um
piv em seu centro e uma haste com duas flanges que engatavam em uma roda dentada. A
cada oscilao da folha, que era acionada por pesos, a roda era empurrada liberando um
dente. Nesse sistema o escape era responsvel em controlar as rotaes da roda dentada e
transmitir energia necessria para manter o movimento do oscilador. Ou seja, esse
dispositivo regulava a velocidade que operava o relgio, conforme a figura a seguir:
Com o aumento da procura por relgio a partir do sculo XV, outra inovao abriu caminho
para a construo de relgios portteis. Os pesos foram substitudos por mola em espiral, a
corda. Porm, tinha-se um problema, pois a tenso na mola aumentava quando ela era
comprimida. O dispositivo que superou esse problema foi o fuso. Com a forma de um cone,
ele ficava ligado por um fio ao cilindro onde estava a mola. Ao dar-se corda ao relgio o fio
53
era puxado do cilindro para o fuso que, com o seu dimetro menor da espiral, compensa o
fato de a mola ficar esticada, conforme a ilustrao a seguir:
Figura 4 Fuso20
20
Assim, foi Christian Huygens quem projetou o primeiro relgio de pndulo. Ele
percebeu que o pndulo quando atravessa um arco circular completa as oscilaes menores
mais depressa que as maiores. Esse problema fazia os relgios atrasarem. Para resolver esse
problema Huygens projetou uma suspenso que permite a ponta do pndulo se movimentar
formando um arco ciclide, no circular. Assim, a oscilao passa a se completar sempre no
mesmo perodo de tempo, de forma independente da amplitude, conforme a figura a seguir:
Figura 5- O pndulo20
Andrewes (2002, pg. 91) aponta outra grande inovao feita por Huygens,:
Huygens fez em 1675 outra grande importante descoberta, o balancim, em espiral. Tal como a
gravidade controla a oscilao de um lado para outro do pndulo nos relgios de armrio, a mola
55
balancim regula a oscilao em rotao nos relgios portteis. O balancim em espiral um disco
extremamente bem regulado que gira inteiramente numa direo e depois na outra.
Figura 6- Balancim21
Huygens teve um papel importante nesse desenvolvimento, porm nessa mesma poca
ele tomou conhecimento de outra inveno importante que aumentou ainda mais a preciso.
Trata-se do escape de ncora que permite ao pndulo balanar num arco to pequeno que o
percurso do ciclide era desnecessrio.
Figura 7- ncora22
21
22
Apesar de ainda serem usados, os relgios de quartzo possuem uma preciso muito
menor que as oscilaes naturais vindas de uma fonte de csio. A preciso desses relgios
era to grande, ou seja, da ordem de nanosegundos, que houve necessidade de se repensar a
definio do segundo a partir dessa inovao. Assim a definio atual do segundo baseada
na freqncia de ressonncia do tomo de csio. Essa definio foi adotada em 1967.
Tecnicamente falando ela corresponde durao de 9192631770 ciclos da radiao
23
vlido ressaltar que hoje os sinais de hora no mundo inteiro so coordenados pelo
BIH (Bureau International de lHeure), que define um relgio mdio baseado em
aproximadamente 80 relgios atmicos instalados em 24 pases. Esse nmero de relgios
permite uma sincronizao imediata com preciso de um milionsimo de segundo. Essa
metodologia de medida recebe o nome de Tempo Coordenado Universal (UTC), que
substituiu o GMT. Embora seja controlado em Paris, a referncia geogrfica continua sendo
o observatrio de Greenwich. Esse observatrio continua contribuindo para a preciso da
marcao do tempo, atravs de observaes realizadas por satlites e por sistemas de
deteco a laser que constatam um nmero de segundos no inteiros, conforme G.J.
Whitrow (1993, pg. 189):
Desde 1 de janeiro de 1972 sinais de tempo irradiaram segundos atmicos, mas, assim como no
h um nmero inteiro de dias num ano, no h tambm um nmero inteiro de segundos num dia
solar. Isto levou adoo de correes, positivas ou negativas, de exatamente um segundo. So os
58
Para o futuro espera-se ainda maior preciso. Relgios espaciais criados para os vos da
Estao Espacial Internacional de 2005 medem o tempo com erro inferior de 10-16s. Em
novos testes com relgios que extraem o tempo de tomos de clcio e ons de mercrio, ao
invs de csio, espera-se preciso de 10-18s .
Com essa preciso espera-se colocar a teoria da relatividade novamente prova.
Segundo Einstein, a velocidade de qualquer relgio diminui na medida com que a gravidade
aumenta, ou quando os relgios esto em movimentos com grande velocidade em relao a
um observador que no se mova junto com ele. Portanto esperar para ver se ainda assim
ele est certo.
Portanto, para Hesodo o tempo estava relacionado aos acontecimentos cclicos, que
regulavam as atividades humanas, aos sentimentos, tendo tambm um aspecto mstico,
principalmente quanto liberdade para a realizao das atividades dirias, definindo os
melhores e os piores dias para sua realizao.
Herclito, por sua vez, prope a mudana permanente como uma lei fundamental que
governava todas as coisas: No se pode tomar banho duas vezes no mesmo rio (G.J.
Whitrow 1993, pg. 53). Para ele o mundo era formado pelo conflito de opostos como:
59
quente e frio seco e molhado, entre outros. Ele acreditava num princpio que governava
todas as relaes, representado pelo equilbrio desses opostos, tendo o tempo como juiz e
controlador desse equilbrio.
Anaximandro tambm compartilhava da idia do tempo como juiz. Em um dos seus
escritos que chegou at o mundo ocidental, ele faz referncia justia feita pelo tempo. O
estadista ateniense Slon tambm fazia referncias ao tempo como juiz. Suas defesas,
segundo historiadores, eram apresentadas diante de um tribunal do tempo.
Os pitagricos possuem uma concepo de tempo que se aproxima muito das
concepes orientais, mais especificamente dos persas e especula-se que tiveram uma
grande influncia dessas idias. As concepes dualistas parecem ter influenciado os
pitagricos principalmente pelo carter mstico. Alm disso, o tratamento que o grupo de
seguidores de Pitgoras dava aos nmeros, tendo-os como a chave para a explicao do
universo, possua uma ligao com os conceitos espaciais e temporais.
Parmnides prope que a noo de presente e futuro so criaes de um mundo aparente
e que na verdade vivemos em um mundo imutvel e atemporal, ou seja, o tempo na
verdade um contnuo.
A partir disto, afirmava que, uma vez que somente o presente , disto decorre que o passado e
futuro so igualmente carentes de significado o nico tempo um tempo presente contnuo, e o
que existe no criado e tambm imperecvel. (G.J. Whitrow 1993, pg. 55)
Plato (sc. IV aC), um dos grandes filsofos gregos, e influente at hoje em muitas
reas do conhecimento humano, tambm discute o conceito de tempo. Ele fez as suas
consideraes principalmente na obra cosmolgica O Timeu. Nessa obra, ele prope que o
espao existe como uma estrutura estabelecida, em que o universo moldado por formas
geomtricas eternas e em estado de repouso, ou seja, um universo ideal. Porm, esse mundo
eterno e maravilhoso est sujeito a mudanas, o que denominamos de real. O tempo esse
sujeito de mudana que separa o real do ideal. Portanto, percebe-se que para Plato, o tempo
produzido pelo universo, conforme aponta G.J. Whitrow (1993, pg. 57):
Essa imagem movente se manifesta nos movimentos dos corpos celestes. A estreita associao que
estabeleceu entre o tempo e o universo conduziu Plato a considerar o tempo como efetivamente
produzido pelas revolues da esfera celeste. Um legado permanente de sua teoria do tempo a
idia de que este e o universo so inseparveis. Em outras palavras, o tempo no existe por direito
prprio, sendo uma caracterstica do universo.
60
Portanto, para Plato, o tempo esse elemento de mudana que separa o real do ideal e
produzido pelo arquiteto junto com o universo, que Plato descreve com estas palavras:
Ento ele lembrou-se de fazer uma imagem mvel da eternidade e, ao mesmo tempo em que
organizava o cu, fez da eternidade que resta da unidade esta imagem eterna que progride segundo
o nmero, e a que ns chamamos o tempo. (Plato, sem data, pg. 266)
61
Os Persas e os rabes
O pensamento relativo ao tempo no Imprio Persa, por volta de 500 a 300 a.C., estava
baseado na religio. Na poca o zoroastrismo envolvia uma interpretao teleolgica do
tempo. No incio do tempo dois espritos foram criados por Ahura-Mazd, o esprito bom e o
esprito mau, que envolviam o homem em uma luta csmica entre o bem e o mau. Nesse
contexto, a concepo de tempo era que o prprio tempo seria o criador. Para ilustrar tal
afirmao, destaca-se abaixo um trecho de um pensamento persa citado por G.J. Whitrow
(1993, pg. 49):
Exceto o tempo, todas as outras coisas so criadas. O tempo o criador; e o tempo no tem
limites, nem cume ou base. Ele sempre foi e ser para todo o sempre. Nenhuma pessoa sensata dir
de onde veio o tempo(...)
Como o pensamento iraniano foi perpassado por uma tendncia ao dualismo, no surpreende que
dois aspectos do tempo fossem reconhecidos: o tempo indivisvel que a eterno agora, e o tempo
que divisvel em partes sucessivas.
62
"O tempo composto de tomos de tempo, isto , de muitas partes, que, em razo de sua curta
durao, no podem ser divididas (...) Uma hora , por exemplo, dividida em 60 minutos, o segundo
em 60 partes e assim por diante; ao cabo de dez ou mais sucessivas divises por 60, obtm-se
elementos de tempo que no so passveis de diviso, e so de fato indivisveis." Essa concepo
atomstica do tempo estava associada a um conceito radicalmente contingente e acausal do mundo,
segundo o qual sua existncia num instante no implicava sua existncia em nenhum instante
subsequente. (G.J. Whitrow, 1993, pg.96)
Decorre que dessa concepo atomstica do tempo encontrada nos rabes, muito foi
inferido sobre a possibilidade de uma influncia grega, sobretudo da teoria atomstica de
Epicuro e os paradoxos de Zeno. Contudo ainda no se encontrou nenhum vestgio de
teoria grega que combinasse com esse atomismo material e temporal dos rabes. McDonald
(G.J. Whitrow, 1993), historiador e pesquisador da cincia islmica, tem atribudo essa viso
atomstica influncia hindu.
O oriente
A concepo dos hindus sobre o tempo tem uma origem mstica. O termo kala para eles
denota tempo. Originalmente era empregado para denotar a idia de um momento certo,
porm a idia de tempo foi tornando-se um princpio do universo, e a prpria palavra Kala
foi associada a Kali, que significa A negra, uma das formas da esposa do deus Shiva. O
tempo era visto como algo tenebroso associado ao deus da destruio por ser duro e
impiedoso.
Por outro lado, a concepo mais antiga, sugeria que o tudo um mero instante e em
seguida substitudo por uma cpia exata de si mesmo, como pequenos momentos de um
filme. Essa teoria recebeu o nome de teoria da momentaneidade, sendo formulada pelos
sautrnkitas, uma seita budista. O conceito de instante possua intrinsecamente uma idia de
realidade absoluta que escapa ao domnio intelectual, sendo um conceito atomstico do
tempo.
J no sculo XI muitos debates filosficos sobre o tempo eram travados pelos hindus.
Uma linha de pensamento defendia a idia de que o tempo perceptvel pelas suas
qualidades ligadas ao movimento. Os contrrios a essa idia defendiam a inexistncia do
tempo, ou seja, o tempo um conceito inferido, pois no possui qualidades de objetos
sensveis. G.J. Whitrow (1993, pg. 105) destaca esses debates:
63
(...) a escola Bhatta-mimamsaka afirmava que o tempo perceptvel, enquanto seus opositores
Nyaya-Vaiseka sustentavam que apenas um conceito inferido porque carece de qualidades
sensveis como cor, forma etc. A primeira escola contra-argumentava que qualidades sensveis no
so os nicos critrios de perceptibilidade e que o tempo sempre percebido como uma qualidade
de objetos sensveis. Em outras palavras, os eventos so percebidos como rpidos, lentos etc.,
propriedades que envolvem uma referncia direta ao tempo. Seus oponentes replicavam que o
tempo per se no podia ser percebido e que somente por meio da inferncia podemos conhec-lo
como realidade ontolgica. Outras discusses filosficas sutis diziam respeito ao contraste entre a
realidade objetiva do instante e a natureza ideal da durao, porque esta um construto mental,
enquanto a primeira experimentada (o contrrio do que pensamos hoje no ocidente).
Por outro lado, os chineses sustentam tambm que o tempo, como construo do
pensamento, proporciona uma sensao de diviso, contudo possvel, em diferentes nveis
de conscincia experimental, um momento eterno, conforme indica Capra (2006, pg. 139):
Esqueamos o lapso de tempo; esqueamos o conflito de opinies. Apelemos para o infinito e
tomemos nossas posies nele.
Chuang Ts
A tranqilidade absoluta o momento presente. Embora ela esteja neste momento, no existe limite
para este momento, e nisto reside o deleite eterno.
Hui-neng
Neste mundo espiritual no existem divises do tempo, como o passado, o presente e o futuro; pois
tais divises contraram-se num nico momento do presente, onde a vida palpita em seu verdadeiro
sentido. [. ..] Passado e futuro so trazidos at esse momento presente de iluminao e esse momento presente no algo que permanece parado com tudo aquilo que contm, pois, incessantemente,
ele se move.
D. T. Suzuki
A permanncia do tempo uma outra forma de conceber o momento como eterno. Nas
palavras do mestre oriental Zen Dogen (apud Capra, 2006 pg. 144):
A maioria das pessoas acredita que o tempo passa; na verdade, o tempo permanece onde est.
Essa idia de passagem pode ser chamada tempo; trata-se, no obstante, de uma idia incorreta,
uma vez que na medida em que o encaremos somente como passagem, no podemos perceber que
ele permanece onde est.
64
Portanto, essa concepo contrasta com o pensamento ocidental, em que a marcha dos
fenmenos tem uma nica direo temporal definida, ou seja, da causa para efeito. Um
exemplo dessa concepo que sempre se v o ovo quebrando, porm no se observa um
ovo quebrado sendo reconstitudo, espontaneamente.
Como destaca
65
Segundo os mitos da criao Maia, o cosmos era dividido em trs planos: o submundo, o cu
e a terra. A idia do submundo pode ter origem na observao das profundas piscinas
naturais e cavernas que existiam nas florestas. Era um local marcado pela morte e
putrefao, dominada por um deus que velava por um local de tortura, porm no no sentido
cristo, e sim, provavelmente, pelas observaes dessas cavernas. O cu era o plano em que
reinava o deus sol, que ensinava a eles muitas coisas. A noite, o cu noturno, mostrava a
ao dos deuses. A terra, provavelmente, era a casa da vida e observao do cosmos
(Maes, 2006).
Portanto, tendo essa concepo de cosmos como pano de fundo, a concepo de tempo
filosfica dos Maias est ligada magia e sua religio politesta. Consideravam cada dia e
cada noite como um deus, segundo G.J. Whitrow (1993, pg.113)
Dias, meses, anos, e assim por diante, eram todos membros de equipes de revezamento, avanando
ao longo da eternidade. A carga de cada deus passou a significar o pressgio especfico ligado
diviso de tempo em questo. Num ano a carga podia ser de estiagem, em outro uma boa colheita, e
assim por diante. Calculando que deuses estariam caminhando juntos um dado dia, os sacerdotes
podiam determinar as influncias combinadas de todos eles e assim prever o destino da
humanidade. A hierarquia de ciclos para cada diviso de tempo levou os Maias a dedicarem maior
ateno ao passado que ao futuro.
Com isso, os Maias no se preocupavam com o futuro e sim com o passado, j que
acreditavam na ciclicidade, ou seja, o futuro era uma repetio do passado, sendo que
passado, presente e futuro, tendiam a uma coisa s, algo eterno.
No caso dos guaranis, as referncias para a concepo de tempo aparecem, por
exemplo, inicialmente, na prpria lngua, como ilustra Borges (2006, pg. 43):
Na lngua guarani, a referncia ao tempo pode ser indicada pelo uso de afixos temporais (r,
futuro; kue ou ere, passado, em expresses como ranguar, poca em que ir acontecer, ranguare,
poca em que j aconteceu), ou ainda, por frmulas lingusticas genricas comoym (antigo), ypy
(primitivo), tenonde (primeiro, original), pyau (novo), nhande rami ara (tempo dos nossos avs, ou
dos ancestrais), Nhande Ru ara (tempo do Nosso Pai, ou tempo divino).
Dentro do fluxo temporal, esses marcadores servem para localizar a narrativa e como
referncia para narrador e ouvinte. As concepes de ordem mitolgica sobre o tempo,
tambm aparecem nos modelos cosmolgicos. importante ressaltar que tanto os modelos
acadmicos como os indgenas, dividem-se em um grupo baseado na concepo temporal
finita e outro baseado em uma concepo temporal infinita (Borges, 2006). As cosmologias
66
Assim, valido refletir as idias de Lvi-strauss quando afirma que os povos iletrados
raciocinam de forma intelectual e desinteressada, de forma similar ao processo cognitivo
das populaes modernas e letradas.
67
Galileu Galilei
At a poca de Galileu (1564-1642), a cincia era dominada pelas idias de Aristteles e
de seus inmeros seguidores e comentadores medievais. Obviamente, muitos contriburam
com as idias iniciais de Aristteles, e muitos outros elaboraram crticas s suas concepes,
porm a viso de mundo aristotlico-ptolomaica era slida e dominava esse perodo.
Durante o perodo medieval, como j foi destacado anteriormente, com relao ao conceito
de tempo, muitos crticos viso de mundo aristotlica apresentaram suas propostas tanto
em relao astronomia quanto a questes relativas a concepes que originariam a
mecnica. Apenas para exemplificar, til destacar a figura de Buridan (1300-1358) que
chegou a conceber: a rotao da Terra, um conceito de impetus que dependia da massa e da
velocidade de um corpo, o impetus adicionado gravidade natural para explicar a queda
acelerada de um grave e a dvida se a velocidade de queda era proporcional distncia
percorrida ou ao tempo decorrido. Portanto, percebe-se que Coprnico, Galileu, Kepler,
entre outros, tinham onde ler idias alternativas a Aristteles.
Galileu tambm vai dar sua profunda colaborao para uma alterao da concepo
geocntrica de mundo, defendida pelos aristotlicos, em favor da concepo heliocntrica, j
iniciada por Coprnico (1473-1543), que possua uma origem em Aristarco de Samos
(sc.III a.C.), um grego pouco posterior a poca de Aristteles.
Quando Galileu estabelece a lei de queda dos corpos a mudana da velocidade est
ligada ao tempo decorrido e no ao espao percorrido. Contudo, Galileu nem sempre pensou
assim: seu olhar para a queda dos corpos atribua caractersticas temporais ao espao,
conforme aponta Martins (1998, pg. 126), analisando o trecho abaixo de uma carta de
Galileu a Paolo Sarpi.
Refletindo nos problemas do movimento, para os quais, a fim de demonstrar os acidentes por mim
observados, me faltava um princpio absolutamente indubitvel que pudesse estabelecer como
axioma, cheguei a uma proposio que parece suficientemente natural e evidente; estando ela
suposta, demonstro depois o resto, nomeadamente que os espaos percorridos pelo movimento
natural esto na proporo dupla do tempo e que, por conseguinte, os espaos percorridos em
tempos iguais so como nmeros mpares ab unitate e as outras coisas. E o princpio este: que o
mvel natural vai aumentando de velocidade na prpria proporo em que se afasta do ponto de
partida.
68
A idia de uma grandeza contnua que composta de uma infinidade de elementos muito
pequenos, fica evidenciada na lei de queda dos graves, um dos maiores triunfos de Galileu.
Em Duas novas cincias , Galileu (1985, pg 137) apresenta a lei de queda do graves:
Se um mvel, partindo do repouso, cai com um movimento uniformemente acelerado, os espaos
por ele percorridos em qualquer tempo esto entre si na razo dupla dos tempos, a saber, como os
quadrados desses mesmos tempos.
Representemos o tempo que tem incio no instante A por meio da linha reta AB, na qual
tomamos dois intervalos quaisquer de tempo AD e AE. Seja HI a linha segundo a qual o mvel,
partindo do repouso em H, cair com um movimento uniformemente acelerado; seja HL o espao
percorrido durante o primeiro intervalo de tempo AD e HM o espao percorrido durante o intervalo
de tempo AE.
69
Afirmo que o espao MH est para o espao HL numa proporo dupla daquela que o tempo EA
tem para o tempo AD; e podemos tambm afirmar que os espaos HM e HL tm a mesma proporo
que os quadrados de EA e de AD. Tracemos a linha AC que forma um ngulo qualquer com a linha
AB; e a partir dos pontos D e E tracemos as linhas paralelas DO e EP: se DO representa o grau
mximo de velocidade adquirido no instante D do intervalo de tempo AD, PE representar, por
definio, a velocidade mxima obtida no instante E do intervalo de tempo AE. Mas, conforme foi
demonstrado acima a propsito dos espaos percorridos, esses espaos so os mesmos, se um
mvel, partindo do repouso, se move com um movimento uniformemente acelerado e se, durante um
intervalo de tempo igual, ele se move com um movimento uniforme, cuja velocidade a metade da
velocidade mxima adquirida durante o movimento acelerado. Segue-se que as distncias MH e LH
so idnticas s que seriam percorridas nos intervalos de tempos AE e DA por movimentos
uniformes,cujas velocidades seriam iguais metade daquelas representadas por DO e EP. Se tiver,
portanto, sido provado que as distncias MH e LH esto na dupla proporo dos tempos EA e DA,
a proposio ter sido provada. Na quarta proposio do livro primeiro foi demonstrado que os
espaos percorridos por dois corpos com movimento uniforme esto entre si numa proporo que
igual ao produto da proporo das velocidades com a proporo dos tempos. Neste caso, porm, a
proporo das velocidades a mesma que a proporo dos tempos (uma vez que a proporo entre
AE e AD a mesma que a proporo entre a metade de EP e a metade de DO, ou entre PE e OD) .
Consequentemente, a proporo entre os espaos percorridos a mesma que o quadrado da proporo
entre os tempos; o que queramos demonstrar.
Por fim, vlido destacar a experincia de Galileu com o plano inclinado, e sua
preocupao em medir o tempo por meio de sua clepsidra.
No que diz respeito medida do tempo, empregvamos um grande recipiente cheio de gua,
suspenso no alto, o qual, por um pequeno orifcio feito no fundo, deixava cair um fino fio de gua,
que era recolhido num pequeno copo durante todo o tempo em que a bola descia pela canaleta ou
por suas partes. As quantidades de gua assim recolhidas eram a cada vez pesadas com uma
70
Galileu mostra a necessidade de se medir o tempo com preciso, e seus estudos com os
pndulos refletem ainda mais essa necessidade, porm o tempo passou a ser medido com
maior preciso dcadas depois, a partir dos trabalhos de Christian Huygens que, conforme
discutido anteriormente, construiu os primeiros relgios mecnicos e determinou o valor da
acelerao da gravidade.
Assim, Galileu abre caminho para o tempo absoluto de Newton e, Christian Huygens,
por sua vez, influencia a concepo newtoniana do universo como um grande relgio.
Isaac Newton
Para discutir a concepo de tempo de Newton importante, ou porque no dizer
fundamental, apresentar minimamente as idias de Isaac Barrow (1630-1677), antecessor de
Isaac Newton (1642-1727) em Cambridge.
Tendo ficado impressionado com o mtodo cinemtico na geometria que fora
desenvolvido por Torricelli (1608-1647), discpulo de Galileu, e pensando sobre esse
mtodo, Barrow percebeu que era necessrio estudar a relao entre o tempo e o movimento.
Assim, as afirmaes de Barrow sobre o tempo ecoaram sobre a concepo newtoniana.
O tempo no implica movimento, na medida em que absoluto e no que diz respeito sua
natureza intrnseca; como tampouco implica em repouso; quer as coisas se movam ou estejam
paradas, quer durmamos ou estejamos despertos, o tempo segue a natureza uniforme de seu curso.
(apud G. J. Whitrow 1993, pg. 146)
Outra afirmao de Barrow sobre o tempo indica a idia de uma reta geomtrica
orientada:
O tempo tem apenas comprimento, similar em todas as suas partes e pode ser visto como
constitudo por uma simples adio de instantes sucessivos ou um fluxo contnuo de um instante.
(apud, G. J. Whitrow (1993, pg. 147):
72
Essa concepo est relacionada a uma criao subjetiva e interna nossa intuio e
imaginao, sendo algo que utilizado para descrio do mundo. Seguindo a trilha da
imaginao, apesar de ser anterior a Kant, Espinosa apresenta uma viso do tempo em que a
distino entre passado e futuro existe apenas na imaginao e no na razo. Segundo Pietre
(1997, pg. 56):
No poderamos compreender este "eterno", se no o pensssemos a partir da negao do
passado ou do futuro em proveito do nico presente - de conformidade a uma tradio que, como
vimos, remonta Antiguidade.
Por fim, apesar da existncia de outras concepes em sua poca, o tempo de Newton
perdurou por dois sculos, at a chegada das crticas que nasceram ao final do sculo XIX e
culminaram na relatividade de Einstein. Contudo importante destacar que a viso absoluta
do tempo nos influencia e a mais conhecida pelo senso comum, apesar da frase, tambm
conhecida, dita por Einstein: O tempo relativo. Esse conceito passa despercebido sendo
que a nossa reflexo sobre o tempo continua extremamente newtoniana.
Albert Einstein
Antes de falar de Einstein, importante fazer uma meno a Ernst Mach que, como
outros j citados, foi crtico das idias de espao e tempo absolutos. Suas idias seguem a
perspectiva proposta pelo bispo George Berkeley que, em sua obra De motu de 1721,
73
afirma que somente a experincia sensorial capaz de justificar os sentidos, sendo que
espao e tempo no so observveis na experincia sensorial. Segundo o prprio Mach
(apud Martins 2007, pg. 90):
A questo de que um movimento seja uniforme em si no tem nenhum sentido. Muito menos
podemos falar de um 'tempo absoluto" (independente de toda variao). Este tempo absoluto no
pode ser medido por nenhum movimento, no tem pois nenhum valor prtico nem cientfico;
ningum est autorizado a dizer que sabe algo dele; no seno um ocioso conceito 'metafsico'
(Mach, 1949, p. 190, traduo nossa).
74
75
detector, chegavam ao mesmo tempo no ponto inicial, ou seja, a velocidade da luz era
sempre a mesma, independente da velocidade do referencial.
Nesse contexto, no ano de 1905, sintetizando o trabalho de uma srie de fsicos daquele
perodo, e tendo as transformaes de Lorentz, indicada a seguir, como referncia,
x = x` + Vt
y = y
z = z
t = t
Einstein, em um artigo histrico, postula a chamada teoria da relatividade especial que trazia
como princpio bsico a validade das leis da fsica para qualquer observador, de modo que,
qualquer observador mediria a mesma velocidade da luz. Uma conseqncia disso o
conceito de simultaneidade, que est diretamente relacionado a noo de tempo. Para ilustrar
esse conceito, cabe aqui uma citao do prprio Einstein (apud G. J Whitrow 2005,
pg.113):
Se quisermos descrever o movimento de um ponto material, damos os valores de suas coordenadas
como funes do tempo. Mas precisamos ter em mente que uma descrio desse tipo s tem significado
fsico se formos bem claros quanto ao que entendemos por "tempo". Devemos levar em conta que
todos os julgamentos em que o tempo considerado so sempre julgamentos de eventos simultneos.
76
Se, por exemplo, eu disser "que aquele trem chega aqui s sete horas", quero dizer mais ou menos o
seguinte: "o ponteiro pequeno do meu relgio marcando sete horas e a chegada do trem so eventos
simultneos". Pode parecer possvel superar todas as dificuldades referentes definio de tempo
substituindo a "posio do ponteiro pequeno do meu relgio" pelo "tempo". E, na verdade, essa definio
satisfatria se estivermos interessados em definir um tempo exclusivamente para o lugar onde o
relgio est localizado; mas no satisfatria quando temos de relacionar o tempo a uma srie de
eventos que ocorrem em lugares diferentes, ou o que vem a dar no mesmo de avaliar os tempos de
eventos ocorrendo longe do relgio.
77
t=0 e
t=
1
v2
1 2
c
Observado a partir de K, o relgio est em movimento com a velocidade v, em relao a este corpo
de
sim
referncia,
1
v2
1 2
c
entre
duas
de
suas
batidas
transcorre
no
um
segundo,
mas
segundos ,
portanto um intervalo de tempo um pouco maior. Como consequncia do seu movimento, o relgio
anda um pouco mais lento do que no estado de repouso. Tambm aqui a velocidade c desempenha o
papel de uma velocidade-limite inatingvel.
O primeiro experimento para comprovar esse fenmeno foi realizado em 1941, 36 anos
aps Einstein t-lo previsto. Segundo Paul Davies (2000, pg. 71), essa experincia foi
realizada em dois locais prximos de Denver, no Colorado, por Bruno Rossi e David Hall,
da Universidade de Chicago, que:
(...) queriam estabelecer que mons mais rpidos vivem mais tempo (como observado por ns no
sistema de referencia da Terra)(...) Eles conseguiram mostrar que partculas lentas a que
curiosamente se referiam como mestrons se desintegravam cerca de trs vezes mais
rapidamente do que as rpidas.
Apesar dos resultados experimentais, muitos no acreditavam que essa poderia ser uma
prova da dilatao do tempo. Assim, na Universidade de Washington, em outubro de 1971,
J.C. Hafele, Louis e Richard Keanting, utilizando quatro relgios atmicos, feitos de csio,
fizeram uma nova experincia. Embarcaram os relgios em avies civis e voaram com eles
ao redor do mundo, primeiro para leste e depois para oeste. Como os avies viajam a
velocidades menores de que um milionsimo da velocidade da luz, a deformao do tempo
foi pequena. Para leste foi de 59 nanosegundos (bilionsimo de segundo) em relao a um
conjunto de relgios iguais mantidos na Terra. J os que voaram para oeste adiantaram em
mdia 273 nanosegundos. A razo dessa diferena se deve rotao a Terra, j prevista no
artigo de Einstein. Uma vez removido esse efeito a dilatao produzida confirma a previso
de Einstein.
A experincia fornece credibilidade ao paradoxo dos gmeos. Esse paradoxo consiste na
experincia imaginria de dois gmeos. Um ser chamado de A e o outro de B. Se A
78
embarcar numa viagem espacial com velocidade prxima da luz, enquanto o outro
permanece na Terra, o tempo para A passar mais devagar do que para B. Sendo assim,
quando A retornar para a Terra B estar mais velho do que A.
A teoria proposta por Einstein, que abalou o sacrrio newtoniano, recebeu o nome de
teoria da relatividade especial, pois trata de sistemas de referncia em movimento uniforme
e portanto no acelerados. Dez anos depois Einstein desenvolveu a chamada teoria da
relatividade geral que relaciona a acelerao da gravidade com uma geometria do espacotempo curvo incorporando sistemas de referncia acelerados. Com isso Einstein desenvolveu
uma nova teoria da gravitao. Sua idia seria que o tempo passava a ser uma dimenso e a
massa e energia deformariam o espao-tempo tornando-o curvo. O primeiro a propor essa
idia foi Hermann Minkowski, que na ETH foi um dos professores de Einstein.
Em 1908, Minkowski proferiu uma conferncia em Colnia sobre a notvel nova teoria da
relatividade de seu ex-aluno, comeando com a afirmao dramtica: "Doravante, o espao por si e
o tempo por si esto fadados a se desvanecerem em meras sombras, e somente uma espcie de unio
dos dois preservar uma realidade independente. (Davies, 2000, pg. 93)
79
Sobral. Observou-se uma pequena curvatura no raio de luz proveniente de uma estrela ao
passar perto do sol.
Para finalizar, importante ressaltar que a teoria da relatividade geral possibilitou um
avano na cosmologia. As observaes feitas por Hubble mostravam que o universo era
formado por Galxias que estavam se afastando (desvio para vermelho) ou se aproximando
(desvio para o azul). Essa concepo revolucionou a idia de um modelo para o universo,
pois se as galxias esto se afastando, significa que um dia estiveram juntas e houve um
incio. Assim, de forma bsica, a idia de uma origem para o universo refora a importncia
do tempo no mundo cientfico, j que se pode perguntar qual a sua extenso, ou como era o
tempo antes do incio.
que a conservao da energia mecnica nunca rigorosa, nem quando aparenta ser. De fato,
aquela massa oscilando, presa a uma tira elstica real, se no for continuamente estimulada, vai
gradativamente diminuindo a amplitude de seu movimento at finalmente parar, tendo sua energia
mecnica dissipada pelo atrito ou pelo aquecimento do elstico, assim como o objeto lanado na
vertical passa parte de sua energia cintica s molculas do ar, com as quais colide.
Antes desse modelo ganhar unanimidade, Hoyle e outros desenvolveram uma teoria de
um universo estacionrio, em que a criao de matria permanente. Essa teoria descartava
a singularidade inicial, porm no inclua as evolues observveis do universo.
Portanto, a idia da desordem progressiva encontrava vrios problemas e contradies.
Na biologia, por exemplo, a mensagem central de Darwin dizia que a evoluo biolgica
introduz uma seta do tempo contrria da termodinmica, ou seja, a evoluo est em um
processo ascendente. Prigogine, a partir dessa e de outras constataes (muitas ligadas
biologia), prope um outro modelo para o universo, em que a morte trmica estaria atrs,
nos primeiros segundos do universo. Nesse incio, ao contrrio do modelo padro, ocorreu
uma grande produo de entropia. Segundo Prigogine (1988, pg. 52), seu modelo tem como
base os ftons e os brions:
O que nos encoraja quanto idia de uma formao do universo associada a uma exploso entrpica
que hoje sabemos que o universo tem uma estrutura dupla; formado por dois tipos de constituintes:
os fotes e as outras partculas, os baries.
Urna coisa curiosa, descoberta desde 1965, que o universo , antes de mais, formado por fotes, j que
existem 109 fotes por um bario. Portanto, o universo , em primeiro lugar, um universo de fotes em
que navegam baries.
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A entropia total do universo nesse modelo deriva dos ftons e os brions so associados
aos estados de no-equlbrio. Sendo assim Prigogine (1988, pg. 53) estabelece a seguinte
associao:
No incio da minha comunicao, lembrei que a criao de entropia acompanhada por uma criao
simultnea de ordem e desordem. Aqui vemos que a desordem pode associar-se aos fotes,
enquanto os portadores de ordem so os baries.
A Terra comeou do caos e est evoluindo para formas mais ordenadas. A idia de
seleo natural indica um caminho rumo perfeio. Prigogine reconhece a existncia de
processos auto-organizadores na natureza e sustenta que o progresso rumo maior
complexidade organizacional uma tendncia universal semelhante a uma lei, portanto
vlido apresentar a relao estabelecida por Prigogine (1988, pg. 74), da segunda lei com o
aumento da complexidade:
"Devemos reexaminar o sentido do segundo princpio: em vez de um princpio negativo, de
destruio, vemos emergir outra concepo do tempo. A fsica clssica produzira apenas duas
noes de tempo: o-tempo-iluso- de Einstein e o-tempo-degradao- da entropia. Mas estes dois
tempos no se aplicam situao hodierna. Nos seus primeiros instantes, o universo, ainda
pequenssimo e quentssimo, era um universo de equilbrio. Mas actualmente transformou-se num
universo de no-equilbrio. A prpria existncia da matria e no de antimatria prova de uma
ruptura de simetria. A mecnica, que trata de pontos materiais, ocupa-se efectivamente de uma das
manifestaes da irreversibilidade. Num universo de equilbrio no existiriam nem pontos materiais
nem objectos. A evoluo do universo no se deu na direco da degradao mas_na do aumento
de complexidade, com estruturas que aparecem progressivamente todos os nveis, desde as estrelas
e as galxias aos sistemas biolgicos.
O debate continua em aberto, pois se trata de um tema atual e difcil de obter resposta
definitiva. Como aponta Davies (2000, pg. 44):
83
Prigogine (1988, pg. 75) apresenta tambm uma viso de futuro em aberto, contudo
atribui ao conceito de tempo um papel fundamental:
No podemos prever o futuro da vida ou da nossa sociedade ou do universo. A leitura do segundo
princpio que este futuro permanece aberto, ligado como est a processos sempre novos de
transformao e de aumento da complexidade. Os recentes desenvolvimentos da termodinmica propemnos, por conseguinte, um universo em que o tempo no nem iluso nem dissipao, mas no qual o
tempo criao.
Por fim, o tempo aparece como grande conceito estruturador, definidor, como um tecido,
em que as teorias so bordadas. Prigogine deixa em aberto uma grande questo a explorar,
pois, em contraposio a Plato, para quem o universo produzia o tempo, para ele o tempo
o grande criador do universo, existindo independente da nossa conscincia.
O mundo Quntico
Como j foi expresso anteriormente, dois pequenos problemas, ou seja, duas pequenas
nuvens ainda restavam na fsica do final do sculo XIX, para serem resolvidas. Uma delas
deu origem relatividade, j discutida anteriormente, e a outra deu origem mecnica
quntica, que ser abordada brevemente a seguir.
A origem da mecnica quntica, segundo Davies (2000), est na fuso entre a teoria da
radiao eletromagntica de Maxwell com a termodinmica de Boltzmann. Ambas teorias
eram muito bem sucedidas em suas reas especficas de aplicao, ou seja, o comportamento
da radiao eletromagntica e o funcionamento dos motores eltricos e dnamos, bem como
a natureza da luz, eram explicados satisfatoriamente pelas equaes de Maxwell. As leis da
termodinmica, por sua vez, explicavam muito bem o funcionamento das mquinas trmicas
e refrigeradores, alm do comportamento dos gases e suas propriedades. Porm, da juno
das duas teorias surgia um paradoxo, pois, segundo Maxwell, o ter luminfero, substncia
invisvel atravs da qual os campos eltricos e magnticos vibravam, parecia absorver de
forma ilimitada o calor. Assim, freqncias altas eram absorvidas pelo ter de forma a
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Essa limitao estava ligada diretamente forma de medio das variveis, ou seja, o
instrumento de medida interfere no resultado, tornando-o probabilstico. Como exemplo
tem-se os relgios atmicos, que mesmo sendo os mais precisos, tambm sofrem a mesma
impreciso temporal, alm de interferir na medida, como ilustra Davies (2000, pg. 223):
No somos apenas ns que ficamos bloqueados. O princpio da incerteza de Heisenberg impede
qualquer sistema de aparatos - ou mesmo qualquer observador de determinar o momento e a
durao do decaimento. Trata-se de uma limitao fundamental do conhecimento inerente s leis
da natureza, e no de uma mera deficincia humana. Por mais que voc sofistique seu aparato,
jamais conseguir espiar o decaimento do tomo. Einstein passou um tempo tentando imaginar
truques para contornar essa limitao, mas acabou entregando os pontos.
85
86
As ferrovias, por sua vez, surgiram como uma bomba na vida das pessoas. Inicialmente,
o funcionamento ocorria de forma despreocupada com o tempo, mas rapidamente os
controles comearam a serem exercidos, uma vez que os trens eram mais rpidos que os
cavalos. Como cada cidade mantinha o seu horrio local o controle atravs dos relgios
tornava-se difcil. Na Inglaterra, uma hora ferroviria uniforme foi adotada em meados do
sculo XIX, baseada na hora de Tempo mdio de Greenwich (Whitrow, 1993). Nessa poca
a inglaterra constri o Big Ben, que era um termo usado para designar um objeto que fosse o
mais pesado do gnero. A sua batida deveria ter preciso de segundos.
Essa preocupao com o tempo refletiu-se na organizao do calendrio e do tempo de
lazer, segundo Whitrow (1993, pg. 183):
A revoluo industrial levou, contudo, abolio geral de feriados baseados em festas religiosas
porque era antieconmico manter ociosas as fbricas. Em lugar dos antigos dias santos, quatro
"feriados bancrios" compulsrios acabaram por ser legalmente institudos, e gradualmente fixou-se
o costume de dar aos trabalhadores frias anuais de uma semana ou mais no vero. A recreao fsica,
tal como o futebol, passou a ser organizada em base semanal, ocorrendo em geral nas tardes de
sbado.
necessidade, ou seja, comia-se quando era indicada a hora e no quando se tinha fome,
dormia-se no quando se estava com sono e sim quando chegava a hora. Segundo o nepals
Jang Bahadur (apud Whitrow, 1993, pg. 185):
"Vestir-se, comer, ter encontros, dormir, levantar tudo determinado pelo relgio (...) para onde
quer que se olhe, se v um relgio."
Observa-se, portanto, que o relgio passa a ser o trao marcante da cultura moderna e,
como disse Lewis Mumford: "O relgio, no a mquina a vapor, a mquina-chave da
moderna idade industrial." (apud Whitrow, 1993, pg. 184)
Hoje, mais do que nunca, nossas vidas so controladas pelos relgios. Essas mudanas
de hbito, que se iniciaram com a revoluo industrial esto presentes em nosso cotidiano.
Quando se pensa nas cidades possvel perceber o universo temporal que a civilizao se
encontra. Segundo Baillard (apud Santos, 2002) as grandes cidades, como So Paulo, podem
ser chamadas de cronpolis, pois movimentam milhes de pessoas todos os dias,
administram o fornecimento de gua, luz, telefone, organizam o trnsito, etc..,ou seja,
dependem primordialmente da administrao do tempo. importante ressaltar que a
organizao temporal das cidades possui um carter social. Basta pensar naqueles que
trabalham e vivem nelas. Conforme indica Santos (2002), nas cidades coexistem dois
tempos: o lento e o rpido. O tempo lento seria o da economia pobre que necessita de
transporte pblico, enraizada nos bairros e periferias e acaba por sofrer com os grandes
congestionamentos e deficincias nas ruas e avenidas. Podem-se ressaltar aqui algumas
questes relativas ao julgamento subjetivo da durao de um evento. Quando se percorre
certas distncias em um trnsito congestionado, lento, tem-se a sensao de que a durao da
viagem grande e que a distncia entre o ponto inicial e o final maior do que realmente ela
. Seria equivalente experincia de observar a gua fervendo em uma panela. Prestando
ateno parece que o tempo maior. Ades (2002, pg. 27) explica esse fenmeno:
A estimativa de durao depende, contudo, da perspectiva em que se coloca a pessoa, se atenta ao
tempo, durante sua passagem, se simplesmente vivenciando e julgando depois. Os psiclogos
costumam distinguir uma situao de julgamento prospectivo, em que a pessoa tem conscincia de
que ter de fornecer um juzo sobre a durao de uma certa experincia, e uma situao de
julgamento retrospectivo em que emite sua opinio a posteriori, sem ter sido avisada de que o
tempo ser uma dimenso relevante.
Utilizando-se do experimento da gua fervendo, Ades (2002, pg. 27) verifica essa
diferena:
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O intervalo subjetivo era geralmente maior quando os sujeitos tinham conhecimento prvio da
tarefa (prestando, portanto, maior ateno ao tempo) do que na condio retrospectiva. Os 270
segundos do intervalo tornavam-se, em mdia, 289 segundos, no primeiro caso, 230 segundos no
segundo, num dos experimentos. Mais interessante foi o resultado relativo ao "contedo" do
intervalo: em condio prospectiva a estimativa era maior quando no ocorria nada durante o
intervalo; em condio retrospectiva, ao contrrio, menor.
Portanto, a parte econmica pobre das cidades, faz essa experincia diria de pacincia
nos deslocamentos.
A cidade tambm possui o outro tempo chamado de rpido. Aqui se enquadram os
participantes da alta economia, ou seja, os ricos. As grandes avenidas e rodovias que ligam
os aeroportos ao centro, os heliportos, e mesmo o caminhar das pessoas, fornecem uma outra
perspectiva de tempo e criam condies para que essas pessoas se desloquem com maior
rapidez.
Como outra caracterstica que expressa a presena do tempo nas cidades, tem-se a
materialidade (Santos, 2002). O passado, presente e futuro apresentam-se entrelaados
sobretudo na paisagem, nas construes. O espao traz a noo de tempo.
A distino entre passado, presente e futuro, essa idia de tridimensionalidade temporal,
individual e coletiva, tornou-se um dos elementos qualificadores da vida moderna, presente
na paisagem, na geografia e tambm nas relaes sociais da vida moderna. Portanto, o
homem moderno vive o presente, amparado pela experincia do passado para projetar o
futuro.
Contudo, segundo Oliva (2002), muitos autores afirmam que essa tridimensionalidade
do tempo j no est to viva. A sociedade atual chamada por eles de sociedade de risco
provoca uma perda no poder determinante do passado, sendo seu lugar tomado pelo futuro.
Assim organiza-se o presente como uma referncia hipottica, ou seja fictcia,
inexistente. Essa urgncia leva a uma antecipao do futuro, portanto vive-se o presente
estabelecendo-se aes preventivas em funo do futuro, j no to futuro assim. Logo,
Oliva (2002, pg. 31) afirma:
Paralelamente, a destruio do passado surge como um dos fenmenos mais terrveis do sculo
XX perdem-se os mecanismos sociais capazes de vincular a experincia pessoal da atual gerao
das geraes passadas. Ao mesmo tempo, os jovens contemporneos parecem habitar uma espcie
de presente contnuo, expresso na vivncia repetida do agora, a busca desenfreada do momento
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atual. Alis, essa uma caracterstica da vida contempornea: a busca intensificada do prazer, a
necessidade de viver para o momento, "viver para si, no para os que viro a seguir, ou para a
posteridade.
Esse presente alongado vivenciado pela sociedade moderna traz algumas preocupaes,
pois a mudana em curso refere-se a sculos de adaptao e vnculos, sobretudo com as
nossas razes. Essa re-significao da vida individual e coletiva est alicerada pela resignificao do tempo, sendo que:
Essa constatao sugere estar em curso uma assustadora re-significao do tempo, caracterizada
pela crescente desvalorizao cultural do passado, a progressiva perda de perspectiva e de
esperana em relao ao futuro, e a acentuao exasperada da vivncia do presente, preenchido
exaustivamente. (Oliva, 2002, pg. 31)
Essa perspectiva preocupante, pois a quebra de vnculos com o passado instala uma
crise de identidade e conduz a humanidade a relaes sociais marcadas pela barbrie.
urgente o restabelecimento desses vnculos.
Outro aspecto importante quanto ao tempo na vida social moderna, diz respeito ao tempo
livre e s ocupaes individuais desse tempo. No passado, a dignidade da pessoa, a
caracterizao dessa como um cidado estava na sua relao de trabalho, no seu empenho,
na busca digna de uma situao estvel que lhe permitisse a liberdade de exercer uma
escolha. Essa era uma oportunidade aberta a todos.
A situao atual outra, ou seja, cresce o nmero de pessoas sem trabalho, que embora
tenham um tempo livre sentem-se pressionadas por ele, vivendo uma condio de negao
da sua individualidade. Mesmo para aqueles que tm o seu trabalho, a relao com o tempo
livre reflete a imposio cultural da sociedade atual, conforme afirma Oliva (2002, pg. 32):
Por outro lado, a utilizao do tempo livre com atividades prazerosas e significativas vinculadas
ao trabalho, ao estudo, arte ou ao artesanato no mais capaz de preencher as expectativas das
pessoas. Aparentemente, a dimenso do consumo ocupa todos os domnios, inclusive o tempo livre
Ainda no mesmo registro, possvel constatar que o foco preferencial no agora impe uma vida
social em que, quanto mais amigos se tm, menos tempo possvel dedicar a cada um, os
relacionamentos so efmeros, mesmo sendo intensos, os laos sociais so, continuamente,
produzidos, reproduzidos e consumidos, e muito difcil compartilhar narrativas e experincias
Ainda pensando na sociedade moderna, porm agora com o foco na tecnologia, pode-se
perceber grandes mudanas nas pessoas e na prpria cultura. A forma de se comunicar, com
90
91
Essas mudanas tecnolgicas trazem tambm problemas. Vaz (2003, pg. 76) questiona
a diferena entre a modernidade e a atualidade:
Ao tentar estabelecer uma diferena entre a Modernidade e a atualidade em relao rapidez
com que as mudanas acontecem, duas dificuldades devem ser enfrentadas. A primeira diz respeito
prpria existncia da diferena: se a Modernidade foi descrita e experimentada como acelerao
das mudanas pensemos aqui na conhecida frase do Manifesto Comunista, "tudo que slido
desmancha no ar" , como podemos nos distinguir dela segundo o critrio da "velocidade"? A
segunda afeta o sentido da diferena: mesmo havendo uma acelerao, ser ela relevante, isto ,
haveria uma transformao em nossas questes ticas e polticas acerca do novo?
A primeira dificuldade pode ser explicada com a rapidez da queda de preos (Vaz,
2003). Ao passo que um tecido de algodo levou 70 anos para ter seu preo reduzido pela
metade, um circuito integrado, introduzido no final da dcada de 50, levou apenas 5 anos.
claro que a sociedade atual est fundada em novas formas de produo, fontes de energia e
informao. Alm disso, esse paradigma tecnolgico afeta as mais diversas reas do
conhecimento acelerando tambm o aparecimento de novos objetos tcnicos. Mas essa
acelerao que parece tender ao infinito, traz profundas marcas na humanidade, conforme
indica Vaz (2003, pg. 77):
O elogio da fragmentao e da velocidade torna-se problemtico neste nosso mundo engendrado
pelas tecnologias de informao, certamente porque elas afetam diretamente nossas vidas.
Enquanto a descoberta da eletricidade, por exemplo, s pde alterar o padro de sociabilidade com a
iluminao das cidades, as novas tecnologias de informao imediatamente transformam o modo como
nascemos, aprendemos, sonhamos, lutamos e morremos. Basta lembrar prticas e objetos como
fecundao in vitro, educao a distncia, videogames, sexo virtual, msseis com "preciso cirrgica" e a
crise da previdncia social gerada pelo envelhecimento da populao. Se considerarmos ainda, de um
lado, a dificuldade de articular num mesmo discurso e numa mesma poltica a transformao
tecnolgica e a libertao, e, de outro, a dificuldade de reduzir o sentimento de exterioridade das
mudanas, fica claro que arriscado hoje conectar sem qualificaes o convite ao novo, a afirmao
do acaso e do efmero e a velocidade das mudanas engendradas pelas novas tecnologias.
Portanto, talvez seja urgente repensar essa velocidade, ou melhor, esse tempo. At
quando ira se experimentar mudanas sem a mnima reflexo? Mais importante que inovar
pensar na vida humana, ter tempo para a vida humana, religando laos importantes com a
nossa origem, pois:
No se trata de querer o novo, mas da responsabilidade de manter as condies de sua
reapario. De certo modo, preciso instalar um tempo para a ponderao e tambm aceitar, ou at
92
Assim, para finalizar essa reflexo concorda-se com a crtica proposta por Nietzsche,
quando ele afirma que a pressa de cada dia diminui a cultura. Segundo Bruni (2002, pg.33)
Nietzsche expressa a sua preferncia por leitores calmos e amigos da lentido:
"O leitor de quem espero algo (...) deve ser calmo e ler sem pressa. (...) O livro est destinado aos
homens que ainda no caram na pressa vertiginosa de nossa poca rodopiante e que no sentem
um prazer idlatra em ser esmagados por suas rodas. Portanto para poucos homens! Mas esses
homens ainda no se habituaram a calcular o valor de cada coisa pelo tempo economizado ou pelo
tempo perdido, eles 'ainda tm tempo'; a eles ainda est permitido, sem que venham a sentir
remorsos, escolher e procurar as boas horas do dia e seus momentos fecundos e fortes para meditar
sobre o futuro de nossa cultura (Bildung), eles mesmos podem se permitir ter passado um dia de
maneira digna e til na meditatio generis futuri (...).
Entre outras coisas Nietzsche pensa uma vida que o trao civilizador sempre prometeu: a
felicidade. A agitao, a intranqilidade afeta a sade e o aprendizado do ser humano. A
barbrie e a selvageria parecem ser o grande paradoxo do mundo moderno e rpido em que
se vive. Segundo Bruni (2002, pg. 35):
As pessoas j se envergonham do descanso; a reflexo demorada quase produz remorso. Pensam
com o relgio na mo enquanto almoam, tendo os olhos voltados para os boletins da bolsa vivem
como algum que a todo instante poderia 'perder algo'. 'Melhor fazer qualquer coisa do que nada'
este princpio tambm uma corda, boa para liquidar toda cultura e gosto superior. Assim como
todas as formas sucumbem visivelmente pressa dos que trabalham, o prprio sentido da forma, o
ouvido e o olho para a melodia dos movimentos tambm sucumbem.(...)
Por fim, ressalta-se que nessa sociedade marcada pelo controle do relgio e influncia
direta da tecnologia sobre o governo do capital, necessrio ter um tempo para pensar no ser
humano, grande protagonista da vida, pois se experimenta no centro da mudana social
imposta pela nova concepo temporal, uma mudana no indivduo que no olha para o
passado, no enxerga o futuro, apenas est atendendo os desafios dirios. Em um trabalho
como este que focaliza as dimenses epistemolgica, histrica, cultural e educacional, tendo
no tempo seu tema de pesquisa, estas reflexes no podem estar ausentes da sala de aula.
Esse um dos desafios a enfrentar.
93
Santo Agostinho, grande leitor de Plotino, e grande articulador das idias da igreja
catlica, tambm argumenta em defesa do tempo enquanto durao, demonstrando que o
tempo no tem existncia fora do esprito. Cabe aqui, o seu conhecido questionamento sobre
o tempo.
94
"O que ento o tempo? Se ningum me pergunta, eu sei; porm, se quero explic-lo a quem me
pergunta, ento no sei. No entanto, posso dizer com segurana que no existiria um tempo
passado, se nada passasse; e no existiria um tempo futuro, se nada devesse vir; e no haveria o
tempo presente se nada existisse. De que modo existem esses dois tempos - passado e futuro, uma
vez que o passado no mais existe e o futuro ainda no existe? E quanto ao presente, se
permanecesse sempre presente e no se tornasse passado, no seria mais tempo, mas eternidade.
Portanto, se o presente, para ser tempo, deve tornar-se passado, como poderemos dizer que existe,
uma vez que a sua razo de ser a mesma pela qual deixar de existir? Da no podermos falar
verdadeiramente da existncia do tempo, seno enquanto tende a no existir. (Confisses, Livro
XI, pg. 322)
permanente dos estados que nele se sucedem, pelo que efetivamente nele se passa. A queda, o devir de
um corpo em movimento, uma linha contnua, uma travessia no tempo. Mas a inteligncia rebate o
movimento no espao, nas posies que o corpo ultrapassa, e mede os instantes percorridos no tempo. A
inteligncia sempre faz isso. Ela no um instrumento adequado para a metafsica que Bergson
reclama, sobretudo porque a tendncia principal da inteligncia espacializar o movimento.
25
26
vez tambm, v a durao como uma forma indireta de medir o tempo que se desenrola no
espao. Assim, segundo Bachelard (2007, pg. 42):
A tese de Roupnel realiza, portanto, a aritmetizao mais completa e mais franca do tempo. A
durao no passa de um nmero cuja unidade o instante.
Quanto idia de seta do tempo, Bachelard argumenta que o instante apenas uma
sensao e no sugere qualquer direo, sendo que a conscincia a conscincia do instante
e a previso do futuro baseia-se em hbitos. Assim, conforme aponta Martins (2004,
pg.75), Bachelard busca compreender a continuidade do descontnuo:
97
Assim, conclui-se essa reflexo fazendo uma referncia prpria vida, que segundo
Roupnel (apud Bachelard, 2007, pg. 25) um descontnuo de atos:
Nossos atos de ateno so episdios sensoriais extrados daquela continuidade denominada
durao. Mas a trama contnua, ali onde nosso esprito borda desenhos descontnuos de atos, no
passa da construo laboriosa e artificial de nosso esprito. Nada nos autoriza a afirmar a
durao.Tudo em ns lhe contradiz o sentido e lhe arruina a lgica (...)
98
Trata-se de um conceito indicado por Gaston bachelard que ser discutido no captulo 3.
99
Ainda nesse segmento de coletneas, Tempo dos tempos tambm surge com outra grande
discusso em torno desse conceito. O crtico de arte Marcio Doctors, organiza uma srie de
artigos, em que o tempo investigado sob o olhar da tecnologia, histria, filosofia,
sociologia e arte, mais especificamente da fotografia.
J numa linha mais romanceada aparece o livro de Alan Lightman Sonhos de Einstein,
em que o autor mistura a fico com a realidade viajando por mundo em que o tempo possui
diferentes concepes: da cclica linear, do absoluto ao relativo. Nessa linha, encontra-se
tambm o livro O tempo e o espao do tio Albert, em que o autor Russell Stannard apresenta
vrias histrias entre o personagem tio Albert e sua sobrinha, buscando discutir conceitos de
relatividade relacionados ao tempo e espao.
Nas revistas de divulgao destaca-se uma publicao da Cincia e Cultura (volume 4 n
2 de 2002), em edio temtica que discute o conceito de tempo nas suas mais diferentes
vises. Os organizadores so os mesmo do livro Decifrando o tempo citado anteriormente. A
abordagem teve como referncia as cidades, histria, percepo pessoal, sonhos, fsica, alm
de suas representaes sociais.
Seguindo essa mesma orientao, a revista de divulgao cientfica Scientific American
Brasil, j dedicou dois exemplares discusso sobre o tempo. O primeiro deles publicado
em outubro de 2002 com o ttulo As mltiplas faces do tempo, abordava esse conceito
tambm de forma abrangente, ou seja, discutiram o tempo sob o olhar da psicologia, fsica,
filosofia, cosmologia, metrologia, biologia, neurocincias, antropologia e tecnologia. No
final do ano de 2007 a revista lanou outro nmero especial sobre o conceito de tempo
intitulado Paradoxos do tempo. As matrias do ano de 2002 foram revisadas e
reapresentadas sob a mesma tica mltipla.
Para finalizar essa descrio sobre obras de divulgao cientfica que possuem como
tema o conceito tempo, importante destacar um livro que estabelece uma conexo entre a
fico cientifica na sua forma literria e cinematogrfica que A mquina do tempo. Livro
de H.G. Wells, apresenta uma fantstica histria presente no imaginrio do ser humano: a
viagem no tempo. A construo de uma mquina capaz de levar seu criador atravs de
milhares de anos de transformaes sobre a Terra, experimentando novas civilizaes em
momentos histricos diferentes. Alm disso, o autor
100
Esse livro torna-se tambm uma obra cinematogrfica, fazendo parte de um grande
grupo de filmes que discutem ou incorporam na sua histria o conceito de tempo. Portanto,
destacam-se a seguir alguns filmes nessa linha.
De volta para o futuro I, II e III, marca uma poca no cinema popularizando ainda mais
as idias da teoria da relatividade. Nesse filme o personagem principal conhece um cientista
que constri uma mquina do tempo na forma de um carro, que permite viajar para o
passado e encontrar os pais ou avs (paradoxo do vov) ou para o futuro encontrar ele
mesmo ou seus filhos. Cheio de alternativas e aventura uma histria que possibilita vrias
discusses sobre o conceito de tempo.
Outro filme muito interessante Contato, que uma adaptao do livro de Carl Sagan.
Nesse filme encontra-se uma discusso filosfica sobre religio e cincia, alm claro do
possvel contato com uma civilizao aliengena. Entre outras coisas, o filme apresenta uma
possvel viagem no tempo atravs de uma mquina que utiliza um Buraco de minhoca, ou
seja, uma fenda temporal, segundo a cosmologia. Interessante a proposta final do filme,
que deixa em aberto a questo da viagem no tempo, ou seja, se realmente houve a viagem
ou foi fruto da imaginao.. Essa obra tambm abre uma grande possibilidade de discusso
sobre o conceito de tempo tanto na fsica como na cosmologia.
O filme Naufrago tambm incorpora uma discusso do conceito de tempo. O
personagem principal, um engenheiro de sistemas de uma empresa de correspondncia
uma pessoa obcecada pelo relgio e pela velocidade dos acontecimentos nas cidades. Em
uma viagem de trabalho o seu avio cai no mar e, como nico sobrevivente, ele chega a uma
ilha deserta. Nesse lugar ele experimenta o tempo sob outra ptica, pois sozinho e tendo de
lutar pela sobrevivncia, os dias e noites parecem eternos. A perspectiva da subjetividade e
da modernidade nas questes do tempo, so algumas das possibilidades de discusso abertas
por esse filme.
Por fim, o filme Efeito Borboleta inspirado na teoria do caos, tambm possibilita
discusses sobre o conceito de tempo, tendo um olhar da psicologia e da cincia. Aqui, um
jovem tem um estranho poder de, ao ler seu dirio, ser conduzido de volta para aquele
momento histrico, com a possibilidade de refazer suas escolhas, porm as implicaes
futuras no podem ser controladas.
101
O ttulo do poema e logo sua primeira pergunta e afirmao resgata idias de um tempo
subjetivo, que no imaginrio e nos sentimentos eterno. J mais ao final a afirmao sobre
os calendrios revela um tempo que uma criao humana, um mito, algo eterno, que no
fundo uma grande inveno humana.
Em outro poema de Drummond, intitulado Cortar o tempo, percebe-se outra reflexo
instigante:
Quem teve a idia de cortar
o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivduo genial.
Industrializou a esperana,
fazendo-a funcionar
no limite da exausto.
Doze meses do para qualquer
ser humano se cansar
e entregar os pontos.
A entra o milagre da renovao e
tudo comea outra vez,
com outro nmero e outra vontade
de acreditar que daqui
pra diante vai ser diferente..
102
O poema oferece uma reflexo sobre o que os relgios medem, como uma referncia de
medio de algo que impossvel de controlar com a morte, por exemplo. O tempo nesse
sentido linear e caminha sem paradas ou atrasos.
Para finalizar esse captulo, apresenta-se o tempo na msica. Fazendo um recorte,
destacam-se trechos das msicas Tempo Rei de Gilberto Gil, Tempo e o Artista de Chico
Buarque e a Orao do Tempo de Caetano Veloso:
No me iludo, tudo
Compositor de destinos
seu feitio
sido
Transcorrendo, transformando
impreciso
E pareceres contnuo
todos os sentidos(...)
boca
Como contrapesos de um
tempo rei
sorriso(...)
lindos(...)
(Chico Buarque)
(Caetano Veloso)
do viver(...)
(Gilberto Gil)
103
104
106
(...) Para ns, a educao como prtica de liberdade , sobretudo e antes de tudo, uma
situao verdadeiramente gnosiolgica. Aquela em que o ato cognoscente no termina no
objeto cognoscvel, visto que se comunica a outros sujeitos igualmente cognoscentes.
Paulo Freire
107
Ainda nessa linha Japiass (1976, pg. 22) aprofunda esse elo de ligao, porm nos
alerta para no confundi-los:
(...) Ns somos nossa deciso. Nossos valores se inscrevem no trmino de uma ao atravs da qual
fazemos os instantes que vivemos, quer dizer, nosso tempo. Devemos nos definir pela tendncia que
tivemos de nos ultrapassar e de transformar. Para tanto, dois caminhos se apresentam : de um lado, a
cincia e a tcnica vencem a solido28 criando um prolongamento de ns mesmos e uma sociedade;
de outro, a poesia e a imaginao libertam-nos da servido da histria e das referncias
da
memria, para nos fazer descobrir homens e coisas. O homem ao mesmo tempo Razo e
Imaginao. No h ecletismo, mas dualismo asctico. Por isso a obra de Bachelard se revela como
uma dupla pedagogia: da Razo e da Imaginao. No devemos confundi-las: h o homem diurno da
cincia e o homem noturno da poesia.
Assim, esse pequeno olhar sobre a vida de Bachelard e alguns poucos aspectos de sua
epistemologia
29
recomeada reflete de certa forma a sua filosofia. Entre o sonho e o devaneio, o idealismo e
o racionalismo, Bachelard mostra um pensamento radicalmente contrrio continuidade
permanente e ao imobilismo. Talvez a nica continuidade e imobilismo presente na vida de
Bachelard seja seu movimento na constante busca do novo.
em que cada perodo possui uma caracterstica especfica, que ser um obstculo para o
avano epistemolgico da cincia. A chegada ao perodo histrico seguinte, s ocorre
atravs de rupturas com esses obstculos epistemolgicos.
O primeiro caracterizado pelo estado pr-cientfico, que corresponde da Antigidade
Clssica at o Renascimento e de novas buscas do sculo XVI at o sculo XVIII.
O segundo caracterizado pelo estado cientfico que vai do sculo XVIII, passando pelo
sculo XIX at o inicio do sculo XX.
O terceiro caracterizado pelo novo esprito cientfico que se inicia a partir dos trabalhos
de Einstein, em 1905, sobre a relatividade, em que h uma grande alterao nos conceitos
primordiais, iniciando assim a cincia contempornea. Esse terceiro perodo foi to
diferenciado, conforme indica o prprio Bachelard (1996, pg. 09) no livro A formao do
esprito cientfico:
(...) A partir dessa data, a razo multiplica suas objees, dissocia e religa as noes
fundamentais, prope as abstraes mais audaciosas. Idias das quais uma nica bastaria para
tornar clebre um sculo, aparecem em apenas vinte e cinco anos, sinal de espantosa maturidade
espiritual.
Pensando no esprito cientfico, Bachelard destaca ainda trs estados, em que esse
esprito passaria, necessariamente, em sua formao individual.
O primeiro o estado concreto, em que o esprito se relaciona com as primeiras imagens
do fenmeno, apoiando-se na literatura que exalta a natureza e a diversidade.
O segundo estado o concreto abstrato, em que o esprito acrescenta experincia
fsica esquemas geomtricos, apoiando-se numa filosofia da simplicidade.
111
Assim, analisando o conceito de massa, por exemplo, Bachelard caracteriza cada uma
das chamadas cinco escolas filosficas: realismo ingnuo ou animismo, empirismo claro e
positivista, racionalismo clssico da mecnica racional, racionalismo completo (relatividade)
e racionalismo discursivo.
Na primeira escola, o Realismo Ingnuo, encontra-se a idia mais elementar de massa,
relacionada percepo primeira dos sentidos. Essa conceituao inicial, ligada ao fato
bsico do maior ser o mais pesado, pode ser a primeira contradio tambm chamada de
obstculo. Esse conceito-obstculo aparece de forma muito contraditria dependendo da
referncia. Ao pegar-se um corpo na mo a idia do mais pesado ser o maior pode sofrer a
primeira contradio. Para o psicanalista, por exemplo, a massa e a carga podem fornecer
idias analticas, quando aplicadas afetividade. Essa analogia refere-se ao conceito
animista de massa (quanto maior mais pesado). Porm, diante de uma situao de extrema
depresso pode-se atribuir a causa a uma carga reduzida de afetividade, o que contraria o
conceito animista de massa. Essa forma primitiva de conceituar massa facilmente definida,
o que acena para uma grande impreciso, como diria Bachelard (1978, pg. 14): tudo que
fcil de ensinar inexato. Portanto, bastam poucas palavras para definir o que carga
113
afetiva, o que pode dificultar a problematizao desse conceito, alm de demonstrar sua
limitao.
A segunda escola filosfica o Empirismo, em que o conceito de massa est relacionado
a um instrumento, ou seja, a balana. importante ressaltar que o instrumento de medida
precede a teoria. Cria-se ento a conduta da balana, ou seja, um caso particular de uma
utilizao simples de uma mquina complicada. Esse pensamento emprico, slido e
positivo, ressalta a idia do Pesar pensar. Pensar pesar. (Bachelard, 1978, pg. 15)
A terceira escola filosfica o Racionalismo Clssico da Mecnica Racional, que nasce
com Newton. Nesse perodo, a massa aparece como uma noo definida em um corpo de
noes, ou seja, com Newton, a massa o quociente entre a fora e a acelerao, algo muito
diferente dos conceitos anteriores ligados experincia direta ou algum elemento primitivo.
Assim, o conceito obtido atravs de leis racionais da aritmtica. No sentido do
racionalismo, Bachelard argumenta que esse conceito de massa, obtido na mecnica
newtoniana, leva a um distanciamento do realismo, pois se pode deduzir qualquer uma das
grandezas: fora, massa ou acelerao, tendo as outras duas. Portanto, depois de Newton a
massa estudada no devir dos fenmenos, como um coeficiente, algo muito diferente do
estudo do seu ser, que foi a forma estudada antes de Newton.
O racionalismo newtoniano dominou a fsica, a matemtica e at a cincia como um
todo, at o incio do sculo XX. Os elementos fundamentais para Newton e seus discpulos
foram: o tempo absoluto, a massa absoluta e o espao absoluto. Conceitos totalmente
fechados dentro desse racionalismo. Porm, com Einstein e a relatividade as noes
fechadas so abaladas e surge uma grande abertura, que dentro da filosofia de Bachelard
recebe o nome de Racionalismo completo (relatividade). Nessa escola, a massa, que fora
definida anteriormente como absoluta, passa a depender da velocidade e a possuir uma
semelhana com a energia. Portanto, a noo simples d lugar a uma noo mais complexa.
Simplifica-se a noo complexa quando se despreza alguma sutileza.
Por fim, na mecnica quntica que se encontra a escola filosfica chamada de
racionalismo discursivo. Rompendo com o pensamento racionalista, no final dos clculos da
mecnica quntica, surge at a idia equivocada de massa negativa, desvinculada da
realidade e realizada matematicamente. um fruto do pensamento dialtico, que vai ser
melhor compreendido com o advento dos trabalhos de Dirac.
114
Percebe-se que a coluna mais alta a do racionalismo clssico que deve ser atribuda
formao matemtica e a uma longa prtica de ensino de fsica bsica. Outra coluna de
destaca a do empirismo, que possui uma explicao devido a longos anos de prtica na
utilizao de balana nos correios e no laboratrio de qumica.
Ainda como intuito de aprofundar a idia de perfil, encontra-se na mesma obra o seu
perfil epistemolgico do conceito de energia:
115
Por fim, com essa proposta de perfil epistemolgico, Bachelard relaciona as duas
noes: a de obstculo epistemolgico e a de perfil epistemolgico, sendo que um perfil
epistemolgico retm as marcas dos obstculos que se superou. Portanto, o olhar da filosofia
116
para cincia sofre uma reorientao como as propostas de Bachelard, sendo que segundo
suas palavras, a razo deve obedecer cincia mais evoluda, a cincia em evoluo.
Como uma possibilidade de explicao para esse desempenho dos estudantes, apesar de
muito anterior historicamente, tem-se a proposta de Bachelard, discutida no item anterior e
que basicamente indica a convivncia de novas concepes epistemolgicas com antigas,
que recebe o apoio de muitos pesquisadores. O prprio Mortimer (1996, pg. 2), acima
mencionado, aponta essa concordncia:
Neste artigo discutiremos criticamente alguns aspectos do construtivismo e das estratgias de
ensino para mudana conceitual, buscando construir um modelo alternativo para compreender as
concepes dos estudantes dentro de um esquema geral que permite relacion-las e ao mesmo
tempo diferenci-las dos conceitos cientficos apreendidos na escola: a noo de perfil conceitual
(Mortimer, 1995). Essa noo permite entender a evoluo das idias dos estudantes em sala de
aula no como uma substituio de idias alternativas por idias cientficas, mas como a evoluo
de um perfil de concepes, em que as novas idias adquiridas no processo de ensino-aprendizagem
passam a conviver com as idias anteriores, sendo que cada uma delas pode ser empregada no
contexto conveniente. Atravs dessa noo possvel situar as idias dos estudantes num contexto
mais amplo que admite sua convivncia com o saber escolar e com o saber cientfico.
117
Ele apresenta sua argumentao de defesa do termo perfil conceitual, tendo por base
dois argumentos. O primeiro diz respeito distino entre caractersticas ontolgicas e
epistemolgicas. Segundo Mortimer (2006, pg. 78), apesar de trabalharmos com o mesmo
conceito, cada zona do perfil no somente epistemologicamente diferente, mas tambm
ontologicamente, pois as caractersticas do conceito em cada parte do perfil diferente. O
segundo argumento que os nveis pr-cientficos no so determinados por escolas
filosficas, mas pelos compromissos epistemolgicos e ontolgicos dos indivduos, sendo
esses influenciados pela cultura, definidos como um sistema supra-individual com um
pensamento que pode ser atribudo a qualquer indivduo dentro daquela cultura.
Embora Mortimer em suas investigaes tenha trazido novas contribuies que
permitem ampliar o alcance de aplicao das concepes de Bachelard, no h concordncia
com os seus argumentos. Entende-se que o primeiro argumento no se aplica, pois
Bachelard, apesar de no utilizar explicitamente o termo ontolgico leva em considerao
esse aspecto quando apresenta o seu perfil epistemolgico do conceito de massa com
natureza diferente em cada uma das escolas filosficas de pensamento, destacadas em A
filosofia do No. Portanto, concorda-se com a anlise de Martins (2007) quando afirma que:
Parece-nos que Bachelard poderia muito bem ter batizado o perfil de perfil ontoepistemolgico, sem qualquer modificao da sua proposta original. Talvez o uso apenas de
epistemolgico, deva-se nfase que nosso autor procura dar a idia de progresso nesse terreno.
(Martins, 2007, pg. 61)
118
esforo realizado. Quantas vezes no se acredita que a distncia entre dois lugares grande
devido ao tempo em que se permanece no trnsito, porm ao se fazer a experincia de
percorrer novamente essa distncia em um horrio de trnsito menos intenso tem-se a
sensao de que se percorreu uma distncia menor. Essa idia est relacionada sensao
que, obviamente, no pode excluir o indivduo que, por sua vez, tambm caracteriza essa
escola. Do ponto de vista histrico, essa noo corresponderia aos primrdios da
humanidade, onde as referncias eram visuais e individuais.
A noo Empirista do conceito de tempo est relacionada sua medida, ou seja, est
ligada marcao por meio de calendrios e relgios. O conceito de tempo aqui coletivo,
homogneo e nico. Todo ser humano tem uma dependncia grande do relgio e do
calendrio que regulam o ritmo da vida, constituindo, por assim dizer, uma conduta do
relgio, como a conduta da balana que Bachelard utiliza para exemplificar uma
caracterstica emprica do conceito de massa. Historicamente, essa fase corresponderia s
reminiscncias das primeiras civilizaes que procuraram marcar o tempo com os primeiros
calendrios e relgios solares. Essa forma de marcar o tempo prossegue at a
contemporaneidade com o advento dos relgios mais modernos. Ou seja, essa escola
tambm caracterizada pela repetio, fato que inclui uma conduta de medida, de uma
maneira mais geral, relacionada a um tempo cclico.
O Racionalismo Clssico utiliza idia de um tempo independente, absoluto, concebido
de forma geomtrica e encontrado sobretudo nas propostas newtonianas. um parmetro
matemtico que existe independente de qualquer coisa, aparecendo nos grficos
matemticos e nas frmulas fsicas. No pensamento racionalista possvel separar o tempo
de sua medida. Em muitas culturas encontra-se a idia de um tempo absoluto, eterno, porm
a matematizao surge nas propostas galileanas e newtonianas. Depara-se com essa
concepo mais especificamente no ensino bsico, com toda a discusso newtoniana. Na
graduao essa discusso reaparece para aqueles que estudarem em reas relacionadas
fsica, tecnologia ou cincia em geral.
No Racionalismo Completo o conceito de tempo modificado por influncia da
relatividade. Assim como a massa depende da velocidade, nessa escola, o tempo tambm.
As leituras dos relgios dependem da velocidade relativa entre os referenciais. Alm disso o
tempo constitui uma nova entidade fsica com o espao, formando o espao-tempo
quadridimensional. Essa nova estrutura espaco-temporal associada relatividade geral
120
afetada pela presena de uma massa que faz o transcorrer do tempo depender do campo
gravitacional. O contato com a idia de um tempo relativo de certa forma comum. Basta
pensar que com o advento da modernidade tem-se um tempo maior disponvel, pois as
telecomunicaes e transportes encurtam distncias, possibilitando um nmero maior de
atividades em um dia. Encontram-se muitas idias de um tempo relativo em muitas culturas,
porm na relatividade ressalta-se tambm a dependncia matemtica e geomtrica. No
ensino essa concepo mais discutida nas reas especficas de cincias exatas, como fsica
e tecnologia.
Por fim, a incerteza temporal da mecnica quntica presente no princpio da incerteza,
em que no possvel precisar a energia da partcula em um instante definido, e as idias de
tempo imaginrio, onde se prope novo modelo matemtico que permitiria pensar na forma
do tempo como uma dimenso espacial. Diferente da relatividade geral, em que o tempo e o
espao formam uma nica dimenso, porm o tempo continua com um sentido nico, o
tempo imaginrio seria perpendicular ao tempo real. Essas noes corresponderiam ao
Racionalismo
Discursivo.
Alm
desses
conceitos
qunticos,
as
concepes
de
ESCOLA
Realista ingnua
Empirismo
Racionalismo
clssico
Racionalismo
Relativo- depende da velocidade
completo
Incerteza temporal / tempo
Racionalismo
imaginrio/instantes
discursivo
Forma matemtica -
Absoluto
PERIODO
Primrdios da
humanidade
Primeiras
civilizaes
Propostas
Newtonianas
Relatividade
Mecnica
Quntica
ESTADOS
Pr- cientfico
Cientfico.
Novo esprito
Cientifico
30
Ao mudar com a famlia, aos 10 anos de idade, para Jaboato, devido a dificuldades
financeiras, Freire comeou a sentir na pele a fora trgica do sofrimento e da angstia, com
a perda do pai e a humilhao da me, viva precocemente, diante da pobreza e da luta para
sustentar os filhos. Por outro lado, foi l que ele aprendeu a viver e a valorizar as coisas
simples da vida, como assobiar para aliviar o cansao, sentar em uma roda de amigos para
um dilogo, alm de ter conhecido e se apaixonado pela lngua portuguesa. Paulo Freire
indica a importncia da sua vida em Jaboato no seu livro Pedagogia da Esperana (apud
Arajo Freire 1996, pg. 30):
Assim Jaboato foi um espao-tempo de aprendizagem, de dificuldades e de alegrias vividas
intensamente, que lhe ensinaram a harmonizar o equilbrio entre o ter e o no-ter, o ser e o noser, o poder e no-poder. Assim forjou-se Freire na disciplina da esperana.
31
importante ressaltar que esse colgio era de propriedade de Aluzio Pessoa de Arajo, pai de Ana Maria
Arajo Freire, que viria a ser sua segunda esposa de Paulo Freire.
123
mesmo Colgio Oswaldo Cruz, tendo permanecido at 1947. Colou grau e chegou at a
montar um escritrio de advocacia com dois amigos, mas desistiu na primeira causa e
resolveu ser educador32.
A partir de 1947 abandonou a docncia escolar aceitando ir trabalhar no setor de
educao e cultura do Servio Social da Industria (Sesi). Nessa experincia Freire teve o
contato com a alfabetizao de adultos (trabalhadores) e, paulatinamente, sentiu a
necessidade de uma adequao educacional a essa realidade.
No nvel superior sua primeira experincia foi na Escola de Servio Social, porm foi na
Escola de Belas Artes, da Universidade do Recife, hoje conhecida por Universidade Federal
de Pernambuco, que Freire foi nomeado professor interino de Histria e Filosofia da
Educao, em 1952, e aprofundou sua leitura de mundo em direo a uma educao para a
liberdade como costumava dizer.
Em 1959, com o intuito de receber o ttulo de Doutor, inscreve-se no concurso para
catedrtico com a tese intitulada Educao e atualidade, que se tornaria, anos mais tarde,
sua obra intitulada Educao coma prtica da liberdade, algo muito diferente do que se
conhecia at ento sobre educao. Talvez essa diferena possa ter lhe custado a perda do
primeiro lugar no concurso, mas mesmo assim foi aprovado. Com a aprovao no concurso
e obteno do ttulo de Doutor foi nomeado para exercer o cargo de professor de ensino
superior da mesma cadeira da Faculdade de Filosofia Cincias e Letras da Universidade do
Recife. Em 14 de agosto de 1961, o reitor dessa Universidade, conforme lei vigente na
poca, concede a Paulo Freire o ttulo de Docente-livre da cadeira de histria e filosofia da
educao.
Com a criao do Servio de Extenso Cultural (SEC) pela Universidade do Recife,
Freire vislumbra e pe em prtica seu sonho de trazer para a universidade, espao exclusivo
de aquisio do saber, as necessidades e sonhos da populao. Foi no SEC que ele
sistematizou o que chamam de Mtodo de Alfabetizao Paulo Freire, tendo sua prtica
inicial no Movimento de Cultura Popular (MCP), no centro de Olegarinha em Recife. Esse
movimento popular tomou dimenses nacionais no Governo de Juscelino Kubitschek,
colocando definitivamente Paulo Freire na histria da educao Brasileira. Diante do
sucesso desse movimento, o ento Ministro da Educao Paulo de Tarso leva Paulo Freire
32
para Braslia para realizao de uma Campanha Nacional de Educao que recebeu o nome
de Programa Nacional de Alfabetizao (PNA).
Porm, com o golpe militar de 1964 e a declarada caa as bruxas nada sobrou do SEC
ou do MCP. O PNA foi extinto e Paulo Freire preso por mais de uma vez. Com o intuito de
preservar sua vida, pede exlio Embaixada da Bolvia e parte para mais de 15 anos fora do
Brasil.
Ainda no Brasil convidado pelo Ministro da Educao da Bolvia para prestar
assessoria no campo da Educao ao seu pas. Mas, novamente, a cegueira e soberba dos
opressores cruzam o seu caminho e diante de um golpe militar na Bolvia segue para a
segunda etapa do seu exlio: o Chile. Sobre sua chegada ao Chile, em novembro de 1964,
Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Esperana (2007, pg. 35), comenta sua
expectativa e seu estado de esprito:
Cheguei ao Chile de corpo inteiro. Paixo, saudade, tristeza, esperana, desejo, sonhos rasgados,
mas no desfeitos, ofensas, saberes acumulados, nas tramas inmeras vividas, disponibilidade
vida, temores, receios, dvidas, vontade de viver e de amar. Esperana sobretudo.
Trs dias aps sua chegada em Santiago, Freire acerta com o diretor do Instituto de
Desenvolvimento Agropecurio (Indap) seu trabalho como assistente de direo do setor de
promoo humana. Alm do trabalho no Indap, Freire trabalhou tambm para o ministrio
da educao em planos extraordinrios de alfabetizao de adultos. Atuou nas reas urbanas
e rurais junto ao programa de reforma agrria, recebendo um convite para atuar no Instituto
de Capacitao e Industrializao em Reforma Agrria (Icira), atividade que desenvolveu j
como consultor especial da Unesco, e o possibilitou associar de forma plena a educao de
adultos com o processo de reforma agrria. Foi nessa realidade que nasce a obra intitulada
Extenso ou Comunicao?, em que Freire compara a relao entre o agrnomo e o
campons com a do professor e aluno, analisando a atitude de comunicar ou estender o
conhecimento. Nessa obra, encontra-se um interessante comentrio j no prefcio, da 12
edio, escrito pelo diretor do Indap Jacques Chonchol (2002, pg. 12):
Paulo Freire comea o seu trabalho com uma anlise do termo extenso, partindo de pontos de
vista diferentes: sentido lingstico da palavra, crtica a partir da teoria filosfica do conhecimento
e estudo de suas relaes com o conceito de invaso cultural. Posteriormente discute a reforma
agrria e a mudana, opondo os conceitos de extenso e de comunicao como idias
profundamente antagnicas. Mostra como a ao educadora do agrnomo, como a do professor em
125
geral deve ser a de comunicao, se quiser chegar ao homem, no ao ser abstrato, mas ao ser
concreto inserido em uma realidade histrica.
Assim, preocupado com a formao integral do homem, com seus valores, sua cultura,
Freire permanece no Chile durante cinco anos at 1969.
Aps vrios convites para lecionar, Freire parte para a terceira parte de seu exlio na
Universidade de Harvard, na qualidade de professor visitante, passando a assessorar o
Center for the Study of Development and Social Change e a lecionar sobre suas prprias
reflexes sobre a prtica educativa.
Com o trmino do seu contrato, apesar dos convites de vrias Universidades
Americanas, Paulo decide, como cristo e adepto da teologia da libertao que era, aceitar o
convite para integrar o Conselho Mundial das Igrejas (CMI), que lhe daria a oportunidade de
conviver com os povos oprimidos, experincia que nenhuma universidade ofereceria.
Muda-se para Genebra na Sua onde permanece at 1980.
No servio do conselho Mundial das Igrejas, como consultor do setor de educao,
Paulo Freire torna-se um andarilho, passando pela sia, Oceania, Amrica (menos
Brasil33), frica, sobretudo nos pases que tinham conquistado a independncia
recentemente. Em Genebra, fundou o Instituto de ao cultural (Idac) com sua esposa Elza e
um grupo de brasileiros. Paulo Freire e o Idac prestaram assessoria na rea de educao a
Guin-Bissau, So Tom e Prncipe, Cabo Verde e Angola. At 1977, alm do trabalho com
os africanos, Freire dividia sua atividade com a Universidade de Genebra, levando os alunos
a refletirem sobre suas idias e prticas educativas. Nesse perodo pediu demisso da
universidade para dedicar-se ao trabalho com os africanos.
Em 1979 as presses contra o regime ditatorial brasileiro aumentam e Paulo Freire
consegue junto Embaixada Brasileira na Sua o seu primeiro passaporte. J em agosto
desse mesmo ano, visita o Rio de Janeiro, Recife e So Paulo, onde assina um contrato para
lecionar na PUC-SP no curso de Ps- Graduao, formalizando o convite feito em Genebra
por Dom Evaristo Arns, que era Gro-Chanceler dessa Universidade na poca.
Em junho de 1980 retorna definitivamente para o Brasil. Trabalhando no programa de
Ps-Graduao da PUC-SP, inova as aulas, oferecendo um procedimento diferente da
tradicional aula, em que o professor coloca-se simplesmente em uma posio de transferir o
33
seu conhecimento. Freire levava outros professores para a sala de aula, formando crculos de
debates sobre a prtica educativa dos estudantes, sobre os temas de seus trabalhos,
discutindo e aprofundando dvidas e possibilidades, ou seja, Freire aplicava a sua teoria
praticando um verdadeiro dilogo com os estudantes.
Aps presses de professores e estudantes, em setembro de 1980, foi nomeado professor
da Unicamp no Departamento de Cincias Sociais Aplicadas Educao, onde permaneceu
at maro de 1991, ano que foi readmitido na Universidade Federal de Pernambuco. Sendo
assim, mantendo-se tico, pede exonerao da Unicamp, pois a constituio no permite
acmulo de cargos pblicos.
Em So Paulo, j no ano de 1987, ministrou um curso regular na USP, intitulado ArteEducao e Ao Cultural, como professor convidado no curso de Ps- Graduao da
Escola de Comunicao e Artes. No ano de 1991, foi novamente convidado para proferir
palestras e discutir projetos especficos.
Por outro lado, a vida partidria de Paulo Freire tem incio quando em 1979, ao visitar o
Brasil, conhece o projeto do Partido dos Trabalhadores (PT) e entusiasmou-se ao ver a
organizao popular, uma de suas idias fundamentais, tomar corpo como um partido
poltico nascido das lutas e movimentos sociais em meio ditadura. Na campanha
presidencial de 1989 chegou a ser cogitado a compor a chapa com Lula na Frente Brasil
Popular na qualidade de candidato vice-presidente, porm o acerto foi que seria o ministro
da educao. Com a derrota de Lula e a vitria de Luiza Erundina para prefeitura de So
Paulo, Freire foi empossado como Secretrio da educao. Desse dia em diante trabalhou
com o intuito de mudar a qualidade da educao pblica de So Paulo. Criou o Mova
(movimento de alfabetizao de jovens e adultos) a partir de sua compreenso de educao
popular de alfabetizao, alm de ouvir vrias sugestes de diversos nveis. Nesse processo
o Mova inaugurou um tipo de educao envolvendo os alfabetizandos, a comunidade e o
estado. Em pouco tempo tornou-se modelo de educao para o pas e realizou o primeiro
congresso de alfabetizandos. Alm disso as escolas nos mais diferentes nveis utilizavam as
idias de tema gerador e crculo de cultura, alm de proporcionar a interao entre os
professores da rede, das universidades pblicas, alunos e a comunidade no processo de
ensino-aprendizagem. Segundo Zanetic (2007, pg. 49), que participou desse projeto, sua
composio se dava em trs momentos pedaggicos:
127
34
pg. 42)
Mais detalhes dessas experincias podem ser encontradas em: Silva, A.F.G. da, A construo do currculo
na perspectiva popular crtica: das falas significativas s prticas contextualizadas, Tese de Doutorado,
PUC/So Paulo, 2004
35
CONSTANTINO, Luciana. Ensino pblico tem 33 escolas modelo. Folha de So Paulo, 20/12/2006, pg.
C4.
128
Aps 29 meses frente da educao de So Paulo, Freire anuncia que estava partindo
para trabalhar em outra esquina da luta poltica-pedaggica. Assim, Paulo Freire deixava a
secretaria da educao sendo sucedido por Mario Srgio Cortella que concluiu o mandato.
Paulo Freire morreu na UTI do Hospital Albert Einstein, na cidade de So Paulo, em 2 de
maio de 1997, de enfarte agudo do miocrdio. Morreu acreditando, como dizia, que o PT,
nico partido que se filiou, tinha a possibilidade de traduzir os sonhos, as utopias pelas quais
lutou toda a vida e sofreu durante 16 anos de exlio. Os seus sonhos, suas utopias por um
Brasil mais bonito, justo e democrtico, o levaram a enfatizar que o PT, para isso, deveria
reinventar o poder.
Para Freire foram outorgados 39 ttulos de Doutor Honoris causa , por instituies do
Brasil, Amrica e Europa, sendo 34 em vida e 5 in memoriam . Alm desses ttulos existem
inmeras escolas estaduais e municipais, logradouros pblicos, ruas, centros acadmicos,
bibliotecas, centros de pesquisas etc, que levam seu nome. Duas Homenagens importantes
foram perdidas: a do Prncipe de Astrias e o Nobel da Paz de 1993, principalmente por falta
de interesse do governo brasileiro em promover o fato. Assim, apesar de todo
reconhecimento internacional da sua obra e do seu trabalho, Paulo Freire ainda continua um
desconhecido para a educao brasileira, principalmente nos cursos de formao de
professores dos mais diferentes segmentos.
36
, ou ainda em
36
Paulo Freire nunca se refere s suas concepes de educao como um mtodo. Essa denominao foi dada
por seus estudiosos.
129
Comeou a leitura da palavra, orientado pela me, escrevendo palavras com gravetos das
mangueiras, sombra delas, no cho do quintal da casa onde nasceu na Estrada do Encanamento,
724, no bairro da casa Amarela, como tanto gosta de lembrar e dizer.
Tendo essas duas definies pode-se pensar, em concordncia com Simes (1994), que
o trabalho de Paulo Freire segue uma direo gnosiolgica, como ele mesmo gostava de
enfatizar, alm de ter a epistemologia como caminho. Em entrevista ao jornal Pasquim38
(apud Simes 1994, pg. 35), Paulo Freire afirma:
Ai que est um dos equvocos dos que, por ideologia, analisam o que fiz procurando um mtodo
pedaggico, quando o que deveriam fazer analisar procurando um mtodo de conhecimento e, ao
caracterizar o mtodo de conhecimento, dizer mas esse mtodo de conhecimento a prpria
pedagogia(...) Entendes? O caminho era o caminho epistemolgico.
37
Atentando-se para o fato de que seu livro com esse ttulo foi finalizado no exlio em Santiago, na primavera
de 1965 e que o seu livro mais conhecido, Pedagogia do Oprimido teve sua primeira publicao em Nova
York, em 1970, talvez seja lcito dizer que suas idias melhor elaboradas penetraram as fronteiras brasileiras,
geogrficas, polticas, culturais e educacionais.
38
Entrevista com Paulo Freire. Pasquim, maio/1978 n462, pg. 11.
130
Ainda sobre os aspectos gerais da obra de Paulo Freire, destaca-se uma concepo de
educao que parte das necessidades das pessoas e do prprio planeta, e no de categorias
abstratas, sendo pensada de forma participativa e democrtica com todos os envolvidos,
revelando ainda mais esse carter gnosiolgico citado.
Tendo essas concepes como alicerces do pensamento de Freire, cabe um
questionamento: quais seriam suas fontes inspiradoras? Segundo Gadotti (2005, pg. 12),
um dos seus principais bigrafos, alm de ter sido seu amigo pessoal, Freire tinha duas
fontes importantes: o cristianismo e o marxismo. Nos seus primeiros escritos encontram-se
citaes de filsofos humanistas cristos como Gabriel Marcel e Jacques Maritain, autores
muito discutidos nos anos 50. O pensamento humanista de Freire indica a utopia, que o
sonho da mudana, como um realismo para o educador. Embora seja difcil pontuar
temporalmente, aps a influncia crist segue-se a marxista e em sua concepo de educao
ele combina elementos das duas vertentes. Assim, nessa linha, Gadotti (2005, pg. 13)
afirma:
(...) A educao uma prtica antropolgica por natureza, portanto tico-poltica. Por essa razo,
pode tornar-se uma prtica libertadora. O tema da libertao ao mesmo tempo cristo e marxista.
O mtodo utilizado que diferente; a estratgia diferente. O fim o mesmo. Encontramos Hegel
como referncia desde o incio. A relao opressor-oprimido lembra a relao senhor-escravo de
Hegel. Depois vieram Marx, Gramsci, Habermas. Seu pensamento humanista e dialtico.
131
Por isto mesmo, a expresso extenso educativa s tem sentido se se toma a educao como
prtica de domesticao. Educar e educar-se, na prtica da liberdade, no estender algo desde a
sede do saber, at a sede da ignorncia para salvar, com este saber, os que habitam nesta.
Ao contrrio, educar e educar-se, na prtica da liberdade, tarefa daqueles que sabem que pouco
sabem por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais em dilogo com
aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem para que estes, transformando seu pensar que
nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais.
Assim, a educao como prtica de liberdade problematiza a relao ensinoaprendizagem, em que o professor hora educador e hora educando, e a educao est
baseada na comunicao, no dilogo e no na extenso de um conhecimento como algo
indiscutvel, inquestionvel.
O ato educativo assim se torna um ato de conhecimento, no qual educador e educando como
sujeitos cognoscentes so mediatizados pelo objeto cognoscvel que buscam conhecer. A relao
ensino-aprendizagem assim uma tripla via de mo dupla. (Simes, 1994, pg. 102)
redao das seguintes obras: Educao como prtica de liberdade (1967); Ao cultural
para a liberdade e outros escritos (1968) e Pedagogia do oprimido (1970). Escrito j no
exlio, a Pedagogia do oprimido, seu principal livro e teve sua primeira publicao em
ingls em 1970. No Brasil somente foi publicado em 1975. Nesses cinco anos que separaram
essas duas verses, ocorreram publicaes em alemo, espanhol, francs e italiano. Essa
demora da publicao no Brasil revela, entre outras coisas, o clima de represso vivido no
Brasil na poca.
O segundo momento ocorre entre 1969 at 1980, poca em que Freire viajou para
diversos pases lecionando e discutindo suas posies pedaggicas, alm de desenvolver um
trabalho educativo na frica. Nesse perodo a sua obra Pedagogia do oprimido traduzida
para vrias lnguas, alm disso ocorre a publicao das obras: Extenso ou Comunicao?
(1971) e Cartas a Guin-Bissau: um registro de uma experincia em processo (1978).
O terceiro momento marcado pelo retorno definitivo para o Brasil, j na dcada de 80.
Segundo o prprio Paulo Freire foi um momento de reaprender o Brasil. Isso ocorreu
principalmente na atividade docente e nos dilogos transformados em livros, entre eles
destaca-se: Por uma pedagogia da pergunta (1985), com Antonio Faundez, Medo e
ousadia: o cotidiano do professor (1986), com Ira Shor, e Alfabetizao: leitura da palavra,
leitura do mundo (1990), com Donaldo Macedo. Alm disso, pode-se evidenciar o seu
trabalho como membro fundador do Partido dos Trabalhadores e sua indicao para a
secretaria da educao de So Paulo.
O quarto momento marca a prtica de Paulo Freire como secretrio da educao de So
Paulo e a grande mudana que realiza na educao dessa cidade. O projeto de formao de
professores merece destaque e a obra de referncia Educao na cidade (1991). Nela
encontram-se os princpios do programa de formao de professores: a formao do
educador deve ser instrumentaliz-lo para que crie e recrie a sua prtica atravs da
reflexo sobre o seu cotidiano (2005, Freitas pg. 52). Ainda nesse momento ocorre a
publicao da obra Pedagogia da Autonomia (1996), que populariza as reflexes sobre os
saberes da Prtica educativa.
O quinto e ltimo momento, correspondem ao movimento que busca manter viva a
memria e as idias de Paulo Freire. um perodo de atualizao de concepes, sobretudo
com o trabalho de Ana Maria de Arajo Freire, viva e responsvel pelas notas e
133
publicaes das suas ltimas obras, entre elas destacam-se: Pedagogia da indignao
(2000); Pedagogia da Libertao (2001) e Pedagogia dos sonhos possveis (2001), entre
outros.
Portanto a obra de Paulo Freire encontra-se em constante atualizao e adequao
realidade, contudo a natureza da educao que Paulo aprende durante sua caminhada,
continua mantida, conforme as suas palavras registradas no posfcio da obra de Ernani
Maria Fiori (1991, apud Freitas 2005, pg. 53):
Num certo momento da minha trajetria, da minha experincia, eu no pensei em poltica; num
outro momento, eu pensei em poltica e educao; e s num terceiro momento, no qual eu me
encontro h uns dez anos, que eu digo que a educao tem natureza poltica.
Aps essa discusso dos aspectos gerais da concepo de educao de Paulo Freire,
importante apresentar concepes mais precisas relacionadas ao que chamam de mtodo
Paulo Freire ou mtodo de alfabetizao. importante ressaltar que:
se o sujeito ler direitinho os textos que tenho escrito, sobretudo os recentes, sobre o problema da
alfabetizao, ele descobre que o que estou fazendo teoria do conhecimento. (Pasquim, 1978,
apud Simes 1994, pg. 36)39
Na obra Pedagogia do Oprimido (2005, pg. 34), encontra-se parte das concepes
pedaggicas de Paulo Freire que constituem a espinha dorsal do chamado mtodo de
alfabetizao:
A nossa preocupao, neste trabalho, apenas apresentar alguns aspectos do que nos parece
constituir o que vimos chamando de pedagogia do oprimido: aquela que tem de ser forjada com ele
e no para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperao de sua humanidade.
Pedagogia que faa da opresso e de suas causas objeto da reflexo dos oprimidos, de que
resultar o seu engajamento necessrio na luta por sua libertao, em que esta pedagogia e far e
refar.
Assim, dentro dessa pedagogia que realizada com os oprimidos, Paulo Freire critica a
pedagogia tradicional que ele chama de educao bancria. Nessa concepo o educando
pensado como um depsito, como uma conta bancria, em que se deposita o conhecimento,
ou seja, o educando e seu conhecimento no so considerados no processo de ensinoaprendizagem. Segundo Paulo Freire (2005, pg. 67):
39
Na viso bancria da educao, o saber uma doao dos que se julgam sbios aos que
julgam nada saber. Doao que se funda numa das manifestaes instrumentais da ideologia da
opresso a absolutizao da ignorncia, que constitui o que chamamos de alienao da
ignorncia, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.
A relao entre educador e educandos e o papel que cada um ocupa nessa relao
fundamental para evidenciar um suposto papel ativo para o educador e uma passividade
acomodatcia para os educandos. Freire (2005, pg. 68) reitera essa posio de educador e
educando de forma destacada em sua obra ao afirmar que na educao bancria:
a) o educador o que educa ; os educandos, os que so educados;
b) o educador o que sabe; os educandos, os que no sabem;
a) o educador o que pensa; os educandos, os pensados;
b) o educador o que diz a palavra; os educandos, os que escutam docilmente;
c)
d) o educador o que opta e prescreve sua opo; os educandos os que seguem a prescrio;
e)
f)
135
g) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que ope
antagonicamente liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se s determinaes
daquele;
h) o educador, finalmente, o sujeito do processo; os educandos, meros objetos.
Essa presena sorrateira e esse esquema de pensar quase que algo religioso,
tradicional. Paulo Freire sintetiza de forma brilhante essa idia metafsica que permeia nosso
ambiente de ensino quando, em entrevista Revista Ensaios (apud Simes pg. 47), reflete
sobre a expresso a religio o pio do povo :
Essa afirmao no pode ser entendida metafisicamente. O que quero dizer com isso? Quero dizer
que no possvel usar o verbo ser, a, como se o predicativo do verbo ser, que o pio, se
constitusse na natureza do substantivo, da natureza imutvel. Isso seria metafsica imobilizadora,
136
Assim, Paulo Freire argumenta no sentido de uma afirmao que na sua essncia
demanda uma dimenso histrica, viva, com um contexto, indicando movimento,
dinamismo.
Como uma alternativa a esse paradigma da educao bancria, Paulo Freire prope,
ento, uma educao problematizadora e libertadora. Uma educao desse tipo no pode se
fundamentar em sujeitos vazios que se pode encher com contedos, mas em sujeitos
conscientes e crticos da sua existncia. Nessa concepo, a mediao no realizada
atravs de comunicados, mas preza a comunicao, conforme aponta Paulo Freire (2005,
pg. 77/78):
Ao contrrio da bancria, a educao problematizadora, respondendo essncia do ser da
conscincia, que sua intencionalidade, nega os comunicados e existncia a comunicao.
(...) a educao libertadora, problematizadora, j no pode ser o ato de depositar, ou de narrar,
ou de transferir, ou de transmitir conhecimento e valores aos educandos, meros pacientes,
maneira da educao bancria, mas um ato cognoscente. Como situao gnosiolgica, em que o
objeto cognoscvel, em lugar de ser o trmino do ato cognoscente, de um sujeito, mediatizador de
sujeitos cognescentes, educador de um lado, educandos, de outro, a educao problematizadora
coloca, desde logo, a existncia da superao da contradio educador-educando. Sem esta, no
possvel a relao dialgica, indispensvel cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes em torno
do mesmo objeto cognoscvel.
137
Neste sentido que a investigao do tema gerador, que se encontra contido no universo
temtico mnimo ( os temas geradores em interao), se realizada por meio de uma metodologia
conscientizadora, alm de nos possibilitar sua apreenso, insere ou comea a inserir os homens
numa forma crtica de pensarem seu mundo.
Toda essa metodologia conscientizadora para definio dos temas geradores, est
inserida dentro dos crculos de investigao temtica, tambm conhecido como crculo de
cultura que, em contraposio sala de aula tradicional, so formados de no mximo 20
pessoas, em que todos so fundamentais no processo e trazem suas contribuies. Essas
contribuies so apresentadas e discutidas nos crculos de cultura, tendo como recurso
didtico a reflexo e o dilogo praticado pelos participantes dos crculos, conforme aponta
Freire (2005, pg. 137):
Outro recurso didtico, dentro da viso problematizadora da educao e no bancria, seria a
leitura e a discusso de artigos de revistas, de jornais, de captulos de livros, comeando-se por
trechos. Como nas entrevistas gravadas, aqui tambm, antes de iniciar a leitura de artigos ou do
captulo do livro, se falaria do autor. Em seguida, se realizaria debate em torno do contedo da
leitura.
separar,
dicotomizando.
Nesta
leitura
ARTICULA-SE
subjetividade/objetividade,
Musas,
literalmente
realizando com
memria
um
modo
de
apreender(partejando) a realidade.
138
preciso porm, deixar claro que, em coerncia com a posio dialtica em que me ponho, em
que percebo as relaes mundo-conscincia-prtica-teoria-leitura-do-mundo-leitura-da-palavracontexto-texto, a leitura do mundo no pode ser a leitura dos acadmicos imposta s classes
populares. Nem tampouco pode tal leitura reduzir-se a um exerccio complacente dos educadores
ou educadoras em que, como prova de respeito cultura popular, silenciem em face do "saber de
experincia feito" e a ele se adaptem.(Freire, 2007, pg. 106/107).
De forma semelhante, a proposta de Bachelard, tambm segundo Simes (1994, pg. 36)
:
40
A relao entre conduta pessoal e perfil epistemolgico ser discutida no captulo sobre cultura.
141
a "filosofia do no", exemplificada pelos exemplos que ele prprio analisou como a "geometria
no-euclideana", a "fsica no-newtoniana", a negao do senso comum, a negao dos obstculos
epistemolgicos cientficos, a sua frase de que "o pior inimigo da cincia a prpria cincia", etc.
Alm disso, h a idia de ruptura, que na proposta de Freire gnosiolgica, pois pensa
a educao de forma diferente, ou seja na abordagem, currculo, postura do professor;
enquanto Bachelard prope a ruptura epistemolgica a partir da superao dos obstculos
epistemolgicos.
Outro aspecto interessante a prpria noo de perfil epistemolgico, que para
Bachelard fundamental e guarda os obstculos epistemolgicos relativos a uma cultura
particular. Todavia, o aprendizado ocorre no sentido da evoluo dos estgios, como aponta
Bachelard (1978, pg. 30):
(...) Os primeiros obstculos, aqueles que encontramos nos primeiros estdios da cultura, do lugar
a ntidos esforos pedaggicos.
De forma similar, Paulo Freire aponta tambm nessa direo, em que a relao
educador-conhecimento-educando, no sentido de ida e volta, dentro da sua teoria de
conhecimento, deve possibilitar uma evoluo crtica, em que ambos, educador e educando,
evoluem. Contudo o educador deve conhecer culturalmente o universo do educando,
respeitando-o e intervindo de forma a permitir-lhe o acesso a saberes diferentes:
neste sentido que volto a insistir na necessidade imperiosa que tem o educador ou educadora
progressista de se familiarizar com a sintaxe, com a semntica dos grupos populares, de
entender como fazem eles sua leitura do mundo, de perceber suas "manhas" indispensveis
cultura de resistncia que se vai constituindo e sem a qual no podem defender-se da violncia a
que esto submetidos. ( Freire 2007 pg., 106/107)
Ainda na linha do saber formular questes, inquietar a razo, Bachelard (1996, pg. 304)
afirma:
preciso inquietar a razo e desfazer os hbitos do conhecimento objetivo. Deve ser, alis, a
prtica pedaggica constante.
Paulo Freire (2002, pg. 54) tambm na mesma linha, enfatiza a importncia do desafio
na constituio do saber:
Na verdade, nenhum pensador, como nenhum cientista elaborou seu pensamento ou sistematizou
seu saber cientfico sem ter sido problematizado, desafiado. Embora isso no signifique que todo
homem desafiado se torne filsofo ou cientista, significa, sim que o desafio fundamental
constituio do saber.
Ainda quando um cientista, ao fazer uma investigao em busca de algo, encontra o que no
buscava (isto sempre ocorre), seu descobrimento partiu da problematizao.
143
Alma pueril ou mundana, animada pela curiosidade ingnua, cheia de assombro diante do mnimo
fenmeno instrumentado, brincando com a fsica para se distrair e conseguir um pretexto para uma
atitude sria, acolhendo as ocasies do colecionador, passiva at na felicidade de pensar.
Paulo Freire (2006, pg. 29) tambm aponta nesse sentido, argumentando sobre a
importncia da curiosidade:
Pensar certo, em termos crticos, uma exigncia que os momentos do ciclo gnosiolgico vo
pondo curiosidade que, tornando-se mais e mais metodicamente rigorosa, transita da ingenuidade
para o que venho chamando "curiosidade epistemolgica". A curiosidade ingnua, de que resulta
indiscutivelmente um certo saber, no importa que metodicamente desrigoroso, a que
caracteriza o senso comum. O saber de pura experincia feito. Pensar certo, do ponto de vista do
professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessria superao
quanto o respeito e o estmulo capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da
educadora com a conscincia crtica do educando cuja "promoo" da ingenuidade no se faz
automaticamente.
Ainda sobre a curiosidade, na mesma obra, Paulo Freire (2006, pg. 86) destaca:
O exerccio da curiosidade a faz mais criticamente curiosa, mais metodicamente "perseguidora"
do seu objeto. Quanto mais a curiosidade espontnea se intensifica, mas, sobretudo, se "rigoriza",
tanto mais epistemolgica ela vai se tornando.
Paulo Freire (2002, pg. 27) estabelece a sua opinio sobre a escola, quando critica a
educao bancria, em que os alunos so tratados como depsito de contedos e quanto mais
cheios melhor:
Por isso mesmo que, no processo de aprendizagem, s aprende verdadeiramente aquele que se
apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isso mesmo,
reinvent-lo; aquele capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situaes existenciais concretas.
144
Pelo contrrio, aquele que enchido por outro de contedos cuja inteligncia no percebe; de
contedos que contradizem a forma prpria de estar em seu mundo, sem que seja desafiado, no
aprende.
145
Aps essa pequena anlise e comparao de Bachelard e Paulo Freire, referenciais desse
trabalho, reitera-se a escolha de cada uma deles. Bachelard, no aspecto epistemolgico
mostra-se relevante, conforme aponta Martins (2004, pg.202):
Nesse sentido, foi fundamental o referencial bachelardiano: verificamos que possvel atribuirmos
aos alunos um perfil epistemolgico para o conceito de tempo, na medida em que eles manifestam
elementos de diversas zonas de hierarquia bachelardiana.
Paulo Freire ser importante como referncia gnosiolgica pois, conforme Delizoicov
(apud Simes 1994, pg. 92):
A teoria do conhecimento que permeia a concepo freireana , ao invs de epistemolgica,
gnosiolgica; portanto mais ampla, abrangente, e por isso mesmo menos especfica enquanto
anlise do conhecimento cientfico, visto no ser apenas este o seu objeto da concepo
problematizadora da educao.
cultura, alm de estimular a contribuio dos educandos no processo. Essas atividades, como
refletido anteriormente, visam discutir a natureza da cincia, alm de identificar concepes
dos alunos sobre vrios conceitos, entre eles o conceito de tempo.
147
(...) Cultura palavra de origem latina e em seu significado original est ligado s
atividades agrcolas. Vem do verbo latino colere, que quer dizer cultivar(...) Cultura uma
construo histrica, seja como concepo, seja como dimenso do processo social.
Jos Luiz do Santos
148
Pode-se assim dizer que cultura tudo que o ser humano produz, experimenta,
contempla, sendo que:
compreende-se, sob o termo de cultura, o conjunto de formas da vida espiritual da sociedade, que
nascem e se desenvolvem base do modo de produo dos bens materiais historicamente
determinado. (Sodr apud Zanetic 1989, pg. 147).
149
Portanto, cultura, no algo pronto e acabado que o ser humano recebe quando nasce.
gerada e compreendida nas suas relaes com o momento histrico em que se vive. Assim,
quando se pensa em costumes surge um questionamento quanto s diferenas culturais ao
longo do tempo. Quando se pensa nos antepassados que no tinham o desenvolvimento
tecnolgico dos dias de hoje, pode-se afirmar com pouca margem de erro que a atrao deles
na sociedade era diferente. Assim Jhally41 (apud Santos 1999, pg. 113) prope uma diviso
das pocas tendo como referncia a cultura. O primeiro estgio corresponderia cultura prindustrial:
No estdio I, o significado entre as pessoas e as coisas , fundamentalmente, mediatizado por
culturas tnicas. O significado dos objectos depende da sua integrao em formas culturais
centradas na famlia, na religio e na comunidade.
41
Esse perodo corresponde aos nossos dias em que ter mais importante que ser ou saber.
A crise se agrava e a educao passa a desempenhar e exercer um papel de controle e
instaurao de identidades para compor o cenrio em questo. Mais adiante retoma-se essa
discusso com outros referenciais.
Pode-se sugerir um paralelo desses estgios com os perodos histricos propostos por
Bachelard, conforme o quadro a seguir:
Tabela 2: Estgios culturais e estados cientficos
ESTGIOS CULTURAIS ESTADOS CIENTFICOS
Sociedade pr-industrial
Pr-cientfico
Sociedade industrial
Cientifico
Sociedade de consumo
Nos dias atuais encontra-se essa cultura permeando as discusses sobre trabalho e a
dignidade da pessoa humana, as reflexes sobre a postura e conscincia humana em nosso
planeta frente a questes ambientais e relaes familiares e de trabalho dilaceradas pela
sociedade capitalista, alm das preocupaes com a vida humana relacionadas com a
violncia das cidades grandes, entre outros
A cultura cientfica, que se desenvolveu particularmente a partir do sculo XIX, est na origem de
um formidvel aumento de informao. Caracteriza-se por um conhecimento fortemente
estruturado, que tem como exigncia as necessidades da prova, de uma especializao cada vez
maior e de uma diferenciao de comunidades especficas no seio da sociedade. (Santos 1999,
pg. 114)
A cultura cientfica em um dado momento histrico foi pensada como algo distante da
vida humana, porm paulatinamente percebe-se a sua influncia na vida social. Assim, o
debate entre a cultura cientfica e a humanstica torna-se mais claro. Nos dias atuais os
debates cientfico-humanistas passam por questes ambientais e de concepo da vida
mediante as pesquisas genticas. importante notar a dificuldade de separar cultura
humanstica da cientfica, fato que no difcil de entender, pois as duas reas so
completamente relacionadas e influenciam-se.
J como fruto da vida contempornea tem-se:
A cultura de massa. Cultura que se desenvolveu nos e pelos "mass media" segundo uma dinmica
prpria da sociedade moderna (...), a partir de um mercado aberto pelas tcnicas de difuso
massiva em que os produtos culturais foram propostos como mercadoria segundo a lei da oferta e
da procura" (Morin, s/d. c.: 295). A designao "cultura de massa" deve-se aos meios da sua
152
divulgao - tcnicas de difuso massivas - "mass media", como a imprensa, o cinema, a rdio e a
televiso e ao nmero dos seus consumidores "espcie de 'massa' onde os indivduos como tal se
encontram incorporados. (Santos 1999 pg. 115)
A cultura de massa tida como a grande novidade cultural do sculo XX (Santos 1999).
fruto da grande avalanche tecnolgica e ideolgica de um planeta aparentemente sem
fronteiras, ou seja, globalizado.
Essas trs diferentes formas de se manifestar o valor atribudo vida, so frutos dos
estgios culturais, como dito anteriormente, e convivem dentro da sociedade plural em que
se vive. Em diversas situaes so motivos de discusses e at mesmo de violncia. Podese resumir as idias e relaes discutidas na tabela a seguir:
Tabela 3: Cultura: caracterizao histrica
ESTDIOS SOCIEDADE
RELAES
CULTURA
ESTADOS
Pr-industrial
Famlias, Religio,
Humanstica Pr-cientfico
II
Industrial
Modos de produo
Cientfica
Cientifico
III
Consumo
Mercado
Massa
Como exposto ao final do captulo anterior, para finalizar essa reflexo sobre sociedade e
cultura, busca-se no pensamento de Paulo Freire algumas idias que focalizem mais
explicitamente os aspectos pedaggicos. O entendimento desse educador sobre a cultura
importante para o direcionamento do trabalho pedaggico dentro da sociedade. Freire
(2006), em sua obra Educao como prtica e liberdade, discute o papel ativo do homem
sobre os dois mundos: o da natureza e o da cultura. Segundo ele a cultura um
acrescentamento que o homem faz ao mundo que ele no fez (Freire 2006, pg. 117). Ela
resultado do esprito criador e re-criador, imaginativo e contemplativo do ser humano.
Assim, o analfabeto percebe que tanto ele quanto o letrado possuem, embora em matizes
diferentes, o mesmo esprito, sendo que:
Descobriria que tanto cultura o boneco de barro feito pelos artistas, seus irmos do povo, como
cultura tambm a obra de um grande escultor, de um grande pintor, de um grande mstico, ou de
um pensador.
Que cultura a poesia dos poetas letrados de seu pas, como tambm a poesia de seu cancioneiro
popular. Que cultura toda criao humana. (Freire 2006, pg. 117)
Portanto sob essa ptica, que envolve conceitos gnosiolgicos e antropolgicos, que o
educador deve entender a cultura dentro da sociedade, ou seja:
153
Entender o sentido de suas festas no corpo da cultura de resistncia, sentir sua religiosidade de
forma respeitosa, numa perspectiva dialtica e no apenas como se fosse expresso pura de sua
alienao. Respeit-la como direito seu, no importa que pessoalmente a recuse de modo geral, ou
que no aceite a forma como ela experienciada pelo grupo popular.(Freire, 2007, pg. 107)
internacionais, com a esfera econmica e com o controle simblico ligado esfera cultural.
Alm do campo oficial, existem tambm os recontextualizadores no-oficiais presentes na
teoria educacional e na pesquisa de educao em geral. Bernstein afirma (apud Lopes 2002,
pg. 99) que:
(..) todo discurso pedaggico uma arena de conflitos e, potencialmente de mudanas(...)
Trata-se de uma abordagem integrada que segue uma perspectiva prxima com os temas geradores de
Freire.
155
Esses conceitos de solidariedade mecnica e orgnica so extrados do livro The Division of labour in
Society, de Emile Dunkhein, publicado no final do sculo XIX.
156
Para finalizar essa reflexo que tratou, entre outras coisas, dos contedos curriculares
propostos pela educao oficial, cita-se a obra do educador Snyders, em que os conceitos de
cultura primeira e cultura elaborada so discutidos. A experincia direta com a vida origina a
cultura primeira. J a elaborada:
(...) se dirige a todos e isto tanto para as artes, as letras, as idias polticas quanto para as
Cincias: Mozart vale para todos, at, e, sobretudo, para os operrios especializados, que no o
provaram (ainda) como a matemtica vale para todos, inclusive para multido daqueles que no a
compreendem. A afirmao que nossa sociedade lugar de luta de classe vale para todos, inclusive
para aqueles que no querem, e que no podem reconhec-la. Sustento que as maiores obras se
impem, mantm-se vivas no s alm das situaes polticas e todas que pediram seu nascimento,
mas tambm alm das barreiras de classe: a classe do autor, a classe do seu pblico, do pblico ao
qual, a princpio, elas eram destinadas. (Snyders apud, Zanetic 1989, pg. 49)
Tambm possvel notar uma forte semelhana com o cdigo restrito e o cdigo elaborado
de Bernstein.
Assim, finaliza-se com uma idia, tambm comum a todos esse pensadores, que
consiste em uma valorizao dos mais diferentes universos culturais, um dilogo entre eles,
no sentido da comunicao de Freire, pensando em uma educao emancipadora, livre e que
vise acima de tudo a valorizao do ser humano.
Aqui, encontra-se uma primeira indicao de Bachelard sobre a relao do seu perfil
epistemolgico de massa a um determinado momento particular de sua cultura. Bachelard
enfatiza a influncia da sua formao na construo conceitual do perfil. Portanto ele
justifica a noo racionalista devido sua formao na rea de cincias exatas. Quanto
presena do empirismo, no seu perfil epistemolgico desse conceito, Bachelard (1978, pg.
26) afirma:
Consideremos em seguida, do lado pobre da cultura, a noo de massa sob a sua forma emprica.
No que nos diz respeito, somos levados a dar-lhe uma importncia bastante grande. Com efeito, a
158
conduta da balana foi por ns muito praticada no passado. Foi-o na poca em que trabalhvamos
em Qumica e tambm na poca mais recuada em que pensvamos, com um cuidado administrativo,
as cartas numa estao dos correios. Os escrpulos das finanas reclamam a conduta da balana
de preciso. Admira-se sempre o senso financeiro comum dizendo que o moedeiro pesa as suas
moedas em vez de as contar. Notemos de passagem que a conduta da balana de preciso, que tem
pela noo de massa um respeito absoluto, nem sempre uma conduta muito clara: muitos alunos
ficam surpreendidos e perturbados com a lentido da medio precisa. No devemos, pois, atribuir
a toda a gente uma noo emprica da massa que seja uma noo automaticamente clara.
Por outro lado, ao comparar (Bachelard 1978, pg. 27) os perfis de massa e energia,
busca analisar a homogeneidade cultural cientfica:
No que se refere s suas partes racionalistas, os dois perfis so semelhantes, tanto na formao
newtoniana como na formao relativista. Com efeito, no que a ns se refere, quando nos
orientamos para uma informao racionalista estamos to seguros da nossa noo de energia como
da nossa noo de massa. Por outras palavras, em relao aos nossos conhecimentos cientficos, a
nossa cultura homognea no que diz respeito aos dois conceitos de massa e de energia. No
estamos aqui perante um caso geral; inquritos psicolgicos precisos, levados a cabo ao nvel das
noes particulares, provariam a existncia de curiosas desarmonias mesmo entre os espritos mais
bem formados. No certo que todas as noes logicamente claras sejam, do ponto de vista
psicolgico, igualmente claras. O estudo sistemtico dos perfis epistemolgicos evidenciaria muitas
oscilaes.
159
Contudo, no final do texto acima, Bachelard deixa claro que possvel ocorrerem
oscilaes na coerncia conceitual e que somente um estudo sistemtico dos perfis poder
mostrar isso. importante enfatizar que um estudo dessa natureza pode contribuir para que
o professor entenda melhor as dificuldades dos alunos e as interprete do ponto de vista
epistemolgico. E certamente esse mesmo professor poder entender melhor suas prprias
dificuldades ao procurar traduzir para seus alunos conceitos de fsica moderna, como seria
apresentar o conceito de tempo relativstico. Maria Jos P.M. de Almeida (2004, pg. 69),
tambm baseada no conceito de perfil epistemolgico de Bachelard, afirma que :
Dadas essas colocaes do autor, parece-me plausvel admitir a dominncia do racionalismo
clssico no perfil daqueles que com ele conviveram de maneira to direta como alunos
universitrios num curso de fsica, caso dos professores
Bachelard (1978, pg. 28) alm de enfatizar a influncia cultural sobre o perfil
epistemolgico, destaca a convivncia dos conceitos e o retorno a conceitos mais primitivos
e situaes extremas
(...) No devemos, pois, admirar-nos que uma utilizao imediata to impura projete sombra
sobre o empirismo claro e deforme o nosso perfil epistemolgico. Basta manejar um instrumento
mal afiado para que se constate esta deformao psicolgica. Basta uma raiz a interromper o
ritmo da enxada para que se apague a alegria do jardineiro, para que o trabalhador, esquecendo
a clara racionalidade de sua tarefa, anime o instrumento de uma energia vingadora. Seria
interessante circunscrever bem este conceito de energia triunfante; ver-se-ia que ele d a determinados pensamentos uma segurana, uma certeza, um sabor, que enganam acerca da sua
verdade. (...).
esta eliminao. Nesse livro tivemos ocasio de definir a noo de obstculo epistemolgico.
Poderamos relacionar as duas noes de obstculo epistemolgico e de perfil epistemolgico
porque um perfil epistemolgico guarda a marca dos obstculos que uma cultura teve que superar.
Os primeiros obstculos, aqueles que encontramos nos primeiros estdios da cultura, do lugar a
ntidos esforos pedaggicos. Neste livro vamos trabalhar no outro plo, tentando mostrar a
racionalizao na sua forma mais sutil, quando ela tenta completar-se e dialetizar-se com as formas
atuais do novo esprito cientfico. Nesta regio, o material nocional no naturalmente muito rico;
as noes em via de dialetizao so delicadas, por vezes incertas. Correspondem aos germes mais
frgeis: no entanto nelas, por elas que progride o esprito humano.
Portanto, o perfil epistemolgico guarda as marcas dos obstculos que uma cultura teve
de superar. Assim fundamental acessar a cultura pessoal para entender o perfil
epistemolgico de forma a proporcionar propostas de ensino que visem a evoluo desse
perfil.
importante citar um trabalho, em que se procurou identificar o perfil epistemolgico
da representao social sobre o conceito de tempo de licenciandos da Universidade Federal
Rural de Pernambuco. Como referncia utilizaram a noo de perfil epistemolgico de
Bachelard, com nfase no conceito de tempo estudado por Martins (2007), alm da teoria de
Moscovici sobre representaes sociais. Para explicar minimamente essa teoria, segundo os
autores (Junior, Tenrio & Bastos, 2007 pg. . 03):
(...) A preocupao deixou de ser simplesmente com o conhecimento individual, passando a ser
enfocado como o indivduo dentro do grupo e o prprio grupo chegam ao conhecimento. O conceito
das representaes sociais pode ser entendido como uma sntese dessas preocupaes, na medida
em que auxilia no entendimento de como se forma o conhecimento (MOSCOVICI, 2004).
163
(...) Ele tambm uma instituio cujo carter varia conforme o estgio de
desenvolvimento atingido pelas sociedades. O indivduo, ao crescer, aprende a interpretar
os sinais temporais usados em sua sociedade e a orientar sua conduta em funo deles. A
imagem mnmica e a representao do tempo num dado indivduo dependem, pois, do nvel
de desenvolvimento das instituies sociais que representam o tempo e difundem seu
conhecimento, assim como das experincias que o indivduo tem delas desde a mais tenra
idade.
Norbert Elias
164
ii.
iii.
iv.
ii.
iii.
iv.
v.
vi.
vii.
viii.
importante destacar que a escolha desses grupos para a pesquisa difere do universo
pesquisado por Martins (2007), que foi composto por duas fases. A fase inicial foi realizada
em um curso supletivo noturno de uma escola privada onde o prprio Martins lecionava. A
partir das discusses propostas em sala ele realizou um total de 4 entrevistas. Na fase
denominada por ele como estudo principal, foram realizados
(..) trs conjuntos de entrevistas, divididos em duas etapas: numa primeira etapa, entrevistamos 6
alunos do ltimo ano de ensino fundamental de uma escola municipal. A segunda etapa envolveu 5
alunos do segundo ano do ensino mdio de uma escola pblica estadual, e 6 alunos da sexta srie
do ensino fundamental de outra escola estadual(11 entrevistados). Somando-se as duas etapas ,
totalizaram-se 17 entrevistas . (Martins, 2007, pg. 151)
5.2 A metodologia
O trabalho de pesquisa de campo foi dividido em duas etapas, sendo que a primeira
consistiu em uma adequao da ferramenta de pesquisa escolhida, que foi o questionrio, e
ser apresentada a seguir. A segunda fase teve o objetivo de levantar os dados e analis-los
de forma predominantemente qualitativa, buscando as relaes entre a cultura e o perfil
epistemolgico do conceito de tempo, e ser discutida no sub-captulo seguinte.
Nessa fase busca-se, a partir da definio dos tipos de questionrios, um levantamento
das concepes dos alunos sobre o tempo, sua cultura e prticas pessoais. um momento de
adequao da ferramenta de pesquisa, ou seja, deseja-se avaliar a validade do questionrio e
166
definir possveis ajustes a serem feitos. importante ressaltar a escolha pelo questionrio,
pois uma ferramenta que fornece um nmero maior de dados em um tempo menor.
A dificuldade foi grande, pois no se tinha idia de como elaborar esses questionrios,
sobretudo quanto ao aspecto cultural. Quanto ao conceito de tempo, utilizou-se inicialmente
o questionrio proposto por Martins (2007) composto por 34 afirmaes sobre a natureza e
mensurao do tempo, alm de pequenas situaes para anlise. Esse questionrio foi
elaborado na forma de mltipla escolha com afirmaes de concordncia ou discordncia em
quatro nveis, conforme anexo 1. A dificuldade em pensar nos instrumentos para coleta de
dados grande, conforme aponta Martins (2007, pg. 247):
Como dissemos, a dificuldade de abordagem do tema e a ausncia de outros estudos na mesma
linha fizeram com que a prpria elaborao do instrumento de coleta de dados passasse a ser um
dos objetivos do trabalho. Embora o estudo preliminar (exploratrio) tenha sido bastante
satisfatrio, tivemos problemas quanto definio, elaborao e aplicao do instrumento
escolhido para o desenvolvimento do estudo principal.
Alm desse questionrio inserimos outro em que os alunos tinham de escolher 6 entre
12 afirmaes sobre o tempo e orden-las do nvel de maior concordncia para o de menor
concordncia, conforme o anexo 2. Essas afirmaes eram de filsofos, cientistas e
divulgadores da cincia. Os seus nomes foram omitidos para no influenciar na escolha.
No aspecto cultural foi elaborado um questionrio tambm na forma de mltipla
escolha com 30 perguntas que buscaram informaes sobre a origem familiar, prticas
pessoais, leitura e participao em eventos culturais como teatro, cinema, alm das demais
preferncias culturais.
Aps a aplicao desses questionrios (anexos 1 e 2) iniciou-se a anlise que logo nos
primeiros momentos mostrou-se inadequada para o objetivo de, preliminarmente, fornecer
os primeiros dados que indicassem a viabilidade ou no da proposta de relacionar perfil
epistemolgico com a cultura. A inviabilidade consistia na formatao do questionrio, pois
sendo na forma de mltipla escolha, no caso do anexo 1, com respostas previamente prontas,
e na forma de ordenao seqencial das escolhas utilizando apenas uma letra como
referncia, no caso do anexo 2, impossibilitavam um entendimento mais profundo das
concepes dos alunos sobre o conceito de tempo. Assim, em concordncia com Martins
(2007, pg. 251), esses instrumentos, que se mostraram inviveis nesse momento para coleta
de dados, podero contribuir para construo de perfis coletivos:
167
Portanto, fez-se a opo de no analisar esse material nesse trabalho, apesar de ter-se
esboado perfis coletivos, sendo que os questionrios aqui utilizados foram teis para a
definio de novas ferramentas de coleta de dados que pudessem fornecer uma relao,
ainda que inicial, entre perfil epistemolgico e o cultural de forma mais clara. Assim,
prepararam-se cinco atividades, sendo quatro delas de carter dissertativo e uma na forma de
teste de mltipla escolha, para esse levantamento de dados. Essas atividades tiveram como
referncia parte do instrumento de coleta de dados utilizado por Martins (2007) que, alm de
estudar o conceito de tempo luz da epistemologia de Bachelard, deixa claro que seu
objetivo ao longo de sua pesquisa foi tambm desenvolver instrumentos de coleta de dados
que servissem como orientao para outros trabalhos:
Os problemas da coleta de dados levantados aqui so, a nosso ver, reflexo de dificuldades
inerentes a um processo dessa natureza. Eles no diminuem a importncia e utilidade de nosso
instrumento, cuja construo foi um objetivo efetivamente alcanado. Ao contrrio, servem para
reorientar e informar trabalhos futuros. Martins (2007, pg. 248)
A atividade 1 (anexo 3), consistia basicamente em solicitar aos alunos que, aps
colocarem nome, idade e curso em uma folha em branco, escrevessem quatro palavras que
automaticamente eles associavam palavra TEMPO. Logo aps foi solicitado uma
justificativa por escrito das palavras escolhidas. Essa atividade foi semelhante aplicada por
Martins (2007), porm ele a fez durante as entrevistas e, nesse trabalho, a aplicao foi
diretamente nos grupos e de forma dissertativa sem interao com o pesquisador.
Em seguida aplicou-se a atividade 2, conforme o anexo 4, que teve sua origem na
atividade do anexo 2, elaborada nessa pesquisa e deixada de lado devido ao seu formato,
porm com modificaes. Nessa atividade foi apresentado aos alunos um quadro com oito
afirmaes sobre o TEMPO, que foram escritas por filsofos, cientistas e divulgadores da
cincia, e os alunos poderiam escolher livremente as afirmaes que mais se aproximassem
das suas concepes sobre o conceito de tempo. Aps a escolha era solicitada uma
justificativa por escrito. As definies do conceito de tempo, de certa forma, eram
44
Essas questes no foram utilizadas devido prpria anlise do autor quanto sua
eficcia e tambm pelo desejo de acrescentar outras reflexes a trabalhos dessa natureza,
contribuindo para uma ampliao de instrumento de coleta de dados.
Cabe ressaltar, no entanto, a insero pouco frutfera de algumas questes, como a 9 e 10
(consideradas "extras") e a de nmero 8 ("descolada" das demais e praticamente no trabalhada).
Do ponto de vista intrnseco, talvez tenha faltado adequar melhor essas questes estrutura do
roteiro, ou descart-las de uma vez, j que o estudo exploratrio havia apontado nessa direo.
(Martins, 2007, pg. 248)
169
TEMTICA
Palavras com relao ao tempo - Justificadas
Escolha de definies de tempo - Justificadas
Questionrio sobre o tempo (dissertativo)
Questionrio sobre a vida (dissertativo)
Questionrio sobre cultura geral (mltipla escolha)
ii.
serem compostas por alunos que j tiveram a maior parte do ensino de fsica
tradicional (3a. srie) e outros que esto apenas iniciando (9a. srie), e ainda
outros que j passaram por esse processo h algum tempo (3o. semestre de
Pedagogia);
iii.
9 Fund. 3 Mdio *
2 Pedagogia **
13 14 16 17 18 18-25 25-36 32-40 40-50
11
5
6
3
3 10 3 2 /
/
3
3 5 1
/
/
/
/
3 13 6 7 1
11
5
6
3
16
14
25
* importante destacar que nesse dia faltaram 10 alunos do 3 ensino mdio, pois se
tratava de um retorno das frias.
** Nota-se que o grupo totalmente homogneo por um aspecto, ou seja, todas so
mulheres. Por outro lado totalmente heterogneo, ou seja, tem-se uma grande variao na
faixa etria.
171
TOTAL
18
MENSURAO
PALAVRA QTDE
relgio
12
horas
4
dia
2
ampulheta
1
horrio
1
cronologia
1
tecnologia
1
terra
1
TOTAL
23
PERCEPO
PALAVRA
QTDE
durao
3
aprendizado
1
Amizade
1
ginstica
1
movimento
1
limite
1
momentos
1
sentimentos
1
passageiro
1
comrcio
1
dinheiro
1
rapidez
1
esperar
1
TOTAL
15
172
possuem uma relao com a natureza ou previso do tempo. importante ressaltar que a
palavra temperatura aparece justificada com dias quentes ou frios.
A princpio as categorias percepo e sentido formavam uma nica categoria. Porm
aps exaustiva leitura e releitura das justificativas optou-se por separ-las em duas
categorias. A categoria Sentido(S) tem a palavra passado como a de maior ocorrncia sendo
seguida pela palavra vida. As justificativas apresentadas pelos alunos mostram um olhar
para o tempo conceituando-o como algo que caminha independente de qualquer coisa, tendo
um sentido definido e privilegiado. Por outro lado, a categoria Percepo(P) que tem na
palavra durao a sua maior ocorrncia, indica uma relao psicolgica, filosfica e
subjetiva com o conceito de tempo. Como exemplo, aparecem palavras como ginstica,
amizade, dinheiro, que nas justificativas revelam um carter pessoal dessa relao. Assim,
pode-se resumir as ocorrncias na tabela de categorias abaixo:
TABELA 7- CATEGORIAS 1
CATEGORIA
Natureza
Mensurao
Sentido
Percepo
FREQ.
32
23
18
15
(%)
37
26
20
17
Atividade 2
Em seguida sero apresentados os dados referentes ao segundo questionrio. As frases
completas encontram-se no anexo 5. Aqui ser apresentada a idia principal, frases
organizadas nas categorias definidas para essa atividade, e porcentagem de escolha.
173
QTDE
1
1
2
2
10
12
5
5
3
3
11
3
14
TABELA 9 CATEGORIAS 2
CATEGORIA QTDE (%)
Tempo relativo
2
6
Mensurao
12
33
Matemtico
5
14
Sentido
3
8
Percepo
14
39
a
3 . srie do ensino mdio
Atividade 1
Apresenta-se a seguir os resultados da atividade 1 distribudos nas quatro categorias
174
SENTIDO
PALAVRA
QTDE
relgio
futuro
espao
universo
horas
aprendizado
perodo
passado
constncia
vida
anos
destino
pontual
objetivo
minutos
presente
horrio
TOTAL
13
durao
dia
PALAVRA
QTDE
noite
felicidade
pressa
conquista
meses
relativo
atraso
dinheiro
almoo
futebol
compromisso
diverso
calendrio
TOTAL
energia
responsabilidade
PALAVRA
QTDE
TOTAL
33
possibilidade
TOTAL
1
1
PERCEPO
NATUREZA
175
QTDE
5
0
5
3
4
7
2
2
1
1
5
4
9
TABELA 13 CATEGORIAS 2
CATEGORIA QTDE (%)
Tempo relativo
5
21
Mensurao
7
29
Matemtico
2
8
Sentido
1
4
Percepo
9
38
176
NATUREZA
PALAVRA
clima
previso
dia
temperatura
fenmeno
chuva
natureza
QTDE
3
2
2
1
1
1
1
TOTAL
11
SENTIDO
vida
futuro
presente
idade
passado
curso
infncia
antiguidade
maturidade
experincia
longevidade
juventude
estao
passagem
planejamento
aprendizado
recordao
poca
objetivo
morte
conquista
evoluo
TOTAL
8
5
3
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
PALAVRA
durao
sonhos
correria
espao
espera
realizaes
momentos
encontro
dinheiro
remir
escolha
imaginao
saudade
pensamento
velocidade
relativo
desejos
parada
sentimento
atividade
produo
conhecimento
relao
ordem
pacincia
sabedoria
pouco
curto
trabalho
pressa
passagem
TOTAL
QTDE
2
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
37
MENSURAO
relgio
meses
anos
preciso
programao
perodo
TOTAL
12
3
2
2
1
1
21
177
QTDE
4
2
6
1
12
13
6
6
1
1
7
9
16
(%)
14
31
14
2
39
178
179
A questo 5 tambm teve uma grande parcela de respostas sobre o fuso-horrio como
responsvel, indicando que a viagem para outro continente no indica uma viagem no
tempo,
Na questo 6 encontra-se uma diferena nas respostas, pois o 3EM apresenta uma
concordncia com a frase e argumenta em funo da distncia e velocidade. J o 9EF e o
3PED no reconhecem que olhar para o cu olhar para o passado e discordam da
afirmao.
As duas ltimas questes (7 e 8) eram sobre definio do tempo na forma dissertativa e
desenhada. No 9EF na forma dissertativa surgem idias de continuidade, durao e
principalmente clima e marcao das horas, que so reforadas pelos desenhos de relgio e
natureza. J no 3EM o tempo definido na forma dissertativa como sendo algo ora
precioso, ora como um castigo, alm das idias de instante, durao e sentido (do passado
para o futuro), contudo a idia que sobressaiu foi a associao do tempo com a vida. Na
forma de desenho encontra-se o ciclo da vida de plantas, relgio, linhas do tempo com e sem
orientao, alm de ciclos fechados e desenhos de rbitas dos planetas. O 3PED apresenta,
na forma dissertativa, todas as concepes dos dois grupos anteriores acrescidas da
concepo de tempo como aprendizagem e de tempo como personificao, ou seja, atribuem
ao tempo qualidades humanas, sendo um algum que passa sem pedir licena, que indica o
caminho a ser seguido, que cura feridas, que o grande dono da vida. Quanto forma de
desenhos as respostas se equivalem s do 3EM, com exceo das rbitas dos planetas.
Atividades 4 e 5
Essas duas atividades tinham o objetivo de investigar os hbitos e a cultura dos alunos,
sendo, como dito anteriormente, a atividade 4 foi na forma de um questionrio dissertativo e
o de cultura geral foi na forma de mltipla escolha.
Na atividade 4, j na sua primeira questo, que tratava da rotina na infncia, quando se
verifica a resposta dos alunos do 9EF, percebe-se uma grande homogeneidade, pois a
grande maioria desses alunos entrou na escolinha entre o segundo e terceiro ano de vida,
tendo sempre muitas atividades que variavam do ballet ao futebol. Apesar disso, eles no
interpretam a atitude dos pais de os colocarem em diversas atividades como rigidez. O
3EM, por sua vez, relata um ou outro caso de escolinha, porm na maioria das respostas a
180
rotina na infncia tem uma identificao com o brincar e com tempos livres. importante
ressaltar que esse brincar em casa e no o brincar das atividades das escolas infantis.
Tambm de forma geral no identificam rigidez na atitude dos pais.
O 3PED apresenta uma rotina na infncia ainda mais familiar, ou seja, com relatos de
brincadeiras com amigos e no mximo a participao na escola sem atividades
extracurriculares. Alm disso, outras experincias diferentes dos grupos anteriores so
narradas, desde trabalho na roa at vendas de produtos nas ruas.
Na rotina atual, j na segunda questo, a tendncia do 9EF a mesma, ou seja, escola e
muitas outras atividades extracurriculares, principalmente relacionadas ao esporte,
aprendizagem de uma outra lngua e dana. O 3EM tambm apresenta esse perfil de muitas
atividades extracurriculares, porm acrescenta-se a participao em cursinhos prvestibulares, alm de trabalhos remunerados. Quanto as alunas do 3PED a rotina est
centrada no trabalho durante o dia e na faculdade durante a noite, sendo que os horrios so
muito rgidos.
Com relao atividade que mais gostam de fazer, no 9EF e no 3EM, encontra-se o
domnio dos esportes como vlei, futebol e natao, alm do computador, msica e de
dormir. O 3PED no cita nenhum esporte ou atividade no computador. Apresenta-se como
a atividade mais prazerosa o encontro familiar, as aulas na faculdade e as atividades
profissionais.
Quanto s pretenses futuras no 9EF tem-se uma grande tendncia para a rea de
humanas, da msica e do esporte, ou seja, indicam a rea de turismo, jornalismo, marketing
e moda, principalmente as meninas; e jogador de futebol ou cantor, no caso dos meninos.
No 3EM as pretenses variam entre psicologia, administrao, medicina, gastronomia e
computao. O 3PED apresenta pretenses relacionadas educao, o que natural.
Contudo merece destaque s profisses atuais das alunas, desde faxineira, cozinheira,
passando por auxiliar de escritrio, at as agentes de desenvolvimento infantil e professoras
de ensino infantil.
Quanto cultura geral, no 9EF tem-se a maioria se denominando catlicos e com
famlia de origem europia, que no preservam nenhum hbito especfico, renda familiar
entre 10 a 20 salrios mnimos. Todos possuem computador, telefone celular e acesso
internet, sendo que os sites mais citados foram o orkut e google, alm do acesso ao msn. No
181
foi to intenso que os funerais e enterros nas civilizaes mais antigas possuam um ritual
que objetivava a continuidade da vida em outro plano.
Essas categorias identificadas na atividade 1 so reforadas nas escolhas feitas na
atividade 2, ou seja, a identificao do tempo com os instrumentos de medida, bem como
com o clima, observaes subjetivas e um sentido privilegiado para o andamento do tempo.
Contudo, nessa atividade duas afirmaes diziam respeito ao tempo relativo (afirmaes 1 e
4) e so escolhidas por alguns alunos. Porm as justificativas de escolha mostram uma
interpretao das afirmaes que levam em conta a percepo pessoal do tempo e no
fatores matemticos relacionados relatividade de Einstein. Nesse mesmo sentido as
escolhas pela definio de tempo de Newton so justificadas pela independncia do tempo
com qualquer outra coisa e no pelo seu carter matemtico.
A atividade 3 apresenta novamente a relao entre a definio de tempo com o relgio,
clima, envelhecimento, etc... Porm possvel identificar algumas contribuies novas. A
questo 2, sobre a dependncia do tempo com a humanidade, mostra uma grande concepo
do grupo que nega essa relao. Contudo na questo do professor legal e chato, o argumento
da resposta pautado na interao do indivduo com a atividade. Fica claro que existe uma
concepo de um tempo marcado racionalmente pelos homens e uma concepo de tempo
que depende da relao psicolgica que se estabelece. Tem-se ento um paradoxo, pois o
tempo que existia sem os seres humanos na questo 2 diferente do tempo da questo 3,
porm todos so conceitos de TEMPO.
Ainda na atividade 3, destaca-se que a quase totalidade dos alunos discorda da frase:
Olhar para o cu olhar para o passado, contida na pergunta 6. Aqui se tem mais um
elemento para afirmar o desconhecimento do grupo quanto a princpios de astronomia e
relatividade.
Antes de analisar os questionrios sobre cultura e relacion-los com as respostas
anteriores, importante ressaltar e justificar duas afirmaes anteriores. A primeira sobre o
fato de que a escolha da afirmao de Newton no ter relao com a matemtica. A segunda
sobre o desconhecimento do grupo a respeito de astronomia e relatividade. Essas afirmaes
foram baseadas, alm das justificativas escritas, na experincia do pesquisador com esse
grupo especfico, pois ele foi professor de matemtica dessa srie por um ano e coordenador
de sala para trabalhos interdisciplinares. Nesse caso, o fato do pesquisador ser tambm
184
185
Realismo Ingnuo
Empirismo
Racionalismo clssico
Racionalismo completo
Cultura Humanistica
Cultura Cientfica
Cultura de Massa
Por outro lado, a cultura cientfica, por sua vez, ainda que com pouca presena, como
justificado anteriormente, relaciona-se com os nveis de racionalismo clssico e completo.
Nas respostas do 3EM, ao quando olhar de forma geral, emanado das observaes
relativas s atividades, encontra-se um quadro a princpio muito parecido com o 9EF.
Porm importante ressaltar a quase ausncia de concepes de tempo relativas previso
meteorolgica, que deram lugar a algumas explicaes fsicas, relacionando o tempo com a
velocidade e o espao, alm da energia. Essas explicaes so reforadas nas respostas
questo 7 da atividade 3, em que essas palavras surgem. Nas representaes solicitadas na
questo 8, ainda da atividade 3, encontram-se desenhos de rbitas planetrias. Apesar de no
serem em grande nmero, essas explicaes no apareciam no 9EF. Ainda na questo 6 da
atividade 3 , uma grande parte dos alunos concorda com a frase que afirma: olhar para cu
olhar para o passado e justifica citando a velocidade da luz e a relatividade. Como o
pesquisador se relaciona esse grupo h mais tempo, por volta de 3 anos, essas interpretaes
so, em parte, frutos da sua relao com os alunos. Alm disso, podem ter sofrido tambm
uma influncia mais direta, pois o pesquisador lecionava as leis de Kepler quando da
proposta da atividade.
Outro aspecto que diferenciou o 3EM foi o crescimento da concepo de tempo
presente na categoria Percepo e na categoria Sentido ao longo dos questionrios. Nas
atividades 2 e 3 essas categorias surgem em grande quantidade nas explicaes dadas por
eles. importante considerar alguns aspectos especficos do momento vivido por esse
grupo, pois estavam no final do ensino mdio e s portas de mudarem suas vidas buscando o
ensino superior e um posicionamento no mundo do trabalho. Foram inmeras as palestras
com especialistas em profisses, cursos de graduao e profissionalizantes, alm da
influncia diria dos professores abordando o assunto futuro, vida, alm, muito
provavelmente, da cobrana ou acompanhamento familiar.
Assim, razovel supor para construo do perfil epistemolgico do 3 EM, uma
diminuio da coluna empirismo e o aumento do racionalismo clssico e completo, quando
comparados com o 9EF. importante frisar que se trata de um grupo conhecido e que
esteve em contato com grande parte do conhecimento cientfico previsto para o ensino
mdio.
187
No aspecto cultural esse grupo possua uma diferena com relao ao 9EF, pois
relatava momentos de brincadeira na sua infncia, geralmente em casa, alm de no terem
entrado to cedo na escolinha. Porm a rotina mais recente era bastante movimentada e
possua acesso a todos os equipamentos tecnolgicos de telecomunicaes. Entende-se,
portanto, que nesse grupo ainda predominava a cultura de massa, contudo as culturas
humanstica e cientfica cresceram um pouco, em comparao ao 9EF
A seguir apresentam-se esboos dos perfis epistemolgico e cultural do 3 EM, com
base nesses fatos e conjecturas.
Realismo Ingnuo
Empirismo
Racionalismo clssico
Racionalismo completo
Cultura Humanistica
Cultura Cientfica
Cultura de Massa
histria do conceito tempo, foi fundamental na revoluo das cidades e hoje desempenham
uma verdadeira ditadura na organizao da vida contempornea, assemelhando-se conduta
da balana citada por Bachelard, porm aqui atribuda aos grupos. Quando somamos as
palavras por categorias, as que sobressaem so Sentido e Percepo. A freqncia no a
caracteristica mais importante nessa fase da pesquisa, pois alm desse fator as justificativas
tambm apontam nessa direo. As atividades 2 e 3 reforam ainda mais essa concepo de
tempo focada no sentido e na percepo.
Delineando as caractersticas, trata-se de um grupo economicamente diferente dos
dois anteriores, de outra faixa etria e em geral so os responsveis por suas famlias, ou
seja, mes ou irms mais velhas com responsabilidades sobre outras pessoas. Alm disso,
um grupo com pouco acesso internet e ao telefone celular. A grande maioria se locomove
com transporte pblico.
Ao examinarem-se as justificativas nos questionrios encontra-se um carter
nostlgico, sofrido, com grande reflexo interior diante do mundo, alm da presena de
religiosidade. Apesar de viverem em uma sociedade tecnolgica, muitas ainda trazem
consigo a experincia de infncia pobre e com uma ligao forte com a natureza,
provavelmente por serem oriundas da zona rural. Trazem tambm a reflexo da me de
famlia preocupada com o futuro e que, a cada dia, enfrenta as dificuldades de trabalhar e
estudar. A ligao com os fenmenos climticos, na maioria dos casos, de contemplao,
segundo muitas justificativas. As concepes sobre um tempo linear com sentido definido,
tambm se justificam pela idade, religiosidade, experincia de vida e perspectiva de um
futuro cada vez mais presente. Surgem algumas relaes de tempo com rbitas de planetas e
velocidade, que so, muito provavelmente, fruto da interao do grupo com o pesquisador
que tambm professor dessa turma lecionando Cincias Naturais. Assim, pelo conjunto de
fatores discutidos, coloca-se esse grupo com uma caracterstica predominante de cultura
humanstica e realismo ingnuo.
Portanto, traa-se um esboo dos perfis epistemolgico e cultural a partir da reflexo
anterior.
189
Realismo Ingnuo
Empirismo
Racionalismo Clssico
Racionalismo Completo
Cultura Humanistica
Cultura Cientfica
Cultura de Massa
vlido ponderar que a coluna de cultura cientfica desse grupo pequena, pois em
funo de dados anteriores obtidos no prprio curso, e pela convivncia do pesquisador com
o grupo, sabe-se que a grande maioria no recebeu no ensino mdio a mnima formao
cientfica prevista. So oriundas de escolas pblicas de periferia e de cursos noturnos que, na
realidade da cidade de Guarulhos, sofrem com a falta de professores especializados e com a
mnima infraestrutura. Trata-se apenas de uma constatao localizada, pois acredita-se na
possibilidade de encontrar em outros lugares, grupos com caractersticas e realidades
semelhantes, mas uma cultura cientfica mais apurada.
Entende-se que importante pesquisar o perfil epistemolgico para que o professor
possa interpretar epistemologicamente as concepes dos seus alunos. Segundo as palavras
190
de Martins (2007, pg. 250) extradas de seu estudo relacionado com as concepes de
estudantes sobre o conceito de tempo com base na epistemologia de Bachelard:
(...) acreditamos que o nosso estudo fornea, especificamente com relao construo do
conceito de tempo, subsdios para que o professor interprete tambm a sala de aula em termos dos
compromissos epistemolgicos dos seus alunos, identifique a presena de obstculos de natureza
epistemolgica, e tenha mais elementos para enfrent-los, explorando as vises dos estudantes para
auxili-los na construo de outras.
Tambm se tem em Paulo Freire uma referncia para compreender o perfil cultural.
Apesar de utilizar-se nos perfis a proposta de estgios culturais da Maria Eduarda,
pesquisadora portuguesa, em Freire que se busca a importncia da definio do perfil
cultural para auxiliar na interpretao do perfil epistemolgico. Portanto, segundo Freire na
sua obra Extenso ou comunicao o homem no pode ser compreendido fora das suas
relaes, pois um ser de prxis, ou seja de ao e reflexo. Logo fundamental para
interpretao do perfil epistemolgico o entendimento das relaes que aquele grupo
estabelece com a sua realidade. Se o professor no tem essa clareza, possivelmente no
estabelecer uma relao dialgica com os alunos e sim uma didtica extensionista, em que
segundo Freire (2002, pg. 26) ocorre o primeiro equvoco gnosiolgico:
O primeiro equvoco gnosiolgico da extenso est em que, se h algo dinmico na prtica
sugerida por tal conceito, este algo se reduz pura ao de estender (o estender em si mesmo) em
que, porm, o contedo estendido se torna esttico. Dessa forma, o sujeito que estende , enquanto ator
ativo, em face de espectadores em quem deposita o contedo que estende.
Esse sobrepor cultural recebe o nome de invaso cultural, em que o invasor enxerga
o invadido como um mero objetivo de sua ao Freire (2002). Essa invaso cultural, fruto de
191
uma relao antidialgica, tem sido praticada em muitas das escolas como conseqncia de
um despreparo dos professores, atrelado a condies precrias de trabalhos, currculos
equivocados e falta de planejamento. Essa ao de invadir, muitas vezes, desencadeia uma
reao apresentada na forma de indisciplina, indiferena e de desinteresse por parte do
invadido. O entendimento do perfil epistemolgico em funo do perfil cultural, propicia
uma ao dialgica e no de invaso cultural:
E ser dialgico, para o humanismo verdadeiro, no dizer-se descomprometidamente
dialgico; vivenciar o dilogo. Ser dialgico no invadir, no manipular, no sloganizar.
Ser dialgico empenhar-se na transformao constante da realidade. (Freire 2002, pg. 43)
Contudo, entende-se que para esse dilogo existir de forma satisfatria, o professor
tambm no pode sofrer uma invaso cultural em sua vida profissional. Alguns sistemas de
ensino (cursinho) e editoras impem, tendo a estrutura capitalista da sociedade como
sustentao, uma forma nica determinada de relao entre o professor e o aluno, ignorando
os mais diferentes perfis culturais que se tem nesse pas. Portanto:
Para se pensar no professor autnomo diante da construo/criao do prprio trabalho,
preciso superar tendncias que o colocam apenas como transmissor de contedos e aplicador de
tcnicas de ensino. A utopia e o conhecimento de possibilidades e limites devem estar presentes no
seu dia-a-dia, para que, alm de artfice, ele planeje e avalie suas aulas, sabendo que os
desempenhos seus e dos estudantes no ocorrem isoladamente, mas se inserem numa dinmica
social de grande abrangncia. Com autonomia, ir selecionar e preparar contedos, aceitando e
pedindo colaborao, servindo-se de recursos anteriormente produzidos, podendo ou no ter
colaborado nessa produo, mas ser sua a deciso de como e quando utiliz-los.(Almeida e
Silva, pg. 97, 1994)
Por outro lado, refletindo especificamente sobre os esboos dos perfis culturais,
pode-se observar uma certa homogeneidade nas concepes desses grupos, que vivem na
192
Essa indstria cultural, que tem nos meios de comunicao de massa o seu grande
trunfo, uma das grandes e vitais caractersticas deste sculo, pois marca profundamente a
civilizao contempornea, penetrando em todas as esferas sociais e momentos das vidas das
pessoas.
(...) Eles tambm difundem maneiras de se comportar, propem estilos de vida, modos de
organizar a vida cotidiana, de arrumar a casa, de se vestir, maneiras de falar e de escrever, de
sonhar, de sofrer, de pensar, de lutar, de amar. (Santos, 2007, pg 69)
Por outro lado, apesar dessa homogeneizao instituda pelas classes dominantes, a
cultura contempornea no se resume a isso, pois as diferenas ainda existem. Sendo assim,
deve-se buscar estudar o processo de homogeneizao da cultura no como a cultura em si,
pois, corre-se o risco de estudar apenas as mensagens que esses meios de comunicao
expressam, que no so a cultura propriamente dita (Santos, 2007).
Portanto, a aparente homogeneidade cultural esconde uma grande diversidade
mesmo dentro da mesma cultura no sentido de nao. Assim:
(...) A sociedade nacional tem classes e grupos sociais, tem regies de caractersticas bem
diferentes; a populao difere ainda internamente segundo, por exemplo, suas faixas de idade, ou
segundo seu grau de escolarizao. Alm disso, a populao nacional foi constituda com
contingentes originrios de vrias partes do mundo. Tudo isso se reflete no plano cultural. (Santos
2007, pg. 18)
Por fim, importante ressaltar que se tem conscincia de que os perfis traados so
apenas um esboo e coletivos, alm de possivelmente no retratarem o universo cultural de
cada aluno. Sabe-se que segundo Bachelard (1978, pg. 28):
Deste modo pensamos que s depois de se ter recolhido o lbum dos perfis epistemolgicos de
todas as noes de base que se pode estudar verdadeiramente a eficcia relativa das diversas
filosofias. Tais lbuns, necessariamente individuais, serviriam de testes para a psicologia do
esprito cientfico(...)
193
Portanto, Bachelard prope perfis individuais, porm esboar perfis coletivos pode
ser um passo intermedirio e uma ferramenta para o professor enfrentar a situao catica do
ensino de fsica, possibilitando uma ao de comunicao e no de extenso que gera a
invaso cultural.
Casos Individuais
Passa-se agora a apresentar e analisar algumas respostas de alunos individualmente. A
escolha foi realizada aps inmeras leituras e tendo com foco a relao entre a cultura e a
concepo de tempo presente nas respostas. Inicia-se pela 9a. srie do ensino fundamental e
para manter o sigilo dos nomes utiliza-se siglas na indicao. As respostas da aluna A de 14
anos de idade esto no anexo 7.
Ao examinar as respostas possvel perceber indcios de diferentes concepes de
tempo que convivem conceitualmente nessa aluna. Na primeira resposta aparece a relao
entre tempo e previso meteorolgica, assim como encontra-se uma concepo de tempo
relacionada mensurao quando utiliza a palavra horrio, alm de tambm ser possvel
constatar uma concepo de tempo linear, ou seja, uma tempo que flui em um sentido
privilegiado. J na justificativa do questionrio 2 identifica-se um conceito de tempo como
algo que flui sem relao com qualquer outra coisa, mas percebido de forma diferente.
Esse tempo que flui o tempo que marcado pelos humanos e diferente do tempo
percebido, segundo a interpretao da justificativa.
As respostas da questo 3 evidenciam ainda mais o conceito de tempo como absoluto, o
conceito de tempo como um fluir sem retorno, alm da subjetividade de julgamento da
passagem do tempo. Portanto, possvel identificar traos de algumas escolas filosficas de
Bachelard. entre elas o realismo ingnuo, por conta da subjetividade; o empirismo que
aparece nas concepes de marcao atravs dos instrumentos como o relgio; racionalismo
clssico de certa forma relacionado concepo absoluta do tempo e o racionalismo
completo quanto define o tempo com um sentido definido. Portanto pode-se esboar o perfil
da aluna A:
194
Realismo Ingnuo
Empirismo
Racionalismo clssico
Racionalismo completo
Com relao ao perfil coletivo, percebe-se um peso maior dos indcios que conduzem
classificao do racionalismo completo, clssico e do realismo ingnuo. Essa alterao foi
detectada tendo as respostas como referncia, porm deve-se ressaltar que se tem tambm a
conscincia de uma possvel influncia do pesquisador, que como professor conhece bem a
aluna A, na definio do perfil individual. importante reforar a idia de indcios, pois so
interpretaes das respostas que ao ver do pesquisador podem ser classificadas nas zonas
hierrquicas bachelardianas ou podem evoluir nessa direo.
Por outro lado, ainda ao olhar para as respostas, na primeira percebe-se uma relao do
conceito de tempo com a durao de atividade, o que tambm se repete na segunda resposta.
Acredita-se que a relao de tempo com prazo ou com a durao de atividade, muito
provavelmente, advm da rotina da infncia carregada de atividades, pois a aluna entra na
escolinha com menos de 2 anos e at nos dias atuais possui uma rotina intensa, conforme ela
prpria explica:
Atualmente, estudo de manh, fao curso de ingls duas vezes por semana durante a tarde, e aula
de ballet trs vezes por semana. Durante o tempo que fico em casa, costumo fazer os trabalhos da
escola, as lies e outras tarefas e dificilmente paro para descansar, porque mesmo que eu faa
outras coisas para me distrair, como assistir televiso, eu fico me lembrando de todas as coisas
mais importantes que eu devo fazer, e acabo no aproveitando
Cultura Humanistica
Cultura Cientfica
Cultura de Massa
Passando para a 3a. srie do ensino mdio destaca-se a aluna B de 16 anos e suas
respostas que esto no anexo 8.
No questionrio 1 chama a ateno o fato de no aparecerem palavras relacionadas com
a marcao do tempo e previso meteorolgica. As palavras assim como as justificativas
mostram uma concepo de tempo relacionada com as diferentes fases da vida, com os
sonhos, os objetivos a serem realizados.
Essas concepes so reforadas pelas respostas do questionrio 2, em que as frases
escolhidas: 1, 6, 7 e 8 no retomam conceitos de mensurao de tempo. As justificativas
196
seguem essa mesma coerncia, ou seja, cita a relao de tempo com a vida, com os
objetivos, com as conquistas.
No questionrio 3 a concepo subjetiva e de sentido de tempo fica ainda mais evidente
pelas respostas, que mostram um tempo influenciando todas as coisas vivas e no vivas. At
o seu desenho ressalta a correlao de tempo e vida.
Portanto possvel tambm aqui perceber traos das escolas filosficas, sendo que os
indcios na direo do realismo ingnuo e do racionalismo completo tm maior peso.
Assim, traa-se o esboo do perfil epistemolgico individual dessa aluna, que um pouco
diferente do perfil coletivo da sua sala, pois comparecem com maior destaque o realismo
ingnuo e o racionalismo completo
Perfil Epistemolgico da Aluna B
Realismo Ingnuo
Empirismo
Racionalismo clssico
Racionalismo completo
Ao olhar a sua rotina percebe-se que esteve longe de ser controlada e organizada
rigidamente, principalmente pelos relatos de momentos de tranqilidade. Pode-se atribuir a
ausncia da palavra relgio e qualquer outra referncia marcao de tempo a sua
organizao de vida iniciada pela conduta dos seus pais. Nota-se a ausncia de referencia a
escolinha, que um ponto a investigar. Portanto, apresenta-se o esboo do perfil cultural da
Aluna B que sofreu uma pequena alterao igualando as colunas de cultura de massa e
humanstica, quando comparada com o perfil do seu coletivo.
197
Cultura Humanistica
Cultura Cientfica
Cultura de Massa
No curso de Pedagogia, destaca-se a aluna C que tem suas respostas no anexo 10. Suas
palavras foram: hora, ms, ano, estao. Na sua justificativa ela j estabelece uma relao do
tempo com o seu nascimento:
Quando veio a palavra tempo eu j relacionei com o ano em que eu nasci(...) o ms estava com
previso de muito calor pois a estao(...)
Com isso pode-se pensar que a sua relao com o conceito de tempo passa
primeiramente pelo nascimento e pelo valor do desenvolvimento da vida, alm da relao
com a natureza. Possivelmente isso se deve aos anos da prtica do roado, em que a
influncia do ciclo de vida no plantio extremamente grande. Pode-se inferir
preliminarmente que essa prtica est para a aluna C assim como a conduta da balana est
para Bachelard. Nesse caso no se traa seu perfil individual, pois se entende que ele se
mantm muito semelhante ao perfil coletivo esboado anteriormente
198
Assim, encerra-se essa anlise entendendo que existe um longo caminho a percorrer.
Cabem as palavras de Bachelard (1978, pg. 28):
(...) Sugeriramos, pois, de bom grado uma anlise filosfica espectral que determinaria com
preciso a forma como as diversas filosofias reagem ao nvel de um conhecimento objetivo
particular. Esta anlise filosfica espectral necessitaria, para se desenvolver, de psiclogos que
fossem filsofos e tambm de filsofos que aceitassem ocupar-se de um conhecimento objetivo
particular. Esta dupla exigncia no impossvel de realizar se nos comprometermos
verdadeiramente na narrao dos sucessivos conhecimentos de um fenmeno particular bem
definido. O fenmeno bem definido classifica quase automaticamente as fenomenologias. Uma
dialtica espiritual que se anima ao nvel de um fenmeno perde imediatamente o seu carter
arbitrrio.
199
CONSIDERAES FINAIS
200
Ao finalizar esse trabalho importante fazer uma retomada critica do caminho trilhado
visando destacar o que foi aprendido com o estudo terico, o que foi realizado com a
pesquisa de campo e o que necessrio continuar estudando e pesquisando.
O conceito de tempo na histria e suas diferentes concepes, estudadas com dois
olhares distintos, ou seja, os calendrios e relgios e o conceito de tempo na fsica e na
filosofia, mostrou-se promissor no sentido de entender o conceito e muito mais profundo do
que imaginado no incio do trabalho. A idia de relacionar a mensurao do tempo com as
transformaes da natureza, com os movimentos dos astros, com as diferentes constelaes
para confeccionar os calendrios, assim como a posio do sol, da lua e variaes no fluxo
de gua para confeccionar os relgios, so caractersticas comuns aos primrdios da maioria
das culturas que se examinou. Parece que esse caminho realmente foi o mais promissor no
sentido de se estabelecer um dilogo inteligente com a natureza e foi razoavelmente
independente da posio geogrfica e dos costumes de cada povo. As diferenas que se
estabeleceram nos calendrios e relgios foram, ao longo do tempo, se conectando de forma
a estabelecer, na poca contempornea, o reinado do controle do tempo, ou seja, com a
criao das cidades, a industrializao, a necessidade de se comunicar cada vez mais em
menos tempo, fez desse instrumento de medida, outrora coadjuvante, um protagonista e
algoz da modernidade.
Na cincia e na filosofia foi possvel identificar possibilidades de continuidade da
pesquisa terica, analisando as diferentes culturas sob o olhar do perfil epistemolgico de
Bacherlard sobre o conceito de tempo, ou sob o conceito de instante ou durao.
As teorias de Gaston Bachelard e Paulo Freire mostraram-se satisfatrias e adequadas
para os objetivos desse trabalho. Alm disso, o dilogo entre elas foi frutfero, ou seja, as
proximidades das concepes epistemolgicas de Bachelard e gnosiolgicas de Paulo Freire
revelaram-se fecundas e promissoras, sendo um indicativo de que um mergulho ainda maior
nas obras desses filsofos e educadores pode proporcionar reflexes ainda mais slidas
sobre educao e conhecimento.
Tratando da pesquisa de campo, a sugesto que objetivava estabelecer uma relao entre
o perfil epistemolgico do conceito de tempo e o perfil cultural, como indicada no trabalho
realizado por Ferrer (2007), foi contemplada nesse trabalho. Os esboos dos perfis coletivos
e individuais apresentados constituem um grande passo na direo de estabelecer uma
201
relao entre os perfis epistemolgico e cultural, alm da influncia de um sobre o outro. Por
outro lado, apesar de serem apenas esboos, podem se constituir numa ferramenta auxiliar
no ensino de fsica.
No aspecto cultural, deu-se pouca ateno a anlises de natureza antropolgica,
pensando efetivamente na postura assumida por cada grupo e indivduo diante da influncia
dos costumes, do aparato tecnolgico, da violncia, da religio, da imprensa falada e escrita,
do dinheiro, da fome, entre outros problemas e caractersticas da vida contempornea
A construo de uma ferramenta que pudesse acessar as concepes dos alunos sobre o
conceito de tempo e sua cultura tambm foi contemplada nesse trabalho. Porm, podem-se
aperfeioar esses questionrios, buscando adequ-los ainda mais s caractersticas das
escolas bachelardianas e aos nveis culturais, clarificando melhor a relao entre o conceito
de tempo e a cultura.
Contudo, pensando em traar efetivamente os perfis epistemolgicos e culturais,
acredita-se que a introduo de entrevistas semi estruturadas, com indivduos de cada grupo
(fundamental, mdio e superior), a forma mais efetiva de se obter dados mais slidos. Esse
mais um indicativo de continuidade dessa pesquisa.
Assim, acredita-se na contribuio desse trabalho como uma ferramenta que possa
alargar as possibilidades de interpretao das concepes dos alunos tendo como pano de
fundo sua cultura e sua histria de vida como seres pensantes e ativos, alm de servir de
subsdio para trabalhos futuros de pesquisa em ensino de fsica que objetivam continuar o
tema como foi indicado.
202
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
203
206
ANEXOS
207
ANEXO 1
Questionrio sobre conceito de tempo ( Parte 1)
Nome: _______________________________________________________
Idade:____________Sexo:______
AVALIE AS AFIRMAES ABAIXO, SEGUNDO O SEGUINTE CRITRIO:
1 - Discordo totalmente
2 - Discordo parcialmente
3 - Concordo parcialmente
4 - Concordo totalmente
1.
1 2
2.
1 2
3.
1 2
4.
Parece que o tempo passa mais rpido ou mais devagar s vezes, mas
isso no real, uma sensao
1 2
5.
1 2
6.
1 2
7.
1 2
8.
1 2
9.
1 2
1 2
1 2
1 2
1 2
208
15.
1 2
mais tempo
16. Se no houvesse seres humanos, no haveria tempo
1 2
1 2
1 2
1 2
1 2
1 2
1 2
1 2
24.
1 2
1 2
tempo
26. O tempo existe independentemente dos objetos e do movimento
1 2
27.
1 2
1 2
fim)
29. O tempo finito (teve um incio e ter fim)
1 2
1 2
1 2
1 2
33. O tempo algo real, que existe no universo, ainda que seja "imaterial"
1 2
1 2
Existe um tempo que passa de forma absoluta, e os relgios medem esse tempo de
forma aproximada
25.
28.
Existe um tempo que passa de forma absoluta, e os relgios marcam fielmente esse
O tempo infinito para frente e para trs (no teve incio e no ter fim)
O tempo infinito somente para frente, e finito para trs (teve comeo, mas no ter
209
ANEXO 2
Questionrio sobre conceito de tempo ( Parte 2)
Nome: _______________________________________________________
Idade:____________Sexo:______
Todas as 12 afirmaes abaixo, sobre o conceito de tempo, so de um cientista, filsofo ou poeta Analise as
afirmaes e, ao final escolha as 6 delas, estabelecendo uma ordem de concordncia, daquela que voc mais
concorda para a que menos concorda, conforme o exemplo abaixo
EXEMPLO
As afirmaes so identificadas por letras. Assim no final do texto voc encontrar
um gabarito de
preenchimento:
Concordncia nvel 1: Afirmao G
Concordncia nvel 2: Afirmao A
Concordncia nvel 3: Afirmao B
Concordncia nvel 4: Afirmao I
Concordncia nvel 5: Afirmao K
Concordncia nvel 6: Afirmao H
Concordncia nvel 1- maior concordncia
Concordncia nvel 6 menor concordncia
Afirmao A
Ento ele lembrou-se de fazer uma imagem mvel da eternidade e, ao mesmo tempo que organizava o
cu, fez da eternidade que resta na unidade esta imagem eterna que progride segundo o nmero, e a que ns
chamamos o tempo. Com efeito, as noites, os meses, os anos no existiam antes do nascimento do cu, e foi
construindo o cu que ele se lembrou de cri-los (...)
Afirmao B
No apenas medimos o movimento pelo tempo, mas o tempo pelo movimento, porque se definem um ao
outro. O tempo marca o movimento, visto que seu nmero, e o movimento marca o tempo.
Afirmao C
Se pudermos conceber um espao de tempo que no seja suscetvel de ser dividido em mais partes, por
mais pequeninas que sejam, s a esse podemos chamar de tempo presente. Mas este voa to rapidamente do
futuro para o passado, que no tem nenhuma durao. Se a tivesse dividir-se ia e passado e futuro. Logo o
tempo presente no tem nenhum espao.
Afirmao D
O tempo absoluto, verdadeiro e matemtico, por si mesmo e da sua prpria natureza, flui uniformemente
sem relao com qualquer coisa externa e tambm chamado de durao.
Afirmao E
210
.... Este tempo absoluto no pode ser medido por nenhum movimento, no tem pois nenhum valor
prtico nem cientfico; ningum est autorizado a dizer que sabe algo sobre ele; no seno um ocioso
conceito metafsico .
Afirmao F
Se colocssemos um organismo vivo em uma caixa,... seria possvel providenciar para que o organismo,
depois de um vo arbitrariamente longo, fosse reconduzido ao seu ponto original em uma condio quase
inalterada, enquanto os organismos correspondentes, que haviam permanecido nas posies originais, teriam
h muito tempo dado lugar a novas geraes. No organismo em movimento o tempo de durao da jornada foi
um mero instante, desde que o movimento tenha ocorrido com velocidade aproximada da Luz.
Afirmao G
Se ningum mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fez a pergunta, j no sei. Porm,
atrevo-me a declarar, sem receio de contestao, que, se nada sobreviesse, no haveria tempo futuro, e se agora
nada houvesse, no existiria o tempo presente.
Afirmao H
Essa imagem movente se manifesta nos movimentos dos corpos celestes. A estreita associao que
estabeleceu entre o tempo e o universo conduziu Plato a considerar o tempo como efetivamente produzido
pelas revolues da esfera celeste.
Afirmao I
... o tempo seja um crculo fechado em si mesmo. O mundo se repete, de forma precisa, infinitamente.
Afirmao J
... o tempo como um curso de gua ocasionalmente desviado p algum detrito, p uma brisa que passa.
Afirmao K
O tempo visvel em todos lugares . Torres de relgio, relgio de pulso, sinos de igreja dividem os anos em
meses, meses em dias, dias em horas, horas em segundo ...
Afirmao L
o tempo passa lentamente para as pessoas em movimento. Assim todos se movem em alta velocidade, para
ganhar tempo.
LISTE AQUI A SUA SEQNCIA FINAL ESCOLHIDA
Concordncia nvel 1: ___________________
Concordncia nvel 2: ___________________
Concordncia nvel 3: ___________________
Concordncia nvel 4: ___________________
Concordncia nvel 5: ___________________
Concordncia nvel 6: ___________________
211
ANEXO 3
QUESTIONRIO 1 - Palavras
Nome:_______________________________________________Idade:____________Sexo:
1. Escreva abaixo no mnimo 4 palavras que ao ler a palavra TEMPO voc automaticamente
associa.
212
ANEXO 4
QUESTIONRIO 2
Nome: _________________________________ Idade:_____
Sexo:______ Srie:____
Leia atentamente as frases abaixo e marque com um X a(s) que mais se aproximam da sua
idia de tempo
1) No apenas medimos o movimento pelo
tempo, mas o tempo pelo movimento, porque
se definem um ao outro. O tempo marca o
movimento, visto que seu nmero, e o
movimento marca o tempo.
2) ... o tempo seja um crculo fechado em si
mesmo. O mundo se repete, de forma precisa,
infinitamente.
3) O tempo visvel em todos lugares .
Torres de relgio, relgio de pulso, sinos de
igreja dividem os anos em meses, meses em
dias, dias em horas, horas em segundo ...
4) Se colocssemos um organismo vivo em
uma caixa,... seria possvel providenciar para
que o organismo, depois de um vo
arbitrariamente longo, fosse reconduzido ao
seu ponto original em uma condio quase
inalterada,
enquanto
os
organismos
correspondentes, que haviam permanecido nas
posies originais, teriam h muito tempo
dado lugar a novas geraes. No organismo em
movimento o tempo de durao da jornada foi
um mero instante, desde que o movimento
tenha ocorrido com velocidade aproximada da
Luz.
213
ANEXO 5
QUESTIONRIO 3
Nome: _________________________________ Idade:_____
Sexo:______ Srie:____
214
ANEXO 6
QUESTIONRIO 4
Nome: _________________________________ Idade:_____ Sexo:______ Srie:____
Responda as questes abaixo:
1. Na sua infncia, como seus pais organizavam o seu dia-a-dia? Eram rgidos com os
horrios e colocavam voc em muitas atividades diariamente? Explique
2. Atualmente, como est organizada sua rotina diria? Voc participa de muitas atividades
durante o dia, ou tem momentos de maior tranqilidade. Explique
3. Das atividades que voc realiza, destaque a que voc mais gosta de fazer e aquela em
que voc tem mais habilidade. Justifique sua escolha
4. O tempo realmente passa mais rpido quando voc executa essa atividade que mais
gosta? Explique
5. Se voc est empregado atualmente, qual a sua atividade profissional e quanto tempo
atua nessa profisso? Descreva sucintamente sua rotina diria destacando a organizao
do seu tempo. Seus horrios so rgidos? Discuta
6.
Qual ou quais as suas pretenses profissionais? Qual rea ou profisso voc acredita ter
maior possibilidade desenvolver as sua habilidades?
215
ANEXO 7
QUESTIONRIO 5
Nome: _______________________________________________________
Idade:____________Sexo:______
1.
a.
Europa
b.
frica
c.
sia
d.
Indgena (nativo)
e.
Oriente mdio
2.
A. Sim
B. No
3.
Se sua resposta foi sim pergunta anterior , cite o pas e o costume preservado por sua famlia
4.
a.
b.
c.
d.
e.
Outras especificar:____________________________________________
5.
a.
Cristo catlico
b.
Cristo evanglico
c.
Muulmano
d.
judaica
e.
Outras especificar:______________________________
6.
a.
Fundamental
216
b.
Mdio
c.
Superior incompleto
d.
Superior completo
e.
7.
8.
9.
Comrcio
b.
Industria
c.
Servios
d.
De 1 a 5 salrios mnimos
b.
De 5 a 10 salrios mnimos
c.
De 10 a 20 salrios mnimos
d.
De 20 a 30 salrios mnimos
e.
b.
c.
Dias alternados
d.
e.
Outras a especificar:__________________________________
novelas
217
b.
filmes
c.
jornais
d.
documentrios
e.
outros a especificar:_____________________________________
b.
c.
Dias alternados
d.
e.
Outras a especificar:__________________________________
Msicas
b.
entrevistas
c.
noticirios
d.
humorsticos
e.
outros a especificar:_____________________________________
Clssica
b.
Sertanejo
c.
Popular
d.
Rock
e.
Outras especificar____________________________________
b.
c.
d.
e.
Outras especificar:____________________________________________
Drama
b.
Comdia
c.
Suspense
218
d.
Fico Cientfica
e.
Outras especificar:________________________
18. Cite, aproximadamente, a ltima vez que foi ao teatro e qual o nome da pea.
19. Com que freqncia voc vai ao cinema
a.
b.
c.
d.
e.
Outras especificar:____________________________________________
Drama
b.
Comdia
c.
Suspense
d.
Fico Cientfica
e.
Outras especificar:________________________
21. Cite, aproximadamente, a ltima vez que foi ao cinema e qual o nome do filme.
22. Com que freqncia voc vai a exposies de arte
a.
b.
c.
d.
e.
Outras especificar:____________________________________________
23. Cite, aproximadamente, a ltima vez que foi uma exposio de arte e o nome da exposio.
24. Com que freqncia voc l livros
a.
Um por semana
b.
Um por ms
c.
Um por bimestre
d.
Um por ano
e.
Outras especificar:____________________________________________
Fico cientfica
219
b.
Divulgao cientfica
c.
Romance
d.
investigao
e.
Outras especificar:________________________
Um por semana
b.
Um por ms
c.
Um por bimestre
d.
Um por ano
e.
Outras especificar:____________________________________________
Fico cientfica
b.
Divulgao cientfica
c.
Notcias
d.
Novelas
e.
Outras especificar:________________________
Um por semana
b.
Um por ms
c.
Um por bimestre
d.
Um por ano
e.
Outras especificar:____________________________________________
Diariamente
b.
Dias alternados
c.
d.
Um vez por ms
e.
Outras especificar:____________________________________________
220
b.
Relacionamentos
c.
notcias
d.
Divulgao cientfica
e.
Outras especificar:________________________
34. Cite o site que voc mais acessa, com exceo do seu e-mail.
221
ANEXO 8 ALUNA A
222
223
224
225
226
227
ANEXO 9 ALUNA B
228
229
230
231
232
ANEXO 10 ALUNA C
233
234
235
236