Na EMEI Dona Leopoldina, alunos de 4 a 6 anos desenvolvem autonomia em atividades escolares que vão do autosserviço no almoço à escolha de qual tarefa participar. A escola, que fica no Alto da Lapa, na zona oeste de São Paulo, criou uma cultura de protagonismo infantil ao ouvir demandas das crianças de forma ativa.
O resultado prático desse ideário aparece até na paisagem da instituição, fundada há 68 anos. Em um dos pátios, há um trepa-trepa de bambus coloridos e uma pista de corrida pintada no chão —sugestões dos próprios alunos.
A autonomia infantil foi cultivada por muitos educadores que passaram por lá, como a ex-diretora Marcia Harmbach, que ficou à frente da instituição por dez anos e se aposentou em 2022. Veio dela a ideia de criar o conselho mirim, um espaço deliberativo para que as crianças pudessem se expressar e pensar em formas de melhorar a escola.
"É uma estratégia de diálogo e respeito às vozes infantis que qualifica suas perspectivas em igualdade com os adultos na tomada de decisões", explica Harmbach, que escreveu sobre o conselho no livro "Gestão Democrática", publicado neste ano pela Panda Educação.
Com a pandemia, as atividades do projeto, que foi um marco na cultura da escola, foram pausadas, mas estão voltando. Segundo Aline Neves, atual diretora da EMEI Dona Leopoldina que assumiu o cargo em janeiro, o conselho mirim passa por reformulação, mas já aconteceram conversas sobre o tema com parte dos 240 alunos.
"O apreço pela autonomia e pela participação das crianças continua", afirma Neves, explicando que as crianças podem trazer ideias em qualquer espaço, no parque, no refeitório, no lago ou nos brinquedos.
Esse protagonismo é reforçado também no ensino de conteúdo. No plano educacional de São Paulo para 2023, que foca no antirracismo, os educadores têm trabalhado afro narrações por meio de músicas e bonecos. Cabe às crianças escolher qual das seis histórias —lidas nos jardins, casas da árvore ou escadas— elas preferem.
No dia seguinte às leituras, os alunos ainda escolhem atividades relacionadas aos temas, seja plantar ervas medicinais na horta ou criar réplicas de folhas com argila, como aconteceu no desdobramento do "Conto Africano de Ossaim", sobre um príncipe que encantava plantas para que pudessem curar.
"Criança aprende cantando, brincando, desenhando, pintando", afirma a diretora. "E, para isso, nosso currículo oferece a possibilidade de escolha".
Segundo Neves, até a cozinha é instrumento pedagógico de autonomia. No almoço, as crianças são encorajadas a usar pratos de vidro —como sinal de confiança no manuseio do material— e a se servir no minibuffet.
Quando a Folha visitou a escola, uma das professoras ajudava um grupo de oito alunos, que vestiam toucas e aventais coloridos, a preparar uma salada. Uns descascavam cenouras, enquanto outros lavavam alfaces e limpavam —às vezes mordiscavam— morangos.
A EMEI Dona Leopoldina ainda tem uma horta para ser usada pelas crianças. No projeto pedagógico da escola, a culinária perpassa vários processos, diz a educadora e ex-diretora Marcia Harmbach, que vão do plantar, cuidar, colher, dividir, cozinhar e comer.
Segundo a especialista em educação Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa Cedac, a alimentação ilustra bem a questão da autonomia infantil em interação com a responsabilidade dos adultos.
Por um lado, exige uma organização pensada nas crianças, como vasilhas, pratos e talheres numa altura em que possam alcançar. Por outro, depende que a comida servida tenha sido selecionada por adultos a partir de critérios nutricionais.
"As situações precisam ser provocadas para que a criança seja o sujeito da ação, para que crie, experimente, investigue, mas a partir de contornos dados pelo adulto", afirma Perez. "Autonomia tem que ser desenvolvida e estimulada com intenção."
Outro aliado da Dona Leopoldina no desenvolvimento infantil é o espaço verde, que é cheio de árvores frutíferas, como jabuticabeira e amoreira. De acordo com a diretora Aline Neves, os alunos passam 80% do tempo ao ar livre.
A escola tem até um pequeno lago, um dos lugares favoritos de Pablo Miguel Nunes, de 5 anos. "Meu pai põe os peixes no lago. Não pode jogar galho ou bambu", diz. Não é raro ver uma roda de alunos quando as professoras alimentam os peixes.
Outros alunos, curiosos com a presença da reportagem, até posaram para fotos com suas fantasias de heróis ou princesas, já que podem vestir o que quiserem na escola. Ainda mencionaram que o repórter compartilhava a profissão com o Superman.
"As crianças têm uma forma própria de significar o mundo, possuem um olhar sensível e crítico", afirma Marcia Harmbach. "Não basta fazer-lhes perguntas para que respondam, precisamos dar condições para suas manifestações, para que realmente se revelem".
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