Nova economia exige novas habilidades, mas educação ainda não prepara profissionais

Segundo especialistas, país carece de políticas públicas para que jovens atuem com demandas criadas pelo envelhecimento e pela tecnologia

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São Paulo

Provocado por fatores como tecnologia e envelhecimento populacional, o mercado de trabalho busca cada vez mais por profissionais que demonstrem, além de conhecimento técnico, traços como criatividade e habilidades socioemocionais bem desenvolvidas, mas o ensino tradicional não prepara completamente os estudantes para atender às novas demandas.

As necessidades criadas pelas novas matrizes econômicas foram tema do primeiro painel do seminário Novas dinâmicas globais: o papel da arte, cultura e educação para os desafios no mundo do trabalho, realizado pela Folha e pela Fundação Itaú no dia 28 de agosto. O evento foi aberto por Eduardo Saron, presidente da fundação, e a mesa foi mediada por Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho.

Três mulheres e um homem estão sentados em cadeiras dispostas no palco de um auditório; o fundo é laranja e contém o nome do seminário: 'Novas dinâmicas globais: o papel da arte, cultura e educação para os desafios no mundo do trabalho'
Da esq. p/ dir., Ana Inoue (mediadora), Beltrina Côrte, Karen Kanaan e Fausto Augusto Júnior durante o primeiro painel do seminário realizado no auditório da Folha, na região central de São Paulo - Keiny Andrade/Folhapress

Para Fausto Augusto Júnior, diretor-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), faltam investimentos específicos na qualificação de adolescentes que estão prestes a entrar no mercado. "Não sabemos olhar para os jovens. A transição entre escola e trabalho é um grande hiato na política pública brasileira."

Como exemplo da lacuna, Fausto menciona o ingresso de jovens no mundo do trabalho em funções que provavelmente deixarão de existir com o avanço da tecnologia, como operador de caixa e office-boy. A entrada informal ou precária restringe inclusive as oportunidades futuras, pois dificulta a aquisição de experiências, competências e conhecimentos para alcançar outras ocupações.

O boletim "Emprego em Pauta", do Dieese, mostra que cerca de 15% dos jovens com idade entre 15 a 29 anos (o equivalente a 7,6 milhões de pessoas) não estudavam, não trabalhavam e não procuravam emprego. Divulgado em dezembro de 2022, o estudo foi feito com dados da Pnad Contínua 2021, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Nas famílias com renda per capita mensal de meio salário mínimo (R$ 660), a média sobe para 24%. Entre o grupo com renda per capita mensal de três salários mínimos (R$ 3.960), o percentual era de 6%, enquanto 23% conseguiam conciliar estudo e uma ocupação —em muitos casos, segundo o boletim, estágio de nível superior, que facilita o desenvolvimento profissional.


Reveja os painéis do evento:


Tarefas domésticas e cuidado com filhos e familiares foram as razões citadas por 40% dos jovens "nem-nem" mais pobres —e isso ocorre majoritariamente entre as mulheres, ressalta Júnior. Estudar em cursos fora do ensino formal (pré-vestibular, por exemplo) foi o motivo elencado por 55% do grupo com renda maior.

Para começar a reverter o cenário, um dos caminhos apontados pelo especialista é a inserção de jovens em atividades que contribuiriam tanto para o crescimento profissional quanto para a inclusão de quem está na outra ponta —ou seja, da população idosa— por meio da economia do cuidado.

"Imaginamos pessoas acamadas ao falar de cuidado, mas não é só isso. A maior parte da economia hoje gira pelo celular, então não acessar a rede é um impeditivo de cidadania. Para tirar o documento do carro, tudo é feito pelo celular, e quem não souber vai pagar cerca de R$ 300 para um despachante. Será que o jovem não pode ajudar essa pessoa a acessar isso?", exemplifica.

O envelhecimento virou tema da educação na década de 1990, com especializações para profissionais da saúde e, depois, com programas de mestrado e doutorado em gerontologia —área que, diferentemente da geriatria, que lida com doenças ligadas ao envelhecimento, estuda o impacto deste processo de forma individual e coletiva—, explica Beltrina Côrte, pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Hoje, há graduações em gerontologia na USP (Universidade de São Paulo) e na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), por exemplo, além de cursos tecnólogos na área, mas a oferta ainda não é suficiente, avalia Côrte.

"A educação tem sido muito ausente em relação ao envelhecimento, apesar da Política Nacional do Idoso e do Estatuto da Pessoa Idosa determinarem a inserção de conteúdos sobre envelhecimento do ensino básico ao superior. Está nas determinações das leis, mas não há vontade política na execução."

Para a pesquisadora, um dos caminhos para reverter o cenário está na promoção de cursos técnicos antes ou depois do ensino superior, com o objetivo de capacitar profissionais para serviços relacionados ao cuidado —pois parte da população envelhecerá com comorbidades e fragilidades—, e para pensar neste público como consumidor em outras áreas.

Entre jovens, o movimento ajudaria na fuga da informalidade ao buscar o primeiro emprego e, entre profissionais mais maduros, contribuiria para a permanência no mercado, já que ambas as etapas demandam atualização constante, diz.

Côrte também é jornalista e CEO do Portal do Envelhecimento e Longeviver, voltado à disseminação de conhecimento sobre a velhice. O portal e o Itaú Viver Mais promoveram duas edições do edital "Envelhecer com Futuro", em 2021 e 2022, para apoiar projetos acadêmicos sobre longevidade.

Para Karen Kanaan, sócia da escola 42 São Paulo, o ensino formal ainda abre pouco espaço para que os jovens se expressem e, consequentemente, cultivem habilidades como aprendizado contínuo, autonomia, pensamento crítico e colaboração, que dependem de experiências para serem aprendidas.

Com um método de ensino baseado na troca entre alunos, sem uma dependência exclusiva dos professores, a 42 oferece formação gratuita em programação e se concentra nessas competências. Kanaan defende a inclusão do modelo na educação tradicional —hoje, algumas imersões da 42 são realizadas em aulas de Fatecs (Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo)— e, para isso, busca parcerias com outros atores.

"Tem um ecossistema que já existe e está fazendo bastante coisa. Quanto mais a iniciativa privada, o terceiro setor e o poder público se juntarem e olharem para os jovens e para os mais velhos, mais teremos uma agenda mais positiva para o futuro."

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