O Serviço de Genética Médica e Centro de Referência para Doenças Raras no Hospital das Clínicas de Porto Alegre tem cerca de 2.500 pacientes à espera de consulta.
O cenário é parecido no hospital pediátrico Pequeno Príncipe, em Curitiba, que tem cerca de 1.500 crianças na fila do centro de doenças raras.
O represamento de pacientes afeta diretamente a qualidade de vida de quem tem uma doença rara, isso porque são patologias progressivas e incapacitantes, com sequelas, geralmente, irreversíveis.
"O primeiro gargalo é o acesso a uma consulta com especialista, o segundo são os exames. Com isso, o diagnóstico demora muito a ser feito", diz Ida Vanessa Schwartz, chefe do setor do Hospital das Clínicas de Porto Alegre.
Além disso, o desconhecimento do diagnóstico correto pode gerar sofrimento às famílias durante anos.
"Existe uma angústia enorme enquanto você não sabe o diagnóstico do seu filho. Muitas vezes, se a família sabe o nome da doença, sabe onde buscar informação", diz Mara Lúcia Schmitz, neuropediatra e coordenadora da unidade do Pequeno Príncipe.
Para ela, um dos grandes desafios desse tipo de tratamento é que muitos pacientes chegam ao ambulatório e permanecem internados devido à gravidade dos casos, o que gera represamento.
O Ministério da Saúde estima que aproximadamente 13 milhões de pessoas vivam com doenças raras no país.
Procurada, a pasta disse não contabilizar fila de espera para especialidades, responsabilidade dos gestores locais.
De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), as patologias raras são aquelas que afetam até 65 pessoas em cada 100 mil. A estimativa é de que existam entre 6.000 e 8.000 tipos diferentes dessas doenças em todo o mundo. Do total, 80% vêm de fatores genéticos e cerca de 95% não têm tratamento definido.
A rota do paciente até um centro especializado passa pela unidade básica de saúde e por consultas e exames.
Por isso é importante que a equipe das unidades locais saiba identificar quais casos necessitam de mais atenção. A divulgação de informações sobre essas condições é aliada de quem busca diagnóstico.
Schmitz conta que muitas doenças se manifestam com sintomas diferentes e ainda não têm exames 100% precisos, o que demanda um trabalho constante de pesquisa.
Moradora de Duque de Caxias (RJ), Ingrid Siqueira, 39, vive desde criança com a doença de Pompe, patologia genética que causa fraqueza muscular e insuficiência respiratória.
Ela só teve o diagnóstico correto aos 33 anos. "Foi um processo muito longo. Fiz biópsias, mapeamentos, mas foi depois de um exame genético, que precisou ir para Alemanha, que tive a confirmação."
Ingrid precisa de aparelhos que a auxiliam na respiração e já não anda mais. Para ela, um diagnóstico mais cedo teria lhe rendido uma melhor qualidade de vida.
Hoje ela faz consultas periódicas no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, na Tijuca, zona norte do Rio, e enfrenta dificuldades de acesso à medicação de alto custo. "Precisei entrar na Justiça [contra a União] para conseguir o remédio, mas já estou há dois meses sem medicação."
O Ministério da Saúde contabiliza 17 instituições de referência para o tratamento de doenças raras no país.
Esses centros são hospitais completos e de atenção múltipla, que atendem muitas especialidades, explica o médico Roberto Giugliani, professor da Faculdade de Medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Ele é cofundador da Casa dos Raros, em Porto Alegre, clínica exclusiva para pessoas com essas patologias.
O espaço, que será inaugurado em maio deste ano, é uma iniciativa de duas organizações que tratam esse tipo de paciente: o Instituto Genética Para Todos e a Casa Hunter.
A Casa dos Raros terá atendimento misto, recebendo pacientes do SUS, consultas particulares e planos de saúde.
Juntos, os casos de doenças raras no país são numerosos, mas individualmente cada pessoa precisa de cuidados específicos, diz Giugliani.
Para o médico, o custo das pesquisas ainda é um entrave: "É preciso um enorme investimento para tratar um número pequeno de indivíduos".
Ele acrescenta que uma das principais dificuldades de grandes centros especializados é reunir a equipe multiprofissional em um só local.
Se o tratamento requer muitos deslocamentos, o paciente pode acabar sendo afetado. O psicanalista Arlen de Jesus dos Santos, 39, acompanha mensalmente a mãe, Ana Maria de Jesus Santos, 66, em consultas no neurologista em Vitória da Conquista (BA). A distância entre o hospital e a cidade de Jequié, onde mora Ana Maria, é de 150 km.
Ela foi diagnosticada há um ano com síndrome do Homem Rígido, doença autoimune que compromete o sistema nervoso central e causa rigidez e espasmos musculares.
Arlen conta que procurou atendimento particular para a mãe porque a fila para consulta no neurologista local, pela rede pública, era de mais de seis meses. A família também entrou na Justiça para conseguir o remédio de Ana Maria.
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