Mulheres chefiam só um quarto das secretarias municipais em 26 capitais brasileiras. Apenas em uma cidade, Natal (RN), elas ocupam pelo menos 50% dos cargos. Na piauiense Teresina, há somente uma mulher nesse posto.
A Folha fez um levantamento no alto escalão das gestões municipais por meio de dados públicos e checagem com as próprias prefeituras. Os dados, coletados de 26 de fevereiro a 7 de março, consideraram os titulares de pastas da administração direta (ligadas ao chefe do Executivo) com nomenclatura de secretaria, além de secretarias-executivas, do segundo escalão.
Do total, os homens predominam, com 72,4%. As mulheres estão no comando em 27,5% das pastas. Em 6 das 26 capitais, o número de secretários ultrapassa os 80%.
A reportagem também checou outros dois cargos. Em procuradorias e controladorias, posições de confiança da gestão municipal, mulheres representam 21% e 10%, respectivamente.
A Prefeitura de Teresina apresenta o quadro mais desigual: das 17 pastas, 16 são comandadas por homens. A única secretária, Karla Berger Marinho, está à frente da Política Pública para as Mulheres.
A reportagem tentou contato com o prefeito José Pessoa Leal (Republicanos), mas não recebeu resposta.
As gestões de David Almeida (Avante), em Manaus (AM), e João Henrique Caldas (PL), em Maceió (AL), têm o segundo quadro mais desigual, empatadas com 86% de homens no comando das pastas.
Na capital amazonense, a Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Cidadania tem como secretário Eduardo Lucas da Silva.
Questionada sobre a composição do secretariado, a administração municipal não respondeu. A Prefeitura de Maceió diz que mulheres estão no centro das políticas públicas da cidade e que a atual gestão criou a primeira secretaria do município dedicada a elas.
Em Florianópolis (SC), na gestão de Topázio Neto (PSD), a mesma mulher, Katherine Schreiner, ocupa duas secretarias, a de Administração e a de Licitações, Contratos e Parcerias. A cidade tem 42% das pastas ocupadas por gestoras, o terceiro melhor resultado.
O município com maior participação de mulheres em secretarias é Natal, com 55,6%, sob gestão de Álvaro Costa Dias (Republicanos). Em seguida, vem Boa Vista (RR), comandada por Arthur Henrique (MDB), com 44,5%.
Na esfera política e administrativa, a distribuição de cargos e responsabilidades reflete uma divisão de gênero enraizada, segundo a cientista política Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
"Setores como saúde, educação, cultura e turismo, frequentemente rotulados como áreas 'lights' ou 'sociais', estão intimamente ligados ao cuidado, uma esfera tradicionalmente associada às mulheres. Essa divisão do trabalho não se limita ao âmbito doméstico, estendendo-se também ao cenário político."
Marlise afirma ainda que a cultura política dominada por homens tende a favorecer a escolha de líderes masculinos para cargos de confiança, os "caras da turma".
"É impossível imaginar que as mulheres não tenham capacidade técnica e profissional para ocupar mais cargos de secretaria. Ao analisarmos o perfil educacional delas, torna-se evidente de que estão mais qualificadas do que os homens, com anos adicionais de educação formal. Portanto, a falta de habilidade técnica não é um obstáculo para que elas ocupem esses cargos."
Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), na última eleição para cargos municipais, em 2020, foram eleitas 651 prefeitas (12,1%) contra 4.750 prefeitos (87,9%). As vice-prefeitas foram 927 naquele mesmo ano, um salto de 11% (834) em relação a 2016.
Entre 26 capitais, somente duas, Palmas (TO) e Campo Grande (MS), têm mulheres no comando da gestão municipal.
Cinthia Ribeiro (PSDB) está à frente da capital tocantinense. Lá, 76% das secretarias são ocupadas por homens e 24% por mulheres.
Já Adriane Lopes (PP) assumiu a gestão de Campo Grande após a saída de Marquinhos Trad (PSD), que deixou o posto para concorrer ao governo do estado, em 2022. A cidade é a quinta com maior igualdade de gênero: as mulheres compõem 38,5% das pastas.
De acordo com Renata Vilhena, professora associada de gestão pública da Fundação Dom Cabral e presidente do conselho do Instituto República.org, a administração pública precisa criar mecanismos que incentivem a participação de mulheres, em especial em cargos de liderança.
Ela diz que há uma grande discussão sobre o papel da burocracia representativa, que parte do pressuposto que deve haver uma diversidade na ocupação de cargos e posições, seja ela de gênero, raça ou outra forma de representação, que permitam que os olhares dessas pessoas estejam refletidos na formulação e implementação de políticas públicas.
"Não se pode esperar que homens, brancos, heterossexuais, que hoje representam a maioria dos nossos tomadores de decisões, sejam capazes de formular políticas públicas que abarquem todas as necessidades e demandas de mulheres, pretos, população LGBTQIA+ e quilombolas, entre outros."
Ela cita ainda um dado da República.org que mostrou que 158 municípios no Brasil —o país tem 5.570— apresentavam alguma política de priorização de cargos para mulheres. "É um movimento ainda tímido, mas demonstra um início da preocupação com a pauta na administração pública."
Ao serem questionadas a respeito da composição do secretariado, as prefeituras de São Paulo, Curitiba e Florianópolis citaram autarquias e cargos de chefia da administração indireta nas quais há mulheres à frente.
As administrações de Campo Grande, Maceió e Vitória (ES) disseram estar comprometidos com políticas direcionadas a mulheres e à equidade de gênero.
Recife, Fortaleza (CE) e Belém (PA), em nota, disseram que as mulheres estão em secretarias estratégicas à administração da capital.
Procuradas, Boa Vista, Palmas, Teresina, Belo Horizonte, Natal, Rio Branco (AC), São Luís (MA), Aracaju (SE), João Pessoa (PB) e Macapá (AP) não responderam.
Rio de Janeiro, Salvador, Goiânia (GO), Cuiabá (MT), Manaus, Porto Velho (RO) e Porto Alegre apenas atualizaram ou confirmaram as informações das secretarias.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.