Quando o sociólogo Darcy Ribeiro afirmou que a crise na educação brasileira é um projeto nacional, ele tocou num nervo exposto da nossa sociedade. O diagnóstico pode ser aplicado a outras mazelas —a fome, a pobreza, a desigualdade social e de gênero, a falta de moradia, a má qualidade dos serviços públicos. Nada disso é acidente do destino, mas resultado de escolhas coletivas feitas há séculos.
O Brasil foi o último país a abolir a escravidão. Mesmo após a Lei Áurea, de 1888, o Estado se absteve de adotar políticas de inclusão para a população negra recém-liberta —a mesma população que hoje ocupa majoritariamente as favelas, que foi mais afetada pela pandemia de Covid-19, que mais sofre com o desemprego e a inflação, que enfrenta a chaga do racismo.
Neste país tão desigual, não há espaço para omissão. Nada fazer equivale a concordar tacitamente com o projeto da pobreza e da desigualdade. Reconhecer o problema é só um primeiro passo. Uma tomada de atitude ética requer um passo além. É preciso aderir a um projeto alternativo.
A Gerando Falcões, em parceria com a Valquírias World, desenvolve na favela Marte, em São José do Rio Preto (SP), o projeto "Favela 3D – Digital, Digna, Desenvolvida". Trata-se de um grande laboratório social que busca soluções inovadoras e eficientes de eliminação da pobreza. Junto aos representantes da comunidade, negociamos com a prefeitura e o governo do estado programas de construção de moradia com placas de energia solar, praças com wi-fi, espaços de cultura e lazer, estruturas de capacitação profissional e atendimento de saúde.
Agora chegou a hora de convidar os empresários a entrar em campo. Sabemos que melhorias nas condições locais só serão sustentáveis se a população tiver também fontes de renda. Por isso, queremos, em não mais do que 24 meses, baixar o elevadíssimo índice de desemprego na favela Marte para algo em torno do pleno emprego. A Gerando Falcões faz aqui um convite público aos empregadores da região para que assumam um compromisso de empregar, prioritariamente, moradores da favela, de modo a viabilizar um projeto de país mais justo e inclusivo.
O objetivo pode parecer ambicioso demais, mas quem conhece a realidade da favela sabe que ele é apenas proporcional à urgência de uma solução. Enquanto a taxa de desemprego no Brasil é superior a 12%, um dado por si só alarmante, na Marte é mais que o dobro: 26,7%. Outros 35% da população vivem de bicos ou trabalhos temporários. Um quarto da favela tem renda de até R$ 500.
A questão vai muito além de uma única favela no interior de São Paulo. Queremos provar que, com o engajamento de todos, é possível construir tecnologias sociais replicáveis nos quatro cantos do país, nas mais de 13 mil favelas.
O compromisso de levar o pleno emprego à favela Marte é parte essencial do esforço coletivo para desmanchar e substituir o projeto brasileiro da pobreza. Temos certeza de que as futuras gerações reconhecerão o valor daqueles que hoje, ao contrário do que se fez no passado, se posicionarem do lado certo da história.
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