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Andrew Ross, Tommaso Bardelli e Aiyuba Thomas

É preciso acabar com a escravidão legalizada em prisões dos EUA

Mais de 160 anos depois da abolição, trabalho forçado com remuneração baixa ou inexistente deveria ser impensável

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Andrew Ross, Tommaso Bardelli e Aiyuba Thomas

Escritores, membros do Laboratório de Pesquisas sobre a Educação em Prisões da Universidade de Nova York e autores do livro “Abolition Labor: The Fight to End Prison Slavery" (Trabalho Abolicionista: a Luta Para Acabar com a Escravidão em Prisões)

The New York Times

Os Estados Unidos celebram nesta quarta-feira (19) o Juneteenth, o dia em que a notícia da proclamação de emancipação chegou ao ponto mais distante do país. Muitas pessoas, entretanto, não sabem que a abolição, assinada em 1863 por Abraham Lincoln, não encerrou legalmente a escravidão no país.

A 13ª Emenda à Constituição americana —o resultado de séculos de resistência por parte de pessoas escravizadas, uma geração inteira de campanhas abolicionistas e uma sangrenta guerra civil— proibiu a servidão involuntária "exceto como punição por crime pelo qual a parte tenha sido devidamente condenada".

O selo da agência federal de prisões é visto aqui fixado em uma cerca de arame. O selo é claramente visível, com a águia americana no centro, enquanto o fundo desfocado sugere um local protegido ou restrito.
O emblema da Agência Federal de Prisões dos EUA é visto na entrada de uma prisão federal em Miami, no estado da Flórida - Marco Bello - 19.mar.24/Reuters

No norte do país, essa chamada cláusula de exceção foi interpretada para permitir a contratação privada de trabalho forçado em prisões, algo que já ocorria. Nos antigos estados confederados, deu origem a um sistema muito mais brutal no qual homens e mulheres libertos eram rotineiramente presos sob acusações falsas e depois alugados a proprietários de plantações e indústrias para trabalhar e cumprir sua sentença.

Alguns historiadores descreveram esse sistema de aluguel de condenados como "pior do que a escravidão", porque não havia incentivo para evitar que essas pessoas trabalhassem até a morte.

Com o tempo, os tribunais aceitaram que todas as pessoas que estão encarceradas perdem a proteção contra a escravidão ou servidão involuntária. O legado dessa deferência legal é cruel. Hoje, a maioria do 1,2 milhão de americanos presos em prisões estaduais e federais trabalham forçadamente em empregos de todo tipo, desde limpeza de celas até trabalhos especializados, por salários tão baixos quanto alguns centavos de dólar por hora ou, em vários estados, sem receber nada.

E embora membros do Congresso americano denunciem produtos importados feitos com trabalho prisional em lugares como a província de Xinjiang, na China, os escritórios de muitos órgãos governamentais em Washington e em outros lugares são abastecidos com móveis e suprimentos feitos por prisioneiros neste país.

Na verdade, os órgãos federais são obrigados a comprar bens de prisões federais, assim como os órgãos estaduais ou municipais, incluindo escolas públicas e universidades, muitas vezes devem considerar comprar de penitenciárias estaduais. Em muitos estados, os produtos feitos em prisões estão livremente disponíveis no mercado e são enviados para o exterior.

O trabalho que as pessoas não têm o direito de recusar e que é imposto sob condições de controle total é, inquestionavelmente, escravidão. É um modelo diferente da escravidão que motivou a Guerra Civil, mas, segundo todas as normas do direito internacional, é uma violação dos direitos humanos fundamentais.

Um país que se presta a ensinar ao resto do mundo lições de liberdade deveria proibir essa prática em seu próprio território em vez de integrar seus produtos na economia. Para aqueles que desejam trabalhar enquanto cumprem sua sentença, devemos garantir um salário justo por seu trabalho.

O movimento pelos direitos dos prisioneiros do final dos anos 1960 e início dos anos 1970 pediu o aumento do salário por hora dos prisioneiros. Uma das principais demandas durante a rebelião de Attica em 1971 foi "aplicar a lei do salário mínimo do estado de Nova York a todas as instituições estaduais".

Nacionalistas negros mais radicais viam as superlotadas penitenciárias do país como navios negreiros modernos e argumentavam que mesmo que fossem oferecidos salários vigentes, negociação coletiva e proteções no local de trabalho, prisões ainda seriam instrumentos de captura e controle racial.

Mais recentemente, alguns abolicionistas das prisões têm se concentrado em revogar a cláusula de exceção por meio de emendas estaduais e federais.

A partir de 2016, campanhas em sete estados (Colorado, Utah, Nebraska, Vermont, Oregon, Tennessee e Alabama) conseguiram aprovar emendas que proibiram a escravidão sem exceção, incluindo trabalho forçado em prisões. Iniciativas de emendas estão atualmente em andamento em até 20 estados e também no nível federal, onde um projeto de lei foi apresentado no Congresso em 2020.

Essas medidas apenas proíbem o trabalho forçado. Elas não estipulam que o trabalho prisional deve ser remunerado de acordo com o salário vigente no mercado. Assim, em estados como Colorado e Alabama, pessoas encarceradas tiveram que recorrer aos tribunais para obter salários mais altos. Em Nova York, busca-se um projeto de lei adicional que garanta o salário mínimo e o direito a sindicatos.

A resistência a emendas como essas tem sido surpreendentemente forte. Em alguns casos, a oposição vem de legisladores do campo da "lei e ordem" que dizem que essas medidas bajulam criminosos. Mas a preocupação predominante é o custo. Essa objeção se tornou mais prevalente depois que os legisladores adiaram a Lei de Abolição da Califórnia (que não incluía disposições salariais) em resposta a uma estimativa do Departamento de Finanças de que o custo de pagar o salário mínimo a presidiários seria de US$ 1,5 bilhão.

Desde então, os legisladores de outros estados tomaram nota. Se as emendas resultarem em aumentos substanciais de salários, qual será a sobrecarga para seus estados?

Essas perguntas estão diretamente ligadas às reclamações dos donos de escravos sobre a perspectiva de ter que compensar os trabalhadores por colher seu algodão e cana-de-açúcar. Assim como naquela época, há um preço a ser pago pela abolição da escravidão, mas os benefícios de pagar um salário justo superam em muito os custos fiscais.

Entrevistamos muitos homens e mulheres que estiveram presos que falaram sobre a diferença que teria feito em suas vidas ganhar uma renda excedente que não é consumida pela compra de necessidades na loja do presídio; de poder poupar suas famílias endividadas de ter que sustentá-los; de economizar dinheiro suficiente para reintegrar-se à sociedade em uma posição estável; de contribuir, por meio de um salário padrão, para benefícios futuros como Medicare, Seguro Social ou seguro-desemprego; e de se libertar da necessidade de participar do comércio arriscado de mercadorias contrabandeadas dentro das prisões, que é um subproduto direto de salários irrisórios.

Por sua vez, o Estado economizaria nos serviços de assistência social relacionados à saúde, moradia e desemprego que atualmente são gastos em pessoas que saem da prisão de mãos vazias. E isso seria um impulso para a segurança pública, pois haveria menos necessidade econômica para as pessoas recorrerem, ao sair, a atividades ilegais para se sustentarem. De acordo com uma estimativa, pagar às pessoas encarceradas um salário mínimo produziria um benefício líquido nacional de até US$ 20,3 bilhões por ano.

Mas focar apenas os números frios não leva em conta o custo moral de prolongar a tolerância histórica dos Estados Unidos ao trabalho forçado. A dignidade humana básica que vem de ser protegido da escravidão só pode ser alcançada quando todos são livres para recusar trabalho, especialmente quando esses empregos são inseguros e mal remunerados. Mais de 160 anos após a proclamação de Lincoln, já passou da hora de cuidar dos negócios inacabados da emancipação.

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