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JOSÉ SERRA
Com Bush ou com Kerry
A disputa entre George Bush, cujo governo, como diz Michael
Walzer, é o mais direitista da história
dos Estados Unidos, e John Kerry, democrata apoiado pela tradição dos
Kennedy, poderá mudar muito os rumos da política externa e interna norte-americana. Com Kerry, espera-se
uma diminuição da arrogância e da
truculência, ao lado do fortalecimento
do hoje execrado multilateralismo nas
grandes decisões internacionais. No
campo doméstico, serão pelo menos
contidos os retrocessos em matéria de
direitos civis e sociais.
É preciso ter claro, no entanto, que
duas coisas que interessam muito ao
Brasil não mudarão. A primeira é o elã
protecionista norte-americano, em
plena evidência na campanha eleitoral. É falsa, como dois e dois são cinco,
a idéia de que o acesso dos países em
desenvolvimento ao mercado norte-americano de bens e serviços seja uma
causa importante da destruição de
empregos no país. Mas é certo, como
dois e dois são quatro, que os interesses setoriais contrariados pela concorrência externa continuarão persuadindo a maioria dos norte-americanos de que essa tese falsa é correta.
Aliás, é por isso, e não por alguma posição dura brasileira, que a Alca não
está caminhando.
Em segundo lugar, o eleito, seja
quem for, vai dar um tranco no modelo dos déficits gêmeos crescentes, o fiscal e o externo, ambos convergindo
para 5% do PIB. Na era Clinton, eles
haviam se divorciado: o déficit em
conta corrente do balanço de pagamentos não parou de crescer, mas o
déficit fiscal virou superávit. Bush, para enfrentar a desaceleração da economia, seguiu a cartilha neoconservadora (e burra) e reduziu os impostos sobre os mais ricos, enquanto aumentava os gastos militares. Empinou, assim, os resultados fiscais negativos.
Kerry procurará recuperar a receita
de impostos. Bush, provavelmente, irá
se concentrar no corte de gastos sociais. Mas, independentemente da forma, a redução do déficit orçamentário
será prioritária. Mas, como nem um
nem outro conseguirá promover um
ajuste fiscal do tamanho que o Federal
Reserve, o Banco Central de lá, considera necessário, será inevitável alguma elevação dos juros, hoje no nível
mais baixo desde a depressão dos
anos 30.
É óbvio que esse aumento dos juros
americanos, que já começa a ser antecipado pelo mercado financeiro, terá
repercussões adversas sobre as economias altamente endividadas, como a
brasileira. Nossas dificuldades tendem, portanto, a agravar-se.
Infelizmente, o governo Lula, confundindo bolha com tendência, não
aproveitou as excepcionais condições
da economia internacional no ano
passado -juros irrisórios, demanda
dinâmica, bons preços para produtos
brasileiros- para melhorar a performance da economia e torná-la menos
vulnerável a adversidades externas.
Jogando fora seu inviável programa
original sem ter uma alternativa consistente para substituí-lo, ficou preso
ao tripé de juros altos, impostos mais
altos ainda e arrocho fiscal exagerado,
confiando nos discursos e não se sabe
exatamente em que tipo de forças de
mercado para promover o desenvolvimento.
Diagnóstico desalentador? Não,
diagnóstico realista e necessário como
ponto de partida para a mobilização
da sociedade e das forças políticas
mais decentes, de todos os quadrantes, para que seja encontrada uma saída para o crescimento medíocre em
que o Brasil empacou e cuja principal
conseqüência é agravar o desemprego, o grande problema social brasileiro.
José Serra escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: [email protected]
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