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CARLOS HEITOR CONY
Alma farta
RIO DE JANEIRO - "A alma farta despreza o mel. À alma faminta, o
amargo torna-se doce". Cito de memória um trecho da Bíblia, Livro dos
Provérbios, se não me engano capítulo 27, versículo 7 -de acordo com o
figurino das pesquisas acadêmicas.
Como tudo da Bíblia e de Shakespeare ("Ser ou não ser, eis a questão", do
Hamlet, ou "Os homens são homens", do Otelo), a sentença pode parecer uma banalidade, verdade sabida e consabida que atravessou gerações.
Mas a condição humana é de uma
banalidade atroz em si mesma, vem
das cavernas, permanecerá a mesma
até a extinção de todas as espécies,
sobretudo a nossa.
E o que é pior. Para descobrirmos
que a alma farta despreza o mel, não
precisamos catar exemplos na história da humanidade nem na vida pessoal dos outros. Basta um mergulho
dentro de nós mesmos, a cada dia e a
cada instante.
Onde o provérbio, que a tradição
atribui à sabedoria do rei Salomão,
além de banal, é discutível na sua segunda parte, a que se refere à alma
faminta. Para a fome que todos temos de alguma coisa, o amargo pode
tornar-se doce, mas, na simples
transformação da amargura em doçura, temos novamente a alma farta,
que despreza os "favos de mel" -para sermos exatos na citação bíblica.
Desconfio que o PT, justamente por
ser humano, no sentido em que é
constituído de seres da nossa espécie,
depois de anos em que se portou como alma faminta de justiça, sabedoria e austeridade, uma vez no poder,
tornou-se uma alma farta, que despreza antigos valores e continua faminto não se sabe bem por quê.
O caso Waldomiro pode parecer
um fato isolado, e é nesse sentido que
o governo e o partido procuram abafá-lo. Mas define com nitidez a alma
farta e a alma faminta. Faminta de
quê? De mais poder ou de eterno poder? Basta comparar a alma de outros tempos do PT com a atual -e teremos o retrato da fome e da fartura.
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