São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 2005

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CINEMA

Em entrevista à Folha, Kiyoshi Kurosawa aborda a produção de horror japonesa; "Sessão Espírita" tem exibição amanhã

Diretor busca o terror no cotidiano japonês

Divulgação
Jun Fubuki e Kôji Yakusho em cena do filme japonês "Sessão Espírita", em que um casal envolve-se no desaparecimento de uma criança


BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

A ilusão começa já na apresentação. Kiyoshi Kurosawa, 49, possui um sobrenome que pressupõe parentesco com Akira (1910-98), o monstro do cinema japonês mais conhecido no Ocidente.
Mera coincidência. Algumas semelhanças existem, mas o "jovem" Kurosawa está mais próximo de outros monstros. Se o criador de "Rashomon" (1950) foi o diretor que melhor simbolizou o encontro entre Oriente e Ocidente, Kiyoshi desponta hoje como o mais promissor nome da nova onda de cineastas japoneses que quebram as convenções -em seu caso, de filmes de gênero, em particular, o terror.
Ex-estudante de sociologia e filmando desde 1983, Kiyoshi é um artista prolífico (com uma média de duas ou três produções por ano) que faz longas de baixo orçamento dentro do circuito independente japonês. Crítica e público europeus e norte-americanos começaram a prestar atenção ao seu trabalho com "Kyua" (cura, 1997), em que seu toque autoral fica evidente. Sob a máscara de filme de gênero (aqui um thriller à "Seven"), o diretor usa o sobrenatural para discutir temas como a identidade do homem moderno.
No entanto, é com o gênero terror que seu nome vem mais associado, apesar de se afastar da onda de filmes japoneses inspiradores de "remakes" hollywoodianos. Em produções como "Sessão Espírita" ("Kôrei", 2000) -atração de amanhã da Sessão Comodoro-, Kiyoshi evita sustos fáceis e monstrengos. Consegue, no entanto, em tom quase minimalista, instaurar o terror propriamente dito e um clima de mal-estar no espectador ao fim de seus filmes.
No longa, feito para a TV japonesa, uma mulher paranormal tenta ajudar a polícia a localizar uma menininha desaparecida. Sua vida (e a de seu marido) começa a afundar quando a criança surge em sua casa. Leia, a seguir, a entrevista que o cineasta -que acabou de finalizar seu novo filme, "Loft", "uma história de amor com uma atmosfera de filme de horror"- concedeu à Folha.
 

Folha - O sr. costuma dizer que não é autor de filmes de gênero. Por que o interesse pelo terror?
Kiyoshi Kurosawa -
Tenho interesse por filmes de terror desde criança. Mesmo se eu quisesse fazer filmes ocidentais de horror, seria financeiramente impossível. O que filmo na maior parte do tempo é a vida de pessoas comuns vivendo em cidades comuns. Tenho interesse pelos "desconhecidos" da vida. Por isso, em meus filmes, há sempre objetos estranhos no cotidiano dessas pessoas, formas de vida que nunca vimos antes, uma pessoa misteriosa ou, às vezes, até um fantasma.

Folha - Qual sua opinião sobre os "remakes" de filmes japoneses de terror feitos por Hollywood?
Kurosawa -
Era impossível de imaginar, alguns anos atrás, que os americanos iriam gostar desses filmes. Uma peculiaridade do horror japonês é que, quando o personagem principal encontra uma criatura que não existe no mundo real, ele não tenta lutar contra essa criatura. Quando nós, japoneses, encontramos essas criaturas, primeiro rezamos para que suas almas descansem em paz. E, então, aceitamos o terror e buscamos uma maneira de coexistir. Se isso não funcionar, desistimos e nos deixamos destruir. São elementos completamente incompatíveis com os filmes americanos. Quando encontram monstros ou fantasmas, os personagens nos filmes americanos tentam lutar e vencer, não importa o quanto assustador o outro lado seja. Às vezes, o lado humano perde, mas mesmo assim, irá lutar até o fim. Então, não entendo por que o terror japonês é aceito na América. Talvez os americanos estejam finalmente cansados de lutar.

Folha - Em seus filmes, o sr. explora questões individuais, como a busca pela identidade, emoções reprimidas etc. São assuntos essenciais na sociedade japonesa atual?
Kurosawa -
Meus filmes são "filmes de cidade". Isso significa que, já que eles se passam em Tóquio, retratam os problemas que as pessoas da cidade confrontam, antes dos problemas de toda a sociedade japonesa. Na Tóquio atual, problemas como pobreza, discriminação, catástrofes naturais ou guerra não são óbvios. Mas há outros problemas corroendo as mentes das pessoas. Um deles é a solidão. Outro é a "opressão chamada ética". Esses são sempre meus temas fundamentais.

Folha - Na mesma tradição de cineastas como Clint Eastwood ou Quentin Tarantino, o sr. usa códigos de filmes de gênero para explorar questões existenciais e filosóficas. Como é seu processo criativo?
Kurosawa -
Nos dias de hoje, um filme dura 120 minutos. Se o diretor tenta se encaixar nessa regra básica, o conceito de gênero vem fácil. As regras básicas dos filmes de gênero foram estabelecidas na América nos anos 1940, quando os filmes duravam cerca de 90 minutos. Fazendo uma subtração, os filmes modernos têm 30 minutos extras, ou seja, um filme de 120 minutos precisa de 30 minutos de novos elementos que não se encaixam dentro da estrutura dos filmes de gênero. Um gênio moderno como Clint Eastwood faz o melhor nesse tempo, e exibe sua visão única de mundo.


Sessão Dupla do Comodoro
O quê:
exibição de "Sessão Espírita" ("Kôrei"), de Kiyoshi Kurosawa, e "Dias Contados", de Imanoel Uribe
Quando: amanhã, a partir das 21h30
Onde: Cinesesc (r. Augusta, 2.075, SP, tel. 0/xx/11/3082-0213)
Quanto: entrada franca (retirar ingressos meia hora antes)


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