São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2004

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"EL ABRAZO PARTIDO"

Diretor se preocupa demais com passado

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Aos 30 anos, Daniel Burman recebeu pelo filme "El Abrazo Partido" um duplo aval do júri do Festival de Berlim. De fato, Burman merece reconhecimento como representante legítimo do vigor do novo cinema argentino, e seus três filmes ("Esperando o Messias", "Todas las Azafatas Van al Cielo" e inclusive este "El Abrazo Partido") já configuram com solidez a confirmação de um jovem talento. Ainda assim, a dupla premiação pareceu exagerada.
"El Abrazo Partido" é simpático, mas guarda uma contradição esquisita que só pode ser explicada pelo medo de se tocar em algumas feridas. Basicamente, Burman fez um filme inquieto na forma mas acomodado na história que quer contar, já vista e revista em outros contextos.
O diretor, também autor do roteiro (com Marcelo Birmajer), desenha o retrato de um jovem em crise. Ariel (Daniel Hendler) usa o pretexto de tirar um passaporte europeu para conhecer suas raízes, que permanecem enterradas (a avó nunca conversou com ele sobre a Polônia, de onde fugiu da perseguição judaica). Ao mesmo tempo, debate-se para compreender a ausência do pai, que deixou a Argentina para lutar na guerra do Iom Kipur e não mais voltou.
Quase todo o filme se passa numa galeria comercial de Buenos Aires, onde o protagonista ajuda a mãe a vender lingerie. Uma narração em "off" descreve, com humor, o cotidiano desse espaço tocado por gerações de imigrantes.
Burman está falando da Argentina contemporânea. Adotou o estilo barato de realização que tem marcado as novas produções do país. Empregou, também, uma câmera na mão que o ajuda a obter a energia e a pulsação que sua história parece evitar.
É esta, pois, a contradição: realizado em estilo contemporâneo e urgente, "El Abrazo Partido" está preocupado exclusivamente com questões do passado. O estado atual da Argentina é visto em pistas demasiado sutis, quase escondidas (basicamente, na falta de perspectiva do jovem que quer tirar um passaporte europeu e, quem sabe, sair do país). Mas onde está a Argentina em convulsão? E, para um jovem em busca de suas raízes, onde está seu questionamento sobre questões atuais envolvendo conflitos em Israel?
Burman parece ter feito "El Abrazo Partido" como uma recusa ao desencanto que tem marcado a produção argentina recente. Seu retrato da juventude é (positivamente) doce e aconchegante, com traços esperançosos. Mas ser otimista não significa, necessariamente, fechar os olhos para questões tão essenciais.


Avaliação:   


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