São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

Lei eleitoral boa e sua aplicação

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Nós, jornalistas, perdemos, vez por outra, o senso da medida. Foi o que ocorreu na entrevista do ministro Nelson Jobin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, logo após a votação do primeiro turno. Muitas perguntas questionaram a demora da apuração. Ora, há pouquíssimo tempo, passávamos dias e dias à espera do resultado. Na primeira experiência total das urnas eletrônicas neste Brasil continental, o interesse jornalístico se concentrou nas horas a mais, e não no significado da experiência para o futuro, quando se espera que os erros de planejamento desta eleição sejam corrigidos.
Os erros eram evidentes em duas zonas eleitorais desta capital nas quais entrei. As filas dos Josés, das Marias e dos Antônios eram as mais longas. Cheguei a me assustar em escola da zona oeste de São Paulo, ao ver corredores estreitos atulhados de gente. Se surgisse uma correria, um susto coletivo, poderia resultar em tragédia. A falta de prática do eleitor com a urna eletrônica deve ser enfrentada. Foram muitos os que não se prepararam. A "cola" oferece solução para a digitação de muitos algarismos, mas é necessário aumentar o número de urnas por sala e ampliar a disponibilidade de sessões eleitorais. Para o próximo pleito, a providência é imprescindível.
Para digitar o voto, o eleitor pode demorar todo o tempo necessário, compatível com suas condições físicas ou seus conhecimentos. Contudo o eleitor consciente, sabedor de suas dificuldades, deve preparar-se para votar rapidamente. O descuidado mostrará falta de consciência social da importância cívica do voto. Os cidadãos responsáveis devem contribuir, por seu lado, para o esclarecimento de todos.
O legislador também tem tarefa a cumprir. A lei eleitoral é boa como um todo, mas a experiência de domingo mostrou falha a ser reparada. A representação do povo pelos deputados foi distorcida no caso do Prona, em São Paulo, permitindo bancada integrada por deputado eleito com umas poucas centenas de votos, enquanto outros candidatos, com dezenas de milhares, viram-se excluídos. O direito de Enéas e de seus companheiros é, contudo, inatacável. Candidataram-se de acordo com as regras do certame. Mas acabaram dramatizando que, nesse ponto, a distorção da lei transforma o voto de protesto, de zombaria ou até mesmo sério em quebra do sistema democrático.
O saldo foi bom. Não há dúvida sobre a licitude do pleito, diferentemente do que houve na última eleição norte-americana. Nossa lei vale nacionalmente. É igual para São Caetano do Sul, no ABC paulista, para São José dos Ausentes e seus ventos gelados, no Rio Grande do Sul, ou para São Domingos do Capim Novo, no quente interior paraense. As diferenças causam problemas incontornáveis.
Foi pena que bons parlamentares tivessem sido excluídos. Artur da Távola, do Rio de Janeiro, e José Fogaça, do Rio Grande do Sul (com quem tive fortes discordâncias sobre a Lei de Imprensa), deixam um vazio no Senado. A advocacia perdeu o deputado José Roberto Batochio, ex-presidente do Conselho Federal da OAB. Por outro lado, porém, houve amadurecimento do eleitor, que afastou "donos" de partido (Quercia e Maluf saíram do primeiro plano da política) ou caciques antigos (Newton Cardoso e Gilberto Mestrinho, em Minas e no Amazonas). Mesmo Brizola, com participação destacada na história política do século 20, terminou esquecido pelo eleitor. Tudo se soma para demonstrar que a fila não é o mais importante. Importante é a voz do povo -alta, clara, livre.


Texto Anterior: Votação mostra fôlego de Maluf na capital
Próximo Texto: Trânsito: Ponte e pista na marginal serão interditadas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.