S�o Paulo, ter�a-feira, 15 de fevereiro de 1994
Texto Anterior | Pr�ximo Texto | �ndice

Os an�es e seus aliados

MARIA HERM�NIA TAVARES DE ALMEIDA

A mudan�a do sistema eleitoral � um ponto importante da agenda de reformas pol�ticas da revis�o constitucional. Se bem feita, poder� melhorar a qualidade da representa��o pol�tica e, nessa medida, ajudaria a fortalecer a democracia em nosso pa�s. Em pauta est�, como se sabe, a substitui��o do sistema proporcional puro, vigente desde 1932, pelo chamado "distrital misto" ou sistema alem�o.
Entretanto, � import�ncia da mat�ria n�o tem correspondido um debate que efetivamente esclare�a a opini�o p�blica e d� solidez � escolha daqueles que decidir�o, no Congresso, pela perman�ncia ou reforma do sistema proporcional. Ao contr�rio, existe muita confus�o em torno do tema, especialmente entre aqueles que, contra toda evid�ncia acumulada por d�cadas, insistem na defesa do status quo. Exemplo disso � o artigo do colega Renato Lessa -"Reserva de mercado para an�es"- publicado em 5 de fevereiro �ltimo nesta p�gina. O professor Lessa resume, com brilho, os principais argumentos -e equ�vocos- dos partidos do sistema eleitoral vigente.
Os argumentos apresentados no artigo podem ser assim resumidos: 1) a reforma � um expediente conservador e olig�rquico para limitar as consequ�ncias do fant�stico processo de incorpora��o das grandes massas � pol�tica, iniciado h� algumas d�cadas; 2) os adeptos da reforma prop�em a substitui��o de sistema proporcional por um sistema eleitoral majorit�rio. (Como � sabido, o primeiro se assenta no princ�pio segundo o qual a distribui��o das cadeiras ocupadas pelos partidos deve corresponder � propor��o dos votos obtidos por cada um deles em um determinado distrito eleitoral; enquanto o segundo ap�ia-se na regra majorit�ria que estabelece que as cadeiras, no �mbito de cada distrito, devem caber ao partido que recebeu a maioria dos votos); 3) os sistemas majorit�rios distorcem o mecanismo representativo, pois impedem a representa��o das minorias, reduzem a margem de escolha dos eleitores, possibilitam o controle das m�quinas locais pelas oligarquias partid�rias; 4) a proposta de reforma tem pois um n�tido prop�sito de exclus�o pol�tica, que refor�a a exclus�o social e casa bem com o neoliberalismo.
O racioc�nio ap�ia-se, de um lado, em um equ�voco e, de outro, em uma vis�o doutrin�ria dos dilemas de nossa democracia. Ao contr�rio do que sustentam os defensores do status quo, o chamado "distrital misto" n�o � um sistema majorit�rio, mas uma variedade de sistema proporcional, pois o n�mero de cadeiras que cabe a cada partido depende dos votos dados � lista partid�ria e � definido pela aplica��o de uma das mesmas f�rmulas usualmente utilizadas para traduzir votos em cadeiras.
Essa quota de cadeiras, definida segundo crit�rio proporcional, ser� preenchida parte pelos candidatos eleitos em distritos uninominais, a� sim segundo crit�rio majorit�rio, e parte pelos candidatos que comp�em a lista partid�ria. N�o � por outro motivo que fora do Brasil esse sistema � chamado proporcional personalizado, para n�o deixar d�vidas sobre o princ�pio de representa��o no qual se inspira.
Em uma compara��o entre sistemas proporcionais, no que respeita ao grau de fidelidade com que traduzem a vontade do eleitorado, a Alemanha, que adota o sistema proporcional personalizado, s� � superada pela �ustria e situa-se acima da Holanda, B�lgica e It�lia, famosos pelo seu zelo em representar minorias.
O desconhecimento do que realmente est� em pauta no debate sobre a reforma eleitoral � em si espantoso, mas n�o � a falha mais grave do cientista pol�tico Renato Lessa e de muitos dos que como ele se op�em � proposta reformista. O engano maior � situar a discuss�o no terreno et�reo da doutrina democr�tica, sem referi-la aos dilemas concretos que a democracia enfrenta no Brasil de hoje.
� claro que qualquer democracia que se preze deve possibilitar a competi��o pol�tica e assegurar o direito de representa��o de interesses e opini�es presentes na sociedade. Entretanto, ela tem que fazer mais: precisa produzir governos com lastro parlamentar suficiente para poder definir e implementar pol�ticas. E isso depende tanto da exist�ncia de sistemas partid�rios solidificados, quanto de sistemas eleitorais capazes de produzir maiorias governantes. As institui��es pol�ticas -formas de governo, sistemas de partidos, regras eleitorais-, de maneiras e em graus diversos, d�o corpo a esses prop�sitos b�sicos.
Reformas pol�ticas, ainda que assentadas em princ�pios, n�o s�o motivadas por querelas doutrin�rias e s� podem ser avaliadas pela sua adequa��o nos problemas que pretendem resolver. A democracia brasileira n�o padece de d�ficit de representa��o ou de falta de competi��o pol�tica. Seu problema � outro: produzir governos operantes e estruturas partid�rias capazes de ordenar a competi��o eleitoral e construir coaliz�es governantes est�veis e eficazes.
Para tanto, � conveniente diminuir a fragmenta��o extrema que caracteriza nosso sistema de partidos e fortalecer os partidos como organiza��o. Esta � a raz�o para substituir o velho sistema proporcional puro por uma f�rmula que, sem bloquear a representa��o das minorias de alguma densidade eleitoral, contribua para a concentra��o do sistema de partidos.
Esse n�o � um projeto das oligarquias e de seus an�es -que sempre se deram muito bem no sistema proporcional. � o projeto de todos aqueles que sabem que uma democracia de massas, como a que estamos construindo, em terreno minado pela crise e pelas desigualdades sociais, requer governos eficazes, maiorias est�veis, parlamentos atuantes e um sistema de partidos mais vertebrado.

Texto Anterior: A regenera��o pelo voto
Pr�ximo Texto: Elucidativos e assustadores; Patrulhamento petista; Como ser calhorda; Instituto Ulysses; Qu�rcia; S�rgio Macaco; Aritm�tica eleitoral; Campanha da camisinha; O amigo da bola; Voto obrigat�rio; Obras de Maluf; Aplauso radical
�ndice


Clique aqui para deixar coment�rios e sugest�es para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manh� S/A. Todos os direitos reservados. � proibida a reprodu��o do conte�do desta p�gina em qualquer meio de comunica��o, eletr�nico ou impresso, sem autoriza��o escrita da Folhapress.