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30/12/2001
-
06h30
PAULO PEIXOTO
da Ag�ncia Folha, no Vale do Jequitinhonha (MG)
No Vale do Jequitinhonha, a regi�o semi-�rida de Minas Gerais que � uma das mais miser�veis do Brasil, a pobreza e a fome t�m novas caras e moldam novas hist�rias todos os dias.
H� oito anos, a Ag�ncia Folha percorreu o vale atr�s de personagens para o caderno especial Fome, publicado pela Folha em dezembro de 1993, ap�s o lan�amento de campanha de combate � mis�ria pelo soci�logo Herbert de Souza, o Betinho (1935-97).
Agora, a reportagem voltou aos locais visitados para registrar o destino daquelas pessoas. Encontrou tr�s. E outros casos, que d�o a dimens�o humana dos n�meros do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica), que, no censo rec�m-divulgado, aponta o vale como a regi�o
com maior n�mero de fam�lias sem-renda do pa�s, depois do Nordeste.
O lavrador Dumarin Pereira Santos, 26, continua desempregado, com trabalhos espor�dicos. Maria Jos� Costa e Laura Rita Martins ficaram vi�vas. Continuam fazendo o mesmo: uma trabalha na lavoura e outra vende
doces.
O Censo 2000 apontou que 22.316 (14,1%) chefes das 157.799 resid�ncias da regi�o n�o tinham nenhuma renda.
Isso significa que eles estavam exclu�dos de qualquer assist�ncia governamental, j� que foram consideradas renda aposentadorias e pens�es pagas pelo INSS e programas de renda m�nima dos governos estaduais e federal, como o Bolsa-Escola.
Considerando a m�dia de quatro pessoas por resid�ncia, s�o ao menos 90 mil pessoas do vale na indig�ncia, ou 13,2% da popula��o dele -no in�cio dos anos 90, esse dado n�o estava dispon�vel, o que impede a compara��o.
As outras cinco regi�es brasileiras com maior n�mero de sem-renda, dentre as 21 com menor renda m�dia, eram o sert�o alagoano (20,5%), o agreste potiguar (20,4%), o agreste alagoano (18%), o sert�o sergipano (16,1%) e o norte cearense (16%).
O Vale do Jequitinhonha tamb�m ocupa a 21� coloca��o entre as mesorregi�es (agrupamento de microrregi�es) com menor rendimento mensal dos respons�veis pelos domic�lios: R$ 309,08. A m�dia brasileira � de R$ 769.
Amarino
A Ag�ncia Folha tentou encontrar Amarino Santos Jr., 14, o garoto que, ent�o com seis anos, teve sua foto estampada no Fome.
A refer�ncia inicial foi o munic�pio de Minas Novas, mais precisamente na divisa dos povoados de Borges e Tabuleiro de Cansan��o, a 60 km da sede do munic�pio, lugarejos que na �poca tinham a maior concentra��o de doen�a de Chagas do pa�s e continuam sendo uns dos mais pobres da regi�o.
H� dois anos, Amarino -ou Amauri, como consta na sua inscri��o escolar- deixou o vale e foi para Ribeir�o Preto (SP) com sua m�e, Rosa Pereira Santos.
Amarino foi criado em situa��o de indig�ncia pela av�, Ana Mendes, e pelo tio Dumarin Santos, que eram pedintes. Aos seis meses, Amarino foi deixado por sua m�e, que foi tentar a sorte em S�o Paulo. O seu pai � um personagem desconhecido. Rosa n�o deu not�cias at� o fim de 99, quando soube que Ana Mendes, sua m�e, havia morrido dois anos antes.
Por meio de uma r�dio comunit�ria de Ribeir�o Preto, Rosa, a m�e de Amarino, conseguiu manter o primeiro contato indireto com a fam�lia, depois de 11 anos que n�o aparecia na regi�o. O servi�o de assist�ncia social da prefeitura localizou Amarino e levantou a situa��o de pen�ria em que ele vivia com o tio. Rosa, ent�o, foi orientada a busc�-lo.
O reencontro da m�e com o filho, que n�o a conhecia, foi registrado em fotografias pela ent�o coordenadora do Servi�o Social de Minas Novas, D�a Coelho. Trabalhando em casas de fam�lia na cidade paulista, casada e com mais tr�s filhos, Rosa levou Amarino para uma nova vida.
Ele foi embora e deixou para tr�s o tio Dumarin, que o criou. Foi sem se despedir. "Eu estava na lavoura de caf�, em Capelinha. Quando cheguei aqui, 15 dias depois, fiquei muito sentido. Mesmo com a falta que passamos, eu estava acostumado com ele", disse Dumarin.
Os g�meos
O menino deixou tamb�m para tr�s, na pobreza, os seus primos, que moram em barraco pr�ximo ao do tio, que foi constru�do h� seis anos com a ajuda de uma organiza��o n�o-governamental dos Estados Unidos. Eram oito primos at� a partida do garoto. Em novembro, nasceram os g�meos Cl�ia e Clei.
Sandra, 12, e Clarice, 10, irm�s deles, cuidam dos rec�m-nascidos. Cl�ia e Clei t�m a pele amarelada, aparentando desnutri��o.
Os dez filhos vivem com os pais, Ant�nio Pereira Santos, 43, e Maria Rosa, 39, que tem doen�a de Chagas. Ela conta que o marido, irm�o de Rosa e Dumarin, tem problemas de coluna e, por isso, n�o pode trabalhar.
A comida que entra na casa � comprada com o dinheiro mensal dos programas Bolsa-Escola dos governos de Minas (R$ 70) e federal (R$ 45), renda que passou a existir apenas neste ano. "Esse dinheiro est� sendo muito �til. Sem ele era muito dif�cil, vivia de ajuda", disse Maria Rosa. Ningu�m na fam�lia tem trabalho remunerado. Maria Rosa, os filhos mais velhos -Sandro, 21, Lorivaldo, 18, Guelesmino, 16, e Edivaldo, 14- e o cunhado Dumarin cuidam da pequena ro�a da fam�lia.
Seca
A vida na regi�o depende da �gua, mas ela � escassa. Predominam no m�dio Jequitinhonha (que abrange cidades como Minas Novas, Berilo, Chapada do Norte e Francisco Badar�) os minif�ndios, com m�o-de-obra familiar. A maioria das fam�lias da zona rural possui pequenos lotes de terra, mas, como a regi�o � seca, muito pouco � produzido.
Come�ou a chover em novembro, ap�s quase um ano de seca. Maria Rosa e Dumarin esperam colher 18 quilos de feij�o e 14 sacos de milho. Tudo ser� estocado.
Enquanto os filhos mais velhos ajudam na ro�a, os mais novos estudam. Sandra (5� s�rie), Clarice (2�) e Ad�lson (1�) nunca tiveram um brinquedo. "Eu n�o tenho. Brinco de roda", diz Sandra.
Mis�ria se repete no Vale do Jequitinhonha com novos personagens
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da Ag�ncia Folha, no Vale do Jequitinhonha (MG)
No Vale do Jequitinhonha, a regi�o semi-�rida de Minas Gerais que � uma das mais miser�veis do Brasil, a pobreza e a fome t�m novas caras e moldam novas hist�rias todos os dias.
H� oito anos, a Ag�ncia Folha percorreu o vale atr�s de personagens para o caderno especial Fome, publicado pela Folha em dezembro de 1993, ap�s o lan�amento de campanha de combate � mis�ria pelo soci�logo Herbert de Souza, o Betinho (1935-97).
Agora, a reportagem voltou aos locais visitados para registrar o destino daquelas pessoas. Encontrou tr�s. E outros casos, que d�o a dimens�o humana dos n�meros do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica), que, no censo rec�m-divulgado, aponta o vale como a regi�o
com maior n�mero de fam�lias sem-renda do pa�s, depois do Nordeste.
O lavrador Dumarin Pereira Santos, 26, continua desempregado, com trabalhos espor�dicos. Maria Jos� Costa e Laura Rita Martins ficaram vi�vas. Continuam fazendo o mesmo: uma trabalha na lavoura e outra vende
doces.
O Censo 2000 apontou que 22.316 (14,1%) chefes das 157.799 resid�ncias da regi�o n�o tinham nenhuma renda.
Isso significa que eles estavam exclu�dos de qualquer assist�ncia governamental, j� que foram consideradas renda aposentadorias e pens�es pagas pelo INSS e programas de renda m�nima dos governos estaduais e federal, como o Bolsa-Escola.
Considerando a m�dia de quatro pessoas por resid�ncia, s�o ao menos 90 mil pessoas do vale na indig�ncia, ou 13,2% da popula��o dele -no in�cio dos anos 90, esse dado n�o estava dispon�vel, o que impede a compara��o.
As outras cinco regi�es brasileiras com maior n�mero de sem-renda, dentre as 21 com menor renda m�dia, eram o sert�o alagoano (20,5%), o agreste potiguar (20,4%), o agreste alagoano (18%), o sert�o sergipano (16,1%) e o norte cearense (16%).
O Vale do Jequitinhonha tamb�m ocupa a 21� coloca��o entre as mesorregi�es (agrupamento de microrregi�es) com menor rendimento mensal dos respons�veis pelos domic�lios: R$ 309,08. A m�dia brasileira � de R$ 769.
Amarino
A Ag�ncia Folha tentou encontrar Amarino Santos Jr., 14, o garoto que, ent�o com seis anos, teve sua foto estampada no Fome.
A refer�ncia inicial foi o munic�pio de Minas Novas, mais precisamente na divisa dos povoados de Borges e Tabuleiro de Cansan��o, a 60 km da sede do munic�pio, lugarejos que na �poca tinham a maior concentra��o de doen�a de Chagas do pa�s e continuam sendo uns dos mais pobres da regi�o.
H� dois anos, Amarino -ou Amauri, como consta na sua inscri��o escolar- deixou o vale e foi para Ribeir�o Preto (SP) com sua m�e, Rosa Pereira Santos.
Amarino foi criado em situa��o de indig�ncia pela av�, Ana Mendes, e pelo tio Dumarin Santos, que eram pedintes. Aos seis meses, Amarino foi deixado por sua m�e, que foi tentar a sorte em S�o Paulo. O seu pai � um personagem desconhecido. Rosa n�o deu not�cias at� o fim de 99, quando soube que Ana Mendes, sua m�e, havia morrido dois anos antes.
Por meio de uma r�dio comunit�ria de Ribeir�o Preto, Rosa, a m�e de Amarino, conseguiu manter o primeiro contato indireto com a fam�lia, depois de 11 anos que n�o aparecia na regi�o. O servi�o de assist�ncia social da prefeitura localizou Amarino e levantou a situa��o de pen�ria em que ele vivia com o tio. Rosa, ent�o, foi orientada a busc�-lo.
O reencontro da m�e com o filho, que n�o a conhecia, foi registrado em fotografias pela ent�o coordenadora do Servi�o Social de Minas Novas, D�a Coelho. Trabalhando em casas de fam�lia na cidade paulista, casada e com mais tr�s filhos, Rosa levou Amarino para uma nova vida.
Ele foi embora e deixou para tr�s o tio Dumarin, que o criou. Foi sem se despedir. "Eu estava na lavoura de caf�, em Capelinha. Quando cheguei aqui, 15 dias depois, fiquei muito sentido. Mesmo com a falta que passamos, eu estava acostumado com ele", disse Dumarin.
Os g�meos
O menino deixou tamb�m para tr�s, na pobreza, os seus primos, que moram em barraco pr�ximo ao do tio, que foi constru�do h� seis anos com a ajuda de uma organiza��o n�o-governamental dos Estados Unidos. Eram oito primos at� a partida do garoto. Em novembro, nasceram os g�meos Cl�ia e Clei.
Sandra, 12, e Clarice, 10, irm�s deles, cuidam dos rec�m-nascidos. Cl�ia e Clei t�m a pele amarelada, aparentando desnutri��o.
Os dez filhos vivem com os pais, Ant�nio Pereira Santos, 43, e Maria Rosa, 39, que tem doen�a de Chagas. Ela conta que o marido, irm�o de Rosa e Dumarin, tem problemas de coluna e, por isso, n�o pode trabalhar.
A comida que entra na casa � comprada com o dinheiro mensal dos programas Bolsa-Escola dos governos de Minas (R$ 70) e federal (R$ 45), renda que passou a existir apenas neste ano. "Esse dinheiro est� sendo muito �til. Sem ele era muito dif�cil, vivia de ajuda", disse Maria Rosa. Ningu�m na fam�lia tem trabalho remunerado. Maria Rosa, os filhos mais velhos -Sandro, 21, Lorivaldo, 18, Guelesmino, 16, e Edivaldo, 14- e o cunhado Dumarin cuidam da pequena ro�a da fam�lia.
Seca
A vida na regi�o depende da �gua, mas ela � escassa. Predominam no m�dio Jequitinhonha (que abrange cidades como Minas Novas, Berilo, Chapada do Norte e Francisco Badar�) os minif�ndios, com m�o-de-obra familiar. A maioria das fam�lias da zona rural possui pequenos lotes de terra, mas, como a regi�o � seca, muito pouco � produzido.
Come�ou a chover em novembro, ap�s quase um ano de seca. Maria Rosa e Dumarin esperam colher 18 quilos de feij�o e 14 sacos de milho. Tudo ser� estocado.
Enquanto os filhos mais velhos ajudam na ro�a, os mais novos estudam. Sandra (5� s�rie), Clarice (2�) e Ad�lson (1�) nunca tiveram um brinquedo. "Eu n�o tenho. Brinco de roda", diz Sandra.
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