Millennial, até outro dia, era considerada a nova geração do jovem irritante. Hoje, é o novo coroa irritante e irritado com a nova geração.
Sou uma Old Millennial, o grupo mais velho dos novos coroas. O que nos diferencia dos jovens coroas é termos passado a infância e parte da juventude sem internet.
Minha infância foi bem analógica. Cresci sem internet, streaming e redes sociais. Mas tinha TV aberta ligada 24 horas por dia, com uma variedade de conteúdo que ia do Programa Livre ao Aqui Agora. Do Rá-tim-bum à Banheira do Gugu.
Lembrei do meu cardápio cultural de infância quando vi um grupo de "influencers" —também Millennials, um pouco mais "young" que eu— se revoltarem contra o show da Madonna em Copacabana.
Com as mãos unidas em forma de oração, uma delas reclamou do fato de Madonna não representar os "valores" delas. Outra, que se define como especialista em comunicação digital, mas vende creme capilar, acusou a Rainha do Pop de "chocar para chamar atenção" e que o brasileiro é "carente de ídolos". Em seguida, fez um #publipost da Calvin Klein.
O que causa surpresa não é o tom moralista dessas jovens mulheres —nem tão jovens, Millennials também. Nem a definição de "valores" por quem nasceu muito rico com acúmulo de valores sonegados e superfaturamento.
São essas "celebridades", cujo talento é mostrar a vida para vender tranqueira na internet, se fingirem chocadas com um show da Madonna.
Fui criada em uma família católica. Fiz catecismo e frequentava missa com minha avó. Ao mesmo tempo, assistia a artista seminu caçando sabonete na Banheira do Gugu, sushi erótico no Faustão e cadáver boiando no Aqui Agora. Um pouco de salada, um pouco de droga (não sei o que era salada).
Todo domingo, o Brasil assistia no Fantástico a algum clipe da Madonna beijando santo, tacando fogo em cruz e batendo siririca, muito antes de essas influencers sujarem seus vestidinhos Daslu Baby com cocô.
Vivemos uma tragédia humanitária no Rio Grande do Sul, com centenas de mortos, prejuízos incalculáveis, população em condições precárias. Mesmo assim, a influencer moderna prefere usar seu engajamento e acesso a milhões de pessoas para atacar uma mulher e reprimir sexualmente outras milhares.
Talvez seja para esquecer que, na matéria "valores", elas só têm dinheiro.
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