Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, nenhum nome científico de animal causou mais polêmica do que Anophthalmus hitleri, uma designação que descreve um besouro carabídeo raro, de cor âmbar, que habita algumas cavernas úmidas no centro da Eslovênia.
O problema não é o nome do gênero, Anophthalmus, que denota que, assim como outros besouros de caverna que vivem na escuridão perpétua, este não tem olhos. O que muitos zoólogos acham repugnante é o nome da espécie, hitleri, que um colecionador de insetos austríaco deu ao besouro em 1937 em homenagem a Adolf Hitler, apesar das ações implacáveis e racistas do líder, incluindo a Noite das Facas Longas em 1934 e as Leis Raciais de Nuremberg de 1935, com o Holocausto ainda por vir.
Apropriadamente, Anophthalmus hitleri, ou "Hitler sem olhos", é um predador significativo que Doug Yanega, um entomologista da Universidade da Califórnia, Riverside, disse que provavelmente está no topo da cadeia alimentar dos microanimais e "come qualquer coisa menor e mais fraca que ele". Ainda assim, a conexão com o déspota foi considerada tão desagradável que, quando a criatura foi apresentada em um selo postal iugoslavo em 1984, seu nome em latim foi retido.
Hoje em dia, o chamado besouro Hitler está no centro de um debate acirrado entre cientistas sobre se animais com nomes biológicos objetáveis devem receber novos nomes. A nomenclatura zoológica segue um código que diz que o nome válido de um organismo é aquele que foi usado primeiro e, porque a convenção evita mudanças, A. hitleri tem perdurado. Um nome só pode ser alterado em circunstâncias extremas, relacionadas ao desenvolvimento do conhecimento científico, mas nomes insensíveis dados no passado têm sido imutáveis.
Ainda assim, alguns estudiosos propuseram apagar nomes considerados ofensivos ou excludentes ou que comemoram racistas, colonizadores e os membros mais monstruosos da espécie humana. Entre os nomes mais problemáticos estão Hypopta mussolinii, uma mariposa líbia nomeada em homenagem ao ditador italiano Benito Mussolini, e Hibbertia, um gênero de flores guiné australianas batizado em homenagem a George Hibbert, um patrono da botânica que enriqueceu com o comércio transatlântico de escravos.
Há até pedidos para abandonar completamente a prática de nomear animais com nomes de pessoas reais ou fictícias. A Sociedade Ornitológica Americana recentemente divulgou que, "em um esforço para corrigir erros do passado", começará a mudar os nomes comuns em inglês das aves que são nomeadas em homenagem a indivíduos.
"Em geral, os epônimos historicamente não têm sido especialmente úteis cientificamente", disse May Berenbaum, uma entomologista da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign. "Eles geralmente fornecem pouca informação sobre a aparência ou hábitos do inseto que está sendo nomeado". Mas ela observou que Megapropodiphora arnoldi, uma mosca aparentemente musculosa, se assemelha um pouco a Arnold Schwarzenegger, além de ter apenas 0,395 milímetros de comprimento.
O Código do Zoólogo
O Sistema de Classificação Binomial é a base para catalogar a vida na Terra. O sistema foi formalizado em 1753 pelo botânico sueco Carl Linnaeus, cujas próprias contribuições taxonômicas questionáveis incluíam "Penicillus penis", um molusco, e "Labia minor", um inseto dermaptera. "O privilégio do velho branco é clássico", disse Berenbaum.
Em janeiro, a Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica, que arbitra a taxonomia das espécies animais, anunciou que não consideraria renomeações baseadas em ética. Um artigo publicado pela comissão no Journal of the Linnean Society declarou que a estabilidade na nomenclatura científica seria prejudicada se os nomes das espécies fossem alterados por causa de modismos culturais, resultando em confusão generalizada.
Um grupo de estudiosos reagiu a isso no verão, argumentando no jornal que a taxonomia deve ser socialmente responsável e responsiva, e que a comissão dá prioridade erroneamente à tradição em relação à ética. "A decisão é um exemplo perfeito, infelizmente, de cientistas tentando ignorar o mundo ao seu redor", disse Christopher J. Bae, um antropólogo da Universidade do Havaí em Manoa. "Felizmente, há um número crescente de cientistas, especialmente aqueles do sul global que tradicionalmente foram sub-representados nesses debates, que estão começando a se manifestar sobre essas questões."
Um desses cientistas é Estrela Figueiredo, uma botânica do Herbarium Ria Olivier da Universidade Nelson Mandela, na África do Sul. "Em que outras esferas do empreendimento humano algo ainda é nomeado em homenagem a Hitler?", ela disse. "Os critérios devem mudar e se adaptar como o resto da sociedade".O Código Zoológico determina que nenhum autor deve propor um nome que, segundo seu conhecimento ou crença razoável, seja provavelmente ofensivo por qualquer motivo. O cumprimento desta advertência é voluntário e subjetivo. "A retrospectiva transformou muitos nomes que não eram ofensivos no passado em nomes que são ofensivos agora", disse Yanega. "Mas tentar reescrever ou suprimir a história é um desserviço à história, e a censura pode causar tanto mal quanto bem."
Frank-Thorsten Krell, membro da comissão zoológica, observou que o nome do besouro Hitler até agora não foi contestado por meio de procedimentos oficiais. Reclamações ocasionais foram divulgadas na imprensa, disse ele, mas ninguém nunca apresentou um caso para mudá-lo.
Max Barclay, curador do Museu de História Natural de Londres, acredita que é melhor combater nomes de espécies repreensíveis, como os entomologistas italianos fizeram há cinco anos, quando encontraram um besouro de caverna intimamente relacionado ao A. hitleri. Os pesquisadores o nomearam de Duvalius owensi em homenagem a Jesse Owens, o atleta negro americano que destruiu sozinho o mito da supremacia ariana de Hitler ao ganhar quatro medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Verão de 1936 em Berlim.
"Isso foi um tapa deliberado na cara de Hitler", disse Barclay, "mas feito com humor e honrando alguém merecedor, em vez de adotar a abordagem puritana e autoritária de mudar nomes inadequados."
'Uma Expressão da Minha Admiração'
Anophthalmus hitleri foi descoberto na antiga Iugoslávia em 20 de junho de 1932, quatro meses depois que Hitler, nascido na Áustria, se tornou cidadão alemão e quatro dias antes de ele exigir, como líder do Partido Nazista, que o governo declarasse lei marcial na Alemanha. O descobridor, um naturalista chamado Vladimir Kodric, encontrou o inseto em uma caverna chamada Pekel (palavra que, traduzida, significa inferno) perto da cidade de Celje, na atual Eslovênia. O espécime agora está exposto atrás de vidro no Museu de História Natural de Basel, na Suíça.
Kodric enviou o espécime para Oskar Scheibel, um engenheiro ferroviário cujo hobby era a coleopterologia, o estudo de besouros. Scheibel estava convencido de que o inseto representava uma nova espécie, mas atrasou a publicação da notícia para ter certeza disso. Em 1937, com Hitler firmemente estabelecido como chanceler, Scheibel voltou atrás em uma promessa de nomear o besouro em homenagem a Kodric e o registrou como Anophthalmus hitleri. Ele então notificou a chancelaria em Berlim sobre o inseto e seu novo nome. (Alguns especialistas sugeriram que Scheibel pode ter zombado de Hitler ao nomear um inseto cego em sua homenagem, mas a descrição acompanhante diz: "Dado ao Chanceler do Reich Adolf Hitler como uma expressão da minha admiração".)
Dada a predileção de Hitler por besouros —em 1933, ele encomendou a Ferdinand Porsche o projeto do "carro do povo" (volkswagen, em alemão), que se tornou o Fusca— não é surpreendente que a homenagem tenha agradado ao líder nazista, que enviou a Scheibel um agradecimento. Curiosamente, ofertas contemporâneas de introduzir variedades de uma rosa e de um morango nomeados em homenagem a Hitler não prosperaram. De acordo com o livro de 2019 de Michael Ohl, "A Arte de Nomear", Hans Heinrich Lammers, chefe da Chancelaria do Reich, rejeitou ambos os pedidos, informando às partes interessadas que, "após cuidadosa consideração", Hitler "solicita que um nome em sua honra não seja usado".
Hitler tinha opiniões fortes sobre como os animais deveriam ser chamados. Em 1942, a Sociedade Alemã de Mastozoologia aprovou uma resolução para substituir os nomes comuns para morcegos (Fledermaus) e musaranhos (Spitzmaus), argumentando que nenhum deles era uma maus, ou rato. A decisão da sociedade recebeu uma resposta rápida de Martin Bormann, secretário particular de Hitler. Por ordem do Führer indignado, Bormann instruiu Lammers a "comunicar às partes responsáveis, de forma inequívoca, que essas mudanças de nome devem ser revertidas imediatamente".
A mensagem continuava: "Caso os membros da Sociedade de Mastozoologia não tenham nada mais essencial para contribuir para o esforço de guerra ou algo mais inteligente para fazer, talvez uma temporada prolongada no batalhão de construção no front russo possa ser arranjada".
Mania do Besouro
Hoje, graças à notoriedade de Hitler, o besouro que leva seu nome está ameaçado de extinção. Em 2006, a popular revista alemã Der Spiegel revelou que quase todos os espécimes preservados na Coleção Estadual de Zoologia da Baviera, em Munique, haviam sido roubados. Para espanto da comunidade de coleopterologia, o besouro se tornou um troféu cobiçado entre colecionadores de memorabilia nazista, que capturam os insetos em cavernas e os vendem no mercado negro por até US$ 2.000 cada. Para proteger seus besouros repentinamente populares, a Eslovênia promulgou legislação contra a coleta de insetos em áreas protegidas e o comércio de espécies protegidas como A. hitleri. Barclay, o curador do museu britânico e co-autor de "Besouros do Mundo: Uma História Natural", é cético em relação à histeria da extinção. Como alguém poderia estimar a população de A. hitleri, muito menos determinar com qualquer credibilidade que ela estava diminuindo?
Barclay desafiou qualquer um a fazer um diagrama de Venn dos "entomologistas habilidosos", "espeleólogos habilidosos" (exploradores de cavernas) e "neo-nazistas". Ele perguntou: "Quantas pessoas estão na interseção desses três círculos pequenos?" Ele disse que apenas pessoas com todas as três características representavam um risco para o besouro.
"Eu suspeito que ninguém se encaixe nessa interseção", disse ele. "Conheço todos os bons entomologistas capazes de encontrá-los e reconhecê-los, e tenho quase certeza de que nenhum deles é nazista e apenas dois ou três já estiveram em uma caverna."
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