Pergaminho antigo revela nova versão sobre a morte de Platão

Rolos de papiro carbonizados guardam muitas informações ainda desconhecidas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Bert van den Berg

Professor na Universidade de Leiden

The Conversation

Platão (429-347 a.C.) talvez seja um dos filósofos mais famosos de todos os tempos. Ele foi o pensador que criou a teoria das formas e fundou a primeira instituição acadêmica. No entanto, sabemos pouco sobre sua vida, como, por exemplo, como ele morreu ou até mesmo onde está enterrado.

Mas uma nova pesquisa recente em papiros de Herculano realizada pelo The Greek Philosophical Schools-project na Itália forneceu novas respostas a essas perguntas.

Os rolos de papiro carbonizados, descobertos no século 18 em uma vila romana localizada perto de Herculano (entre Nápoles e Pompeia) e conhecida como Villa dei Papyri, contêm muito conhecimento que ainda não descobrimos.

.
Estátua de Platão feita por Leonidas Drosis (1836-1882) nos jardins da Academia de Atenas - George E. Koronaios/Wikimedia Commons

O proprietário da biblioteca parece ter tido um grande interesse pela filosofia grega, especialmente a de Epicuro, e colecionou uma quantidade substancial de rolos de papiro.

A leitura dos 1.800 pergaminhos, porém, mostrou-se bastante desafiadora. Embora sua carbonização após a erupção do Vesúvio em 79 d.C. tenha preservado os pergaminhos, eles são muito frágeis e muito problemáticos para serem desenrolados.

Entre esses pergaminhos está um livro do filósofo epicurista Filodemo de Gadara (século 1º a.C.) sobre a história da filosofia grega, com o título "Arrangement of the Philosophers".

Nos últimos dois séculos, várias edições do livro foram publicadas, embora grande parte dos textos tenha permanecido ilegível. Contudo, graças à imagem hiperespectral, tornou-se possível distinguir entre a tinta preta e a superfície escura do papiro carbonizado. Agora podemos ler em torno de 30% a mais do que conseguíamos anteriormente.

Essa parte recém-acessível sobre a história da escola de Platão, a Academia, inclui informações sobre a localização do túmulo de Platão e sua morte por volta de 348 a.C..

A partir de outras fontes, já havíamos percebido que Platão foi enterrado em algum lugar no terreno da Academia, uma área semelhante a um parque semipúblico fora dos muros da cidade da antiga Atenas, que Platão havia comprado e onde mantinha sua escola.

De acordo com a nova edição do papiro, parece que Platão "foi enterrado no jardim próximo ao 'mouseion'". Esse jardim era uma parte mais privada da Academia, enquanto o "mouseion" se refere a um santuário das musas, as deusas da música e da harmonia, que o próprio Platão havia erguido.

No entanto, antes que as pessoas saiam correndo para cavar o túmulo de Platão, é preciso uma palavra de cautela. Como o editor do texto, o classicista italiano Kilian Fleischer, admite com franqueza acadêmica, sua leitura da palavra grega crucial "etaphê" ("foi enterrado") não é de forma alguma certa.

Seja como for, um local próximo ao "mouseion" seria bastante adequado, pois a música desempenha um papel importante na filosofia de Platão. Em sua grande obra "A República", Platão insiste no lugar da música na educação dos jovens.

Ouvir o tipo certo de música e, especialmente, os ritmos certos, teria uma influência benéfica sobre a alma, segundo ele. Em sua obra final, "Leis", Platão usa a expressão "mousikos anêr", literalmente "um homem das musas", para se referir a um homem que possui uma educação de elite, do tipo que era promovido pela Academia.

A predileção de Platão pelas musas lança luz sobre a história de Filodemo a respeito da morte de Platão, outra parte do papiro que agora podemos ler muito melhor.

De acordo com Filodemo, no final da vida de Platão, ele desenvolveu uma febre e caiu em um estado delirante. Quando uma moça trácia, que estava tocando flauta —talvez para confortá-lo– errou o ritmo, Platão pareceu recuperar a consciência e reclamou que a moça, por causa de sua origem bárbara (provavelmente não grega), não conseguia acertar.

A troca de palavras foi muito do agrado da companheira de Platão, que, a partir desse breve reavivamento, concluiu que a condição de Platão não era tão crítica assim. Mesmo assim, ele morreu pouco tempo depois.

Essa não é a única história que temos sobre a morte de Platão. De acordo com Diógenes Laércio, autor de outra história da filosofia grega intitulada "Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres", Platão morreu em um banquete de casamento ou, alternativamente, por causa de piolhos.

Então, qual é a probabilidade de a história específica de Filodemo, para a qual não conhecemos outras fontes, ser verdadeira?

Há motivos para suspeitar. A morte dos filósofos antigos deveria refletir suas vidas e ensinamentos. Caso contrário, a posteridade ficaria feliz em inventar uma cena apropriada para o leito de morte.

Assim, essa história recém-descoberta sobre como Platão, mesmo em seu estado febril, permaneceu um juiz perspicaz de todas as coisas musicais, um verdadeiro servo das musas, provavelmente nos diz mais sobre como a Academia desejava se lembrar de seu fundador do que como ele realmente morreu.

Este texto foi publicado no The Conversation. Clique aqui para ver a versão original

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.