Manual Prático do Novo Samba Tradicional
Nada pode parar Marcelo D2. E não é de hoje. Desde que surgiu na cena com o Planet Hemp, há mais de 20 anos, a carreira deste original rapper, das ruas cariocas e brasileiras, só evolui. Desde a mistura original de punk-rock com o rap, depois com o samba, com a MPB, do morro com o asfalto, com o mundo, sem nunca perder o chão. Nessa caminhada, D2 já levou a sua música a cerca de 25 países, sem precisar de tradução simultânea. O groove contagia os corpos em qualquer parte do planeta.
Agora, Marcelo Maldonado Peixoto volta às origens com o sexto álbum solo, Nada Pode Me Parar, no qual mergulha com alegria e propriedade no rap, no hip-hop, moderno ou old skool, dando um tempinho do samba (mas não completamente) que foi um elemento
importante de seus discos anteriores – que culminou com um inteiramente dedicado a Bezerra da Silva. D2 flana pelas quebradas de sua cidade maravilhosa, e pelo mundo, sem esquecer de onde veio.
– O título surgiu quando eu estava relembrando do Skunk (o falecido cofundador do Planet Hemp), mexendo numas coisas dele. E tinha lá o disco do Thaíde (rapper paulistano). E, nesse disco, tem a música “Nada pode me parar”. Aí, lembrei que tinha uma frase do Thaíde que o Skunk escreveu na parede da quitinete onde eu morava no Catete: “Eu já caí no chão, só que me levantei/ Eu faço meu sistema, eu dito minha lei/ Nada pode me parar”. Tinha tudo a ver, conta D2.
Como já era evidente nos trabalhos anteriores de Marcelo D2, este novo trabalho, em vários momentos, também soa bastante autobiográfico. Mas, parece que, desta vez, isso foi ainda mais fundo. Como em Na veia, por exemplo, na qual D2 presta tributo à sua cidade amada, o Rio de Janeiro, relembrando de bons momentos de seu passado. Ele relembra também – ao longo de várias letras no disco – de suas andanças pelo mundo, de avião, ônibus, de trem, como for. Por Amsterdam, Barcelona, Chile, Tóquio, Nova York, Los Angeles, Toronto. “É só botar o jeans, calçar o tênis e sair por aí”. Como diz, justamente, em Vou por aí, a música que fecha o disco, como que o resumindo.
– Esse foi o trabalho mais autobiográfico, sim. Fiz umas 32 faixas no total, mas as que ganharam mais força no final, as 15 que formaram o disco, foram as mais autorais, pessoais. Teve também um quê de querer contar a minha história pra esse público novo do rap. Afinal, há quase 20 anos do primeiro disco do Planet Hemp, e 10 do meu primeiro solo. Uma história tinha de ser contada, diz.
E essa história começou a ser contada há dois anos, como lembra o próprio Marcelo:
– Comecei a fazer as bases em 2011. Fui pra Florianópolis, aluguei uma casa, fiz um pequeno estúdio, fui criando as letras... Tem músicas como Eu já sabia, que são do começo de 2011, por exemplo. Mas como eu tinha acabado de lançar o disco do Bezerra (Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva), eu fui fazendo com calma, fui pegando bases com amigos, tudo foi acontecendo lentamente.
Nesse processo, D2 acabou travando contato com uma nova geração de fãs e admiradores, jovens rappers e beatmakers influenciados por seu trabalho que acabaram contribuindo com o novo disco:
– O Renan Saman, por exemplo, me mandou três bases (usadas nas faixas A cara do povo, 4:20 e Você diz que o amor não dói). Tem também beats do Papatinho, Beni & Jacksom e Nave.
Outros, ele conheceu via internet, como o Cookin’ Soul.
– Eles são espanhóis, produzem pra todo mundo, já fizeram beats até pro Jay Z e tal. Eles fazem uma parada mais old skool, anos 90, uma onda mixtape. Dessa troca, via twitter, surgiram as bases que entraram na faixa de abertura, MD2, e em Eu tenho o poder, tá ligado?
As conexões internacionais continuaram também ao vivo. Como a que aconteceu em 2011, quando ele foi tocar no prestigiado Summer Stage, do Central Park, em Nova York. Lá, ele conheceu Joya Bravo (que canta em Feeling good), o rapper Aloe Blacc (que está
em Danger zone) e Like, integrante do Pac Div, uma das bandas favoritas atuais de D2, que colabora na faixa Livre.
– E como eu estava com a banda toda lá, a gente acabou gravando Na veia em Nova York, no Electric Lady Studios (criado por Jimi Hendrix, onde já gravaram alguns dos maiores nomes da música).
O curioso é que a música mais carioca e de clima samba do álbum foi justamente gravada fora.
Os talentos locais também representam: Shock (do Start, banda do filho de D2), Stephan Peixoto (a.k.a. Sain), Batoré (do Cone Crew) e Akira Presidente – revelações da nova cena carioca – estão juntos na faixa Fella (cuja base é de Stephan). Bem como Versus, que participa em 4:20, e Stephan, que volta a comparecer, assinando Sain, em parceria com Helio Bentes em Eu já sabia.
– Essa galera é bem diferente de minha geração. Não seguem cartilha, são mais livres. E fazer uma música com essa nova geração foi bacana pra caramba, diz, com orgulho, D2.
Depois, ele pegou todas as demos, todos os clipes (que foi gravando ao longo de suas viagens nesse meio tempo), o DJ Nuts, e foi para Los Angeles, gravar tudo com o velho compadre Mario Caldato Jr.
– O Mario leva a música para um outro nível. A sonoridade dele é foda pra caralho. É um som espaçoso, amplo. Ele trabalha em camadas, como fazia com os Beastie Boys...
E rolaram até beats criados por Samantha Caldato, esposa de Mario, em Madame Bonfumé.
Durante suas andanças pelo mundo nos últimos dois anos, D2 foi filmando e produzindo clipes para cada uma das faixas do disco, com sua câmera digital HD. O material bruto está sendo organizado e dirigido por Gandja Monteiro.
– Três já estão prontos. A intenção é lançar um DVD com todos os clipes ainda este ano –planeja.
No fim das contas, caso o disco seja lançado no mercado internacional, D2 já tem a ideia de usar apenas as iniciais do título brasileiro, “NPMP”. E explica o porquê:
– Em inglês, ele ganhará uma nova leitura, já que NPMP também é abreviação de uma saudação comum (no problem, my pleasure), uma espécie de “tudo certo”.
Então, como se diz, formô!
Tom Leão