Inteligência artificial, cidades inteligentes, carros voadores, startups disruptivas e criptomoedas foram temas protagonistas em painéis e debates durante os três dias de duração do maior evento de inovação mundial, o Web Summit Rio. Permeando todos eles, entretanto, uma questão ficou clara nessa 13ª edição que terminou na semana passada, reunindo mais de 21 mil participantes de 91 países: a inovação deve ser inclusiva.
A nova onda tecnológica precisa retirar dos quartos dos fundos grande parcela da população negra, atualmente à margem de um mercado que deve movimentar só este ano US$ 4,6 trilhões, e trazê-la para a porta da frente dos negócios. Em resumo, a tecnologia deve estar a serviço das pessoas, incluindo aquelas de cores e gêneros diversos. Sem isso, ameaça gerar mais custos que soluções.
Iniciativas como Colorintech, Black Innovation Aliance (BIA), Inventivos e Black People Matters aportaram no universo tecnológico para mudar o cenário atual. O exemplo da realidade no Brasil não é muito diferente do observado em outros países. Aqui, 53,8% dos trabalhadores são pretos e pardos, mas ocupam apenas 29,5% dos cargos gerenciais, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizada em 2021 e divulgada no ano passado. Os brancos detêm 69% deles. O rendimento médio dos trabalhadores brancos era quase o dobro recebido por pretos e pardos e a proporção de pessoas pobres era de 18,6% entre os brancos e quase o dobro entre pretos e pardos.
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Tal fotografia levou os debates para discussões sobre a necessidade de inclusão tecnológica e de atenção de empresas ao vasto universo de consumidores pretos e LGBTQIA+. Pesquisa apresentada no evento pela B3 mostrou que dois em cada três consumidores preferem marcas e empresas que tenham valores com os quais se identifiquem. São reais, dólares e euros que estão em jogo. Só nas favelas brasileiras, o consumo é estimado em R$ 162 bilhões.
CEOs das organizações voltadas para inclusão racial tiveram história pessoal para contar e inspirar. Daí nasceram suas empresas, tendo como foco a tecnologia. Todas atuam para reduzir a assimetria de oportunidades entre brancos e negros no chamado ecossistema tecnológico de seus países, criando redes, fomentando investimentos em startups lideradas por pessoas negras, em empreendedorismo e capacitação. Kelly Burton, cientista política à frente da BIA, coalizão de 90 organizações, que já apoiou 400 mil empreendedores e inovadores negros nos Estados Unidos para desenvolverem seus negócios, ressaltou a importância de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de empreendedores.
Segundo ela, a questão é estrutural, a ponto de o Vale do Silício, referência global de inovação e tecnologia, ter sido concebido sem diversidade de gênero, sexual e racial. “Isso se reflete nos demais ecossistemas do mundo”, diz. Já a BIA foi concebida como uma rede de redes para que grupos sub-representados se sintam parte de algo maior. A proposta é unir profissionais negros da área de tecnologia em plataforma de conexão entre todos. Estes, a seu ver, formam o grupo com menos acesso a capital de risco, a financiamentos e passam longe das redes de relacionamento capazes de da acesso à alavancagem profissional. Hoje, à frente da BIA, já conseguiu US$ 8 milhões em parcerias com marcas globais.
A questão leva a outro tópico diretamente ligado à inclusão racial, que é o do consumo. Segundo a CEO do Box1824, Paula Englert, é preciso dimensionar o gap ligado à inclusão para mudar a realidade e atuar para atrair, reter e desenvolver pessoas.
Ashleigh Ainsley, ex-googler, também sentiu o incômodo de ser um dos poucos negros trabalhando no universo tecnológico. Com base nessa constatação, o empresário inglês fundou a Colorintech, organização sem fins lucrativos voltada para aumentar o número de negros em tecnologia - já deu oportunidade profissional para mais de duas mil pessoas desde 2016, quando foi criada - e visando tornar a Europa o centro tecnológico mais inclusivo do mundo.
Segundo ele, quanto maior a inclusão étnica, melhor para inovação de produtos, qualidade de trabalho e geração de riqueza. A atuação inclui grupos sub-representados, por meio de programas que permitem a seus fundadores acelerar seus negócios e obter primeiros clientes.
Todas as organizações que se apresentaram tinham cerca de quatro anos de vida. A continuar assim, nos próximos Web Summits, possivelmente, a plateia poderá ser mais diversa, já que nesta edição, segundo os organizadores, os palestrantes falaram para uma audiência quase integralmente branca.