No setor farmacêutico, a pesquisa, o desenvolvimento e a conquista da inovação demandam grandes investimentos e de longo prazo, colaboração entre diversas entidades e mobilização de recursos humanos em diferentes áreas. Desde a identificação de uma nova molécula até a chegada do medicamento ao paciente, o desenvolvimento de um novo tratamento pode levar cerca de dez anos – ou mais. Mas é a partir dessa longa trajetória que surgem as vacinas, tratamentos e medicamentos eficazes que salvam vidas, curam doenças e melhoram as condições de vida das pessoas com alguma enfermidade crônica.
Em 2022, as cinco companhias mais bem posicionadas no setor de empresas farmacêuticas e ciências da vida do anuário Valor Inovação Brasil 2023 somaram, juntas, mais de R$ 1,8 bilhão investidos em suas áreas de pesquisa & desenvolvimento (P&D). “Inovação, pesquisa e desenvolvimento são a base da indústria farmacêutica. Tratamos doenças e transformamos a vida de milhões de pessoas”, afirma o gerente-geral da AbbVie no Brasil, Eduardo Tutihashi, que destaca os avanços científicos no setor. “Nos últimos 20 anos, os pacientes HIV positivo passaram a conviver com uma doença crônica e que pode ser controlada. O mundo também pode hoje, por meio da ciência, buscar a erradicação da hepatite C, algo impensável há uma década”, diz Tutihashi.
Quinta colocada na classificação setorial, a equipe de P&D da AbbVie iniciou recentemente a primeira pesquisa científica da empresa em fase 1, ou seja, a primeira etapa de um estudo clínico para avaliar a eficácia e a segurança de um novo procedimento médico. Trata-se de um tratamento em fase de pesquisa para mielofibrose, um tipo de câncer hematológico. “Geralmente, o Brasil costuma realizar pesquisas de fase 2 e 3. O fato de estarmos conduzindo localmente um estudo de fase 1 é um avanço e reconhecimento da nossa capacidade”, afirma Tutihashi. A pesquisa será conduzida em parceria com instituições como Hospital das Clínicas de São Paulo e o de Porto Alegre, Universidade Federal de Goiás, Hospital Albert Einstein e Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Com foco em produtos para saúde ocular, imunologia, hematologia, neurociência e medicina estética (botox), a AbbVie, que possui unidades em 175 países, registrou no ano passado investimento global de US$ 7,1 bilhões em pesquisa e desenvolvimento, o equivalente a mais de 10% do faturamento líquido global consolidado da multinacional no período, que foi de US$ 58 bilhões. Os números locais não são divulgados. Em 2022, a sede da empresa na América Latina foi transferida de Chicago, nos Estados Unidos, para São Paulo, o que reforça o interesse da companhia em ampliar a presença o Brasil.
Bicampeão no ranking, o Aché Laboratórios Farmacêuticos aplicou R$ 276 milhões em inovação em 2022, 80% a mais do que no ano anterior. Foram lançados 20 novos produtos no mercado, dos quais cinco na recém-criada unidade Biosintética Prescrição. Para este ano, segundo a empresa, estão previstos R$ 330 milhões para serem gastos em inovação e o lançamento de 67 novos produtos. “Investimos em diferentes iniciativas de inovação ao longo dos anos, visando manter um pipeline diversificado de projetos que cobrem distintas áreas terapêuticas e modelos de negócio”, diz o presidente do Aché, José Vicente Marino.
Além dos produtos destinados à prescrição médica, com maior foco em sistema nervoso central, cardiologia, gastroenterologia e oncologia, entre outros, Marino destaca os investimentos em estrutura laboratorial. No ano passado, por exemplo, foi inaugurado o InnovaTech Lab, localizado na unidade do Aché em Guarulhos, na Grande São Paulo. Trata-se de um laboratório destinado a pesquisas, protótipos e aplicação de novas tecnologias farmacêuticas, visando agregar benefícios a medicamentos já conhecidos, garantindo maior eficácia e redução de efeitos colaterais.
Ainda em Guarulhos, o Aché também está construindo o Laboratório de Alta Potência, destinado ao desenvolvimento de produtos considerados de alta potência, como oncológicos, imunossupressores e antibióticos. A previsão é que o novo laboratório seja inaugurado até março de 2024.
Na Eurofarma, a inovação sempre teve papel de destaque no planejamento dos orçamentos anuais da companhia. “A inovação, para nós, é como o oxigênio que respiramos todos os dias. É a nossa vida”, resume Martha Penna, vice-presidente de inovação da Eurofarma. Em 2022, os investimentos da Eurofarma em pesquisa e desenvolvimento superaram R$ 590 milhões, o equivalente a 7,4% da receita líquida da farmacêutica no período e 63% a mais do que foi investido no ano anterior.
Para 2023, a meta da multinacional farmacêutica de capital 100% brasileiro é superar os R$ 700 milhões em inovação. Um dos desafios da área de P&D da Eurofarma, explica a vice-presidente, é oferecer os primeiros genéricos de determinado medicamento no mercado, ampliar o portfólio exclusivo e avançar no desenvolvimento de produtos com algum grau de diferenciação, incluindo a descoberta de novas moléculas. “A Eurofarma tem um propósito claro e que permeia todas as estratégias da companhia: tornar a saúde acessível para que todos possam viver mais e melhor”, diz Martha, lembrando que os desafios do setor são proporcionais aos investimentos realizados. “É uma esfera de grande risco para as empresas, pois exige altos investimentos para testar novidades que possam servir à sociedade, sempre considerando eficácia, segurança e qualidade dos produtos, o que é ainda mais crítico no setor de saúde”, diz a executiva.
Além dos medicamentos, os projetos inovadores da farmacêutica abrangem novas ferramentas digitais. Um deles é o Scrollling Therapy, um aplicativo que, por meio do uso de inteligência artificial, incentiva pacientes com doença de Parkinson a navegar pelo feed de redes sociais usando apenas expressões faciais. A ferramenta experimental, desenvolvida pela Eurofarma em parceria com a agência criativa global Dentsu Creative, está disponível gratuitamente nas lojas digitais Google Play e Apple App Store.
A oftalmologia é uma das áreas que têm recebido maior atenção na Roche Farma Brasil, terceira colocada entre os destaques farmacêuticos do anuário Valor Inovação Brasil. Desde 2018, a empresa investiu R$ 33 milhões em estudos oftalmológicos, dos quais R$ 10 milhões apenas em 2022. Foi a área cujos investimentos em P&D mais cresceram internamente. No total, considerando todas as áreas de atuação da farmacêutica, os investimentos em pesquisa clínica da Roche no Brasil foram mais de R$ 440 milhões em 2022, cerca de 30% a mais em relação ao ano anterior.
“Estou particularmente animada com a entrada da Roche no mercado de oftalmologia como parte da nossa estratégia de diversificação de portfólio”, afirma a presidente da Roche Farma Brasil, Lorice Scalise. “Estamos focados em salvar a visão das pessoas por meio de terapias e dispositivos inovadores. Temos o mais amplo pipeline de cuidados com a retina, cobrindo estágios iniciais e tardios de doenças que afetam a visão”, completa Lorice. Em julho, a Roche conseguiu a aprovação da molécula faricimabe, que deverá ser utilizada em futuros tratamentos relacionados a doenças da retina, como a degeneração macular relacionada à idade (DMRI).
Na Hypera Pharma, os investimentos em P&D no ano passado foram superiores a meio bilhão de reais – R$ 516 milhões –, recorde da farmacêutica, que fechou o ano de 2022 com receita líquida de R$ 7,54 bilhões. “Em 2023, a companhia espera lançar mais de 120 produtos, ou seja, 30% mais que no ano passado. Com investimentos em inovação, o propósito é expandir e diversificar o portfólio para ampliar o acesso a medicamentos seguros e eficazes, para que as pessoas vivam mais e melhor”, afirma Breno Oliveira, CEO da Hypera Pharma.
A adoção de tecnologias emergentes, como o 5G, contribui para o avanço das pesquisas na área médica. Entre eles, os estudos clínicos descentralizados, que utilizam meios digitais para viabilizar todos os processos inerentes à pesquisa clínica, como a entrega da medicação e o acompanhamento dos pacientes, o que pode acontecer por telemedicina. A consulta a distância permite maior flexibilização para a participação de pacientes que não precisam, necessariamente, estar presentes em centros de pesquisa. “Isso nos ajuda a acelerar o processo de recrutamento e ampliar o acesso em diferentes regiões do globo. Ao mesmo tempo, melhora a qualidade da experiência do paciente ao participar do estudo, visto que o acompanhamento digital evita deslocamentos desnecessários”, explica Lorice, da Roche.
O diretor da AbbVie tem posição semelhante e aponta a telemedicina como um dos setores beneficiados com o avanço da internet móvel de quinta geração, tanto para as pesquisas como para os atendimentos em geral. “O 5G também será essencial para a meta do Ministério da Saúde de ampliar a digitalização do SUS, promovendo a inclusão cada vez maior da população e melhorando o atendimento da saúde pública no país”, diz Tutihashi.
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