A indústria nacional de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos avança nas vendas externas e no número de lançamentos de produtos. Dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), entidade representativa do setor, apontam que o superávit da corrente de comércio internacional no nicho cresceu 30,9% no primeiro quadrimestre de 2023, em relação ao mesmo período de 2022, atingindo US$ 29,2 milhões. De janeiro a abril de 2023, o setor acumulou US$ 289,3 milhões em exportações, um avanço de 17,2% – desempenho que levou o segmento, no quadrimestre, à maior marca superavitária nos últimos dez anos, de acordo com a entidade. Em importações, o resultado atingiu US$ 260 milhões nos quatro meses, um salto de 15,8% em comparação ao mesmo período de 2022.
“Mesmo com um cenário econômico desafiador, o nosso setor é o segundo que mais lança produtos no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos”, diz João Carlos Basílio, presidente-executivo da Abihpec. Em 2021, foram 7.368 lançamentos, afirma o dirigente, baseado em dados da empresa de pesquisas de mercado Mintel. “A demanda diversa por produtos é um impulsionador da inovação na indústria.”
A categoria com maior crescimento nas exportações foi a de cremes para pele, protetores e bronzeadores (72%), seguida por sabonetes (29,8%) e itens para cabelos (18,4%). “Segundo o Instituto Euromonitor, o Brasil é o quarto maior mercado consumidor do mundo no segmento, e figuramos também como o segundo maior mercado em fragrâncias, produtos masculinos e desodorantes”, diz.
Mas nem tudo é um mar de rosas perfumadas para os fabricantes, que enfrentam desafios como a escassez de mão de obra especializada em inovação e novas demandas no campo da pesquisa. O conceito de sustentabilidade é, hoje, um dos principais propulsores da inovação, analisa. “As marcas seguem em busca da melhoria de linhas produtivas, do uso de insumos provenientes da biodiversidade brasileira, além de embalagens e processos que provoquem menos impacto ao meio ambiente.”
Basílio destaca que as empresas estão substituindo antigos fornecedores por parceiros mais preocupados com temas como governança, questões trabalhistas e ambientais. A rastreabilidade dos insumos exige que toda a cadeia produtiva evolua em questões socioambientais, lembra.
O presidente da Abihpec enxerga avanços consideráveis nos laboratórios, guiados por uma “pegada” ambiental. Atentas às demandas dos consumidores por produtos ambientalmente responsáveis, as marcas têm inovado com itens que olham para o futuro, para as mudanças climáticas e seus reflexos no desenvolvimento de novas formulações, afirma.
A orientação está presente, não é de hoje, nas operações das duas empresas do setor que figuram entre as dez mais inovadoras do país no ranking Valor Inovação Brasil: Natura e Boticário. Os cuidados ambientais e sociais surgiram antes que as práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) ganhassem os holofotes. Em 2000, por exemplo, o uso sustentável de produtos da biodiversidade da Amazônia passou a ser a principal plataforma de inovação e pesquisa da Natura. Há mais de 20 anos o Boticário não utiliza animais em testes e chegou a desenvolver uma “pele” 3D para avaliar ingredientes.
Basilio diz que na questão de proteção à natureza, companhias do setor já usam uma espécie de calculadora ambiental como ferramenta no desenvolvimento de mercadorias, a fim de buscar a redução de emissões de gases de efeito estufa. Nas embalagens, há processos produtivos mais eficientes, que gastam menos água e energia, e o uso de invólucros que facilitam a circularidade, afirma.
Na P&G, dona de 20 marcas à venda no Brasil, como Gillette e Pantene, sendo oito dedicadas a cosméticos, a estratégia é acompanhar as novas demandas de consumo com uma visão panorâmica sobre todas as operações. “Com o coração de uma startup e recursos de uma corporação global, estamos buscando maneiras de reinventar cada aspecto do negócio, olhando para a cadeia de suprimentos, desde os fornecedores e consumidores até processos, fábricas e lojas”, afirma Carolina Rodrigues, diretora de pesquisa e desenvolvimento da P&G na América Latina. A empresa é a quinta colocada no ranking do setor no anuário Valor Inovação Brasil.
Com 3,4 mil funcionários no país, pelo menos 5% do quadro se dedica exclusivamente à inovação. O Centro de Inovação Laic (sigla para Latin America Innovation Center, no inglês), inaugurado em 2019, em Louveira (SP), viu o quadro de funcionários crescer de 120 para os atuais 190 – 58% do time de cientistas é composto de mulheres, com 56% delas em cadeiras de liderança. A unidade faz parte de uma rede global de 13 centros de pesquisa do grupo no mundo.
Rodrigues diz que em 2022 foram apresentadas 150 intervenções em produtos, entre novas soluções e inovações em itens existentes. “A P&G investe cerca de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 9,7 bilhões) em pesquisa e desenvolvimento ao ano”, afirma. “Somente o lançamento de inovações alavanca um terço do nosso crescimento no Brasil.”
Entre as novidades que desembarcaram nas gôndolas está a escova elétrica Oral-B iO, resultado de seis anos de estudos. Com recursos de inteligência artificial, é capaz de efetuar vibrações sincronizadas com o movimento da cabeça, segundo a fabricante.
Já a Gillette apresentou o Derma Proteção, um aparelho de barbear descartável desenvolvido para combater pelos encravados – pesquisas indicam que 61% dos brasileiros têm algum tipo de irritação na pele, de acordo com a P&G.
Nas linhas de negócios fora do desenvolvimento de soluções, uma das novidades é um modelo operacional em que a gigante de entregas Amazon conta com um espaço de armazenagem e expedição dentro do centro de distribuição da fabricante em Louveira. “Com isso, há mais agilidade na cadeia de suprimentos, melhora na disponibilidade de produtos e maior eficiência financeira por meio de níveis mais baixos de estoque”, detalha Rodrigues. “Sem falar na redução de custos com fretes e dos impactos ambientais com o corte de emissões de CO2.” Somente o tempo de entrega P&G-Amazon caiu de 25% a 50%, diz.
Para o futuro, a executiva prevê a escala de aplicações impulsionadas pelas redes 5G. “Nas fábricas, por exemplo, estamos impulsionando a manufatura inteligente por meio da análise em tempo real da produção, integração de dados de múltiplos centros de manufatura e uma maior visibilidade da produção”, comenta.
A Reckitt, que fabrica produtos de limpeza, de higiene pessoal e cuidados com a saúde, com marcas como Veja, Vanish e SBP, tem dado atenção especial à linha de repelentes, segundo Elvis Barreto, gerente de pesquisa & desenvolvimento da Reckitt Hygiene Industrial. O grupo, quarto colocado no ranking, reportou vendas globais de 3,83 bilhões de libras esterlinas (R$ 24,2 bilhões) no quarto trimestre de 2022, alta de 14% sobre o mesmo período do ano anterior. Na mesma base de comparação, as vendas avançaram 6,2%.
“Os repelentes, associados a outras ações de prevenção, são essenciais para a proteção dos brasileiros, principalmente no verão, quando aumenta a proliferação de insetos”, diz Barreto. “Os mosquitos podem causar doenças como dengue, zika e chikungunya.” Somente na cidade de São Paulo, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde, foram contabilizados 10,5 mil casos de dengue em 2023, até 15 de junho. No mesmo período de 2022, houve 10,6 mil ocorrências e, em 2021, 6,8 mil. Oito pessoas morreram de dengue em 2023 e duas em 2022.
Para apoiar o combate à transmissão de doenças, a marca SBP criou em 2017 o movimento Juntos Contra o Mosquito, programa que pretende orientar comunidades em vulnerabilidade social sobre a importância dos cuidados diários com os insetos. Barreto cita inovações adotadas nos repelentes, como um modelo de loção para crianças, que pode ser usado em bebês a partir de dois meses de idade.
A Reckitt também tem se movimentado para apoiar consumidores preocupados com a febre maculosa, doença transmitida pelo carrapato-estrela. “É essencial disseminar informação sobre a forma correta de se proteger, pois muitas pessoas vivem em áreas de maior risco ou trabalham em zonas rurais de grande exposição”, explica o executivo.
A área de beleza e cosméticos também reservou tempo para inovar no balcão de grandes aquisições. Neste ano, a multinacional francesa L’Oréal comprou a Aesop, marca australiana de cuidados com a pele da brasileira Natura. Avaliada em US$ 2,5 bilhões (R$ 8,24 bilhões), a transação colocou de escanteio concorrentes como a gigante do luxo LVMH e empresas premium de cuidados com a pele como Shiseido e Clarins, que também estariam interessadas na concorrente, segundo informações do mercado.
Para analistas do setor, a L’Oréal, considerada o maior grupo de cosméticos do mundo em vendas, deverá usar sua estrutura para dobrar ou triplicar as vendas da nova marca nos próximos anos, emulando a mesma estratégia de arranque que aplicou em outras aquisições, como no caso da CeraVe, de cremes para a pele, embolsada em 2017. Em cinco anos desde a aquisição, e com a ajuda de redes sociais como o TikTok, conseguiu aumentar as vendas da marca em dez vezes, para uma receita superior a 1 bilhão de euros (R$ 5,43 bilhões).
Destaques setoriais - Comésticos, higiene e limpeza
- Natura Comésticos
- Grupo Boticário
- L'Oréal Brasil
- Reckitt Benckiser Industrial
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