Criar produtos que promovam uma relação harmoniosa do consumidor consigo mesmo, com os outros e a natureza. O que pode parecer clichê em tempos de resgate global dos cuidados com o meio ambiente define, não é de hoje, a estratégia corporativa do grupo Natura &Co, resultado da combinação das marcas Avon, Natura e The Body Shop. Dona de uma receita líquida de R$ 36,3 bilhões em 2022, a multinacional brasileira de higiene e cosméticos continua abrindo caminhos na indústria, ao lançar itens inspirados em uma cadeia de produção sustentável.
“A inovação é o principal vetor para materializar o nosso compromisso histórico com a sustentabilidade”, diz Roseli Mello, líder global de P&D da Natura. “Começamos com a preocupação em ter ingredientes mais naturais nas fórmulas e, ao longo do tempo, aprofundamos o comprometimento com uma geração de impacto positivo nas esferas social, econômica e ambiental nas regiões onde atuamos.”
No ano passado, a marca investiu R$ 341,8 milhões em pesquisa e desenvolvimento (P&D), sendo R$ 297 milhões em inovação nos negócios – uma expansão de 13,4% em relação a 2021 – e mais R$ 44,8 milhões na criação de soluções que não prejudiquem o meio ambiente.
O índice de inovação, referência usada pela fabricante que aponta a participação de produtos apresentados nos últimos 24 meses na receita bruta anual, alcançou 57,4% em 2022. “Esse indicador diz respeito à relevância da inovação para a sustentabilidade dos negócios”, explica.
Na lista de novidades exibidas no ano passado, aparecem o perfume Essencial Único, cocriado por Verônica Kato, perfumista exclusiva da Natura, com fragrâncias da copaíba amazônica; e o relançamento do conhecido Kaiak, com metade de todo o plástico da embalagem reciclada a partir de resíduos coletados no litoral brasileiro.
Além do aproveitamento das essências do Norte do Brasil e de invólucros nascidos via economia circular – a incorporação de ingredientes da biodiversidade acontece desde os anos 1990 e os refis estão no portfólio desde 1983 –, outra aposta nas prateleiras, lançada em 2022, mira o consumidor vegano.
É o Chronos Sérum Intensivo Lifting & Firmeza, que a marca garante ser 100% vegano, com 97% de origem natural. “A tecnologia firmadora do creme foi feita inteiramente pelo nosso time de desenvolvimento, com testes conduzidos em mais de 300 mulheres”, detalha Mello.
O interesse pelas novas exigências do consumidor é justificado: segundo a consultoria americana Grand View Research, o mercado global de cosméticos veganos deve atingir US$ 20,8 bilhões até 2025, com uma taxa de crescimento anual de 6,3%.
Outra inovação de destaque na agenda da Natura está ligada ao desenho de métodos que não utilizam animais para garantir a segurança de ingredientes cosméticos, prática adotada desde 2006. Nessa linha, desenvolveu, em parceria com o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), um método que utiliza uma tecnologia conhecida como “human-on-a-chip”.
“O processo consiste na integração de equivalentes de órgãos humanos, biofabricados em laboratório, para simular o funcionamento do organismo”, explica. “Trata-se de um salto de qualidade na geração de dados sobre matérias-primas, com o potencial de alavancar o uso de novos componentes, principalmente os que vêm da Amazônia.” O sistema, que imita a circulação sanguínea, permite aos pesquisadores avaliar os efeitos de um composto dentro (nos órgãos) e fora do corpo (na pele), ao mesmo tempo.
Mello lembra que, com o lançamento da linha Ekos, em 2000, o uso sustentável de produtos da biodiversidade da Amazônia passou a ser a principal plataforma de inovação e pesquisa da marca. Desde então, a Natura já desenvolveu 42 bioingredientes amazônicos, adquiridos de 85 cadeias locais de fornecimento. “A empresa se relaciona com 40 comunidades fornecedoras, em um modelo de negócio que contribuiu para a conservação de dois milhões de hectares de floresta.”
A fim de rodar toda essa frente de desenvolvimento, a companhia investe em uma infraestrutura de pesquisa, com autonomia para renovar o pipeline de itens. A marca tem uma área de P&D desde a fundação, em 1969, e inaugurou há pouco mais de dois anos um centro de inovação em Cajamar (SP), na mesma propriedade onde estão localizadas as três fábricas do grupo. A estrutura tem laboratórios distribuídos em quatro andares.
Um dos conceitos que guiaram a construção da unidade, diz a líder global de P&D, foi a inovação aberta, bandeira que a Natura defende há mais de 20 anos. Nesse modelo, parte dos projetos é realizada com institutos de pesquisa, universidades, startups e grandes empresas, em todo o mundo, explica.
Atualmente, o time de P&D reúne 267 colaboradores, sendo que 75% dos cargos de liderança (gerentes e acima) são ocupados por executivas. Para atrair e reter profissionais especializados em inovação, um dos mantras é estimular os times a assumir riscos.
“Para isso, a tolerância a erros é discutida e incentivada”, diz. “Além disso, há uma política de reconhecimento a funcionários que inovam, para que se sintam motivados a sugerir novas soluções.”
Mello diz que a empresa também realiza, durante o ciclo de planejamento tecnológico, discussões sobre temas científicos e novos perfis de consumo, a fim de detectar tendências. “O processo de inovação para tecnologias e produtos é estruturado e passa por comitês de aprovação”, afirma. “Avaliamos comportamentos, valores, tensões sociais e macrotendências, a fim de garantir que planos pensados para os próximos anos tenham relevância para o nosso público e alcancem metas de negócios.”
Entre os projetos em curso, há um interesse cada vez maior em desenvolver experiências personalizadas e ferramentas ligadas à consultoria de beleza – a empresa tem mais de dois milhões de consultoras na América Latina. É o caso do diagnóstico capilar, que consegue averiguar a condição do cabelo dos clientes em poucos segundos, segundo Mello.
“O dispositivo conta com um aplicativo, mais a câmera do celular e uma lente portátil acoplada ao aparelho, que proporciona um aumento de até 20 vezes na imagem do fio”, explica. A tecnologia é resultado de anos de pesquisa, em uma parceria com o consórcio Media Lab do MIT (Massachusetts Institute of Technology). A ideia é relacionar a imagem da textura do fio de cabelo com o grau dos danos, comparando a um banco de dados com mais 18 mil fotos. O arquivo, de acordo com a empresa, aumenta a precisão do algoritmo por meio de recursos de machine learning (aprendizado de máquina), capazes de indicar o tipo de tratamento mais adequado.
Além de embalar novos produtos, Mello afirma que a inovação continuará sendo um instrumento para colocar em prática as metas assumidas no Compromisso com a Vida 2030, divulgado em 2020 pela holding Natura &Co. No documento, há objetivos como atingir a parcela de 95% de ingredientes naturais ou renováveis nas fórmulas e que 100% dos materiais das embalagens sejam recicláveis até 2030. “A inovação deve estar orientada por propósitos e servir de estímulo para que as organizações sejam melhores para o mundo, pessoas e o meio ambiente”, diz.
Ficha
- Investimento no Brasil: 2,3% (percentual da receita líquida)
- Investimento no mundo: 2,3% (percentual da receita líquida)
- Centros de pesquisa no Brasil: 2 - Centro de Inovação, em Cajamar (SP); e Núcleo de Inovação Natura Amazônia (Nina), em Benevides (PA).
- Patentes no Brasil e no exterior: 1.186***
- Funcionários em P&D: 260
- Parcerias: via Natura Startups****
- ***: 683 desenhos industriais depositados, de 1992 a 2022
- ****: desde 2016, cerca de 5,7 mil startups passaram pela iniciativa, que testou 136 soluções, que geraram 55 parcerias comerciais. Em 2022, 53 startups mantiveram um relacionamento ativo com a empresa.