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O Homem da Areia

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Ilustração da primeira edição, pelo próprio E. T. A. Hoffmann

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O Homem da areia (Der Sandmann, em algumas traduções O Homem de areia)[1] é um conto do escritor alemão E. T. A. Hoffmann (Königsberg, 1776 - Berlim, 1822). É o primeiro conto do livro intitulado Die Nachtstücke (Contos Noturnos), publicado em 1817. O manuscrito é datado de 16 de novembro de 1815.

Na apresentação da edição traduzida por Ary Quintella para a coleção Novelas Imortais, escreve Fernando Sabino:

A impressionante novela Der Sandmann, publicada em 1817 e aqui apresentada sob o título O homem da areia [...] dá bem a ideia das principais características de Hoffmann: seu senso do grotesco, do mórbido, do fantástico, do sobrenatural – e sua extraordinária intuição ao penetrar nos domínios do subconsciente, como verdadeiro precursor das explorações da moderna psicologia.[2]

Em matéria de O Globo de 30/4/2023 sobre a edição ilustrada de O Homem da Areia, traduzida por Marcella Marino M. Silva e José Feres Sabino e ilustrada por Eduardo Berliner, escreve Emiliano Urbim:

A história começa com uma troca de cartas na qual o leitor fica sabendo que o estudante Nathanael teve um encontro com um vendedor ambulante que ele crê ser o mesmo homem misterioso que fazia experimentos de alquimia que levaram à morte de seu pai quando ele era pequeno — mas pode ser só “o homem da areia” que sua babá dizia que trazia o sono às crianças. Em seguida, quem assume as rédeas é um narrador indiscreto e arrebatado que oscila entre o realismo e alucinação — com pitadas de “romance gótico, de história de fantasma e de amor, de relato médico, e também de história da formação fracassada de um artista” [...].[3]

"Em O Homem da areia, Hoffmann trabalha com temas caros ao Romantismo, como o conflito entre loucura (representada através de Natanael) e razão (personificada em Clara, a noiva do protagonista), e paixões fulminantes e proibidas."[4]

O Homem da areia (sinopse)

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No início do conto, o jovem Natanael escreve uma carta para seu amigo, Lothar (Lotário em algumas traduções), irmão de sua noiva Clara, contando uma experiência que acabara de ter: estava em seu quarto de estudante quando alguém bate à porta; ao abri-la, assusta-se com o homem que vê, o qual lhe traz uma lembrança da infância. Era um vendedor de barômetros. Ao ver esse homem, Natanael expulsa-o com tal rapidez que o sujeito praticamente rola pelas escadas. Ele se assusta com seu próprio susto.

Natanael escreve a Lothar explicando o que vira e tanto o assustara. Parte então de uma lembrança infantil e começa a descrever a casa de sua infância, uma casa com pai, mãe e filhos, os quais tinham por hábito, depois do jantar, ficar em torno do pai que fumava seu cachimbo. Mas, de vez em quando, as crianças eram postas na cama mais cedo, pois o Homem da Areia iria chegar. Natanael ouvia os passos pesados de um visitante, com o qual o pai estaria ocupado toda a noite. A babá contara a Natanael que o Homem da Areia era um homem perverso que chegava quando as crianças não iam para a cama, jogava areia nos olhos delas, fazendo com que saltassem fora. Ele então colocava os olhos num saco e os levava para alimentar seus filhos na lua.

Para descobrir mais sobre o Homem da Areia, Natanael se esconde no escritório de seu pai numa noite em que o visitante era esperado. Reconhece o visitante como o advogado Copéllius. De seu esconderijo, ele vê o visitante e o pai no que parece ser um experimento alquímico. Descoberto, Natanael é ameaçado de ter seus olhos arrancados e desmaia.

O Homem da Areia volta uma outra vez a sua casa, e então ocorre uma explosão que mata o pai de Natanael. Muitos anos depois, Natanael reconhece Copellius no vendedor Copolla. Depois de um período de férias junto a sua noiva, que tenta tranquilizá-lo, Natanael volta aos estudos e decide comprar um binóculo de Copolla, para que este o deixe em paz. Com o binóculo ele vê Olímpia, por quem se apaixona perdidamente apesar de todos os avisos. Natanael enlouquece ao descobrir que Olímpia é um autômato, construído por Copolla/Copellius e o seu professor de física. Depois de internado num manicômio, Natanael parece recuperado, quando tenta jogar a noiva, Clara, do alto de uma torre, após olhar outra vez pelo binóculo. Pouco depois, Natanael se atira da torre.

O Homem da areia: um conto fantástico

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Italo Calvino (2004), considera o conto fantástico como uma das produções mais características da narrativa do século XIX e também uma das mais significativas para nós, já que nos diz muitas coisas sobre a interioridade do indivíduo e sobre a simbologia coletiva. À nossa simbologia de hoje, o elemento sobrenatural que ocupa o centro desses enredos parece sempre carregado de sentido, como irrupção do inconsciente, retorno do recalcado, do esquecido, do que se distanciou de nossa atenção racional.

O tema do conto fantástico do século XIX é a realidade daquilo que se vê: acreditar ou não acreditar nas aparições fantasmagóricas; perceber, por trás da aparência cotidiana, um outro mundo, encantado ou infernal. É como se o conto fantástico, mais do que qualquer outro gênero narrativo, pretendesse dar a ver, concretizando-se numa sequência de imagens e confiando sua força de comunicação ao poder de suscitar figuras.

O Homem da areia de Hoffmann é um texto típico do fantástico, em que personagens e imagens da tranquila vida burguesa se transfiguram em aparições grotescas, diabólicas, assustadoras, como nos pesadelos.

O Homem da areia: um pai castrador?

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O estudo dos sonhos, das fantasias e dos mitos ensina que o medo de ferir ou perder os olhos, o medo de ficar cego é, muitas vezes, um substituto do temor de ser castrado. O autocegamento do criminoso mítico, Édipo, seria uma forma atenuada do castigo da castração.

Por que razão Hoffmann relaciona o temor em relação à perda dos olhos com a morte do pai? Por que o Homem de areia aparece como um perturbador do amor? Para Freud (1919), essas perguntas poderão ser respondidas se substituirmos o Homem de areia pelo pai temido, de cujas mãos é esperada a castração.

O Homem da areia e a teoria psicanalítica

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O conto de Hoffmann, "O homem de areia", permite uma reflexão sobre a relação entre pulsão escópica e angústia. Quinet (2002) mostra que o conceito de pulsão escópica permitiu à psicanálise restabelecer uma função de atividade para o olho, não mais como fonte de visão, mas como fonte de libido. A psicanálise descobre a libido de ver, o prazer de ver, e o objeto olhar como manifestação da vida sexual. O olhar não é um atributo do sujeito, que dele se serve como instrumento; ao contrário, é o sujeito que é afetado pelo olhar enquanto objeto. Na saída do Édipo, duas instâncias estarão ligadas ao escópico: o ideal do eu, ponto em que o sujeito se vê como amável, e o supereu, olhar que vigia e pune. Aqui se mostra que o olhar é objeto causa de angústia.

O ver é equívoco

Na percepção, o perceptum (o que é percebido) é equívoco. Apesar desta equivocidade permanecer menos manifesta na percepção visual, devido ao poder unificador da imagem que dá forma ao visual. Mas nós reencontramos a equivocidade do visto quando incluímos o sujeito no campo do fenômeno, uma vez que ele deve sempre se situar em um ponto de vista.[5]

O Olhar é invisível

O que constitui a visibilidade para aquele que vê é o olhar. O olhar é um objeto invisível que está no fundamento da visibilidade: que faz, do sujeito que percebe, objeto percebido. O olhar não é um olhar do sujeito e sim um olhar que incide sobre o sujeito, é um olhar que o visa: olhar inapreensível, invisível, pulsional.

A pulsão está na base do dar-a-ver do sujeito e o afeta através de um olhar que o objetiva e ao mesmo tempo se encontra excluído da visão.[6]

  • Freud, S. (1987). Edição standard brasileira das Obras psicológicas completas de S. Freud . Rio de Janeiro: Imago. "O Estranho" (1919h)
  • Quinet, A. (2002) Um olhar a mais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • Calvino, I. (2004) Contos fantásticos do século XIX escolhidos por Italo Calvino. São Paulo: Companhia das Letras.

Referências

  1. Por exemplo, a tradução de Luiz A. de Araújo para a Companhia das Letras, tradução talvez inadequada, pois não se trata de um homem feito de areia, e sim que atira areia nos olhos das crianças.
  2. E.T.A. Hoffmann, O Homem da Areia, tradução de Ary Quintella, Rocco Digital.
  3. Emiliano Urbim. «Edição ilustrada de 'O homem da areia', de E.T.A. Hoffmann, chega às livrarias». Consultado em 19 de dezembro de 2024 
  4. Lucas Furlan. «Resenha: O Homem da areia, de E. T. A. Hoffmann». Consultado em 19 de dezembro de 2024 
  5. «O Homem de Areia de E.T.A. Hoffmann, um hipertexto em construção». Consultado em 19 de dezembro de 2024 
  6. Idem.

Ligações externas

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