Estudo da sífilis não tratada de Tuskegee
O estudo da sífilis não tratada de Tuskegee foi um experimento médico realizado pelo Serviço Público de Saúde dos Estados Unidos (SPS) em Tuskegee, Alabama, entre 1932 e 1972.[1] O experimento é usado como exemplo de má conduta científica.[2][3]
Foram usados 600 homens afroamericanos sifilíticos (infetados com sífilis) como cobaias em um experimento científico: 399 para observar a progressão natural da sífilis sem o uso de medicamentos e outros 201 indivíduos saudáveis, que serviram como base de comparação em relação aos infectados.[1]
Os doentes envolvidos não foram informados sobre seu diagnóstico e jamais deram seu consentimento de modo a participar da experiência. Eles receberam a informação que eram portadores de "sangue ruim", e que se participassem do programa receberiam tratamento médico gratuito, transporte para a clínica, refeições gratuitas e a cobertura das despesas de funeral. Em 1943, a penicilina passou a ser usada no tratamento da doença, com resultados efetivos e sem os riscos de tratamentos anteriores.[4] Mas os pacientes nunca foram informados.
No final do estudo, em 1972, apenas 74 dos sujeitos do teste ainda estavam vivos.[5] Dos 399 homens originais, 28 morreram de sífilis, 100 morreram de complicações relacionadas, 40 de suas esposas foram infectadas e 19 de seus filhos nasceram com sífilis congênita.[6]
A denúncia do caso à imprensa por um membro da equipe ditou o fim do estudo. Com a repercussão deste caso, vários institutos de ética médica e humana foram criados. Na época do estudo, o início da década de 1950, o Código de Nuremberg já determinava algumas das primeiras diretrizes éticas internacionais para a pesquisa com seres humanos. O Código de Nuremberg foi escrito por norte-americanos e é parte da sentença do Tribunal de Nuremberg (caso II), uma corte militar composta apenas por juízes estadunidenses. Também a Associação Médica Americana (AMA) já tinha publicado algumas normas visando proteger as pessoas envolvidas em pesquisas.[1]
Os resultados parciais do estudo foram aceitos para apresentação em congressos científicos e não mereceram qualquer restrição por parte da comunidade científica. Porém a divulgação dos monstruosos experimentos gerou indenizações para os descendentes e alguns sobreviventes da experiência, e o governo americano se comprometeu a criar programas para atender as vítimas da tragédia. Em 1997 ainda existiam 8 pessoas vivas que participaram do estudo - e o governo norte-americano decidiu fazer um pedido de desculpas formais a todos os que foram enganados durante o experimento de Tuskegee.[1]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ a b c d José Roberto Goldim (1999). «O Caso Tuskegee: quando a ciência se torna eticamente inadequada». Núcleo Interinstitucional de Bioética (UFRGS-PUCRS-UNIRITTER-IEC. Consultado em 11 de setembro de 2015
- ↑ Carl Sagan (2006). O Mundo Assombrado pelos Demônios: A Ciência Vista como Uma Vela no Escuro. São Paulo: Companhia das Letras. 509 páginas. ISBN 978-85-359-0834-X Verifique
|isbn=
(ajuda) - ↑ Pigliucci, Massimo; Boudry, Maarten (eds.) (2013). Philosophy of pseudoscience: reconsidering the demarcation problem (em inglês). Chicago: The University of Chicago Press. ISBN 978-0-226-05182-6
- ↑ Avelleira, João Carlos Regazzi; Bottino, Giuliana (março de 2006). «Syphilis: diagnosis, treatment and control». Anais Brasileiros de Dermatologia (2): 111–126. ISSN 0365-0596. doi:10.1590/S0365-05962006000200002. Consultado em 30 de março de 2021
- ↑ «AP WAS THERE: Black men untreated in Tuskegee Syphilis Study». AP NEWS (em inglês). 13 de agosto de 2021. Consultado em 18 de abril de 2023
- ↑ Kim, Oliver J.; Magner, Lois N. (2018). A History of Medicine. Taylor & Francis
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]Fontes primárias
[editar | editar código-fonte]- Caldwell, J. G; E. V. Price; et al. (1973). «Aortic regurgitation in the Tuskegee study of untreated syphilis». J Chronic Dis. 26 (3): 187–94. PMID 4695031. doi:10.1016/0021-9681(73)90089-1
- Hiltner, S. (1973). «The Tuskegee Syphilis Study under review». Christ Century. 90 (43): 1174–6. PMID 11662609
- Kampmeier, R. H. (1972). «The Tuskegee study of untreated syphilis». South Med J. 65 (10): 1247–51. PMID 5074095. doi:10.1097/00007611-197210000-00016
- Kampmeier, R. H. (1974). «Final report on the "Tuskegee syphilis study». South Med J. 67 (11): 1349–53. PMID 4610772. doi:10.1097/00007611-197411000-00019
- Olansky, S.; L. Simpson; et al. (1954). «Environmental factors in the Tuskegee study of untreated syphilis». Public Health Rep. 69 (7): 691–8. PMC 2024316. PMID 13177831. doi:10.2307/4588864
- Rockwell, D. H.; A. R. Yobs; et al. (1964). «The Tuskegee Study of Untreated Syphilis; the 30th Year of Observation». Arch Intern Med. 114: 792–8. PMID 14211593. doi:10.1001/archinte.1964.03860120104011
- Schuman, S. H.; S. Olansky; et al. (1955). «Untreated syphilis in the male negro; background and current status of patients in the Tuskegee study.». J Chronic Dis. 2 (5): 543–58. PMID 13263393. doi:10.1016/0021-9681(55)90153-3
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Carta do Grupo de Estudos de Tuskegee convidando os participantes para receberem um "tratamento especial", quando na verdadea seria diagnósticados com uma punção lombar, sem data
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Rascunho do relatório do estudo, com os resultados depois de 1949, página 1
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Rascunho do relatório do estudo, com os resultados depois 1949, página 2
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Tabela descrevendo o número de participantes com sífilis, número de pacientes sem a doença e como muitos dos participantes morreram durante os experimentos, 1969
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Memorando do CDC com as ordens para finalização do estudo, 1972
Fontes secundárias
[editar | editar código-fonte]- Carl Elliott (2024), The Occasional Human Sacrifice, ISBN 978-1-324-06550-0 (em inglês), W. W. Norton & Company, OL 51042411M, Wikidata Q125974314
- Gjestland T (1955). «The Oslo study of untreated syphilis: an epidemiologic investigation of the natural course of the syphilitic infection based upon a re-study of the Boeck-Bruusgaard material». Acta Derm Venereol. 35 (Suppl 34): 3–368
- Gray, Fred D. (1998). The Tuskegee Syphilis Study: The Real Story and Beyond. Montgomery, Alabama: NewSouth Books
- Jones, James H. (1981). Bad Blood: The Tuskegee Syphilis Experiment. New York: Free Press
- The Deadly Deception, by Denisce DiAnni, PBS/WGBH NOVA documentary video, 1993.
- Reverby, Susan M. (1998). «History of an Apology: From Tuskegee to the White House». Research Nurse
- Reverby, Susan M. (2000). Tuskegee's Truths: Rethinking the Tuskegee Syphilis Study. [S.l.]: University of North Carolina Press
- Reverby, Susan M. (2009). Examining Tuskegee: The Infamous Syphilis Study and its Legacy. [S.l.]: University of North Carolina Press
- Jean Heller (Associated Press), "Syphilis Victims in the U.S. Study Went Untreated for 40 Years" New York Times, July 26, 1972: 1, 8.
- Thomas, Stephen B; Sandra Crouse Quinn (1991). «The Tuskegee Syphilis Study, 1932–1972: Implications for HIV Education and AIDS Risk Programs in the Black Community». American Journal of Public Health. 81 (1503): 1498–1505. PMC 1405662. PMID 1951814. doi:10.2105/AJPH.81.11.1498
- Carlson, Elof Axel (2006). Times of triumph, times of doubt: science and the battle for the public trust. [S.l.]: Cold Spring Harbor Press. ISBN 0-87969-805-5
- Washington, Harriet A (2007). Medical Apartheid: The Dark History of Medical Experimentation on Black Americans from Colonial Times to the Present. Nova Iorque: Harlem Moon. ISBN 9780767929394
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- «Cronologia do estudo de Tuskegee» (em inglês)
- «Envolvidos no estudo de Tuskegee» (em inglês)