Caldeirão de Santa Cruz do Deserto
O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto ou Caldeirão dos Jesuítas[1] foi um dos movimentos messiânicos que surgiu nas terras do Crato, Ceará. A comunidade era liderada pelo paraibano de Pilões de Dentro, José Lourenço Gomes da Silva, mais conhecido por beato José Lourenço.
História
[editar | editar código-fonte]Sítio Baixa Dantas
[editar | editar código-fonte]José Lourenço trabalhava com sua família em latifúndios do sertão da Paraíba. Decidiu migrar para Juazeiro do Norte, onde conheceu o Padre Cícero e ganhou sua simpatia e confiança. Em Juazeiro, conseguiu arrendar um lote de terra no sitio Baixa Dantas, no município do Crato. Com bastante esforço de José Lourenço e os demais romeiros, em pouco tempo a terra prosperou, e eles produziram cereais e frutas. Diferente das fazendas vizinhas, na comunidade toda a produção era dividida igualmente.
José Lourenço tornou-se líder daquele povoado, e se dedicou à religião, à caridade e a servir ao próximo. Mesmo analfabeto, era ele quem dividia as tarefas e ensinava agricultura e medicina popular. Para o sítio Baixa Dantas eram enviados, por Padre Cícero, assassinos, ladrões e miseráveis, enfim, pessoas que precisavam de ajuda para trabalhar e obter sua fé. Após o surgimento da Sedição de Juazeiro, da qual José Lourenço não participou, suas terras foram invadidas por jagunços. Com o fim da revolta, José Lourenço e seus seguidores reconstruíram o povoado.
Em 1921, Delmiro Gouveia presenteou Padre Cícero com um boi, chamado Mansinho, e o entregou aos cuidados de José Lourenço. Os inimigos de Padre Cícero, se aproveitaram disso espalhando boatos de que as pessoas estariam adorando o boi como a um deus. Por conta disso, o boi foi morto e José Lourenço foi preso a mando de Floro Bartolomeu, tendo sido solto por influência de Padre Cícero alguns dias depois.
Caldeirão de Santa Cruz do Deserto
[editar | editar código-fonte]Em 1926, o sítio Baixa Dantas foi vendido e o novo proprietário exigiu que os membros da comunidade saíssem das terras. Com isso, Padre Cícero resolveu alojar o beato e os romeiros em uma grande fazenda denominada Caldeirão dos Jesuítas, situada no Crato, onde recomeçaram o trabalho comunitário, criando uma sociedade igualitária que tinha como base a religião. Toda a produção do Caldeirão era dividida igualmente, o excedente era vendido e, com o lucro, investia-se em remédios e querosene.
No Caldeirão cada família tinha sua casa e órfãos eram afilhados do beato. Na fazenda também havia um cemitério e uma igreja, construídos pelos próprios membros. A comunidade chegou a ter mais de mil habitantes. Com a grande seca de 1932, esse número aumentou, pois lá chegaram muitos flagelados. Após a morte de Padre Cícero, muitos nordestinos passaram a considerar o beato José Lourenço como seu sucessor.
Devido a muitos grupos de pessoas começarem a ir para o Caldeirão e deixarem seus trabalhos árduos, pois viam aquela sociedade como um paraíso, os poderosos, a classe dominante, começaram a temer aquilo que consideravam ser uma má influência.
Massacre
[editar | editar código-fonte]Em 1937, sem a proteção de Padre Cícero, que falecera em 1934, a fazenda foi invadida e destruída pelas forças do governo de Getúlio Vargas, que acusava a comunidade de comunismo. Os sertanejos sobreviventes dividiram-se, ressurgindo novamente pela mata em uma nova comunidade, que em 11 de maio foi invadida novamente, dessa vez por terra e pelo ar, quando aconteceu um grande massacre, com o número oficial de 400 mortos (outras estimativas, entanto, chegam a mais de 1000). Os familiares e descendentes dos mortos nunca souberam onde encontram-se os corpos, pois o Exército Brasileiro e a Polícia Militar do Ceará nunca informaram o local da vala comum na qual os seguidores do Beato foram enterrados. Presume-se que a vala coletiva encontra-se no Caldeirão ou na Mata dos Cavalos, na Serra do Cruzeiro (região do Cariri).[2] José Lourenço fugiu para Pernambuco, onde morreu aos 74 anos, de peste bubônica, tendo sido levado por uma multidão para Juazeiro, onde foi enterrado no cemitério do Socorro.[2]
Caldeirão hoje
[editar | editar código-fonte]Da época da Irmandade do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, existem ainda a capela branca, que tem como padroeiro Santo Inácio de Loyola, ao lado da ermida, duas casas, um muro de laje de um velho cemitério, um cruzeiro e no alto as ruínas da residência do beato José Lourenço.
Atualmente, 47 famílias vivem num sítio denominado Assentamento 10 de Abril,[3] a 37 km do centro do Crato. No local encontram-se 47 casas; dessas, 44 são de alvenaria e uma escola, porém sem ostentar as dimensões atingidas pelo então Caldeirão do beato José Lourenço. As famílias residentes mantêm atividade de horticultura comercial, agricultura de subsistência e apicultura.
A ONG SOS Direitos Humanos entrou com uma ação civil pública no ano de 2008 na Justiça Federal do Ceará, contra o Governo Federal do Brasil e Governo do Estado do Ceará, requerendo que o Exército Brasileiro tornasse público o local da vala comum, realizasse a exumação dos corpos, identificasse as vítimas via exames de DNA, enterrasse os restos mortais, indenizasse no valor de R$ 500 mil, todos os familiares das vítimas e os remanescentes, e incluísse na história oficial, à título pedagógico, a história do massacre do Sítio da Santa Cruz do Deserto, ou Sítio Caldeirão. A pedido do Ministério Público Federal da cidade de Juazeiro do Norte, a ação foi extinta sem julgamento de mérito pelo juiz da 16ª Vara Federal de Juazeiro do Norte. A ONG recorreu ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região em Recife, Pernambuco, requerendo que a ação seja julgada o mérito porque o crime cometido contra a comunidade do Sítio Caldeirão é de lesa humanidade, e portanto, imprescritível.
No ano de 2009, a mesma ONG denunciou o Brasil à Organização dos Estados Americanos, por crime de desaparecimento forçado de pessoas e para que seja obrigada a informar a localização da vala comum com as 1000 vítimas do Sítio Caldeirão. A entidade considera o sítio Caldeirão como o Araguaia do Ceará, uma vez que os militares mataram 1000 pessoas e após, enterraram em vala comum em lugar desconhecido da mata dos cavalos, em cima da Chapada do Araripe. A ONG está pedindo auxílio à entidades internacionais para que a vala comum seja encontrada, bem como, de geólogos, geofísicos e arqueólogos para identificar a localização da vala comum.
Em 1986 o cineasta Rosemberg Cariry, realizou um documentário rico em depoimentos de sobreviventes do massacre. Caldeirão é um movimento considerado como uma outra Guerra de Canudos.
A Cia. do Tijolo, grupo artístico, apresenta ainda (2010) espetáculo que conta a história do Caldeirão, e exalta também Patativa do Assaré, poeta nascido no nordeste brasileiro.
Em 2017, a violinista Mariana Holshuh apresentou em Natal/RN a obra "O Caldeirão dos esquecidos", para violino solo, do compositor Danilo Guanais, inspirada em elementos da história do Caldeirão dos Jesuítas.
Referências
- ↑ Caldeirão dos Jesuítas, acesso em 14 de janeiro de 2015.
- ↑ a b Catraca Livre, ed. (22 de novembro de 2013). «Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, o massacre que o Brasil não viu». Consultado em 25 de novembro de 2013
- ↑ (em português) UNESP - Assentamento 10 de Abril em Crato: o sonho de um novo Caldeirão. Página visitada em 30 de Novembro de 2010.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- FARIAS, Aírton de. História do Ceará: Dos Índios à Geração Cambeba. Fortaleza; Tropical,1997, ISBN 85-86332-03-8
- AGUIAR, Cláudio. Caldeirão - A Guerra dos Beatos ( Romance histórico). R. de Janeiro-RJ. Caliban. 3.ed. 2.000.346p.
- ALVES, Tarcísio Marques. A Santa cruz do deserto - A Comunidade Camponesa Igualitária do Sítio Caldeirão - Crato-CE. Recife - PE. 3.ed. Ed. do autor.198p.
- GALVÃO FILHO, Francisco. Do Coronelismo ao Caldeirão. Fortaleza-CE.ABC Ed. 2006.192p.
- LOPES, Regis. Caldeirão.Fortaleza-CE. Eduece. 1991. 208p.
- OLIVEIRA, Ruy B. Bacelar de. De Caldeirão a Pau-de Colher: A Guerra dos Caceteiros. Vitória da Conquista-BA. Ed. Engeo Ltda. 1998. 247p.
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- O Povo - Romaria lembra história do Caldeirão. O POVO 22.09.2007.
- Aridesa - Massacre de fiéis do Cldeirão faz 70 anos. 30.11.10
- Novae - O Caldeirão que o diabo abominou. 30.11.10
- Overmundo - O Caldeirão da Santa Cruz do Esquecimento. 30.11.10
- Moreira - A tragédia da comunidade camponesa igualitária do sítio caldeirão. 30.11.10
- [1] - Fundação Perseu Abramo - O beato Zé Lourenço e o Caldeirão de Santa Cruz do Deserto