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Trotskismo

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O trotskismo é uma doutrina marxista baseada no pensamento do político e revolucionário ucraniano Leon Trótski. É formulada como teoria política e ideológica e apresentada como vertente do comunismo por oposição ao stalinismo.

Segundo seus seguidores, a ideologia trotskista consiste em defender o marxismo, combatendo a burocracia no Estado Operário que se fortaleceu com a ascensão de Josef Stálin ao poder em 1924 na União Soviética. Dos pontos do marxismo-leninismo, Trótski trabalhou e teorizou a respeito da idéia de Revolução Permanente, sua principal divergência em relação ao pensamento de Stálin, o qual defendia a tese conhecida como "socialismo em um só país". A Teoria da Revolução Permanente defenderia a expansão da revolução para além das fronteiras da União Soviética como prioridade, ao invés do seu fortalecimento interno. No final de sua vida, Leon Trótski fundou a IV Internacional, que após seu assassinato esfacelou-se em distintas correntes que hoje se auto-denominam trotskistas e se organizam em diferentes agrupamentos da Quarta Internacional, entre eles Liga Estratégia Revolucionária - QI, Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional, etc.

Já para os críticos stalinistas, o trotskismo nada mais seria do que uma tentativa revisionista e heterodoxa de desvirtuar o marxismo-leninismo e corromper os valores realmente revolucionários representados pelo regime de Stálin na União Soviética.

Revolução permanente

Trótski, aqui representado com os atributos de São Jorge, combate o dragão (símbolo comum na Igreja Ortodoxa Russa) da Contra-Revolução em um cartaz soviético de 1918. A inscrição no corpo do dragão é "Contra Revolução)

A teoria da "Revolução Permanente" baseia-se na idéia do "desenvolvimento desigual e combinado". Segundo esta tese, convivem igualmente elementos de um desenvolvimento econômico agrário com características feudais, com a indústria mais moderna do mundo. O que possibilitou não ter que esperar, na Russia, o seu total desenvolvimento, para estar "madura" para a Revolução. (Trótski considerava que esta era a situação na Rússia dos czares[1]).

Este raciocínio, é o de que, se um país começa a se industrializar tarde, irá adaptar as industrias mais modernas existentes na altura, logo, a pouca indústria que terá será altamente desenvolvida, podendo conviver com traços econômicos de épocas remotas. A carroça ao lado do avião. E que estes elementos se combinam mutuamente. Nesta perspectiva, por exemplo, a escravidão foi um elemento importante do desenvolvimento do capitalismo no século XIX.

Tal análise leva ao entendimento de que, mesmo em países onde não se desenvolveu completamente a a burguesia capitalista, mesmo com a existência da a nobreza, essa já está em conflito com o proletariado, porque, como a pouca indústria existente é das mais modernas, os conflitos entre patrões e trabalhadores tendem a assumir os mesmos contornos que nos países desenvolvidos (Trótski elaborou esta teoria ao principio do século XX, uma época em que, nos países industrializados, a luta entre "proletários" e "burgueses" estava na ordem do dia).

Assim, a burguesia local estaria entre dois fogos: por um lado, continua submetida ao antigo regime Feudal, o que a poderia levar a posições revolucionárias (como a burguesia europeia ocidental dos séculos XVIII e XIX); mas, por outro, já sofre a pressão dos trabalhadores, o que a leva a posições totalmente conservadoras (como a burguesia européia ocidental do século XX).

Segundo Trótski, quanto mais tarde um país conhecesse o seu arranque industrial, mais conservadora seria a sua burguesia local, já que o medo ao proletariado seria mais forte que a sua oposição à nobreza. Além disso, ao contrário da Inglaterra de 1688, da América de 1776 ou da França de 1789, já não existiria no século XX classe de pequenos e médios artesãos e comerciantes que pudesse fornecer a "mão-de-obra" para uma revolução burguesa (devido à modernização do sector industrial, o único "povo" disponível – nas cidades – são mesmo os operários).

É aqui que entra em cena a Revolução Permanente: segundo Trótski, a burguesia já não é capaz de fazer a "revolução burguesa" ela mesma,[2] tendo que ser o proletariado a encarregar-se das tarefas democráticas [3]

Mas, sendo o proletariado a fazer a "revolução burguesa", este não se contentará com o programa "liberal-burguês" (i.e, a abolir a monarquia absoluta, liquidar o feudalismo, etc.), e irá logo começar a pôr em prática o "programa socialista" – assim, a revolução é "permanente", já que, pela sua própria dinâmica, tenderá a evoluir para posições cada vez mais radicais (no caso russo, a revolução começou por ser democrática e republicana (fevereiro) e, em poucos meses, tornou-se socialista).[4]

Estas teses seriam contestadas pelos seguidores de Stalin, pelas alianças propostas no século XX com a Burguesia Nacional, para desenvolver a Revolução Democrática ou Burguesa, para depois organizar uma "futura" revolução socialista. Assim foram as Frentes populares durante a Guerra Civil Espanhola (1933-1936) e no Chile de Allende no início da década de 1970, entre tantos exemplos (in Trotsky. L. Stalin, o Grande Organizador de Derrotas. 1928).

Degenerescência burocrática

Leon Trotzki

Mas, o que acontece se a revolução socialista triunfar num país semifeudal (de acordo com o cânone marxista, ainda não maduro para o socialismo)? A resposta que os trotskistas dão é que, num caso desses, a revolução só se manterá se tiver a ajuda de revoluções socialistas vitoriosas em países desenvolvidos – assim, a revolução deve ser "permanente", não só no aspecto do aprofundamento, mas também do alargamento. Se uma revolução socialista acontecer num país subdesenvolvido e não se expandir a países desenvolvidos, tenderá a "degenerar". Porquê?

A explicação dessa "degenerescência" está noutra tese trotskista, a da "degenerescência burocrática das organizações operárias": a "exploração capitalista" estimula o desenvolvimento político do proletariado (já que o leva a lutar contra o sistema, e por isso a criar sindicatos, partidos, etc.) mas retarda o seu desenvolvimento cultural (já que a pobreza e/ou a submissão a um trabalho embrutecedor tenderão a "embrutecer" também o espírito do trabalhador). Tal leva a que, nas organizações operárias de massa, tendem a surgir "dirigentes profissionais" ("burocratas", no jargão trotskista), que acabam por ser os verdadeiros chefes, enquanto que os elementos de base (devido ao tal "embrutecimento espiritual") se remetem, na maior parte do tempo, a uma posição passiva, em que se limitam a pagar quotas e a seguir as ordens da "Direcção" (no fundo, transferem para a organização operária os hábitos de submissão à hierarquia a que estão habituados na empresa capitalista).

Ora, num país pobre (como a Rússia em 1917), o "desenvolvimento cultural" do proletariado será ainda mais diminuto, pelo que no "Estado Operário" irão (tal como nos sindicatos e partidos operários) também surgir os tais "burocratas".[5] Aliás, segundo os trotskistas, a longo prazo, só há dois caminhos possíveis – a burocratização do Estado ou o desaparecimento gradual do Estado: ou a pobreza e o atraso cultural mantêm-se, impedindo o proletariado de poder assumir efectivamente a gestão do Estado; ou, pelo contrário, a sociedade vai evoluindo, tornando mais fácil a tal "gestão do Estado pela simples cozinheira", mas, ao mesmo tempo, tornando também o Estado menos necessário, já que, havendo menos escassez de bens, haverá também menos necessidade de um aparelho repressivo (ou seja, quando for possível um Estado 100% democrático, em que todos participem em plena igualdade nas tomadas de decisão, já nem sequer será necessário um Estado).

Assim, nos "Estados Operários" (sobretudo se forem muito atrasados à partida), há duas tendências em confronto: por um lado, há a tendência para os burocratas irem concentrando o poder nas suas mãos e remeterem as massas a uma situação passiva; por outro, a elevação gradual do nível de desenvolvimento económico e cultural (e, se possível, o triunfo de revoluções operárias no estrangeiro) tenderá a estimular a participação popular e a enfraquecer o aparelho estatal. Desta forma, a "construção do socialismo" não é um processo mecânico e linear (como, frequentemente, está implícito em muitos "estalinistas"), mas um caminho com avanços e recuos, em que a vitória só estará assegurada com a criação de uma sociedade comunista à escala mundial e com o desaparecimento do Estado (até lá, há sempre o perigo de uma contra-revolução burocrática).

Além disso, a relação entre a burocratização e desenvolvimento é bilateral: tal como o atraso estimula a burocratização, também esta prejudica o desenvolvimento – segundo os trotskistas, a única alternativa eficiente ao mercado é a "democracia operária".[6] P.ex, se for um patrão privado a organizar o trabalho dentro de uma empresa, tenderá a adoptar os processos de trabalho mais eficientes (para maximizar o lucro); se for uma Comissão de Trabalhadores a fazer isso, também tenderá a adoptar os processos de trabalho mais eficientes (para os trabalhadores fazerem mais facilmente o seu trabalho); se for gerida por um burocrata não-proprietário, não há nenhum incentivo para escolher os melhores métodos de trabalho. Outro exemplo: a questão "O que produzir?" – como assegurar a ligação entre os que as empresas produzem e as necessidades dos consumidores? No capitalismo, tal ligação faz-se pelo mercado; na "democracia operária", através da participação das organizações de trabalhadores e consumidores na elaboração do plano económico (Trótski chegou a dar o exemplo de um sistema em que os cidadãos pudessem escolher entre o "partido do carvão" e o "partido do fuelóleo"); já no sistema burocrático, em que a planificação é feita, não pelas organizações populares, mas por comités de "especialistas", não há maneira de assegurar que o plano corresponde às necessidades efectivas da sociedade (a respeito disso, Trótski escreveu que "a democracia, mais que uma necessidade política, é uma necessidade económica"). Desta forma, quanto mais poderosos forem os burocratas, mais atrasada será a sociedade (o que, aliás, acabará por tornar os burocratas ainda mais poderosos).

Logo, se uma revolução proletária triunfar num país atrasado e não receber o auxílio de revoluções em países desenvolvidos, o poder da burocracia atingirá dimensões consideráveis, podendo chegar a um ponto em que já não é possível lutar contra a burocratização dentro do sistema, sendo necessária uma nova revolução operária para restaurar o poder dos "Conselhos de Trabalhadores" (segundo Trótski, esse ponto de não-retorno – a que ele chamou o "Thermidor", por analogia com a Revolução Francesa – teria sido atingido na URSS em 1927). Por outro lado, se a nova revolução operária não ocorrer, o que irá acontecer será uma "contra-revolução social": a ineficiência económica do sistema burocrático e o desejo dos burocratas consolidarem a sua posição (passando de "administradores" a "donos") irá levá-los a restaurar a propriedade privada dos meios de produção e o capitalismo.

Desta forma, a opinião dos trotskistas era que os regimes do Bloco de Leste ("estados operários burocraticamente degenerados") seriam "regimes transitórios",[7] intrinsecamente instáveis, estando à beira de serem derrubados, ou por uma "contra-revolução social", que restaurasse o capitalismo; ou por uma "revolução politica",[8] que derrubasse o poder dos burocratas e do Partido Comunista e instaurasse a democracia dos "Conselhos de Trabalhadores", em moldes multipartidários (no entanto, diga-se que os trotskistas só começaram a defender o multipartidarismo nos anos 1930, depois de terem sido expulsos do PC – até lá, limitavam-se a defender o "direito de tendência" dentro do PC)

Dissidências trotskistas

Ficheiro:Trotskyist Left Opposition-1927.jpg
Os líderes do trotskismo em Moscou, 1927. Sentados: Leonid Serebryakov, Karl Radek, Leon Trotsky, Mikhail Boguslavsky e Yevgeni Preobrazhensky. Em pé: Christian Rakovsky, Yakov Drobnis, Alexander Beloborodov e Lev Sosnovsky.

Muitos dissidentes do trotskismo (Bruno Rizzi na Itália, Max Schachtmann nos EUA, Tony Cliff na Inglaterra, Cornelius Castoriadis na França e etc.) criticaram esta tese, argumentando que os burocratas eram, para todos os efeitos, como se fossem proprietários, já que eram os "donos" do Estado e, portanto, indirectamente, da economia (logo, já não teriam necessidade de restaurar o capitalismo) – um dos mais célebres defensores desta tese foi o escritor George Orwell (nalguns aspectos, muito próximo do trotskismo), que a expôs nos seus romances "O Triunfo dos Porcos" (no Brasil, "A Revolução dos Bichos") e "1984".Curiosamente, alguns ex-trotskistas americanos que seguiam esta linha (James Burnham, Irving Kristol) acabaram saltando da extrema-esquerda para a direita, dando origem ao movimento neo-conservador.

O colapso de 1989 não resolve a questão, mas aponta elementos importantes: Embora a tese trotskista do "regime transitório" assinalasse que se a revolução não avançasse provavelmente esses regimes cairíam muito cedo (uns meses antes de ser assassinado, Trótski escreveu que, se o regime estalinista sobrevivesse à II Guerra Mundial, seria necessário rever as suas teses, coisa que os trotskistas não fizeram; nos anos 1950, a sua viúva, Natália Sedova, abandonou o movimento trotskista, afirmando que não se podia continuar a chamar os países de Leste de "Estados operários burocratizados"[9]); Por outro lado, a uma escala histórica, foram relativamente breves (74 anos, no caso da URSS, e cerca de 45 nos países satélites), pelo que é difícil dizer que a tese trotskista estivesse errada. Além disso, foi necessário um duro processo de privatizações e apropriação individual dos meios de produção por parte das "Castas dirigentes" na URSS e em outros países do Leste nas décadas de 1980-90, processo que comprovaria o facto de que estas "burocracias" não eram "donas" da economia, mas passaram a sê-lo com a restauração do capitalismo (vide exemplos da Rússia onde actualmente ex-dirigentes do Partido Comunista se tornaram os maiores proprietários capitalistas do país, como previra Trótski).

Desde a morte de Trótski que os trotskistas têm-se dividido em várias correntes: entre as principais, temos a "Quarta Internacional (Pós-reunificação)", que se intitula a "sucessora oficial" da IV Internacional de Trótski (representado em Portugal pela APSR - o ex-PSR - e no Brasil pela tendência Democracia Socialista do PT), corrente que seguiu a orientação de Michel Pablo e que teve como principal dirigente histórico Ernest Mandel. O "Comité de Ligação Internacional para uma Internacional Operária" (também chamada "IV Internacional (1993)"), originou-se dos militantes - particularmente franceses (como Pierre Lambert) - que nos anos 1950 recusaram a política então adoptada de infiltração nos Partidos Comunistas (é representado em Portugal pelo POUS e no Brasil pela corrente que edita o jornal O Trabalho); a "Liga Internacional dos Trabalhadores", predominantemente latino-americana, que abandonou o SU por não concordar com a sua política de construção de apoio incondicional aos Sandinistas na Nicarágua, que levou esta corrente a abandonar a perspectiva de construção de um partido revolucionário naquele país. A LIT-QI é representada em Portugal pela Ruptura/FER e no Brasil pelo PSTU; o "Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores", ligado ao antigo grupo britânico "The Militant" (representado em Portugal pela "Alternativa Socialista" e no Brasil pela "Liberdade, Socialismo e Revolução"); a "União Comunista Internacional", ligada ao grupo francês "Lutte Ouvriére", etc.

Ver também

Ligações externas

Notas e referências