Análise Do Poema
Análise Do Poema
Análise Do Poema
Reis é o clássico entre os heterónimos de Fernando Pessoa. Trata-se claramente do heterónimo com a personalidade
mais vincadamente analitica e formal, é o que escreve em melhor Português e é aquele que mais insiste em referências
clássicas, sobretudo Gregas.
Amante do exacto, médico de profissão e frio racionalista, Reis incorpora aquela parte de Pessoa que olha friamente
para a realidade e não se emociona com ela. Reis olha simplesmente, como Caeiro, e embora não aceite a realidade sem
emoção como Caeiro a aceita, Reis consegue tirar a emoção da realidade, tornando-se também deste modo objectivo.
De certo modo é Caeiro o oposto de Reis. Se Caeiro aceita simplesmente, ingenuamente, Reis analisa demasiado, torna
tudo em simbolo.
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
Reis fala do momento da morte. É aquando da morte que Reis diz que não deveremos ter nada nas mãos, nem uma
memória na alma. Passa aqui uma ideia cara a Reis, que é o estoicismo - a resistência do homem ao sofrimento. A
morte, o momento que todos temem deve - segundo Reis - ser encarado a frio, sem nenhum apoio, "sem nada nas
mãos". Tão vazio (e sozinho) deve o homem encarar esta última etapa que mesmo o óbolo (a moeda que se costumava
colocar nos mortos para pagar a passagem do Hades, o rio dos Infernos na antiguidade clássica) desapareceria, abertas
as mãos.
Átropos era a parca que cortava o fio da vida. Ou seja, decidia a morte. Reis diz-nos "Que trono te querem dar / Que
Átropos to não tire?", ou seja, que coisas podes ter em vida, que posições, emprego, dinheiro, status social, que a morte
não te tire? Tudo é vão e acaba com a morte, acaba quando Átropos decide cortar o fio da vida. O mesmo com os
louros, com as glórias (lembre-se que os atletas eram loureados, presenteados com folhas de louro pelas suas vitórias
desportivas). Minos era um dos juizes dos mortos, na mitologia grega.
A morte é afinal essa sombra em que se torna o homem, desaparecido - uma lembrança - mera sombra, oposição ao sol.
A noite e o fim da estrada são representações simbólicas da morte, o apagamento do ser e o fim da vida.
1
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.
Eis o estoicismo de Reis em todo o seu esplendor. Porque tudo se perde, devemos aprender a renunciar e ver nisso um
acto nobre da nossa parte. Se renunciarmos, nada vamos perder quando morrermos e se tudo acabamos por perder,
melhor é renunciarmos já. Apenas em nós próprios podemos afinal possuir, e possuir afinal só aquela nobreza simples
de nos conhecermos - o lema grego altivo "nosce te ipsum", conhece-te a ti mesmo, e, acrescentamos nós, não queiras
conhecer nem possuir nada além de ti."
2
Aná lise do poema "Prefiro rosas, meu amor, à pá tria"
O poema "Prefiro rosas..." de Ricardo Reis, como outros deste heterónimo de Fernando Pessoa, é marcado por
temas fortes e constantes da sua obra. Nomeadamente observamos, quase de imediato, a atitude expectante
perante a vida, a resignação e a nobreza de espectador perante a realidade que se desenrola perante os seus
olhos.
Heterónimo clássico por definição, Reis tem de Pessoa toda a sua disciplina mental, incorporando quase em
ícone um classicismo perfeito, quer na forma quer no conteúdo dos seus poemas. Terá surgido a Pessoa como
contraposição ao futurismo, representando em teoria uma perfeita imagem do passado no presente - um
verdadeiro poeta neoclássico.
Por ser clássico Reis traz uma atitude contemplativa da vida, mas que já não é ingénua como a de Caeiro. Reis é
um homem perturbado e a sua aceitação, a sua ataraxia é uma aceitação muito menos pacífica. Por isso
podemos dizer que Reis vê na sua atitude perante a vida uma decisão nobre e não apenas uma inevitabilidade,
embora esta última perspectiva seja também essencial para o compreender.
Reis sabe que é diferente da Natureza e está revoltado com isso, em vez de, como Caeiro, procurar a
proximidade com as coisas. Afasta-se para dentro e encontra nesse afastamento a razão de viver. Austero e
contido, ele é - usando palavras de Jacinto do Prado Coelho - civilizado, na beleza do artificio e na prática
constante e perfeccionista da Ode.
Esta indiferença, aceitação da vida, recusa do esforço ou do compromisso - tudo isto encontramos nesta Ode
que analisamos agora.
"Prefiro rosas, meu amor, à pátria, / E antes magnólias amo / Que a glória e a virtude." - Reis demite-se da vida,
e prefere as flores à realidade. Não é em vão que Reis clama pelas rosas ao iniciar este poema. As rosas, para os
Gregos representam um ideal estético por excelência e opõe-se eficazmente à realidade crua e dolorosa da vida
imposta. Estas flores, sobretudo as rosas, são um símbolo da contraposição entre o ideal estético nobre do
poeta face à obrigação de viver. Efémeras e belas, as flores não prolongam a dor. Reis prefere as rosas (símbolo
do amor), mas ama as magnólias (símbolo da nobreza).
"Logo que a vida me não canse, deixo / Que a vida por mim passe / Logo que eu fique o mesmo." - marcada
indiferença pela vida, umleit motif de Reis ao longo de todas as suas odes. A vida ao passar, deixa-o na margem
do rio, do mesmo rio onde ele se senta com Lídia, apenas a observar. Ser alheio, ser estrangeiro é a forma de
Reis se proteger da dor, mesmo que assim tenha de se proteger da vida. De notar também aqui os traços
clássicos ("Logo que a vida" e "Que a vida").
"Que importa àquele a quem já nada importa / Que um perca e outro vença, /
Se a aurora raia sempre," - o ritmo morto do poema sugere isto mesmo, que Reis está indiferente à vida, às
tribulações e movimento, em favor de um "quietismo" assustador, mas ao mesmo tempo mágico e infinito. Para
além do homem e das suas preocupações, afinal está o destino e a natureza. Tudo se move e acontece mesmo
sem as nossas acções e o egoísmo (de quem vence ou perde) dilui-se no momento.
"Se cada ano com a primavera / As folhas aparecem / E com o Outono cessam?" - eis o reforço do que dizíamos
antes. Os ritmos incessantes da natureza. Da primavera (símbolo da renovação) e do Outono (símbolo da
negatividade e do fluir do tempo).
3
"E o resto, as outras coisas que os humanos / Acrescentam à vida, / Que me aumentam na alma?" - o que os
homens acrescentam à vida opõe-se ao que é natural, às flores de gosto clássico. O passar pela vida sem a
modificar opõe-se também à mudança, ao que os homens acrescentam à vida.
A interrogação retórica de Reis fica no ar e leva-nos de novo à pátria (em minúsculas, diminuída), à glória e à
virtude - "as outras coisas".
"Nada, salvo o desejo de indiferença / E a confiança mole / Na hora fugitiva." - responde Reis à sua própria
interrogação. As coisas da vida trazem-lhe apenas indiferença. Reis espera apenas pela "hora fugitiva", pelo
passar do tempo, e fica sereno, sempre igual.
Veja-se agora como é curioso todo o poema. Reis dirige-se a alguém (ao seu amor), mas fala como a um
confidente, de maneira calma e solitária. Como se quem o ouvisse não existisse, senão na sua concepção ideal.
Até a maneira como o vocativo está intercalado no verso 1 é clássica, fria, formal. Reis fala, mas é como se
falasse consigo mesmo, não conseguindo quebrar a barreira que o impede de se encarar o exterior. Esta
contemplação, sinal do seu epicurismo, não permite comunicação sincera, nem laços emocionais.
Estilisticamente o poema constitui-se por 6 estrofes isomórficas, com um verso decassílabico e dois hexassílabos
cada. Os versos são brancos, sem rima, uma marca também de Reis, que lhe advém da influência Horaciana.