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Alexandre Vidal Porto
A educa��o pela guerra
Os inimigos dos brasileiros s�o pelot�es de pol�ticos corruptos, ju�zes vendidos e empres�rios desonestos
O primeiro contato que tive com a guerra foi por meio do cinema. Cresci em S�o Paulo, achando que a guerra s� existia nos filmes ou no passado --nos livros de hist�ria geral. A possibilidade de um conflito armado n�o tinha qualquer implica��o para mim e s� se cumpriria em pa�ses distantes do Brasil.
Como cidad�o brasileiro, considerava-me imune � guerra. Sentia orgulho em mencionar a estrangeiros, incidentalmente, que o �ltimo conflito em que o Brasil se havia envolvido diretamente fora a Guerra do Paraguai (1864-1870).
Claro que participamos da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais, contudo, na minha vis�o cinematogr�fica, hav�amos sido coadjuvantes. Haver� quem se lembre da quase Guerra da Lagosta (1961-1963), quando Brasil e Fran�a mobilizaram recursos b�licos em disputa causada pelo tal crust�ceo, na costa pernambucana. Mas, no caso, a situa��o se resolveu sem que fosse disparado um tiro sequer.
As marcas deixadas pelas guerras no imagin�rio do povo brasileiro s�o brandas. A guerra �, sobretudo, um conceito abstrato. A imagem do estrangeiro nunca se contaminou com a no��o de inimigo externo. Em rela��o a outros povos, a inclina��o natural dos brasileiros manteve-se pac�fica e conciliadora.
No Jap�o, as marcas da guerra s�o mais concretas. Em T�quio, a 300 metros de minha casa, faz uns meses, encontraram, alojada na parede de sustenta��o de um pr�dio, uma bomba norte-americana n�o detonada, lan�ada na Segunda Guerra. Em Hiroshima, no ano passado, conheci um senhor cujos dentes permanentes nunca haviam nascido. Aos 67 anos, continuava com dentes de leite, porque sua m�e fora exposta � radia��o das bombas at�micas. Esse senhor tem filhos e netos que manter�o viva sua mem�ria.
� natural que, no Jap�o, esteja mais claro o entendimento de que o conflito armado leva ao caos e ao aniquilamento, e que suas consequ�ncias s�o tr�gicas e duradouras; que o povo japon�s tenha mais bem delineada a no��o de que a luta contra um inimigo comum exige coordena��o e coes�o social, seja para derrot�-lo, seja para reconstruir o que ele destruiu.
Essa educa��o pela guerra ensina que, numa sociedade, a derrota de um � a derrota de todos e que a supera��o de desafios comuns exige a��o coletiva. Uma li��o positiva tirada de algo odioso.
Parte de nossa coes�o nacional poderia, da mesma forma, ser forjada na luta conjunta contra inimigos comuns. Seria necess�rio ter em mente, por�m, que os maiores inimigos do povo brasileiro n�o falam outra l�ngua, nem est�o al�m das fronteiras.
Nossa guerra � interna. Os ex�rcitos n�o se encontram em campos opostos. Est�o misturados e usam o mesmo uniforme.
Os inimigos dos brasileiros s�o pelot�es de pol�ticos corruptos, ju�zes vendidos e empres�rios desonestos. S�o os criminosos que pilham o progresso do pa�s e deixam mis�ria e injusti�a no rastro de suas tropas. S�o todos os que semeiam mazelas que, encadeadas, transformam cidades em �reas deflagradas. S�o eles os que devemos combater.