Saltar para o conte�do principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrissima

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Arquivo aberto

o mapa da cultura

A biblioteca de Derrida

Ris-Orangis, 2007

EVANDO NASCIMENTO

Meu primeiro encontro pessoal com Jacques Derrida se deu quando cheguei a Paris nos anos 1990, com uma bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cient�fico e Tecnol�gico), obtendo uma inscri��o na �cole des Hautes �tudes en Sciences Sociales. Tive meu trabalho dirigido por ele e cheguei a fazer uma apresenta��o em um de seus semin�rios.

Derrida encantava pelo sentido da acolhida em rela��o aos pesquisadores e alunos com projetos relevantes. Lembro-me de indicar uma excelente bibliografia e depois discutir comigo alguns pontos de minha pesquisa. Isso me levou a escrever uma tese de doutorado sobre ele, que se tornaria o livro "Derrida e a Literatura" (EdUFF).

Num audit�rio do bulevar Raspail, impressionavam suas densas reflex�es a partir de autores complexos como Kant e Heidegger, com cita��es em alem�o e uma capacidade comunicativa rara. A plateia era composta por estudiosos que o acompanhavam havia d�cadas, por alunos recentes e tamb�m por pesquisadores-visitantes, que iam assistir ao �ltimo dos grandes da gera��o de Foucault, Deleuze e Barthes.

Quando retornei ao Brasil, sempre que ia a Paris em raz�o de algum trabalho o encontrava em seu escrit�rio na Maison de l'Homme e se refor�ava a impress�o da hospitalidade, por "amizade de pensamento", como gostava de dizer.

Antes de Derrida fazer sua segunda visita ao nosso pa�s, em 2001, fui entrevist�-lo no caf� do hotel Lutetia, em Paris, para a Folha. A transcri��o da longu�ssima grava��o n�o foi nada f�cil, pois n�o podia imaginar os sons ao redor: conversas, gritos de crian�as, ru�dos amplificados. Isso me custou algumas noites de sono, a fim de preservar a �ntegra de uma fala que parecia previamente escrita, embora Derrida desconhecesse o conte�do de minhas perguntas.

Em 2004, reencontrei-o j� bastante debilitado no aeroporto do Gale�o, na �ltima viagem de sua vida, para realizar a confer�ncia de abertura do col�quio internacional sobre sua obra, que organizei numa parceria entre o Consulado da Fran�a no Rio e a Universidade Federal de Juiz de Fora. Ele me abra�ou e disse sorrindo: "� a viagem mais improv�vel que j� fiz". Menos de dois meses depois, o pensador da desconstru��o partiria em definitivo, legando uma obra de cerca de 80 volumes, um ter�o da qual j� traduzido entre n�s.

Finalmente, em 2007, no meio de um est�gio de p�s-doutorado na Universidade Livre de Berlim, fui a Paris em busca de um semin�rio que Derrida desenvolvera sobre "Nacionalidades e Nacionalismos Filos�ficos", fundamental para as quest�es pol�ticas sobre as quais ent�o me debru�ava.

Sua mulher, Marguerite, psicanalista e tradutora do russo, me convidou ent�o a procurar na biblioteca uma c�pia do texto que desejava. Seus arquivos estavam sendo organizados a fim de seguirem para o Instituto Mem�rias da Edi��o Contempor�nea, havia caixas de papel�o em toda parte e as pastas no computador n�o estavam todas devidamente identificadas.

Resultado: tivemos que procurar em toda a casa uma vers�o impressa do semin�rio, finalmente encontrada. Mas naquele momento ocorria uma das in�meras greves nos transportes franceses, e Derrida, ainda nos anos 60, optara por morar em Ris-Orangis, longe do tumulto parisiense. Assim, por falta de trem e metr�, acabei dormindo num confort�vel anexo da biblioteca.

Foi uma noite insone, em que eu abria alguns dos volumes de Freud ou de Nietzsche e encontrava ali sublinhados os trechos que eu bem reconhecia nos textos assinados por Derrida. As estantes contavam com imagens em cart�es-postais de escritores e fil�sofos, para bem identificar o lugar de cada um: Hegel, Marx, Benjamin.

Ser� preciso um dia fazer uma abordagem do pensamento do autor a partir de seus rabiscos, anota��es e in�meros rastros que deixou na margem dos livros. Tal estudo deveria, no caso de Derrida, se chamar, com efeito, Margin�lia, ele que tantas vezes se colocou �s margens das institui��es e correntes hegem�nicas.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da p�gina